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EuPTHUHu0874-55602010000100011

EuPTHUHu0874-55602010000100011

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0874-5560
Year2010
Issue0001
Article number00011

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Mulheres Artistas na Idade da Razão. Arte e Crítica na Década de 1960 em Portugal

A expansão das mulheres no mundo artístico constitui um dos factores mais interessantes da história da arte europeia e americana da segunda metade do século XX, fenómeno ao qual Portugal não ficou alheio. Essa expansão acompanha o movimento geral de inserção das mulheres no mundo do trabalho e a emergência de uma nova geração em ruptura com a ideia da mulher essencialmente procriadora e dona de casa. Não se trata apenas de um aumento do número de mulheres que adquirem visibilidade e credibilidade no mundo da arte. Constatamos igualmente uma alteração ao nível da postura dessas mulheres, quebrando os limites e os clichés tradicionalmente associados a uma maneira específica de fazer arte ' arte feminina. Esta mudança de atitude conduzirá a um inevitável abandono do modo paternalista como a crítica e o público acolhiam tradicionalmente o contributo artístico das mulheres.

Os estudos de género no âmbito das artes visuais têm tido algum desenvolvimento em Portugal a partir dos anos de 1990. Começa-se a olhar para a posição das mulheres artistas na história da arte portuguesa numa perspectiva atenta à diferença, ao preconceito e à desigualdade1. De extrema importância, e suporte desta atitude revisionista, tem sido o esforço de divulgação do pensamento feminista contemporâneo levado a cabo na última década2. No entanto, apesar de todo este novo interesse pela problemática feminista, o quadro de referência científica neste domínio revela-se ainda algo escasso, em particular, no que se refere ao período focado, os anos de 1920/1930 e sobretudo os anos de 1960. O reconhecimento desta lacuna, assim como da importância que julgamos devida ao olhar da crítica sobre a obra das mulheres artistas, determinaram a escolha do tema que aqui se discute. Optou-se, assim, por privilegiar uma abordagem simultaneamente empírica e ideológica. Empírica, porque se analisa o tema a partir dos testemunhos da crítica da época, uma crítica feita quase exclusivamente por homens; e ideológica, porque se procura detectar a forma como as atitudes patriarcais condicionam as representações e concepções sobre as mulheres artistas e a sua obra, de acordo com aquilo que Jane Kaplan (1985) designa por «crítica feminista» 3 .

Definição de um género: arte feminina Na segunda metade do século XIX, com base em critérios essencialmente naturalistas, como a escolha do tema, a crítica procurou isolar uma categoria artística: arte feminina ou, simplesmente, pintura feminina, visto que a escultura, talvez pelo maior esforço físico que exigia, interessava menos as mulheres. Se para os homens se crêem adequadas as cenas de exterior, sobretudo a paisagem, para as mulheres, dada a sua vocação fundamentalmente doméstica, consideram-se apropriadas as cenas de interior, certa pintura de género e, acima de tudo, a natureza-morta. O Modernismo vem introduzir algum acréscimo de liberdade, não tanto na deliberação dos temas propícios a mulheres pintoras, mas sobretudo no que se refere à expressão, aos sentimentos postos na representação do real. À mulher artista são atribuídos alguns desses sentimentos e vetados outros, mais de acordo com aquilo que se consideravam ser características psicológicas masculinas.

Durante a primeira metade do século XX, a crítica portuguesa aceitou sem discussão que a mulher pintora tinha uma forma específica, feminina, de olhar e de representar o mundo. A sua obra era frequentemente caracterizada como mimosa, graciosa, delicada, sentimental ou pulsante de sensibilidade (feminina). O seu universo criativo era muitas vezes tido como fantasioso, encantador, lírico ou mesmo feérico. O retrato, sobretudo o retrato de crianças e o retrato de família, figurava no topo da lista dos géneros mais favoráveis.

O trabalho artístico das mulheres expositoras em salões colectivos era, salvo raras excepções, considerado amador por oposição a profissional. Os pequenos formatos e as técnicas secundárias frequentemente utilizadas, como o desenho, o pastel, a aguarela ou a gravura, ajudavam a corroborar esta ideia.

Milly Possoz (1888-1967) e Sarah Affonso (1899-1983) são as artistas mais em destaque nos anos de 1920 e 1930. Conseguindo elevar-se acima do grupo das chamadas meninas prendadas, atingiram um nível de notoriedade que as colocava na categoria de artistas profissionais. Porém, se analisarmos as considerações que a crítica portuguesa teceu à sua obra exposta, detectamos todo um corpo de ideias que tende a tipificar e a catalogar a sua obra num grupo de certo modo à parte. O primitivismo (de teor medieval ou cristão), o lirismo e uma certa ingenuidade são frequentemente eleitos pela crítica como características associadas a estas pintoras. O gosto popular e a procura de raízes genuinamente portuguesas são também assinalados e valorizados pela crítica, assim como o carácter solar, paradisíaco e radioso das suas obras, em oposição ao carácter por vezes soturno, dramático e perturbante da pintura de certos artistas homens 4 .

