Igualdade de Género na Universidade da Beira Interior
1. A problemática da Igualdade de género no portugal contemporâneo
O género é uma das primeiras categorias habitualmente utilizadas para descrever
os indivíduos e uma das que mais influencia a vida social, na medida em que
estrutura profundamente as relações interpessoais e permite compreender as
expectativas diferenciais da sociedade em relação aos indivíduos (Vieira,
2006).
As questões do género são objeto de grande interesse por parte da Sociologia,
porque se encontram ligadas a questões de desigualdade e poder nas sociedades
(Connell, 1987), sendo as desigualdades de género definidas habitualmente como
as diferenças de estatuto, poder e prestigio que as mulheres e os homens
adquirem em grupos, coletividades e sociedades (Giddens, 2010).
As profundas e rápidas mudanças sociais da segunda metade do século passado
tiveram forte impacto nos papéis sociais de homens e mulheres, com destaque
para a entrada da mulher na vida pública, nomeadamente no mercado de trabalho.
Concretamente em Portugal, a feminização da população ativa é uma tendência
incontornável das últimas décadas. Este fenómeno foi determinante na
recomposição social recente, com fortes repercussões nos modos de vida e na
organização da vida social (Ferreira, 2010). Simultaneamente, Portugal tem sido
considerado como uma das sociedades mais progressistas em termos de produção
legislativa em matéria de igualdade entre os sexos, o que pareceria criar as
condições ideais para o desenvolvimento de uma sociedade igualitária. Contudo,
a uma análise mais fina, constata-se que a sociedade portuguesa não tem sido
capaz de gerar comportamentos efetivos de uma maior igualdade entre os sexos.
Estudos nacionais e internacionais mostram que as mulheres portuguesas acumulam
trabalho pago (em disponibilidade horária quase idêntica à dos homens) com o
trabalho não pago1, sendo que os homens ainda se envolvem consideravelmente
menos neste tipo de tarefas (Torres, 2005). Ao mesmo tempo, verificamos a
persistência na nossa sociedade de segregação vertical, ou seja que as mulheres
permanecem sub-representadas nos lugares estratégicos de tomada de decisão,
tanto no setor público como no privado (Ferreira, 2010). Não obstante a
existência de legislação que promove no setor público de emprego o princípio do
"salário igual por trabalho igual", uma análise detalhada do
diferencial salarial entre homens e mulheres2 permite-nos verificar que
persistem diferenças significativas mesmo porque "as principais causas
das disparidades salariais entre homens e mulheres ultrapassam em muito o
âmbito do princípio ‘salário igual por trabalho igual’ sendo fundamental
analisar o processo de transição do ensino para o mercado de trabalho"
(CE, 2009: 6,7). Homens e mulheres trabalham tendencialmente em setores de
atividade diferenciados, o que consubstancia um processo de segregação
setorial, e são precisamente as mulheres que têm os vínculos de trabalho mais
precarizados e encabeçam os indicadores de desemprego (Casaca, 2010). Sabemos
que os estereótipos mudam mais lentamente dos que as realidades sociais
(Bosche, 2005) pelo que, mesmo quando a mudança social se processa, os
estereótipos geram mecanismos de discriminação indireta. Por outro lado, a
integração das mulheres no mercado de trabalho nacional com valores de trabalho
a tempo integral equiparáveis aos países nórdicos e muito distantes de países
mediterrânicos, como a Espanha ou a Grécia, junto dos quais seria expectável
que nos posicionássemos por razões culturais, e a presença das mulheres em
algumas profissões de grande visibilidade social como a medicina ou a
magistratura, têm conduzido à conceção, prevalecente no senso comum, de que a
desigualdade de género é um problema (ultra)passado e que há igualdade entre
homens e mulheres no mercado de trabalho (Ferreira, 2010).
Face a esta complexa teia de contradições e disrupções pode dizer-se que a
problemática da desigualdade de género não diminuiu, antes complexificou os
seus contornos e os estereótipos de género, que parecem ser fortemente
resilientes, exigem hoje a necessidade adicional da desconstrução da ideia
muito difundida da "existência de igualdade de género".
