Porque comemos o que comemos: Determinantes psicossociais da selecção alimentar
A preocupação com a adopção de uma alimentação saudável e com a manutenção de
um peso também ele considerado saudável é uma realidade, não só no contexto
clínico, mas também quando pensamos na sociedade de uma forma geral.
A ineficácia de muitos dos programas de promoção da saúde e de prevenção/
tratamento de doenças tem estimulado a necessidade de melhor compreendermos
porque é que comemos o que comemos, não só tendo em consideração o tipo de
alimentos que seleccionamos, como também a quantidade de alimentos que
ingerimos.
Uma das justificações adiantadas para a adopção de uma dieta pobre tem sido a
falta de conhecimento. Com efeito, Milligan et al. (1997) verificaram que um
dos obstáculos à adopção de uma alimentação saudável, identificado por jovens
australianos de 18 anos, era precisamente a falta de conhecimento sobre a
composição dos diferentes alimentos. Todavia, ainda que a falta de conhecimento
se encontre associada à adopção de uma dieta menos saudável, parece tratar-se
de uma explicação insuficiente, não permitindo compreender o porquê do sucesso
limitado das campanhas de educação para a saúde no domínio da alimentação
(Brown & Ogden, 2004).
Sabemos que a decisão de comer (nomeadamente determinados alimentos em
particular) varia de indivíduo para indivíduo e de situação para situação
(Mela, 2001), pelo que, provavelmente, existirão distintos factores a ter em
conta, conforme o indivíduo, quando pretendemos compreender os determinantes do
seu comportamento alimentar.
No presente trabalho propomo-nos reflectir sobre alguns dos principais
determinantes psicológicos e sociais do comportamento alimentar.
Vários têm sido os modelos teóricos desenvolvidos no domínio da Psicologia para
procurar explicar os complexos factores envolvidos na escolha dos alimentos que
ingerimos.
MODELOS EXPLICATIVOS DA SELECÇÃO ALIMENTAR
Apesar de se reconhecer a importância dos mecanismo de regulação fisiológica no
comportamento alimentar, a investigação tem vindo a comprovar a também inegável
importância de aspectos psicológicos, sociais e culturais nesse comportamento.
O termo escolha alimentar (food choice)é definido por Hamilton, McIlveen, e
Strugnell (2000) como um conjunto de decisões conscientes e inconscientes
tomadas por uma pessoa no momento da compra, no momento do consumo ou em algum
momento entre estes dois.
A investigação sugere que a intervenção com objectivo de alterar as escolhas
alimentares tem-se focado de forma simplista apenas na informação e na
educação. Todavia, a saúde não é o único factor (e nem sequer tem de ser um
aspecto valorizado pelo indivíduo) a determinar as motivações para a selecção
de determinados alimentos (Crossley & Khan, 2001). Assim, o sucesso das
estratégias de promoção da saúde através da adopção de estilos de alimentação
saudáveis dependerá, em primeiro lugar, do reconhecimento da existência de
outros factores motivadores.
Crossley e Khan (2001) procederam a uma revisão da literatura sobre os motivos
subjacentes à selecção de alimentos, sistematizando da seguinte forma os
factores envolvidos: factores individuais (psicológicos, implicando aspectos
motivacionais, como os relacionados com os sentidos ' o sabor, o hábito,
controlo do peso, preocupações éticas, stress, entre outros) e factores
colectivos (sociais e culturais, incluindo aspectos como a produção dos
alimentos, marketing, entregas, vendas).
Estes autores referem que os factores motivacionais diferem ignificativamente
entre indivíduos com diferentes níveis de escolaridade e pertencentes a
diferentes grupos socioeconómicos. Crossley e Khan (2001) desenvolveram um
estudo em que compararam os motivos subjacentes à selecção de alimentos em
dentistas e porteiros/empregados de limpeza. Concluíram que, se os porteiros/
empregados de limpeza identificavam como factores motivadores dessa escolha a
conveniência (por exemplo, ser fácil de preparar), o preço (por exemplo, ser
barato), o humor (por exemplo, ajudar a lidar com o stress) e a familiaridade
(alimentos que gostava de comer quando era criança), os dentistas identificavam
como factores determinantes da sua escolha o conteúdo natural (por exemplo, não
conter aditivos, conter ingredientes naturais, não conter ingredientes
artificiais) e as preocupações éticas (por exemplo, serem produtos com origem
em países que não violam os direitos humanos dos trabalhadores, produtos de
origem claramente demarcada, utilizarem embalagens amigas do ambiente)
(Crossley & Khan, 2001).
Hamilton et al. (2000) realizaram uma revisão da literatura focada nos
diferentes modelos teóricos desenvolvidos com vista a explicar o processo de
escolha dos alimentos, sublinhando que, apesar destes modelos terem sido alvo
de várias críticas, constituem um útil ponto de partida para a avaliação dos
numerosos factores envolvidos e da interacção entre estes. Estes autores
destacam três modelos teóricos que procuraram categorizar as influências não só
de aspectos do indivíduo, mas também dos alimentos e do próprio ambiente: o
modelo proposto por Khan, em 1981, o modelo desenvolvido por Randall e Sanjur,
em 1981 e o modelo apresentado por Booth e Shepherd, em 1988.
