Mulheres e Conhecimento/ /Women and Knowledge
Pinto, Teresa, Alvarez, Teresa, Cruz, Isabel (org.), Mulheres e Conhecimento/ /
Women and Knowledge, Vila Franca de Xira, APEM, 2011.
Luísa Saavedra*
*Escola de Psicologia da Universidade do Minho
Mulheres e Conhecimento/ Women and Knowledge é uma obra editada pela APEM, com
apoio da CIG e FCT, que integra artigos em português e em inglês.
Procurando, sempre que possível recorrer aos pontos de contacto que atravessam
os diversos capítulos que compõem esta obra, começarei por um dar um breve
traçado do mesmo.
Assim, esta obra apresenta-nos um conjunto de medidas e políticas de iniciativa
europeia no âmbito da Igualdade de Género, bem como algumas medidas de
iniciativa nacional, como é o caso de Espanha, a par da reflexão sobre práticas
de investigação na área dos Estudos sobre as Mulheres, Feministas e do Género
em Portugal. No seu conjunto, esta publicação é uma mais-valia para organizar e
fomentar o conhecimento e a reflexão sobre diversas estratégias e experiências
na área das Mulheres e Ciência, mais concretamente na Investigação. Espero que
a leitura desta obra ajude a fomentar, como refere a Teresa Pinto na
Apresentação, a criação de um espaço universitário Europeu, contribuindo não só
para a internacionalização da investigação, mas também para uma maior
consciência das dificuldades das mulheres no espaço universitário e para que a
redes existentes possam ser solidificadas.
Na Introdução, Maria do Céu da Cunha Rêgo oferece uma síntese de cada um dos
textos que compõem a obra, apelando a que «cada leitor e cada leitora, dos
diagnósticos e das sugestões apresentadas, faça o que for capaz no tempo de que
disponha».
Dos sete capítulos que compõem este livro, quatro são dedicados a Políticas de
género, sendo os capítulos de Luisa Prista, Ana Maria Lobo, Harriet Silius
dedicados a políticas de iniciativa europeia e o de Capitolina Diaz à
apresentação de medidas da Iniciativa do Governo Espanhol no âmbito do Ensino
Superior e da Investigação.
Os restantes três capítulos dedicam-se a aspectos mais particulares da situação
das mulheres na investigação, centrando-se Lígia Amâncio sobre os indicadores
de participação das mulheres relativamente aos programas da FCT, Teresa Toldy
sobre os conteúdos programáticos nos diversos níveis de ensino superior e
investigação nas Universidades Privadas e Ana Maria Vaz sobre os enviesamentos
na constituição dos painéis nos prémios Nobel e as dificuldades de publicação
das mulheres na carreira académica.
Uma preocupação transversal a todas as autoras, de forma mais ou menos
implícita, é a ideia de que o número de mulheres na formação inicial,
doutoramentos e pós-doutoramentos não se reflecte posteriormente em posições de
topo na carreira académica. Luisa Prista aponta números na ordem dos 60% de
diplomadas contra 18% de altos cargos académicos. Tanto esta autora como Ana
Maria Lobo chamam a atenção para os gráficos em tesoura, onde fica patente a
forma como as mulheres vão, progressivamente, diminuindo a sua participação
desde o lugar de meras estudantes até aos lugares de topo da carreira
académica. Também Lígia Amâncio evidência a superioridades das mulheres nas
atribuições de Bolsas de Mestrado (quando existiam) doutoramento e pós-
doutoramento. No entanto, quando se passa para os painéis de avaliação, embora
haja diferenças por áreas, duma forma geral a participação das mulheres,
sobretudo nos painéis internacionais, é «desoladora» para usar os mesmo termos
da autora, sendo este facto também referido por Ana Maria Lobo. A ideia de que
a mulheres estão pouco representadas ou ausentes nos lugares mais importantes e
de decisão é reforçada pelo trabalho apresentado por Ana Maria Vaz, que refere
o exemplo da Comissão que atribui os prémios Nobel, a qual integra apenas uma
mulher (desde 1996, no grupo que escolhe os laureados em química). As
consequências são gravosas, pois o número de laureadas em ciência é apenas de
12, desde 1901: sete na medicina, seguida da química com três premiadas e duas
em física e há mais de 40 anos que não existe um laureado feminino nas áreas de
física e química. A autora faz ainda referência às enormes dificuldades com que
se confrontam as mulheres nas carreiras universitárias no campo de publicação
científica. Elas publicam menos do que eles, pois encontram-se em desvantagem
para acumular capital científico, o que resulta numa maior dificuldade em
ocupar cargos institucionais que ajudam à ascensão profissional. Por um lado,
os homens tendem a trabalhar em centros de investigação e empresas mais
prestigiadas; por outro lado, seja qual for a produção científica das mulheres,
a sua actuação dificilmente é igualmente compensada, precisamente porque são os
homens que as avaliam.