2. A Igualdade de género como política social – das políticas às concretizações
No mundo ocidentalizado, a luta contra a discriminação de género tem um longo
histórico tendo começado por iniciativas de enquadramento jurídico da igualdade
como a do direito das mulheres ao voto e passando depois a um processo mais
profundo de reformismo social. Mais recentemente, a estratégia de mainstreaming
tem sido apontada como a única capaz de realmente produzir uma efetividade das
políticas sociais, mediante um processo de questionamento da atuação do Estado,
das políticas e das ações positivas criadas. Este processo de reformismo
estatal na sua fase atual está profundamente ligado à atuação das organizações
do terceiro setor e extravasa o âmbito nacional, sendo o papel das instâncias
internacionais e transnacionais cada vez mais importante (Ferreira, 2011). A
Igualdade de Género é já desde há muito uma das linhas de ação prioritárias ao
nível da atuação de organismos internacionais. Estas instituições têm
desempenhado um papel fundamental na formulação de políticas sociais de
igualdade com base no pressuposto de que não só persistem desigualdades, como
estas se têm vindo a agudizar com os processos hegemónicos da globalização
económica (CE, 2009).
Não obstante, como constata Ferreira (2011), geralmente o grau de aplicação
dessas políticas ao nível nacional é baixo e a explicação desta descontinuidade
radica, pelo menos em parte, no facto das elites governamentais e as
burocracias estatais verem a questão como uma imposição externa com poucos
benefícios internos.
A um nível micro obstáculos semelhantes podem ser encontrados na prossecução de
projetos e ações de sensibilização para a igualdade de género (Oliveira et al.
2011), projetos esses que decorrem precisamente de políticas macro sociais
oriundas de organismos internacionais como a ONU e a Comissão Europeia.
Um dos instrumentos para a promoção da igualdade entre os sexos é o plano para
a igualdade de género. Este é um instrumento de gestão estratégica que procura
difundir uma política de igualdade na organização a todos os níveis. A um nível
micro social é esperado que um plano de igualdade organizacional contribua para
uma real alteração de mentalidades e sedimentação de uma cultura de paridade
entre os sexos.
Enquadrados na tipologia 7.2 do POPH3, foram realizados nos últimos quatro anos
(2008-2011) em Portugal 115 planos de igualdade sobretudo em associações (44%)
autarquias (43%) e empresas (9%)4. Seria importante verificar em que medida os
planos desenvolvidos e implementados realmente contribuíram para a mudança
organizacional no sentido de uma cultura de igualdade de género e de
oportunidades dentro das organizações. Não existe até à data uma avaliação
integrada da tipologia.
Propomos aqui a reflexão em torno de um projeto de desenvolvimento de um plano
para a igualdade em contexto universitário, que acreditamos poder trazer para a
discussão potencialidades e fragilidades da operacionalização de uma política
social de âmbito comunitário.
3. O Projeto UBIgual: elaboração de um Plano de Igualdade de género na UBI
O projeto UBIgual, que tem como fim elaborar, desenvolver e implementar o Plano
de Igualdade de Género na UBI, surge em 2009 no âmbito de uma investigação
realizada pelo UBI_CES (Centro de Estudos Sociais da Universidade da Beira
Interior). É cofinanciado pela União Europeia e Estado Português, no âmbito da
Tipologia 7.2 do POPH do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN),
tendo como organismo intermédio a Comissão para a Cidadania e Igualdade de
Género (CIG) e tem como principais objetivos:
(i) Formar, informar e sensibilizar a comunidade universitária para a
temática da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nas
suas diversas vertentes, estimulando o respeito pelas diferenças e
pela diversidade.
(ii) Garantir a criação de mecanismos na UBI, que contribuam para uma
mudança efetiva a nível organizacional e outros, no campo da
igualdade de género e de oportunidades.