Segundo Hamilton et al. (2000), o modelo desenvolvido por Khan ilustra as
distintas influências que actuam sobre o indivíduo ao nível dos seus hábitos,
aceitação e preferências alimentares, ainda que seja difícil de perceber a
extensão de cada uma delas na vida deste, dada a sua constante interacção. Este
modelo valoriza, enquanto determinantes do comportamento alimentar, os
seguintes factores:
- Factores intrínsecos: Método de preparação, características organolépticas,
aspecto, textura, temperatura, cor, odor, sabor, qualidade;
- Factores pessoais: Nível de expectativa, prioridade familiaridade, influência
dos outros, personalidade, humor, apetite, emoções, família, educação;
- Factores culturais e religiosos: restrições religiosas, tradições,
influências culturais;
- Factores biológicos (sexo, idade), fisiológicos (mudanças, doenças) e
psicológicos;
- Factores extrínsecos: Factores ambientais, factores situacionais,
publicidade, variações sazonais;
- Factores sócio-económicos: Condições económicas, custo dos alimentos,
segurança ' hábitos passados, convencionalidade, prestígio.
Hamilton et al. (2000) apresentam, ainda, uma análise do modelo proposto por
Randall e Sanjur, em 1981, que também procura categorizar os factores que
influenciam a selecção de alimentos pelos indivíduos. Este modelo contempla os
seguintes determinantes:
- Características do indivíduo: sexo, idade, habilitações académicas,
rendimentos, conhecimentos de nutrição, competências/criatividade para
cozinhar, atitudes em relação à saúde e papel dos alimentos nessas crenças;
- Características dos alimentos: sabor, aspecto, textura, custo, tipo de
alimento, método de preparação, forma, época do ano, combinação de alimentos;
- Características do ambiente: Estação do ano, emprego, mobilidade, grau de
urbanização, tamanho da casa, família.
Finalmente, Hamilton et al. (2000) salientam o modelo de selecção de alimentos
desenvolvido, em 1988, por Boothe e Shepherd, que consideram constituir uma
síntese eficaz dos dois modelos anteriormente apresentados. Neste modelo, são
descritos factores de influência externos e internos na selecção de alimentos.
Entre estes factores designadamente destacam os próprios alimentos e a
percepção do indivíduo em relação ao momento da refeição (Hamilton et al.,
2000):
- Os alimentos: os atributos relacionados com a marca e a composição são
influenciados por normas culturais, padrões de compra da maioria das pessoas e
por factores económicos;
- A percepção do indivíduo em relação ao momento da refeição é influenciada
pela personalidade, valores, crenças, hábitos, emoções, gostos, fisiologia e
regras pessoais.
Também Ogden (2003) apresenta uma reflexão e tentativa de sistematização dos
diferentes modelos explicativos da selecção de alimentos, destacando, entre
estes, o Modelo Desenvolvimental e os Modelos Cognitivos, que passamos a
descrever.
Modelo Desenvolvimental da escolha de alimentos
Segundo Ogden (2003), a abordagem desenvolvimental salienta a importância da
aprendizagem e da experiência no desenvolvimento das preferências alimentares
na infância. Brown e Ogden (2004) sublinham a importância de conhecermos os
padrões alimentares nesta etapa do desenvolvimento, alertando para o facto de a
investigação sugerir que os hábitos alimentares adquiridos na infância
persistirem ao longo da vida adulta.
Brunstrom (2005) considera que, quando escolhemos consumir determinada
quantidade de alimentos, a nossa decisão é baseada em inúmeros factores (desde
o sabor, a expectativa de que o alimento nos vai saciar, crenças mais gerais
acerca das suas consequências para a nossa saúde, etc.). Este autor considera
tratar-se de uma competência absolutamente notável esta de integrarmos os
distintos factores de modo a tomarmos uma decisão em relação ao que vamos comer
e em que quantidade o vamos fazer, e acrescenta que esta capacidade é adquirida
ao longo do tempo, não estando presente no recém-nascido (que apenas
conseguiria distinguir sabores básicos).
Brunstrom (2005) alerta para o facto da maioria (95%) dos estudos realizados
sobre a aprendizagem relacionada com a selecção alimentar ter sido realizada
com participantes não humanos e, por isso, ser essencial debruçarmo-nos sobre a
aprendizagem e desenvolvimento subjacentes à tomada de decisão alimentar se
desejarmos vir a desenvolver programas de intervenção eficazes neste domínio.
Estudos desenvolvidos nas décadas de 20 e 30 do século XX, sugeriam já que as
crianças possuem um mecanismo regulador inato que lhes permite seleccionar uma
alimentação saudável, desde que esta se encontre disponível. No entanto, tal
não invalida que as preferências alimentares das crianças mudem ao longo do
tempo e de acordo com a experiência destas (Ogden, 2003).
Drewnoski (1997) refere que as preferências alimentares nos primeiros anos de
vida são determinadas por dois factores ' a familiaridade e a doçura ' e que a
preferência por gordura pode ser adquirida precocemente na vida. Este autor
alerta, porém, para o facto da preferência pelo sabor doce e o consumo de
açúcar declinarem entre a adolescência e a idade adulta, ainda que a evidência
desse fenómeno seja apenas indirecta, uma vez que os estudos desenvolvidos têm
sido de natureza essencialmente transversal, não acompanhando o mesmo grupo de
participantes ao longo do tempo.
Uma revisão da literatura realizada por Ogden (2003), levou esta autora a
concluir que o que é inato é a capacidade das crianças aprenderam acerca das
consequências da alimentação, uma vez que são capazes de associar a ingestão de
alimentos às suas consequências, o que contribui para que aprendam a controlar
a ingestão de alimentos.
Segundo Drewnoski (1997), uma das provas de que existem preferências que vão
sendo adquiridas e alteradas com a idade é a preferência por alimentos como o
café, a cerveja, as bebidas alcoólicas e pimenta.
Ogden (2003) considera que, para compreendermos o desenvolvimento de
preferências alimentares, devemos ter em conta a exposição, a aprendizagem
social e a aprendizagem por associação.
