Introdução: Maria De Lourdes Pintasilgo, cinco anos depois. Ecos de palavras
dadas
Introdução: Maria De Lourdes Pintasilgo, cinco anos depois. Ecos de palavras
dadas.
Fernanda Henriques
Universidade de Évora
Em 2005, no quadro do desaparecimento repentino de Maria de Lourdes Pintasilgo,
a ex aequo quis homenagear a sua vida e a sua obra publicando um número
temático, Maria de Lourdes Pintasilgo ' Um Legado de Cidadania, onde recolheu
depoimentos e artigos, nacionais e estrangeiros, que testemunhavam a sua
estatura de pensadora e de política.
Este gesto da revista da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres
quis, ao seu nível, colmatar a tremenda injustiça que representou a ausência de
reconhecimento da parte do país que, institucional e politicamente, ignorou a
sua morte.
Cinco anos volvidos, no que seria a comemoração dos seus 80 anos, a ex aequo
quis, de novo, trazer a vida e a obra de Maria de Lourdes Pintasilgo para a
ribalta do debate e, nesse quadro, resolveu dedicar-lhe o dossier temático do
seu número 21. Para isso, recolheu artigos, memórias e balanços que exploram o
imenso legado que constitui a sua obra escrita, que a Fundação Cuidar o Futuro
tem vindo a disponibilizar ao público em geral.
O dossier integra, no total, um conjunto de oito textos de natureza diversa e
cuja organização é a seguinte:
● A abrir o dossier, é a voz da própria Maria de Lourdes Pintasilgo
que se faz ouvir, através de um texto, sem data, que se chama,
Émergence du féminin et démocratisation du politique.
Trata-se de um texto em que Maria de Lourdes Pintasilgo problematiza o
contributo das mulheres enquanto sujeito de poder e de decisão política. Situa
esta problemática no contexto dos acontecimentos e ideias que vão dando forma
aos anos 90 do século 20. Nessa análise, considera que o contributo das
mulheres tem como objectivo mudar a própria política, para que seja mais atenta
aos problemas reais das pessoas e dos povos. Nesta perspectiva analisa num
primeiro tempo a presença das mulheres na política. Num segundo momento,
aprofunda as mudanças em curso na perspectiva de uma crescente interdependência
em termos económicos e políticos, em que o meio-ambiente emerge como um novo
actor social. Finalmente, analisa o contributo das mulheres na reorganização
dos laços sociais e de novos modos de gestão da vida na sociedade. A
participação das mulheres na tomada de decisão não se deve limitar a seguir
modelos dominantes e obsoletos. Importa inventar novas formas de democracia, em
que predomina uma lógica de preservação de todas as formas da vida. Para isso é
importante que deixem vir ao de cima a cultura que as formou enquanto mulheres.
● O segundo texto, de Marijke de Koning, é, ainda, uma abertura,
porque se inscreve no quadro de uma confissão pessoal de relação com
Maria de Lourdes Pintasilgo, pelo que, não sendo a sua presença
directa é, contudo, a força da sua ressonância em alguém.
Com o título, Nomear a aurora sem Ela, este texto representa um percurso
poético de luto que a autora desenvolve com uma grande coragem, e que, centrado
no tema da nomeação ' da (im)possibilidade e da diversidade dos modos de nomear
', abre um caminho fecundo à temática em causa.
Seguem-se os artigos, propriamente ditos, em número de 5.
● O primeiro, de Isabel Allegro de Magalhães, é todo ele dedicado ao
pensamento e acção de Maria de Lourdes Pintasilgo.
O artigo tem por título A dimensão do cuidar e a ressignificação do espaço
público no pensar e agir de Maria de Lourdes Pintasilgo, constituindo uma
exploração sistemática dos seus escritos. Com profundo conhecimento da pessoa
de Maria de Lourdes Pintasilgo, com quem «durante mais de 40 anos conviveu»,
mas também com uma experiência directa dos meandros da temática do cuidar e das
respectivas implicações no seu pensamento e na sua acção, se mais não fosse
porque «durante cinco anos, no Terraço do Graal e ainda em vida de Maria de
Lourdes Pintasilgo, congregou um grupo ' diverso, flutuante e coeso ' com
jovens e adultos, para estudo e discussão do livro: Cuidar o Futuro. Um livro
[ ] onde o cuidar é apresentado como cerne da atitude política, conferindo
maior exigência à função política do espaço público», Isabel Allegro faz,
paulatinamente, a análise, em articulação sistemática, das noções de cuidar e
de espaço público. Para além dessa análise, a autora procura, ainda, realçar a
linha de coerência do pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo, desde o início
do seu desenvolvimento, mostrando como tais noções se enraízam na rede de
preocupações que a ocuparam desde os anos 50 do século XX.