(iii) Sensibilizar a comunidade estudantil para a importância da
igualdade de oportunidades, entendendo esta como dimensão fundamental
para o exercício pleno da cidadania e integração socioprofissional.
(iv) Implementar mudanças, não só ao nível organizacional, mas também
ao nível de mentalidades e de comportamentos, que sejam passíveis de
reprodução noutros contextos societais.
A Universidade da Beira Interior iniciou este projeto antes do mais por
acreditar ser uma potencial mais-valia para a instituição, visto que uma
instituição que tem como missão a transmissão e produção de conhecimento e a
tarefa de educar e formar as novas gerações, forçosamente deve assumir uma
abordagem pioneira no campo da cidadania. Por outro lado, encarou o plano de
igualdade de género como uma questão fundamental de responsabilidade social, já
que a UBI corporiza um dos principais vetores do desenvolvimento económico e
social da Covilhã sendo na atualidade a mais relevante entidade empregadora do
concelho após o declínio da indústria têxtil das últimas décadas do século
passado e que lançou para o desemprego centenas de operários e operárias.
Um plano de igualdade de género é um conjunto de medidas corretivas, desenhadas
a partir de um diagnóstico de situação e direcionadas para alcançar numa
determinada empresa ou instituição a igualdade de oportunidades entre mulheres
e homens, eliminando a discriminação em função do sexo. Segundo Ferreira
(2011), o plano de Igualdade de género deve ter em conta múltiplos fatores,
entres os quais, a natureza da instituição, o campo a que esta se dedica; a
história e a cultura da organização; as características do pessoal ao serviço e
rotinas e procedimentos em vigor. Um plano de igualdade deve ser universal,
incidindo sobre todas as pessoas que integram a instituição e não só sobre o
grupo das mulheres; deve ser transversal, abrangendo todas as áreas de gestão
da organização, dinâmico, ser encarado e desenvolvido como um processo
progressivo que está submetido a mudanças constantes e ainda sistemático e
coerente, sendo que para tal o cumprimento da metodologia desenhada deve
conduzir a uma efetiva igualdade de género que é o objetivo final do projeto. É
ainda fundamental que seja desenhado especificamente para a entidade em questão
e que seja passível de ser modificado em função das necessidades e
possibilidades reais (ser flexível). A sua duração deve limitar-se ao momento
em que se alcançam os objetivos propostos e o seu desenho deve ser composto por
fases sequenciais (Ferreira, 2011; COCETA, 2008; Pernas et al., 2008).
O projeto UBIgual procurou guiar-se por estas diretrizes pelo que no próximo
ponto começamos por fazer uma breve caracterização da instituição, quanto à sua
natureza, campo a que se dedica e a sua história, para avançarmos com a
explicitação do desenvolvimento do plano de igualdade de género da UBI seguindo
o desenho composto por cinco fases.
Processo de desenvolvimento do Plano de Igualdade de Género da UBI
A UBI é uma instituição pública de ensino superior, que se dedica ao ensino
integral, o que significa que para além dos objetivos de profissionalização e
investigação, assume a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento da
cultura, cidadania e desenvolvimento social.
A Universidade da Beira Interior foi fundada em 1986, mas a história desta
instituição começou no ano de 1973, quando foi criado o então Instituto
Politécnico da Covilhã. Não fugindo à tradição local dos lanifícios, cento e
quarenta e três estudantes ingressaram nos cursos de Engenharia Têxtil e
Administração e Contabilidade, em 1975. Em 1979 passou a denominar-se Instituto
Universitário da Beira Interior, e em 1986 ganhou o título de Universidade da
Beira Interior. No ano letivo de 2009/2010 contava com 5.938 discentes, 653
docentes distribuídos por cinco faculdades e 266 funcionários e funcionárias
não docentes. Atualmente a sua oferta formativa, em conformidade com o modelo
educativo de Bolonha, é composta por 32 licenciaturas, 48 mestrados e 23 ramos
de doutoramento e ainda diversas ações de formação. A UBI confere à
investigação e desenvolvimento importância acrescida, sendo parceira
privilegiada de outras universidades e empresas em vários consórcios e projetos
de I&D.