A exposição.A aquisição de padrões de aceitação de alimentos parece ser
caracterizada pela resposta à exposição repetida de alimentos e à experiência
alimentar repetida, sendo que esta exposição e experiência começam ainda no
útero, continuando, depois, logo que o bebé começa a mamar (Birch, 1999; Fisher
& Birch, 2002). Fisher e Birch (2002) verificaram que o leite materno
apresenta sabores que resultam da alimentação da própria mãe. Por exemplo, o
odor de alho, do álcool e de estrato de baunilha ingerido pela mãe estão
presentes no seu leite. Assim, a exposição a estes sabores vai-os tornando
familiares para a criança.
Fisher e Birch (2002) consideram também que o comportamento alimentar da
família constitui um dos determinantes das preferências alimentares em crianças
e da selecção alimentar que estas fazem. Estes autores referem que a
investigação sugere que a exposição repetida a novos alimentos, mesmo que
durante o aleitamento materno, aumenta a aceitação da criança por alimentos
semelhantes.
Holland e Petrovich (2005) defendem que os processos de aprendizagem
associativa desempenham, também, um papel importante no consumo alimentar. No
nosso dia-a-dia, somos bombardeados com pistas relacionadas com a comida (de
que é um excelente exemplo a publicidade nos meios de comunicação social).
Estas pistas podem influenciar o acto de comer de diferentes formas ' desde o
facto de constituírem reforços condicionados para comportamentos instrumentais,
até à indução de estados emocionais normalmente associados ao acto de comer,
que ultrapassam as normais pistas para a saciedade e levam ao aumento do
tamanho da refeição. Estes autores, a partir da revisão da literatura que
efectuaram, sugerem que a iniciação da refeição é mais baseada no hábito e na
conveniência do que na necessidade aguda de energia.
Ogden (2003) refere que os seres humanos necessitam de uma alimentação variada,
para que esta seja equilibrada. No entanto, é frequente sentirem receio de
alimentos novos e evitá-los (neofobia). A investigação tem revelado que a mera
exposição a alimentos novos pode alterar as preferências da criança e que
existe uma relação directa entre a exposição aos alimentos e as preferências
alimentares, o que significa que, quanto mais frequente for a exposição da
criança a esses alimentos, maior será a sua preferência por eles, sendo que
será necessária a exposição 8 a 10 vezes, no mínimo, para que as preferências
comecem a mudar (Birch & Marlin, 1982).
Segundo Ogden (2003), a neofobia é mais frequente nos homens do que nas
mulheres, diminuindo com a idade; corre nas famílias; e revela ser mínima em
crianças a quem está a ser introduzida uma alimentação sólida, mas maior em
crianças em idade pré-escolar. Uma das explicações que tem sido apresentada na
literatura é a da segurança aprendida, segundo a qual as preferências
aumentam porque a ingestão de alimentos não resultou em quaisquer consequências
negativas (Ogden, 2003).
Por outro lado, alguns estudos sugerem que a mera exposição visual a novos
alimentos não é suficiente para aumentar as preferências e que é essencial
provar esses alimentos (Horne et al., 2004). Para além disso, as consequências
negativas têm de ocorrer dentro de um período de tempo relativamente curto após
a criança provar o alimento (Pliner & Leowen, 1997).
A aprendizagem social.À medida que a criança faz a transição para a alimentação
do adulto característica da sua cultura, é exposta a uma vasta informação sobre
o significado dos alimentos e do acto de comer. As crianças recebem informação
sobre os locais e momentos do dia em que é aceitável comer, sobre a forma mais
adequada de comer os alimentos e sobre o tipo de alimentos que são
culturalmente considerados adequados para determinado momento do dia (Birch,
1998; Brown & Ogden, 2004; Cutting, Fisher, GrimmThomas, & Birch, 1999;
Fisher & Birch, 2002).
É possível que, pela observação do comportamento alimentar dos seus pais, as
crianças adoptem comportamentos semelhantes. O acto de comer é um acontecimento
social, sendo que as outras pessoas que se encontram a comer à nossa volta
podem servir de modelos (Cutting et al., 1999).
A aprendizagem social, também designada por modelagem, está precisamente
relacionada com a aprendizagem pela observação do comportamento de outras
pessoas. Vários são os estudos que sugerem que as preferências alimentares
mudam quando observamos os outros indivíduos a comer (Addessi, Galloway,
Visalberghi, & Birch, 2005; Birch, 1999; Ogden, 2003).
Ogden (2003) reviu estudos desenvolvidos na década de 30 do século XX sobre o
impacto da sugestão social nas escolhas alimentares de crianças relativamente a
alimentos que habitualmente não ingeriam. Entre os modelos utilizados
encontravam-se outra criança não conhecida, um amigo, um adulto desconhecido e
um herói de ficção. Estes estudos permitiram verificar que o adulto
desconhecido não tinha qualquer impacto nas preferências alimentares das
crianças, sendo que a maior mudança na preferência das crianças ocorreu quando
o modelo utilizado era outra criança, um amigo ou um herói de ficção.
Num estudo realizado por Birch (1980), este autor constatou que as crianças
mudavam a sua preferência por diferentes vegetais quando observavam, por quatro
dias consecutivos, outra criança a ingerir um vegetal diferente do que eles
inicialmente preferiam.
Ogden (2003) refere que o mesmo se verifica quando se utiliza a modelagem
através do uso de vídeos de outras crianças mais velhas comendo
entusiasticamente alimentos que as crianças em estudo rejeitavam, sendo que,
nessa situação, ocorre uma mudança nas preferências e um consequente aumento do
consumo de fruta e de vegetais por estas últimas.