Vejamos alguns exemplos. Num artigo sobre as xilogravuras de Milly Possoz, o crítico Mário Vaz mostra-se adepto deste meio de expressão caracterizado pela ingenuidade, neste caso, «profundamente cristã».

Na sua pintura, em que se sente alguma coisa de muito infantil e primitivo, como que havia a promessa ou a previsão destas admiráveis gravuras, absolutamente sem par, entre nós. Ela trouxe para a nova modalidade do seu engenho, com o seu modernismo, todo pessoal, a mesma concepção ingénua e graciosa do mundo visível, a mesma claridade de visão, simultaneamente expressa em traço e em cor, que conhecemos dos seus quadros e dos seus desenhos (Vaz, 1924: 116-117).

Relativamente a Sarah Affonso, a crítica é ainda mais profícua em apreciações.

A artista expõe em 1929, juntamente com José Tagarro (1901-1931). A feminilidade da sua pintura é realçada pelo crítico Carlos Parreira (1890-1950) que nela , igualmente, um «primitivismo finamente neogótico» e um «arcaísmo suave de mistério medievo» (Parreira, 1929: 20-21). No mesmo sentido, Artur Portela (1901-1959) considera que a sua pintura integra num primitivismo de forma as virtudes da sua alma feminina e evoca os trípticos cristãos da primeira renascença (Portela, 1929: 4). A comparação que a crítica faz dos dois artistas expositores é igualmente eloquente. Manuel Mendes (1906-1969) valoriza o talento do artista, sobretudo como desenhador, e distingue nele «uma forma sintética e enérgica», com a qual exprime a sua «paixão pela verdade». Em Sarah Affonso admira a «infantilidade e a malícia», a «ingenuidade mimosa», bem como alguma rusticidade. A oposição contrastante que Manuel Mendes estabelece entre a obra dos dois artistas ' a de Sarah, de um «artifício mágico», a de Tagarro, «humana, presente» (Mendes, 1929: 365) ' é mais uma forma de enunciar uma oposição corrente na época entre uma arte imaginativa, feminina (muitas vezes associada à arte cristã ou à arte popular) e uma arte humana, realista e máscula, de pendor classicizante.

No I Salão dos Independentes, em 1930, a pintura «feminil» e «ternurenta» de Sarah Affonso, pintura de «gosto de quadra popular», como referiu Vitorino Nemésio (1901-1978) (Nemésio, 1930: 246-249), obteve, pela sua busca de raízes genuinamente portuguesas, a simpatia de quase todos os críticos. Dela, José Régio (1901-1969) diria: «toda a sua pintura diz saudades da infância; ou antes: persistência de um estado infantil numa consciência suficientemente crescidapara aproveitar artisticamente essa infantilidade». E estabelecia o contraste entre a sua «visão paradisíaca da vida» e a pintura perturbante de Eloy: «Aos tons corruptos de Mário Eloy, tão sugestivos por inquietantes, prefere Sarah Affonso as cores frescas, definidas, pacificadoras» (Régio, 1930: 4-8).

Sarah Affonso casou, em 1933, com Almada Negreiros. Apesar do incentivo do marido e da crítica, apesar de em 1944 lhe ter sido atribuído o Prémio Souza- Cardozo, acaba por desistir da pintura alegando a necessidade de se dedicar à família, de apoiar o marido, a falta de condições logísticas, a insegurança profissional, por nunca ter tido nenhuma encomenda oficial, e a dificuldade em vender os seus quadros (Ferreira, 2006). O casamento, o nascimento dos filhos, assim como a inevitável comparação com a obra do marido, ícone do Modernismo português, ter-lhe-ão refreado as ambições profissionais. Por outro lado, não devemos esquecer que os anos de 1930 são anos de implementação da ditadura em Portugal, anos de «regresso à ordem», como se vinha dizendo desde a década anterior, nos quais as mulheres são também chamadas a submeter-se às novas directrizes que as procuravam manter no seu papel tradicional de procriadoras e donas de casa, contra certas liberdades que alguma ideologia republicana tinha tentado, sem grande sucesso ou vontade, implementar 5 . Salazar vem reforçar a ideia tradicional da distribuição de funções e da importância da mulher no lar: «Deixemos o homem lutar com a vida no exterior, na rua E a mulher a defendê-la, a trazê-la nos seus braços, no interior da casa » (Ferro, 1932: 133). O sustento deveria, obviamente, vir do homem, pensava Salazar, e nunca do «trabalho da mulher casada e geralmente até da mulher solteira», pois que «nunca houve nenhuma boa dona de casa que não tivesse muito que fazer» (Salazar, 1966: 193).