Primeira fase, compromisso da Instituição
A primeira fase do plano de igualdade de género da UBI consistiu na comunicação
e divulgação do projeto aos responsáveis institucionais para obter o seu apoio
e envolvimento e a subsequente difusão do projeto a toda a comunidade educativa
(grupo de pessoal não docente, grupo de pessoal docente e discentes da UBI),
através da apresentação pública do projeto aberta a toda a comunidade. Após
esta apresentação e debate público criou-se um blog do projeto UBIgual e
lançou-se um concurso para o logotipo do projeto. Estas iniciativas visaram,
para além dos seus objetivos específicos, divulgar o projeto junto da
comunidade ubiana e sensibilizá-la para a temática.
Segunda fase, Diagnóstico Organizacional da UBI sobre Igualdade de Género
Antes da elaboração e implementação de um plano de igualdade de género é
fundamental fazer um correto diagnóstico da situação atual da instituição. O
objetivo deste instrumento é conseguir diagnosticar as práticas a nível da
igualdade de género na entidade, mostrando os pontos fortes e pontos fracos a
este respeito, permitindo uma definição objetiva e mensurável das prioridades
neste domínio (Pernas et al., 2008).
O diagnóstico organizacional sobre igualdade de género da UBI (Oliveira et al.,
2011) foi realizado entre março de 2010 e janeiro de 2011. Optou-se por um
estudo de análise diacrónica entre os anos de 2005 e 2009, procurando averiguar
que eventuais evoluções e/ou alterações na questão da igualdade de
oportunidades entre homens e mulheres na UBI. A razão de escolha dos anos de
2005 e 2009 prendeu-se essencialmente com a existência e acessibilidade de
dados estatísticos e também com o facto de se considerar que um período de
quatro anos era um espaço temporal adequado para analisar as mudanças
ocorridas.
Elaborou-se um modelo de análise composto por indicadores que cobrem oito
dimensões diferentes e que incluem todos os aspetos que a equipa considerou
importante analisar de forma a conseguir obter uma fotografia fiel da UBI ao
nível da Igualdade de Género, a saber: Estrutura Organizativa; Políticas e
Medidas; Comunicação; Cultura Organizacional; Grupo de Pessoal não Docente;
Grupo de Pessoal Docente; I&D ; Estudantes. Para cada uma destas dimensões
definiu-se um conjunto de indicadores de distinta relevância para detetar
eventuais situações de desvantagem e discriminação de género. Dependendo da
dimensão estabeleceram-se indicadores quantitativos (e.g. número de mulheres e
homens em cada serviço da instituição) e indicadores de cariz qualitativo (e.g.
compreensão das políticas e processos da instituição, opiniões e atitudes). O
modelo analítico e o levantamento de indicadores foram efetuados a partir de
recensão bibliográfica e análise aprofundada de literatura sobre a igualdade de
género conjuntamente com o estudo sociológico da organização.
Os instrumentos de recolha de dados foram definidos procurando adequá-los o
mais possível à realidade concreta do objeto de estudo. A informação
quantitativa foi recolhida por levantamento de dados estatísticos através do
tratamento da informação disponível nas bases de dados da Universidade e das
diferentes unidades que a integram. A maior parte da informação estatística da
UBI não estava desagregada por sexo, pelo que foi necessário efetuar essa
desagregação. Realizaram-se dois inquéritos por questionário, o primeiro foi
direcionado aos discentes que visava: 1) avaliar conhecimentos sobre o conceito
de género e a perceção sobre a desigualdade de género; 2) avaliar atitudes face
à igualdade de género; 3) compreender quais as representações sociais na
realização das tarefas no âmbito familiar e tentar perceber até que ponto
reproduzem a organização familiar. O segundo inquérito foi direcionado aos
docentes, na primeira parte avaliava os estereótipos de género e na segunda
aferia qual dos dois tipos de sexismo "hostil" e
"benevolente" (instrumento adaptado de Glick & Fiske, 1996)
estão mais presentes neste grupo profissional.