Horne et al. (2004) desenvolveram um programa de intervenção que visava o
aumento do consumo de vegetais e fruta, e que consistiu, numa fase inicial, na
apresentação de vídeos em que os heróis travavam uma batalha e eram vistos,
depois, a apreciar estes alimentos, que recebiam como recompensa. Para além,
disso era utilizado o reforço ao longo do período de manutenção do programa
(ex. através da oferta de canetas, lápis, estojos, borrachas e certificados com
a imagem dos heróis dos vídeos), bem como cartas de incentivo e encorajamento.
O programa revelou ser eficaz, sendo que os participantes passaram a ingerir
maior quantidade de vegetais e fruta do que as crianças que não participaram
neste programa.
As atitudes parentais em relação aos alimentos e às escolhas alimentares também
são essenciais no processo de aprendizagem social, directa e indirectamente,
através dos alimentos que os pais compram e que têm em casa, e pela exposição
aos hábitos e preferências destes (Brown & Ogden, 2004; Ogden, 2003).
Todavia, nem sempre existe acordo entre mães e filhos. Klesges, Stein, Eck,
Isbell, e Klesges (1991) constataram que as crianças seleccionam alimentos
diferentes quando estão a ser observadas pelos seus pais e quando não o estão.
Por sua vez, num estudo realizado por Alderson e Ogden (1999), verificou-se que
as escolhas das mães eram mais motivadas pelas calorias, custo, tempo e
disponibilidade quando se referiam a si mesmas, mas pelos cuidados nutricionais
e pela saúde quando as escolhas diziam respeito aos seus filhos. Este estudo
sugere, ainda, que as mães que se encontravam a fazer dieta tendiam a alimentar
os seus filhos dando-lhes mais dos alimentos de que se estavam a privar.
A aprendizagem social também está associada ao impacto da televisão e da
publicidade relacionada com alimentos. São muitos os exemplos associados aos
meios de comunicação social ' por exemplo, a informação que foi transmitida
sobre a BSE e a gripe das aves e que teve como consequência a diminuição do
consumo de carne de vaca e de aves, respectivamente.
Os meios de comunicação social têm um considerável impacto no que as pessoas
comem e no que estes pensam sobre os alimentos. Por exemplo, Carmo (1999)
refere um estudo realizado por um grupo de investigadores do Porto, em que
foram analisados os efeitos da publicidade televisiva em jovens adolescentes
entre os 12 e os 24 anos. Quando analisados os anúncios a um determinado
refrigerante, verificaram que um quarto dos jovens, confrontados com estes,
considerava que esse refrigerante conferia coragem às crianças, 11% considerava
que as pessoas conhecidas bebiam esse refrigerante e 2% pensava que esse
refrigerante fazia crescer.
Todavia, Ogden (2003) refere que o público não se limita a responder
passivamente aos meios de comunicação social, exercendo julgamento sobre as
mensagens relacionadas com a saúde e com a segurança da sua alimentação,
colocando essa informação numa perspectiva mais ampla do seu contexto de vida.
Aprendizagem associativa.A aprendizagem associativa refere-se ao impacto de
factores contingentes no comportamento, factores esses que podem ser
considerados reforçadores (Birch, 1999; Ogden, 2003). A investigação tem-se
debruçado sobre a exploração do impacto do emparelhamento de pistas
relacionadas com alimentos com aspectos do ambiente, nomeadamente do alimento
emparelhado com uma recompensa, do alimento utilizado como recompensa e do
alimento emparelhado com consequências fisiológicas.
Alguns estudos debruçaram-se sobre o reforço da ingestão de determinados
alimentos. Muitos de nós já ouvimos dizer Se comeres tudo, fico muito contente
contigo. Por exemplo, Birch, Zimmerman, e Hing (1980b) constataram que a
atenção positiva de um adulto associada a um alimento, aumenta a preferência de
crianças por este. Também Drewnoski (1997) refere que a preferência pelo gosto
do café, cerveja, bebidas alcoólicas e pimenta é resultado da associação entre
um estímulo que, muitas vezes, é desagradável com consequências pós-ingestão
desejáveis.
No entanto, os alimentos também podem ser utilizados em si mesmos como
recompensa. Não é raro ouvirmos expressões como Se te portares bem, dou-te um
gelado. Birch, Zimmerman, e Hing (1980a) apresentaram alimentos a crianças
como se fossem uma recompensa (um lanche) ou em situações não sociais (de
controlo), tendo observado que ocorre um aumento da aceitação dos alimentos
fornecidos como recompensa, mas não dos alimentos apresentados na outra
situação, o que levou os autores a concluírem que o uso dos alimentos como
reforço aumenta a preferência das crianças por esses alimentos.
Porém, esta relação entre a utilização de alimentos como reforço e as
preferências alimentares em crianças não parece ser tão simples, sendo que,
vários estudos revelaram que essa preferência pode diminuir (Ogden, 2003).
Ogden (2003) ilustra esta relação da seguinte forma: Se comeres os vegetais,
podes comer a sobremesa. Segundo esta autora, este tipo de estratégia
utilizada pelos pais para estimular a criança a ingerir mais vegetais, ainda
que possa resultar a curto prazo, pode resultar num aumento da sua preferência
pela sobremesa e numa diminuição ainda mais marcada da preferência por legumes.
Estes resultados aparentemente contraditórios têm vindo a ser atribuídos por
alguns autores a diferenças metodológicas, ao facto de se tratarem de estudos
de carácter laboratorial e, por isso, não realizados em contexto de vida real,
de avaliarem um único momento do tempo e não ao longo do tempo (Ogden, 2003).