Uma forma importante de fomentar a igualdade de género, passa como sabemos pela
educação, desde o seu inicio até ao Ensino Superior. Teresa Toldy, procura
mostrar-nos como a formação universitária nas Universidades Privadas, ao nível
dos Estudos de Género, é deficiente nos diversos ciclos de Estudos, tal como
também o é ao nível da investigação produzida nestas instituições. A autora,
tendo em conta o baixo número de projectos centrados nas questões de género que
foram financiados entre 1999 e 2008, sublinha que as questões de género não
estão no topo da lista de preocupações da FCT. Esta situação pode levar a que
alguns investigadores optem por incluir a questão em projectos sobre outras
problemáticas, invisibilizando assim estas questões, o que faz perder a sua
capacidade afirmativa. Esta mesma preocupação é reforçada por Harriet Silius ao
salientar que frequentemente os estudos de género são integrados em contextos e
organizações mais amplas e que o mainstreaming e a integração têm mais riscos
que benefícios. Segundo a autora, o primeiro risco é avaliar o género em todas
as áreas da vida, sendo que, por um lado, nem todas as áreas de vida são
igualmente importantes para as mulheres e, por outro lado, as outras
desigualdades são tidas como mais importantes do que as desigualdades de
género. Em segundo lugar, se todos se alegam especialistas de género não há
necessidade de desenvolver o campo dos estudos de género ou formar alunos/as de
doutoramento nesta matéria.
Parecendo-me que a apresentação destas situações mais particulares justifica e
dará mais sentido à apresentação das medidas Políticas, tomadas pela EU e por
Espanha, centrar-me-ei finalmente nos aspectos abordados pelos 4 capítulos que
se dedicam mais detalhadamente a esta temática, tentando abordar historicamente
as várias iniciativas.
A mais antiga iniciativa relatada pelas autoras é a Athena, em 1998, que em
conjunto com a AOIFE e a Wise deram origem mais recentemente à ATGender, em
2009. Estas estruturas são apresentadas por Harriet Silius, mulher com larga
experiência na dinamização das Redes Europeias de Estudos sobre as Mulheres.
Luisa Prista, traça um panorama de diversas iniciativas da EU no quadro da
Igualdade de género, as quais começaram a ser mais intensamente implementadas a
partir de 1999 com a iniciativa Mulheres e Ciência'. Foi ainda criada a Rede
Europeia de Avaliação (ETAN) para analisar a situação das mulheres na ciência
na Europa, bem com a She Figures que traça um panorama das mulheres nas
diversas áreas das Ciências e em diversos Países, desde a formação superior
básica até aos lugares de chefia. O projecto «Praticar Igualdade de Género nas
Ciências» identifica, classifica e avalia as boas práticas internacionais,
desenvolvendo também uma base de dados.
Outra iniciativa é a Plataforma Europeia das Mulheres Cientistas, fundada em
2007 por uma iniciativa da Comissão Europeia, mas que agrega redes nacionais de
fora da UE, para responder ao desequilíbrio de género na progressão nas
carreiras de investigação científica em todas as áreas e a todos os níveis.
Apesar dos níveis de participação das mulheres portuguesas não serem tão
gritantes como outros Países europeus, não conseguem ainda atingir os níveis do
ex-URSS, onde além de terem dado oportunidade de estudos às mulheres lhes
permitiram chegar a lugares de responsabilidade científica. Esta Plataforma é
apresentada por Ana Maria Lobo, que nos dá igualmente conta, a nível nacional,
da Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas criada em 2004.
Finalmente, Capitolina Díaz, fala-nos, com orgulho, de alguma medidas de
iniciativa governamental em Espanha, como a Lei das Universidades, que
implementa um sistema de participação equilibrada de homens e mulheres nos
corpos directivos ' limiares de paridade de 40%, bem como a Unidade Mulheres e
Ciência que define cinco pontos de bonificação em projectos de qualidade
científica previamente demonstrada, no caso de ser uma mulher a coordenadora da
equipa ou se nesta as mulheres estiverem em maioria, relativamente à média
nessa área de investigação. Esta medida que estava em prática há quatro anos,
tem-se revelado como uma boa prática e alcançado os seus objectivos. Foi ainda
definida uma Unidade de Igualdade em cada Universidade, que deveria incluir os
estudos de género em todas as áreas de ensino e campos de investigação. Esta
medida, embora implementada em diversas Universidade ainda não conseguiu,
contudo, alcançar os melhores resultados.
Ao nível das recomendações e principais medidas da UE, Luisa Prista dános conta
de recomendações para atingir uma meta de representação equivalente a 40% de
ambos os sexos nos quadros de investigação, painéis e grupos de trabalho
relacionados com o funcionamento do programa-quadro comunitário de
investigação. Em 2004 e 2005, o Conselho da UE apelou aos Estados-Membros para
que fixassem metas para evitar o preconceito de género nos processos de
selecção. Estes objectivos incluíram um aumento do número de mulheres em cargos
de liderança na investigação pública para 25% até 2010 e um aumento na
proporção de mulheres nos novos recrutamentos para, pelo menos, 33% até 2010.
A um nível mais funcional, Harriet Silius chama a atenção para a importância da
cooperação entre as cientistas europeias, com base na experiência de cooperação
entre os países nórdicos, que retiraram enormes benefícios quando juntaram
forças entre universidades e académicas para fazer progredir a investigação no
domínio do género. Para fazer face à competição dos meios académicos é
importante partilhar experiências com as que foram mais bem sucedidos, dando
sempre visibilidade aos estudos de género, que é aliás uma das preocupações
centrais da ATGender, para que estes se institucionalizem, evitando o seu
desaparecimento e promovendo uma maior qualidade na investigação e usando
eficazmente os recursos existentes.
E termino com uma citação de Luisa Prista que me parece muito adequada ao
momento actual que o País atravessa: «Estudos recentes alegam que a crise
económico-financeira que vivemos foi em grande parte devida a uma falta de
visão ou uma determinada miopia' dos decisores. Grupos homogéneos tendem a
tomar decisões homogéneas que vão sempre na mesma direcção. Apostar na
diversidade, na representação equilibrada de perfis, de homens e mulheres,
durante a análise dos problemas e a tomada de decisão é apostar em soluções
inovadoras e mais seguras».