A informação qualitativa foi recolhida em contexto de entrevista a agentes
privilegiados da organização, chefias, pessoal não docente, docentes/
investigadores e investigadoras, com o objetivo de compreender os procedimentos
da instituição, opiniões e a cultura organizacional. Foram analisadas normas,
políticas e processos internos da universidade, representando o material
empírico tratado.
Alguns resultados do diagnóstico
O Diagnóstico Organizacional da UBI sobre Igualdade de Género apurou uma
quantidade muito considerável de dados para os dois anos em estudo5, contudo
aqui vamos apenas debruçar-nos sobre os indicadores de especial relevância para
a temática em discussão.
Segregação vertical
Pretendia-se analisar se há tendência na UBI para uma maior concentração de
mulheres em postos de trabalho com menor poder de decisão, menor autoridade e
oportunidades mais reduzidas para ascenderem e se os homens se concentram em
posições de mais poder, prestígio e influência.
Relativamente ao grupo de pessoal não docente as mulheres estão
subrepresentadas, constituindo 64% das chefias intermédias enquanto os homens
representam 36% das chefias superiores. Verifica-se que, à medida que se sobe
na hierarquia, a diferença entre homens e mulheres é cada vez maior (Tabela 1).
Tabela 1
N.º de mulheres e homens por Grupo de Pessoal não docente
A docência na UBI é exercida maioritariamente por homens, que representam 62%
deste grupo de pessoal. À medida que se sobe na hierarquia da carreira docente,
a desigualdade entre homens e mulheres vai crescendo, por exemplo na categoria
de professor auxiliar o número de professores quase que duplica em relação ao
número de professoras na mesma categoria. E o peso dos professores catedráticos
é esmagadoramente superior (85%) ao das professoras catedráticas (15%) (Tabela
2).
Tabela 2
Corpo docente por Categoria e por sexo
Verificou-se que os lugares de topo e com poder de decisão são maioritariamente
ocupados por homens (Tabela 3): tanto na presidencia de faculdades como na
presidência de departamentos as mulheres constituem apenas 20% deste grupo e os
homens 80%. Nos órgãos de governo eles representam 61%. As mulheres estão em
maioria no Conselho Pedagógico (64%) e no Conselho Cientifico (75%); porém, no
Conselho Geral e no Senado, os mais estratégicos, ocupam apenas 18% dos
lugares. Contrariamente à anterior, a atual equipa reitoral tem uma composição
bastante igualitária, mas apurou-se que tal fato adveio de uma casualidade e
não de uma preocupação com a equidade entre homens e mulheres.
Tabela 3
Nº de mulheres e homens em cargos de poder
Os homens representam quase dois terços (64%) dos postos na investigação, o que
é, em grande medida, um reflexo da desigualdade de género já evidenciada no
campo da docência. Por outro lado, a coordenação das unidades de investigação é
esmagadoramente masculinizada (em 94% dos casos) (Tabela 4).
Tabela 4
N.º de mulheres e homens na investigação
Relativamente ao número total do corpo discente inscrito no 1.º ciclo na UBI,
verificamos que existe um equilíbrio entre mulheres inscritas (52%) e homens
inscritos (48%). No segundo ciclo, a percentagem de mulheres aumenta (58%), mas
no 3.º ciclo, ou seja, ao nível do doutoramento a situação inverte-se estando
eles em maioria (56%) (Tabela 5).