A análise dos vários aspectos metodológicos relacionados com os distintos
resultados apresentados por diferentes estudos, permite concluir que a
preferência alimentar pode ser aumentada se for oferecida uma recompensa pelo
consumo de determinado alimento, desde que o contexto simbólico do reforço seja
positivo e não indique que comer o alimento alvo é uma actividade de baixo
valor (Ogden, 2003).
A investigação também sugere que a proibição do consumo de determinados
alimentos pelos pais não é eficaz, tornando esses alimentos ainda mais
atractivos para as crianças (Fisher & Birch, 1999; Ogden, 2003). Fisher e
Birch (1999) verificaram que a ingestão de alimentos restringidos pelas mães
prediz positivamente a ingestão desses alimentos por crianças de sexo feminino.
Assim, quanto mais as mães restringem o acesso a esses alimentos, mais as
crianças os ingerem.
Um outro aspecto relevante a salientar na aprendizagem por associação é a
relação entre o consumo de alimentos e as suas consequências fisiológicas,
sendo que as crianças tendem a evitar ingerir alimentos quando, após a sua
ingestão anterior ocorreram consequências gastrointestinais negativas (Ogden,
2003).
Limitações do Modelo Desenvolvimental das escolhas alimentares.Segundo Ogden
(2003), uma limitação apresentada pelo Modelo Desenvolvimental é o facto da
maioria dos estudos em que este se suporta terem sido desenvolvidos em contexto
laboratorial, sendo difícil a sua generalização aos diferentes contextos reais
da vida dos indivíduos.
Esta autora aponta, também, como limitação o facto de o modelo contemplar
apenas os alimentos do ponto de vista da conquista de um reforço, destes
constituírem o próprio reforço e de serem agradáveis ou desagradáveis. Ogden
(2003) considera que os alimentos e o comportamento de ingestão estão
associados a um conjunto muito diverso de significados (como, por exemplo,
poder, sexualidade, religião, cultura), pelo que se trata de um modelo
explicativo pobre.
Ogden (2003) refere, ainda, que este modelo não valoriza a relação entre a
ingestão dos alimentos e a imagem corporal, negligenciando preocupações como o
aumento do peso corporal, a atractividade e a imagem corporal. Finalmente, na
sua análise crítica, sublinha que, ainda que este modelo contemple o papel das
cognições na motivação para o comportamento de ingestão, fálo de uma forma
meramente implícita.
Modelos Cognitivos da escolha de alimentos
Os Modelos Cognitivos da escolha alimentar focam essencialmente o papel das
cognições do indivíduo na predição e explicação do seu comportamento alimentar,
não contemplando apenas essas cognições de um ponto de vista implícito, mas
também explícito. Vários têm sido os estudos que sugerem a importância das
crenças relacionadas a saúde no comportamento alimentar dos indivíduos.
Dentro dos modelos cognitivos têm-se destacado o Modelo de Crenças da Saúde, o
Modelo da Motivação Protectora, o Modelo da Acção Planeada, entre outros. Ainda
que apresentem algumas características específicas, estes modelos apresentam
como aspecto central o facto de incorporarem os seguintes aspectos (Ogden,
1999, 2003; Ribeiro, 1998): atitude em relação a determinado comportamento,
percepção do risco (vulnerabilidade), percepção da gravidade do problema,
custos e benefícios de um determinado comportamento, auto-eficácia e percepção
de controlo do comportamento, comportamento passado e normas sociais.
A investigação neste domínio tem-se centrado na predição do consumo de
determinados alimentos ' como, por exemplo, a extensão em que as cognições se
relacionam com a intenção de comer determinados alimentos (ex. bolachas, pão,
vegetais orgânicos) (Ogden, 2003). Alguns destes estudos têm, de forma geral,
apoiado a ideia de que as intenções comportamentais não são boas préditoras do
comportamento em si, o que levou os investigadores a explorar o hiato entre a
intenção e o comportamento.
No entanto, as atitudes têm revelado ser boas préditoras do uso de sal de mesa;
comer em restaurantes de fastfood; frequência do consumo de leite magro;
alimentação saudável, conceptualizada enquanto elevado consumo de fibras,
vegetais e fruta, e baixos níveis de gordura (Ogden, 2003).
Por outro lado, a investigação tem enfatizado a importância da percepção de
controlo e de autoeficácia na predição do comportamento, particularmente no que
respeita à perda de peso e à alimentação saudável (Milligan et al., 1997;
Ogden, 2003). Wamsteker et al. (2005) desenvolveram um estudo com indivíduos
obesos holandeses, tendo constatado que a perda de peso em programas de
tratamento para a obesidade está positivamente associada à percepção de auto-
eficácia e negativamente relacionada com a crença de que a obesidade tem uma
causa física e de que não está sob controlo comportamental por parte do
indivíduo. Estes resultados levaram os autores a concluir que será fundamental
ter em consideração as crenças dos indivíduos, assim como a percepção de auto-
eficácia destes quando se concebem programas de intervenção neste domínio.
Em contrapartida, a investigação tem sugerido que as normas sociais (isto é, a
percepção de que determinados grupos têm determinados hábitos alimentares) e a
percepção de apoio social são fracas preditoras do comportamento alimentar
(Ogden, 2003).
Os estudos desenvolvidos neste domínio têm-se debruçado, também, sobre o papel
da ambivalência na predição do comportamento alimentar, parecendo apontar para
o facto de, quando se sente de forma ambivalente em relação a um alimento (por
exemplo, comer chocolate é positivo e negativo), isso torna mais difícil que a
atitude geral em relação a esse alimento se traduza numa intenção de o ingerir
(Ogden, 2003).