Neste ambiente de desincentivo à profissionalização das mulheres não é de estranhar que Sarah Affonso não tivesse tido nenhuma encomenda oficial. Dado que na época o sistema vigente se baseava no apoio estatal e na encomenda oficial, com um mercado da arte praticamente inexistente, era difícil para as mulheres alcançarem independência e incentivos financeiros suficientes para a prossecução do seu trabalho artístico. Uma das alterações que os anos de 1960 vêm trazer nas condições de afirmação dos artistas será precisamente o aparecimento, ainda que tímido, de um sistema de mercado baseado no galerista e no crítico, que permitirá uma maior diversificação do gosto e das apostas comerciais.

Uma mulher entre iguais: Vieira da Silva As artistas dos anos de 1960 beneficiaram de uma ruptura com os cânones vigentes e de uma verdadeira revolução nas condições sociais e nas mentalidades. No que diz respeito ao campo específico das artes, contaram igualmente com um factor interno que em muito facilitou a aceitação e mudança na atitude da crítica e do público em geral face às mulheres artistas. Refiro- me a Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) e ao forte impacto que no meio artístico português teve a circunstância de uma pintora (de origem portuguesa) ter atingido níveis tão elevados de notoriedade internacional. Nunca um pintor português homem tinha tido semelhante reconhecimento da parte da crítica e das instituições internacionais.

Embora vivendo em França desde 1928, Vieira da Silva tornou-se conhecida da crítica portuguesa a partir do início da década de 1930. O seu afastamento do meio cultural português, fortemente condicionado pelas questões do nacionalismo artístico, a sua proximidade dos principais centros artísticos europeus, a sua estatura e forte personalidade artística, permitir-lhe-ão ultrapassar os preceitos dicotómicos de feminilidade/masculinidade pictórica que enformavam a recepção (e a produção) da pintura portuguesa feita por mulheres. A pintura de Vieira da Silva não se enquadrava no estereótipo feminino e a crítica, tirando as honrosas excepções de João Gaspar Simões e António Pedro, teria muita dificuldade na sua abordagem. Caracterizada nos anos de 1930 muitas vezes com atributos ditos masculinos, tais como os da reflexão, da abstracção e do geometrismo, a sua obra colocava algumas dificuldades de contextualização cultural.

O crescente reconhecimento internacional da obra de Vieira da Silva é um factor a considerar na mudança das condições de recepção das obras de arte feitas por mulheres nos anos de 1960. Em 1962, recebe o Grande Prémio da Bienal de S.

Paulo e, em 1966, é a primeira mulher a receber o Grand Prix National des Arts (França). Esse reconhecimento funcionou, para quem ainda tivesse dúvidas (e muitas seriam as pessoas que as teriam e continuariam, apesar de tudo, a ter ), como um sinal de que as mulheres podiam competir com os homens no âmbito das artes. Um dos críticos mais influentes na década, José-Augusto França (1922-), em resposta a um inquérito do Diário de Lisboa sobre os dez quadros do século XX a salvar em 1960 em caso de hipotético cataclismo universal, chega mesmo a incluir «A entrada do castelo» (1950) de Vieira da Silva, entre as obras de Picasso, Duchamp, Klee, Kandinsky, Mondrian, Max Ernst, Vedova, Tapiès e Braque, todos eles homens (França, 1960). Por outro lado, a abordagem que a crítica portuguesa dos anos de 1960 faz da pintura de Vieira da Silva tem por base características tradicionalmente associadas aos artistas homens: reflexão, consciência, angústia e gravidade. Kafka e Borges são nomes frequentemente citados como os seus parentes literários. O carácter trágico, atormentado e vertiginoso da sua pintura está nos antípodas da pintura amável e delicada das pintoras portuguesas das décadas anteriores.

Se o reconhecimento internacional de Vieira da Silva é um dado irrefutável nos anos de 1960, nem tudo foi fácil no seu percurso de afirmação. Em entrevista ao Diário Popular, respondendo a uma pergunta sobre se era difícil ser uma mulher pintora, conta que os primeiros vendedores dos seus quadros não revelavam aos potenciais clientes que a artista era uma mulher e que uma vez teria havido um comprador que devolveu um quadro seu quando veio a saber a verdade. «Ao princípio [as mulheres] são tomadas menos a sério», afirma (Vieira da Silva, 1969), querendo com isto mostrar como as mulheres tinham uma dificuldade acrescida em serem aceites em regime de plena equidade no mundo da arte.