Tabela 5
N.º de estudantes por nível e por sexo
Segregação sectorial
No grupo de pessoal não docente (administração e serviços) as mulheres estão em
grande maioria (64%); sendo uma das funções tipicamente feminina o
secretariado, na UBI existem 20 mulheres com funções de secretariado e apenas 3
homens secretários (Tabela 6)
Tabela 6
N.º de pessoal administrativo, por faculdade e por sexo
No grupo de pessoal docente existem departamentos tendencialmente masculinos e
departamentos tendencialmente femininos. As mulheres docentes estão em maioria
nos Departamentos de Química, de Psicologia e Educação, de Sociologia e de
Letras, e os homens nos Departamentos de Física, de Informática, de Engenharia
Eletromecânica, de Engenharia Civil e Arquitetura, de Gestão e Economia, de
Desporto e de Comunicação e Artes (Figura 1).
Figura 1
Corpo Docente por departamento e por sexo
As mulheres continuam mais concentradas nas áreas de investigação
tradicionalmente consideradas femininas, enquanto os homens estão em grande
maioria nas áreas de investigação tipicamente masculinizadas, ou seja,
engenharias, tecnologia e economia. Verificamos ainda que existem unidades de
investigação em que a equipa é totalmente composta por homens (C-MADE,
SOCIALAB, AEROG) mas não existe nenhuma unidade de investigação constituída só
por mulheres. No CICS e no UBI_CES, das áreas das Ciências da Saúde e
Sociologia são os únicos centros onde se encontram mais mulheres do que homens
(Tabela 7).
Tabela 7
N.º de mulheres e homens por áreas de investigação
Quando analisamos os alunos e alunas por curso, verificamos que existem os
frequentados maioritariamente por mulheres e os frequentados maioritariamente
por homens. Os cursos de maior frequência feminina são: Ensino de bioquímica,
Ensino de matemática e Ensino de informática, Gestão, Sociologia, Psicologia e
educação, Ciências da comunicação, todas as línguas, Design de moda, todas as
Ciências médicas, Bioquímica, Química industrial e Biotecnologia. Os cursos
frequentados maioritariamente por homens são: todos os ramos das Engenharias à
exceção da Engenharia Química, Economia, Ciências do Desporto, Ciência Política
e Relações Internacionais, Cinema, Design Multimédia.
Remuneração
No que respeita à remuneração, verificamos que não obstante ser integralmetne
respeitada a tabela salarial da função pública, na prática os homens são mais
bem remunerados do que as mulheres porque ocupam maioritariamente os cargos
hierarquicamente mais elevados na UBI.
Os homens são quem se mantem há mais tempo na instituição em todos os escalões
de antiguidade, com exceção do escalão mais alto (36 e mais anos), onde a
diferença entre homens e mulheres é muito reduzida. No que diz respeito ao tipo
de contrato os homens ocupam os postos de trabalho com maior estabilidade,
designadamente, em contrato de trabalho em funções públicas por tempo
indeterminado e contrato administrativo de provimento (Figura 2).
Figura 2
Remunerações mensais ilíquidas por sexo
Cultura organizacional
Procurando compreender como é que a problemática do género tendencialmente se
configura na estrutura e cultura de uma organização de ensino superior público,
constatou-se que a literatura nos diz que, não obstante a introdução
generalizada de legislação e normas neutras que se promoveu nas últimas
décadas, é detetável em grande parte das organizações a continuidade de
práticas de desigualdade de género (Rubin, 1997).
Verificou-se que na UBI a temática da igualdade de género é considerada como um
"não problema" ou conotada com as correntes ideológicas feministas.
O plano de igualdade de género é percecionado como um utensílio supérfluo visto
que se considera que na UBI não existe discriminação. As pessoas separam a
esfera profissional da esfera privada sem considerarem a influência de umas
esferas sobre as outras e justificam a existência de igualdade de género na
instituição recorrendo a fatores geracionais e a uma cultura de tipo
meritocrático (Oliveira, 2011; Villas-Boas, 2011).