Urland e Ito (2005) defendem que o processo contrário também se poderá
verificar. Assim, a adopção de comportamentos de restrição alimentar pode
alterar as atitudes do indivíduo em relação aos alimentos, alterando as suas
motivações comportamentais.
Limitações dos Modelos Cognitivos de selecção de alimentos.A abordagem
cognitiva da selecção de alimentos tem sido criticada pelo facto de valorizar
extremamente o papel de variáveis a um nível individual (descurando aspectos
como, por exemplo, hábitos alimentares da família, disponibilidade dos
alimentos) e por pressupor que o mesmo conjunto de cognições é necessariamente
relevante para todos os indivíduos.
Ogden (2003) aponta, como uma das grandes limitações destes modelos, o facto de
se basearem essencialmente na utilização de métodos quantitativos e
questionários desenvolvidos com base nos modelos teóricos existentes, pelo que
as cognições estudadas são seleccionadas pelo próprio investigador, não sendo
necessariamente relevantes para cada um dos indivíduos estudados.
Ogden (2003) vai mais longe, alertando para o facto de estes modelos
pressuporem que o comportamento é consequência de pensamentos racionais,
ignorando, consequentemente, o papel dos afectos, apesar de emoções como medo
(do aumento de peso, de doenças), prazer e culpa (por exemplo, por ter comido
em excesso) poderem contribuir para a selecção de alimentos.
Os aspectos sociais são, também, desvalorizados. Ainda que os modelos
cognitivos considerem a visão dos outros sob a forma de normas subjectivas,
parece não ser suficiente para contemplar todos os complexos aspectos sociais
envolvidos no comportamento social de comer (Ogden, 2003). A capacidade
preditora destes modelos revela ser insuficiente, deixando uma considerável
variância para ser explicada por factores não definidos (Ogden, 2003).
ALIMENTOS, EMOÇÕES, COGNIÇÕES E COMPORTAMENTOS
Perdese no tempo a ideia de que de que somos o que comemos, ou seja, de que
aquilo que comemos influencia a nossa saúde física e mental (Christensen &
Brooks, 2006).
Patel e Schlundt (2001) verificaram que o humor positivo e o humor negativo
estão associados a uma maior ingestão de alimentos do que o humor neutro.
De acordo com Christensen e Brooks (2006), a investigação tem vindo a
demonstrar de forma consistente que a nossa dieta tem impacto no nosso humor.
Todavia, estes autores sugerem que esta relação, mais do que unidireccional,
deverá ser percebida como bidireccional, uma vez que não só os alimentos
determinam o nosso humor, como também o nosso humor determina aquilo que
comemos.
Abdul-Missagh, Marini, Jabalourwala, e Steiger (1999) verificaram que é
frequente, os indivíduos com comportamento alimentar disfuncional apresentarem
perturbação afectiva sazonal, com queixas de alterações significativas ao nível
do sono, actividades sociais, humor, nível de energia, peso e apetite.
Num estudo realizado por Wells, Read, Laugharne, e Ahluwaklia (1998) constatou-
se que, no final do primeiro mês, os participantes que foram submetidos a uma
dieta pobre em gordura apresentavam um aumento do nível de raiva-hostilidade,
alteração que não ocorria nos participantes que mantinham uma dieta mais rica
em gordura. No entanto, os dois grupos de participantes não se distinguiram
quanto ao nível de tensão/ansiedade. Estes resultados levaram os autores a
concluir que uma dieta pobre em gordura poderá ter um efeito adverso no humor.
A literatura demonstra que determinados alimentos específicos tendem a ser
consumidos pelos indivíduos com a intenção de melhorar estados de humor
negativos ou como forma de lidar com o stress, sendo a ingestão desses
alimentos utilizada como uma estratégia de auto-regulação do humor
(Christensen, 1993; Dallman, Pecoraro, & Fleur, 2005). O consumo de
determinados alimentos (frequentemente de alimentos doces) parece assumir o
papel de uma automedicação, isto é, algumas pessoas consomem alimentos doces
com o objectivo de aliviar os sintomas (Christensen, 2001).
Christensen (2001), partindo de uma análise de resultados que sugerem que
indivíduos com perturbação afectiva sazonal, indivíduos obesos, mulheres com
síndroma pré-menstrual e indivíduos com depressão unipolar apresentam compulsão
por hidratos de carbono doces e alimentos ricos em gordura, levantou a hipótese
de existir uma relação cíclica entre os alimentos e o humor negativo. Este
autor considera que o distressemocional (particularmente os sintomas de
depressão e fadiga) conduz à compulsão por hidratos de carbono doces e ricos em
gordura (como, por exemplo, gelados e chocolates). Christensen (2001) adianta,
ainda, que, em situações em que o indivíduo apresenta humor negativo, não se
verifica apenas a compulsão pelos alimentos doces e ricos em gordura, mas
ocorre também um consumo destes alimentos em maior quantidade.
Christensen (2006) sugere que a compulsão por este tipo de alimentos resulta
numa melhoria temporária do humor, a que se segue um retorno ao humor negativo,
reiniciando-se o ciclo novamente. Por esta razão, sugere que, para quebrar este
ciclo, os indivíduos devem melhorar o seu humor (por exemplo, através de
psicoterapia ou do uso de psicofármacos, ainda que alerte para o facto de
alguns anti-depressivos possam aumentar a compulsão por doces).