A internacionalização de Vieira da Silva será apontada como sinal da falência do nacionalismo artístico e terá funcionado como incentivo para muitos jovens artistas, homens e mulheres, quebrarem as barreiras que desde longa data este tinha imposto como critério de reconhecimento público. São várias as mulheres artistas que, em tentativa de sincronização com a pintura contemporânea e aproveitando a política de bolsas da Fundação Gulbenkian, procuraram no estrangeiro um novo enquadramento e um alargamento dos seus horizontes artísticos. A recusa de uma arte condicionada pela perspectiva nacionalista deita por terra a ideia da mulher artista como reinventora das tradições populares e resgatadora de uma portugalidade mítica qualquer, como fora prática corrente durante os anos áureos do Estado Novo. Embora alguns sectores da crítica continuem a procurar na obra de Vieira da Silva e das artistas emergentes nos anos de 1960 indícios de nacionalismo estético, a crítica mais esclarecida abandona esta postura e aposta na valorização dos artistas baseada na sua capacidade de internacionalização. As próprias artistas recusam uma colagem ou uma redução do seu trabalho a parâmetros nacionalistas. Em entrevista ao Século Ilustrado, quando questionada sobre se haveria algum «sinal de portuguesismo na pintura nacional contemporânea», Paula Rego (1935- ) responde: «Penso que não». E, da mesma forma que não detecta um «movimento pictórico inglês» em Inglaterra, também não o detecta em Portugal (Paula Rego, 1966). No mesmo sentido, logo em 1963, Lourdes de Castro (1930-) afirma: «Não uma pintura portuguesa mas apenas pintores portugueses integrados num movimento geral da pintura» (Castro e Bertholo, 1963).

Resistências: a crítica conservadora Os obstáculos colocados às mulheres artistas prendiam-se com preconceitos de longa data, como vimos, que persistiriam ainda nos anos de 1960, não em alguns sectores menos progressistas da crítica e da sociedade portuguesa em geral, como em algumas mulheres artistas de segunda linha. Nas críticas de Mário de Oliveira (1916-) no Diário de Notícias, surgem por vezes pontuações paternalistas e discriminatórias do mesmo género das que encontramos na crítica dos anos de 1930, nomeadamente quando se refere à pintura «naïve» da espanhola Maria Pepa Estrada (1915-) com os seus «latidos sensíveis», ao lirismo, ternura, humor e amor com que pinta o mundo da infância e o mundo de mulher por si vivido, com o seu quotidiano de festas, escolas, teatro e casa (Oliveira, 1969). O crítico Alfredo Marques, do Diário Popular, também ensaia por vezes o mesmo tipo de abordagem dicotómica, opondo um mundo feminino, entregue à ligeireza, e um mundo masculino, esse, sim, aberto às verdadeiras inquietações artísticas. Na pintora Maria Fernanda Amado reconhece algumas dessas inquietações, em certa contradição com a sua condição feminina. A sua constante busca de uma linguagem estética, as suas hesitações, aproximam-na, segundo o crítico, de Braque ou de Van Gogh e por isso não estranha que «a ilustre senhora, prendada com uma esmerada educação, se veja envolvida por esse perturbador clima» (Marques, 1963). Desta forma, Alfredo Marques admite a entrada de Maria Fernanda Amado no mundo da arte, salvaguardando, embora, a sua honra enquanto mulher de um determinado estrato social. referindo-se a Wendy Benka, jovem pintora inglesa expositora no Palácio Foz, também diagnostica e procura resolver uma contradição fundamental entre o carácter abstracto da sua pintura e o facto de ser mulher. O crítico sente necessidade de afirmar a não incompatibilidade total dos dois termos: «Sem sair diminuída a sua sensibilidade feminina, Wendy Benka domina pela expressão forte de uma pintura que a coloca entre os valores do abstraccionismo» (Marques, 1962).

A «condição feminina» das artistas, o seu papel na sociedade é também uma questão que aflora em alguns textos da época. Relativamente aos artistas homens, não encontramos referência alguma à sua situação familiar, ao seu estado civil. Pelo contrário, em relação às artistas mulheres, deparamos com a necessidade de certos críticos de se lhes referir, procurando sempre sublinhar elogiosamente a sua capacidade de não descurarem aquilo que entendem ser a sua primordial «vocação de mulher» na sociedade.

Nos anos de 1960 assistimos a uma grande afluência de mulheres aos cursos de Belas-Artes e de Letras. Se olharmos para o número de inscrições nesses cursos, constatamos que são muito mais as mulheres do que os homens a frequentá-los e a concluí-los. No entanto, é inegável que o número de mulheres artistas reconhecidas pela crítica é muito menor que o de homens, o que nos evoca a dificuldade de conciliação da vida familiar das mulheres com uma carreira, facto que levaria a maior parte delas a desistir a meio ou a nem mesmo tentar a via da profissionalização 6 . O caso de Helena Almeida (1934-) é, até certa altura, exemplar desta situação, pelo menos formalmente. Termina o curso de pintura em 1955, casa e tem logo dois filhos. Fica em casa quatro anos. Porém, o que se passa a seguir nada tem em comum com o modelo corrente, denotando a diferença e a perseverança da artista. Depois desses quatro anos vai um ano para Paris como bolseira, ficando o marido, também artista plástico, em Portugal com os filhos.

Quando as mulheres não querem desistir definitivamente de uma carreira artística, ainda que eventualmente modesta, a conciliação da vida familiar com o trabalho é feita, muitas vezes, através das escolhas temáticas. A culpabilidade orienta-as muitas vezes para temas de compromisso tais como retratos dos filhos ou da família. Exemplo paradigmático da forma como este conflito pode ser ultrapassado, é-nos dado no modo como Maria Gabriela Leónidas e o seu entrevistador comentam o trabalho por si exposto na galeria do Diário de Notícias em 1967, que consiste fundamentalmente em retratos dos seus filhos.