Verificou-se que na instituição existe uma visão estereotipada das
características femininas e das características masculinas que sustentam por um
lado a segregação vertical e a segregação horizontal (Villas-Boas, 2011). A
leitura da discrepância entre o número de homens e mulheres por áreas
científicas e setores da organização é feita mediante a perceção estereotipada
da distinção "natural" entre o que são áreas de homens e áreas de
mulheres. Nos discursos sobre as características de género, denota-se que são
as diferenças físicas em grande parte que fundamentam as desigualdades
existentes, e.g, a gravidez da mulher. As mulheres afirmam-se cientes de que
ser mãe é um entrave à sua carreira profissional e de que os homens são
beneficiados, legitimando, no entanto, esta realidade (porque é uma escolha
natural e que cabe a cada uma) e mitigam esta desigualdade, afirmando que
acabam por conseguir o mesmo que eles mas mais tarde no percurso de vida.
Destacou-se uma forte resistência à mudança e a ausência de uma perspetiva de
prevenção e proatividade como traços culturais marcantes e que tendem a
dificultar a mudança organizacional e a perpetuar problemas, entre os quais as
desigualdades de género existentes (Oliveira, 2011). No entanto, também se
encontraram discursos de homens e mulheres que criticam as normas
estabelecidas, embora sejam uma pequena minoria, podem ser o começo da
resistência e da mudança social dentro da instituição (Villas-Boas, 2011).
Terceira fase, elaboração do Plano de Igualdade de Género da UBI
Um plano de igualdade de género é, na sua essência, um instrumento de gestão
estratégica para a mudança organizacional e consiste na estruturação e
calendarização de um conjunto de medidas de intervenção que visam promover a
igualdade de acesso e oportunidades para todas e todos os trabalhadores. O
plano visa solucionar, ou pelo menos mitigar, os desequilíbrios e desigualdades
de género existentes e que foram detetados no diagnóstico organizacional
efetuado.
Na sequência do diagnóstico organizacional foi delineado pela equipa um plano
que se pretende que seja uma alavanca para a mudança organizacional que nos
conduza a uma instituição mais justa e adaptada às necessidades e valores do
século XXI.
Os objetivos gerais do plano para a igualdade de género na UBI6 são: (i)
garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres;
(ii) favorecer a convivência entre de homens e mulheres no seio da comunidade
académica, estendendo as melhorias conseguidas à vida fora dela; (iii)
constituir um exemplo de boas práticas no espaço da educação superior em
Portugal e na Europa, assumindo o compromisso interno e externo com a igualdade
de género.
São propostas trinta e três ações enquadradas em sete âmbitos de atuação, a
saber:
Âmbito 1 – Política de igualdade de oportunidades de género, que tem
por objetivo inserir nas ações de gestão e governação da universidade
o princípio de igualdade de oportunidades, facilitando o compromisso
e a implicação de todo o pessoal.
Âmbito 2 – Comunicação, imagem e linguagem, com o objetivo de
desenvolver uma comunicação interna e externa que respeite o valor da
igualdade de Género.
Âmbito 3 – Representatividade das mulheres, que tem como objetivo
promover uma participação equilibrada entre mulheres e homens em
todos os âmbitos, categorias e níveis da universidade.
Âmbito 4 – Promoção das condições de acesso à carreira e valorização
pessoal, que visa potenciar o potencial humano da instituição
garantindo a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na
seleção, promoção e desenvolvimento profissional dos trabalhadores e
das trabalhadoras e ao nível das condições de trabalho.
Âmbito 5 – Conciliação entre a vida familiar e profissional, com os
objetivos de facilitar a conciliação da vida profissional, familiar e
pessoal dos membros da comunidade académica, e aumentar a satisfação
e a motivação dos trabalhadores e das trabalhadoras, possibilitando a
ambos os géneros as mesmas oportunidades de usufruto da vida privada
e de investimento e dedicação à carreira profissional.
Âmbito 6 – Assédio, atitudes sexistas e perceção da discriminação,
que tem por objetivo prevenir e detetar as situações de assédio e
discriminação existentes na comunidade universitária criando
ferramentas que canalizem e solucionem os casos apresentados.
Âmbito 7 – Visualização e sensibilização das desigualdades de género
na instituição, com o objetivo de facilitar o controlo das
desigualdades de género por parte da instituição e sensibilizar a
comunidade académica para a igualdade de género.