Alguns estudos têm procurado compreender a influência do consumo de
determinados alimentos no estado de humor dos indivíduos, analisando em
particular os efeitos do consumo de cafeína, de hidratos de carbono e do
chocolate (para uma revisão mais detalhada, consultar Benton, Greenfield, &
Morgan, 1998; Cartwright & Stritzke, 2007; Cartwright, Stritzke, Durkin,
Houghton, Burke, & Beilin, 2007; Christensen, 1993; Drewnowski, 1997; Macht
& Dettmer, 2006; Ogden, 2003; Räikkönen, Peasonen, Järvenpäa, &
Strandberg, 2004).
STRESS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR
A relação entre o stress e o comportamento alimentar é complexa e os resultados
da investigação neste domínio são usualmente contraditórios.
Alguns estudos têm sugerido que o stress está associado a uma diminuição dos
alimentos ingeridos (Stone & Brownell, 1994). Todavia, outros estudos
referem um aumento da quantidade de alimentos ingerida em momentos de stress,
nomeadamente em indivíduos obesos. Para além disso, em alturas de stress, os
estudantes referem diminuir as refeições tradicionais, aumentando as refeições
ligeiras (snacks). A investigação sugere, ainda, que os períodos de maior
sobrecarga de trabalho estão associados a um maior consumo de energia, gorduras
saturadas e de açúcar (Ogden, 2003).
Oliver e Wardle (1999) estudaram um grupo de estudantes, tendo concluído que
aproximadamente metade referia aumentar a quantidade de alimentos ingeridos
durante os períodos de stress e a outra metade referia uma diminuição dessa
quantidade. O denominador comum aos dois grupos revelou ser a diminuição da
ingestão de alimentos tipo refeição (ex. fruta, vegetais, carne, peixe) e um
aumento da ingestão de alimentos tipo-snack (refeições ligeiras).
Ogden (2003) considera que, às vezes, o stress diminui a quantidade de
alimentos ingerida, enquanto outras vezes pode aumentá-la. Esta relação
contraditória tem vindo a ser designada, na literatura, como o paradoxo
stress/ingestão (Stone & Brownell, 1994).
Spillman (1990) considera que o stress estimula a utilização da ingestão
alimentar como estratégia de coping. Por exemplo, Macht, Haupt, e Ellgring
(2005) verificaram que, no período que antecede os exames, os estudantes tendem
a comer de forma mais emocional e a utilizar a ingestão alimentar como forma de
se distraírem do stress. Bradley (1985), no mesmo sentido, alerta para o facto
do stress poder contribuir para o aumento de peso em adultos e crianças.
Os indivíduos que apresentam perturbação de ingestão compulsiva também revelam
níveis de stress superiores aos dos indivíduos que não apresentam este
diagnóstico, assim como maior humor negativo e menor humor positivo, sendo que
quer o humor, quer o stress parecem anteceder o comportamento de ingestão
(Wolff, Crosby, Roberts, & Wittrock, 2000).
A investigação sugere a existência de diferenças entre os dois sexos no que diz
respeito ao comportamento alimentar como resposta ao stress. Por exemplo, Ogden
(2003) reviu vários estudos em que os autores constataram que o stress
relacionado com os exames está associado a um aumento da quantidade de
alimentos ingeridos nas raparigas, mas não nos rapazes. Por sua vez, Stone e
Brownell (1994) desenvolveram um estudo longitudinal que lhes permitiu
constatar que é mais provável os homens sob stress tenderem a comer menos do
que tenderem a ingerir maior quantidade de alimentos. Estes autores
verificaram, ainda, que as mulheres sob níveis de stress extremamente elevados,
também tendem a comer menos.
Um aspecto que tem revelado ser importante nesta relação entre stress e
comportamento alimentar é o facto dos indivíduos se encontrarem ou não a fazer
dieta, sendo que o stress só parece levar a um aumento da quantidade de
alimentos ingerida em indivíduos que se encontram a fazer dieta (Ogden, 2003).
Porém, uma vez mais, os resultados da investigação não são coerentes. Ogden
(2003) alerta para a existência de outros estudos que não encontraram quaisquer
diferenças significativas quanto à relação stress e comportamento alimentar
entre os dois sexos, nem quando se considerou o facto dos indivíduos se
encontrarem ou não a fazer dieta.
Alguns autores têm analisado os aspectos fisiológicos que poderão mediar esta
relação entre níveis de stress e ingestão de alimentos. Um dos aspectos que tem
sido valorizado prende-se com os níveis de cortisol ' após uma situação de
stress experimentalmente induzida, aumentam os níveis de cortisol, que, por sua
vez, revelam estar associados a uma maior ingestão alimentar (Björntorp, 1995;
Chrousos, 2000; Epel, Lapidus, McEwen, & Brownell, 2001; Peeke &
Chrousos, 1995).
As situações de stress podem levar a uma maior libertação de cortisol. De
acordo com Carmo (2002), uma resposta exagerada de cortisol provoca deposição
de gordura, sobretudo no abdómen.
Este domínio necessita, sem dúvida, de ser objecto de pesquisa mais
aprofundada.
OUTROS DETERMINANTES DAS ESCOLHAS ALIMENTARES
Glanz, Basil, Maibach, Golberg, e Snyder (1998) verificaram, num estudo
realizado com a população americana, que as escolhas alimentares, mais do que
serem determinadas pelo conhecimento dos benefícios, são determinadas por
variáveis tão distintas quanto a história pessoal e familiar, o envolvimento
cultural, o paladar, o preço, o aspecto, a facilidade em preparar os alimentos
e a publicidade.
Também Lennernas, Fjellstrom, Becker, Giachetti, Schmit, e Winter (1997), num
estudo realizado em países da Comunidade Europeia, verificaram que os factores
que mais influenciavam as escolhas alimentares eram (por ordem decrescente): a
qualidade e frescura; o preço; o paladar; o desejo de uma alimentação mais
saudável; e as preferências familiares.