Somos informados de que «a pintora deixara de o ser para o público, como tantas vezes acontece, desde que se tornara dona de casa e mãe». Maria Gabriela reconhece que muitas pintoras com «méritos firmados» abandonam, ao casar, a pintura. Afirma ter procurado cumprir os deveres familiares o melhor que pôde, sem deixar a sua actividade artística, apenas sacrificando o contacto com o público, contacto esse que agora retoma. Em sua defesa e tentando invalidar alguma falha que lhe pudesse ser imputada, a artista apresenta uma versão harmonizadora dos factos.

Os filhos, que para outras artistas constituíram a razão do abandono da pintura, foram precisamente para mim um elo de continuidade da profissão e um meio de educação dos mesmos, e não dos menos válidos.

Sirva a outras mães o meu exemplo, consciente, mas simples e humildemente dado, e creio que valeu a pena apresentar em público estes trabalhos (Leónidas, 1967).

Pretendendo encontrar o mesmo meio-termo conciliador entre o trabalho artístico e a vocação familiar, e após elogiar, como vimos, a sensibilidade de Maria Pepa Estrada, Mário de Oliveira não deixa de acrescentar, referindo-se-lhe: «Viveu a vida. E, como Grande Senhora que é, cumpriu nobremente o seu destino de mulher.

Casou, teve filhos e ficou viúva» (Oliveira, 1969). No mesmo sentido, o entrevistador de Paula Rego no Século Ilustrado (8 Jan. 1966) também não deixa de sublinhar a sua qualidade de «artista, mulher e mãe». Podemos ainda citar o exemplo extremo e até caricato de uma outra entrevista conduzida por Cristiano Lima (1897-1971) à ceramista Manuela Madureira (1930-). Começa por afirmar que a artista «entrou para a cerâmica como quem entra para um convento». É a própria Manuela Madureira quem sustenta esta ideia romântica do trabalho artístico como exercício de uma religião. As horas consecutivas em no seu «feio cubículo» são, segundo afirma, «um dos evangelhos da [sua] religião da cerâmica». Mas não fosse o leitor pensar que a artista descurava o seu papel de mulher na sociedade, logo Cristiano Lima vem ajudá-la a repor o equilíbrio.

Toda a paixão que dedica à sua arte é contrabalançada com igual ímpeto dedicado à vida familiar: «casada, com duas filhas, dona de casa fervorosa, quase sacerdotisa do culto do lar» (Lima, 1969).

A ideia de que a mulher, por mais pensadora, artista ou escritora que fosse, devia acima de tudo ser «essencialmente mulher», é uma ideia cara aos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa. O escritor de origem timorense, Fernando Sylvan (1917-1993), considera que algumas escritoras portuguesas e sobretudo estrangeiras se têm servido da literatura para as suas reivindicações, ou seja, para «anular os últimos princípios que as mantêm sujeitas ao homem». Ora, segundo o escritor, «nada seria mais justo e nada deveria ser mais ajudado e enaltecido do que esses esforços se eles, em si, fossem justos e naturais». Porém, considera ser um erro o homem «continuar a consentir que a mulher lhe dispute o lugar», pois «o nivelamento ou equiparação propostos são antinaturais», além de que «nada é mais belo do que a mulher feminina, frágil e transcendente» (Sylvan, 1962).

Ao contrário do que acontece nesta crítica conservadora, na crítica mais esclarecida dos anos de 1960, os atributos pictóricos tradicionalmente atribuídos às mulheres serão pouco valorizados ou mesmo desvalorizados. O caso de Maria Velez (1935-) é paradigmático desta mudança de atitude por parte da crítica. No início da década, a sua pintura é saudada como uma promessa e um certo teor feminino ainda é enaltecido. Para Fernando Pernes, um dos críticos mais respeitáveis deste período, Maria Velez faz parte, em 1964, da «primeira fila dos pintores portugueses». Felicita-a pelo carácter «feminil», «íntimo e poético» das suas colagens, assim como pela sua «alegria puríssima, lúdica e irónica» (Pernes, 1964). Porém, no final da década, Pernes distancia- se desta «feminilidade» que passa a considerar ter resvalado num «certo feminismo transparente, susceptível de se abrir em melancólicas nostalgias de tempo evocado e perdido» e de se ter minimizado «num decorativismo artificioso» (Pernes, 1969). Também José-Augusto França considera que Maria Velez se repete e abusa de uma «habilidade de irremediável teor decorativo» (França, 1969). Não dúvida de que estes atributos femininos não são apreciados pela crítica esclarecida. Podemos até perguntar-nos se o seriam verdadeiramente nas décadas anteriores. Essas características eram valorizadas apenas no contexto de uma arte feita por mulheres, como uma categoria à parte, secundária. A grande diferença que encontramos agora, é que a apreciação das obras feitas por mulheres não se faz mais atendendo a critérios específicos (a afirmação da tal feminilidade), mas sim a critérios mais universais, reflectindo isso uma muito maior equidade de género.