Quarta Fase, implementação do Plano de Igualdade de Género.
Procurou-se, numa lógica de investigação-ação, desde sensivelmente meados do
projeto, desenvolver atividades que promovessem as medidas das sete ações do
plano de igualdade de género.
Quinta fase, Avaliação e seguimento do Plano de Igualdade de Género.
O processo avaliativo do plano resulta de uma avaliação sistemática de
valoração do projeto e do seu conjunto de atividades. Utilizamos durante o
processo dois instrumentos de gestão, a saber: a monitorização e a avaliação
ongoing. Estes dois instrumentos são diferentes mas estão diretamente
relacionados e apoiaram-se de forma interativa.
Considerações finais
A Universidade da Beira Interior, como instituição pública, cumpre
integralmente as recentes medidas legislativas de paridade entre os sexos e que
visam uma melhor relação entre trabalho pago e não pago. Contudo, os dados
apurados no diagnóstico organizacional apresentam claramente a Universidade da
Beira Interior como uma instituição onde persistem uma estrutura e cultura
marcadas pela desigualdade de género. O que à partida nos pode parecer um
paradoxo, torna-se mais facilmente percetível quando analisamos as entrevistas
aos funcionários e às funcionárias da instituição e compreendemos que eles e
elas legitimam e minimizam as desigualdades de género na instituição porque a
"sociedade é assim". Deste modo torna-se evidente que os planos de
igualdade de género são instrumentos fundamentais para a alteração de
mentalidades e sedimentação de uma cultura de paridade entre homens e mulheres
nas instituições e consequentemente na sociedade.
Na fase final desta primeira etapa do projeto foram marcantes os obstáculos
encontrados na negociação e assinatura no plano de igualdade de género.
Simultaneamente, a persistência de uma atitude social de desvalorização da
temática do género conduziu-nos a uma reflexão séria sobre o alcance dos
objetivos do projeto visto que, de alguma forma, dificilmente se pode
considerar que já tenhamos saído daquela que deveria ser a fase inicial de
sensibilização. A reflexão conduziu-nos, contudo, a constatações adicionais:
consideramos importante ter em conta os "pequenos ganhos" já
conseguidos, uma vez que, de acordo com o que a literatura nos indica, é
marcadamente lento o compasso da mudança quando trabalhamos as questões de
género ao nível organizacional. Quando as expectativas são grandes, estes
"pequenos ganhos" facilmente são ignorados, mas na verdade serão
eles a semente da mudança de mentalidades que apenas o tempo e a continuidade
das iniciativas permitirão sedimentar. Destacou-se a importância daquilo que
podemos chamar de um processo de sensibilização on going que implica uma
atitude de permanente atenção à necessidade de desconstruir estereótipos e
debater conceitos, concomitante com processos mais avançados de sedimentação de
medidas. O processo de desenvolvimento de um plano de igualdade de género
parece portanto requerer uma lógica de funcionamento de tipo elíptico e não a
esperada evolução linear que havíamos previsto. Em temos mais pragmáticos,
compreendemos ser extremamente importante promover o máximo de diálogo e
parceria com os responsáveis institucionais, de forma a agilizar a interação
com a gestão institucional e catapultar a implementação das medidas que
incorporam o plano de igualdade de género.
Algures no caminho entre uma sociedade que se perspetiva hoje mais integrada e
equitativa e uma cultura de cariz tradicionalista que perpetua os
"velhos" papéis sociais de homens e mulheres, a UBI surge-nos como
uma organização em que desponta o reconhecimento e valorização da igualdade de
género e de oportunidades mas que tem um longo processo pela frente. O atual
contexto de crise económica e social poderá criar uma conjuntura de reforço da
desvalorização da questão da igualdade de género. Não obstante, o processo está
em curso e é indubitavelmente um processo de crescimento e abertura
organizacional, pelo que eventualmente muitas das atuais dificuldades acabarão
por se revelar no futuro como as necessárias "dores de
crescimento".