● O segundo artigo é de J. (Hans) B. Opschoor e tem como título
Caring for Future Generations and Biodiversity: Earth Ethics and some
implications for structuring the global public domain.
Neste artigo, Hans Opschoor pretende mostrar a maneira como as sociedades podem
estender a sua preocupação em relação ao bem comum, incluindo aí, não apenas as
futuras gerações, mas também outras dimensões da biodiversidade terrestre. Fá-
lo explorando algumas linhas de desenvolvimento da filosofia moral e da ética
num contexto de direitos e responsabilidades ou deveres que os humanos têm ou
deveriam ter, destacando a influência que elas deveriam ter sobre o modo como
as sociedades configuram o seu espaço público.
● O terceiro artigo é de Ana Tavares e aborda o tema da intervenção
directa de Maria de Lourdes Pintasilgo na vida política portuguesa,
enquanto Primeira- Ministra do V Governo Constitucional.
Com o subtítulo, Em busca das reacções na imprensa, a autora procura explorar a
imagem de Maria de Lourdes Pintasilgo em dois Semanários ' O Jornal e o
Expresso ', no contexto do seu exercício como Primeira-Ministra. Este artigo é
parte de um estudo mais vasto que Ana Tavares está a desenvolver, no âmbito de
um Mestrado em Questões de Género, na Universidade de Évora, e que é pioneiro
entre nós. Embora a abordagem que aqui se apresenta seja introdutória, ela já
nos permite identificar, claramente, as resistências diversas que Maria de
Lourdes Pintasilgo teve de enfrentar no exercício das suas funções políticas.
● O quarto texto, intitulado O cuidado como ser e o cuidado como
agir, é de autoria de Marília Rosado Carrilho.
Enquadrado num projecto de investigação, também pioneiro, dedicado à exploração
filosófica do pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo, este artigo trata a
noção de cuidado em duas acepções: a de constituição ontológica do ser humano '
desvelando o seu sentido no pensamento heideggeriano ' e a de modo de agir do
próprio ser humano, no quadro da sua vida colectiva ' seguindo o pensamento de
Maria de Lourdes Pintasilgo. A pertinência da análise assenta no facto de Maria
de Lourdes Pintasilgo, política, ter sido leitora de Heidegger, filósofo. Nesta
medida, pretende-se desocultar alguma da influência da noção de cuidado em
Heidegger sobre o pensamento social e político de Maria de Lourdes Pintasilgo.
● O último texto é de Irene Borges-Duarte e tem como título A
fecundidade ontológica da noção de cuidado. De Heidegger a Maria de
Lourdes Pintasilgo.
Inserido no mesmo projecto referido antes, o texto de Irene Borges-Duarte, como
ela própria afirma, está organizado em cinco momentos, sendo o primeiro
linguístico e que «procurará mostrar o que se oculta sob a palavra-temática do
«cuidado», os três seguintes farão diferentes percursos em torno do tema do
cuidado no pensamento heideggeriano e o quinto, «conclusivo, em que se
afirmará, numa perspectiva contemporânea, em que a meditação de Maria de
Lourdes Pintasilgo se integra, a fecundidade ontológica da noção de cuidado».
Ainda em palavras da autora, o texto pretende «dizer o seguinte: a categoria
fenomenológica do cuidado, enquanto «existenciário», introduz na história ' não
tanto da filosofia como do ser ', pela primeira vez, a consideração da
responsabilidade ontológica intrínseca aos humanos, não apenas para consigo
mesmos (individual ou colectivamente), mas para com o ser de tudo quanto há.»
● O dossier fecha com uma reflexão/balanço sobre o trabalho e a
intencionalidade da Fundação Cuidar o Futuro que Maria de Lourdes
Pintasilgo fundou.
Com uma tríplice autoria ' Fátima Grácio, Paula Borges e Marijke de Koning ' o
texto dá a conhecer, não apenas as actividades que foram desenvolvidas pela
FCF, nestes cinco anos, mas também a preocupação com a fidelidade àquilo que a
sua fundadora enunciou como projecto.