Encontramos, no entanto, uma excepção no caso de Menez (1926-1995), cuja sensibilidade, lirismo e intuição são apreciados por esta crítica esclarecida, ainda respeitadora de uma pintura de teor abstracto e matérico que era o do neo-impressionismo contemporâneo. Todo o carácter mais feminil inerente à sua pintura é reconhecido e saudado porque firmado num contexto de recusa do directamente figurativo. A crítica portuguesa da década de 1960, embora aceite e defenda a Neo-Figuração e a pop art, não deixa de trazer ainda consigo muitos preconceitos relativamente à figuração. Neste sentido, a feminilidade da pintura de Menez é largamente compensada pela sua pertença a um universo credível de aproximação à abstracção.

Mulheres artistas na idade da razão A questão da abstracção e da figuração prende-se com uma outra mais vasta e mais profunda de mudança de paradigma. Nos anos de 1960, assistimos à passagem do «paradigma natural» para aquilo que poderíamos denominar «paradigma cultural», ou seja, ao abandono da natureza como fundamento último da arte e à emergência dos valores culturais como princípio gerador da actividade artística. Anteriormente, a pintura era avaliada como o resultado de uma observação (mais ou menos fiel, mais ou menos abstraída) da realidade, com carácter essencialmente visual, e a aproximação às obras fazia-se atendendo sobretudo às suas propriedades perceptivas, intrínsecas e materiais. As querelas da abstracção ainda participam desta atenção ao estético, no sentido do perceptivo e das questões inerentes à beleza ou à forma. Embora nos anos de 1960 a pintura continue por vezes a representar/figurar/apresentar parcelas do real, não é o grau de aproximação ou de afastamento desse real que conta na sua apreciação, nem mesmo a carga expressiva individual investida pelo artista.

O mais importante na valorização das obras de arte deste período é a capacidade inventiva e conceptual do artista, o carácter experimental do seu trabalho, para além das questões culturais e da função comunicativa e social das obras.

Neste novo contexto, às mulheres artistas é dada uma oportunidade de se libertarem de uma série de estereótipos ligados a uma forma tradicional feminina de olhar o mundo, manifestando a sua capacidade crítica e conceptual, por vezes mesmo teórica, aproximando-se, assim, de um universo mental tido como essencialmente masculino. Como sinal destas suas novas competências, surge frequentemente nas mulheres artistas uma postura mais distanciada, mais em segundo grau, que dará origem ao humor e à ironia. A par e por vezes associada a esta postura, surgem manifestações de erotismo, agressividade e fealdade, atitudes entendidas também como masculinas. A afirmação do erotismo funciona para muitas destas mulheres como uma forma de emancipação, de apropriação de um domínio que estava tradicionalmente reservado aos homens e destinado sobretudo ao seu deleite. na primeira metade do século, Emília dos Santos Braga (1867- 1949), discípula de Malhoa7, se especializara no nu feminino entendendo-o como uma atitude de uma certa coragem e rebeldia. Repare-se que nem sequer se tratavam de nus masculinos ou mistos. No entanto, uma mulher assumir deleite de carácter erótico era, e continuará a ser para as artistas dos anos de 1960, uma forma de superarem a posição de mero objecto do erotismo dos homens e por isso um passo na sua emancipação. Na pintura de Paula Rego, na gravura de Alice Jorge (1924-2008) e na escultura de Clara Semide (Menéres) (1943-) aflora o elemento erótico. O trabalho de Helena Almeida a partir do final da década de 1960, embora não tenha um carácter directamente erótico, manifesta uma mesma postura de negação da mulher como mero objecto da arte. O seu corpo, ao mesmo tempo que aparece como objecto da obra, é também e sobretudo o sujeito da acção que a desencadeia.

Em Paula Rego encontramos uma afirmação directa de erotismo. A sua pintura manifesta, em meados dos anos de 1960, um carácter vincadamente subversivo no panorama artístico nacional 8 . O erotismo será, juntamente com o humor e a violência, considerado pela crítica como elemento importante na sua obra. Fernando Pernes fala de «formas frenéticas de sensualidade» e de um «aflitivo erótico», ressaltando a «coragem» da pintora (Pernes, 1966). Para Francisco Bronze (1932-), outro dos críticos mais interessantes da época, os Comic's nos quais  Paula Rego se inspirava vinham abalar os conceitos burgueses de bom gosto. O «universo monstruoso», a «raiva», o «terror», a «força» e a «truculência» da sua pintura eram únicos na nossa arte. «Nunca, sequer em qualquer obra de surrealistas portugueses, a pintura vivera semelhante aventura», afirmava o crítico (Bronze, 1967a).

Que a pintura das mulheres pudesse ser melhor que a de muitos homens, e até do que a dos melhores entre eles, ninguém tem medo de admitir publicamente, o que não acontecia nas décadas anteriores, em parte também por falta de ambição das próprias artistas. Fernando Pernes afirma-o sem qualquer embaraço. Entre Conduto, Pomar e Nogueira, todos expositores da recentemente inaugurada Galeria de Arte Moderna da S.N.B.A., Paula Rego afigurou-se-lhe ser a mais jovem e a melhor (Pernes, 1966).

Em entrevista posterior a John McEwen, Paula Rego recordará a satisfação que lhe deu o sucesso da sua primeira exposição em Lisboa e o orgulho que o pai sentiu dela. «Tive sempre a ansiedade de provar que não era inferior a um rapaz. A família tinha desejado um rapaz» (McEwen, 1988). O facto de ser mulher suscitou nela um sentido da injustiça e uma atitude crítica relativamente ao exercício do poder. Num país com um regime autoritário e onde o papel das mulheres se circunscreveria à procriação e à gestão da casa, Paula Rego ressentiu-se do tipo de educação que lhe foi dado. «Fui reprimida pela minha mãe», afirma (Rosengarten, 2004). Mais tarde encenará todo o medo sentido, assim como todas as suas tentativas de superação.

O maior problema toda a minha vida tem sido a incapacidade de me exprimir frontalmente ' dizer a verdade. Os adultos tinham sempre razão: a menina ouve e não responde. Responder, contradizer, era a morte, era cair de repente num vazio terrível. Esse medo nunca me - de deixar; vêm daí os disfarces infantis, os disfarces femininos.

Menina pequenina, menina bonita, mulher atraente. Daí a evasão de contar histórias. Pintar para combater a injustiça (Rego, 1997).

A sátira servir-lhe-á como forma de se vingar do ambiente opressivo e claustrofóbico que se vivia em Portugal e em relação ao qual a pintora pudera criar distância a partir da sua estadia em Londres. «Salazar a vomitar a Pátria» (1960) ou «Sempre às ordens de Sua Excelência» (1961) podem ser lidas como obras políticas mas também como obras de cunho pessoal no sentido de um repúdio do autoritarismo em geral. É o próprio marido da artista, Victor Willing, que nos conta da «exasperação» que a pintora sente face aos grandes gestos masculinos e à «vangloriação do macho»9 (Willing, 1997). Apesar de o casal Willing/Rego ter mantido uma relação de entreajuda (Paula Rego não poupa elogios ao marido, pintor e crítico, e ao apoio profissional que este sempre lhe deu) é de referir uma certa rivalidade entre ambos. É o próprio filho do casal, Nick Willing, que levanta a questão: «O Pai era sempre considerado como um importante pintor. A Mãe era vítima de discriminação. Quando íamos a aberturas de exposições perguntavam sempre à Mãe se ela ainda estava a retocar aquela pintura. muito chauvinismo no mundo artístico» (McEwen, 1997). Não sabemos se baseado em afirmações reais da pintora, Marco Livingstone considera que a morte de Victor Willing em 1988, após doença prolongada, libertou Paula Rego da «responsabilidade de olhar por ele como a libertou para florescer enquanto artista sem medo de competir com o seu amado companheiro ou de o eclipsar» (Livingstone, 2004). Não podemos esquecer que as mulheres, sobretudo as mulheres da geração de Paula Rego, foram educadas para aceitar (e até desejar) a superioridade profissional e intelectual dos maridos.

Encontramos ainda nos anos de 1960 outros modos de as mulheres artistas se libertarem do estereótipo feminino. Em oposição à graciosidade e delicadeza femininas, Aldina Costa (1939-) cria as «suas maquinarias feias, gritantes de nojo» (Bronze, 1967b). Em oposição ao lirismo ingénuo, Ana Vieira (1940- ) comenta ironicamente «o mundo frívolo da mulher, com colagens de trapo» (Bronze, 1966). Em oposição ao sentimentalismo, Maria Beatriz (1940-) trabalha a gravura com «decisão forte, humoral, satírica e contundente» (Sousa, 1969), afirmando uma «insólita agressividade» e elaborando com «particular sentido da ironia personagens grotescas» (Maggio, 1965). Em oposição ao carácter solar e luminoso da pintura de mulheres, os desenhos e colagens de Leonor Praça (1937- 1971) manifestam um carácter angustiado e enigmático. Em oposição à simplicidade, transparência e espontaneidade femininas, aparecem propostas artísticas reflectidas, lúcidas e imbuídas de teoria, um tipo de reflexão intrínseco às próprias obras: é o caso da obra de Ana Hatherly (1929-), Lourdes Castro e Helena Almeida.

A meio caminho entre a literatura e as artes visuais, Ana Hatherly dá-se a conhecer na poesia, na teoria e no desenho. É o protótipo da artista de vanguarda, consciente dos seus processos criativos, o exemplo da mulher criadora e crítica. A sua índole reflexiva e lúcida, pouco usual no meio artístico português, permite-lhe alcançar grande notoriedade 10 . Menos directamente teórica ou crítica, mas apresentando igual capacidade reflexiva, Lourdes de Castro disserta sobre a sua obra e justifica as suas opções, nomeadamente um dos processos criativos que melhor a identifica, o «contorno da sombra». Trata-se, segundo a artista, de algo «fantasmático, fugitivo, ainda mais ausente» do que o simples contorno dos objectos. «O contorno [da sombra] é o Menos que posso ter de alguma coisa, de alguém, conservando as suas características», afirma (Castro, 1992). Em Helena Almeida, o crítico Rui Mário Gonçalves (1934-) reconhece desde cedo o «carácter intelectivo da arte» (Gonçalves, 1967). Por sua vez, Francisco Bronze salienta no seu trabalho a «ironia crítica que tende a substantivar a construção do quadro», a inteligência, o rigor, a procura de uma metalinguagem, o «esforço de lógica», a «meditação sobre a linguagem plástica» (Bronze 1967b, 1968, 1969a, 1969b), tudo características pouco comuns na arte portuguesa em geral e ainda menos na arte feita por mulheres. A questão da metalinguagem é levantada e reconhecida pela própria artista: «Creio estar perto da verdade se disser que pinto a pintura e desenho o desenho» (Helena Almeida, 1983).

A natureza reflexiva das obras destas artistas está também relacionada com a recusa do sujeito romântico e da sacralização da arte, recusa que se torna corrente nestes anos com a emergência do Estruturalismo. Para Helena Almeida, Lourdes Castro ou Ana Hatherly o abandono do carácter confessional e autobiográfico da arte prende-se com a afirmação mais ou menos consciente de uma impessoalidade fundamental, decorrente do cunho conceptual e do aprofundamento da linguagem artística nas suas obras. Em Helena Almeida trata- se de uma indagação sobre os limites físicos da pintura e de um questionar a sua bidimensionalidade. Em Lourdes Castro, o trabalho mecânico para recortar as silhuetas, assim como a desmaterialização dos corpos reduzidos ao contorno das suas sombras, afastam todo o cunho personalista e subjectivo (o traço de escrita pessoal) do qual as mulheres artistas estariam tradicionalmente mais próximas. No mesmo sentido, através do «estudo e aprofundamento da linguagem», Ana Hatherly procura evitar «os conteúdos românticos e emocionais» (Hatherly, 1967). Em Paula Rego a recusa do sujeito romântico, nada parece ter a ver com a natureza conceptual da arte, mas apenas com a utilização de imagens do real quotidiano (muitas vezes o quotidiano das mulheres) e com o carácter lúdico do seu trabalho. A própria artista o afirma em 1984:

Uma vez definido o tema, não qualquer premeditação ( ) acho que isso é uma coisa boa porque traz mais surpresa para quem faz ( ). O mais frequente é divertir-me com o que faço. É um pouco o contrário da grande atitude trágica, do grande gesto, ou da grande obra, em resumo, da visão do artista como herói, que é um mito romântico ( ).

É-se o artista da pessoa que se é (Bernardo P. de Almeida, 1988).

Conclusão Podemos considerar os anos de 1960 como uma importante plataforma de afirmação das mulheres no mundo da arte. O abandono por parte da crítica mais esclarecida dos preconceitos de género, por um lado, e uma atitude mais ambiciosa por parte de algumas mulheres, por outro, conduziram a uma maior equidade entre artistas.

As obras criadas por mulheres são agora abordadas pela crítica à luz dos mesmos critérios de avaliação e análise empregues no tratamento das obras criadas por homens, ou seja, sem paternalismos, nem atitudes discriminatórias. Um número crescente de mulheres artistas aposta na sua profissionalização e internacionalização, beneficiando para tal da política de bolsas no estrangeiro implementada pela Fundação Gulbenkian.

Se tivéssemos que classificar a produção artística das mulheres nos anos de 1960, diríamos: nem «arte feminina», nem «arte feminista». Ela deixa de pertencer a uma categoria à parte ' «arte feminina» ', mas também ainda não se afirma como «arte feminista», no sentido de uma arte que encarna conscientemente aspectos da agenda política feminista. Teremos que esperar pelas décadas seguintes para que este tipo de manifestação se torne evidente na arte portuguesa. Os anos de 1960 são, portanto, anos de charneira, anos em que tanto as mulheres artistas como a crítica pareciam acreditar numa certa indiferenciação entre os sexos ou, para parafrasearmos Elaine Showalter, em que «o género perderia o seu poder» e as obras seriam assexuadas (Showalter, 2002: 74).

Entre a recusa do carácter confessional e sentimental da arte, tido como uma das formas tradicionais das mulheres fazerem arte, e a recusa da grandiloquência, entendida muitas vezes como modo masculino de expressão, as mulheres portuguesas encontraram na década de 1960 novos caminhos, quebrando os preconceitos de género e afirmando-se nos domínios do conceptual, do humor, da ironia, da sátira, da crueldade, da fealdade e da inquietação criadora.


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