Kayman (1989) acrescenta, ainda outros determinantes como: a influência dos
parceiros e amigos, a publicidade, a embalagem e a disposição nas prateleiras
das lojas.
Também o contexto social e cultural revela ser determinante na selecção do tipo
de alimentos e quantidades ingeridas. Por exemplo, Herman e Polivy (2004), e
Patel e Schlundt (2001) verificaram que ingerimos maior quantidade de alimentos
quando comemos acompanhados do que quando comemos sozinhos. Por sua vez,
Castro, Bellisle, Feunekes, Dalix, e Graaf (1997) compararam os comportamentos
alimentares de estudantes universitários franceses, americanos e alemães e
constataram que existem marcadas diferenças entre estas culturas quanto à
quantidade, composição, ritmo diurno e padrão de ingestão alimentar entre as
distintas culturas. Por exemplo, em comparação com os franceses e os
americanos, os alemães comem uma maior quantidade de alimentos, mas fazem um
maior número de pequenas refeições ao longo do dia, separadas por curtos
intervalos de tempo.
A insatisfação com a imagem corporal tem sido analisada enquanto factor que
pode desempenhar um papel relevante na motivação da pessoa para adoptar
determinado tipo de comportamentos alimentares (tais como restringir o consumo
de gorduras e o consumo calórico). Heinberg, Thompson, e Matzon (2002)
consideram que essa insatisfação poderá ser útil e necessária para motivar o
indivíduo a adoptar comportamentos saudáveis. Por sua vez, Erickson e Gerstle
(2007) constataram que a preocupação e insatisfação com o peso e imagem
corporal constituem importantes determinantes do comportamento alimentar
adoptado, mesmo em jovens.
Também a auto-regulação tem revelado constituir um importante determinante do
comportamento alimentar. De acordo com Herman e Polivy (2004), a auto-regulação
opõese à regulação, isto é, a autoregulação ocorre quando os nossos processos
normais de regulação não nos permitem atingir aquilo que desejamos,
constituindo uma tentativa de resolução do problema. Tangney, Baumeister, e
Boone (2004) definem-na como a capacidade de ultrapassar ou mudar as próprias
respostas internas, bem como de interromper tendências comportamentais
indesejáveis ou impedir que estas passem ao acto. Por exemplo, quando não nos
sentimos satisfeitos com o nosso peso corporal ou com a nossa saúde, podemos
optar por resistir ao impulso de comer o que desejamos e adoptar uma
alimentação mais pobre em calorias, seleccionando determinado tipo de alimentos
que acreditamos serem mais seguros e evitando os restantes.
Diferentes níveis de auto-regulação pressupõem diferentes níveis de motivação.
A motivação intrínseca é o protótipo da actividade autónoma ' quando as pessoas
estão intrinsecamente motivadas, são, por definição, auto-determinadas. Pelo
contrário, a actividade extrinsecamente motivada é menos autónoma. Herman e
Polivy (2004) consideram que inúmeros factores podem minar a capacidade de
auto-regulação do comportamento alimentar (a capacidade ou motivação para
resistir à tentação), como, por exemplo, a pressão dos amigos ou experimentar
um alimento específico.
Por outro lado, a auto-regulação pressupõe que o indivíduo possa avaliar o seu
progresso em relação a um objectivo específico. Quando o objectivo geral é
perder ou manter o peso, os objectivos específicos passam por evitar
determinados alimentos e evitar comer em determinada quantidade. Herman e
Polivy (2004) consideram que é muito difícil, se não mesmo impossível, um
indivíduo que deseje perder peso avaliar o seu progresso em relação a um
objectivo negativo ou a um não-objectivo (por exemplo, não comer ou não comer
tanto), o que poderá dificultar a sua auto-regulação. Para além disso, a maior
parte das pessoas que se encontra a fazer dieta não vê a possibilidade de
compensar ou corrigir erros ou fracassos, acreditando que depois de violado o
princípio, jamais poderão recuperar, o que também poderá pôr em causa a sua
capacidade de auto-regulação (Herman & Polivy, 2004).
Hofmann, Rauch, e Gawronski (2007) verificaram que, quando os recursos de auto-
regulação são pobres, o consumo de alimentos doces é predito pelas atitudes
automáticas do indivíduo, mas quando os recursos de auto-regulação são
elevados, são as metas estabelecidos pelo indivíduo que determinam a ingestão
desses alimentos.
A investigação tem destacado outras variáveis como o perfeccionismo. Por
exemplo, Macedo et al. (inpress) analisaram a relação entre o perfeccionismo e
o comportamento alimentar, tendo constatado que, em estudantes universitários
portugueses, o perfeccionismo está relacionado com as atitudes em relação à
alimentação.
COMENTÁRIOS FINAIS
São vários os modelos que têm vindo a ser desenvolvidos na tentativa de
contribuir para uma maior compreensão do comportamento alimentar e da escolha
de alimentos, com o objectivo último de perceber porque é que as pessoas comem
o que comem e a forma como poderão ser encorajadas a ter uma alimentação mais
saudável. A utilização de um modelo integrado, que contemple os aspectos
desenvolvimentais, cognitivos, sociais, ambientais e psicofisiológicos
contribuirá, sem dúvida, para uma compreensão mais profunda deste tão complexo
domínio.
Em suma, o processo de selecção do tipo e quantidade de alimentos que ingerimos
no nosso dia-a-dia é extremamente complexo, sendo influenciado por importantes
determinantes fisiológicos, psicológicos, sociais, culturais e contextuais.
Assim, qualquer esforço de avaliação, compreensão ou intervenção no domínio das
escolhas alimentares deverá ter em consideração cada um destes distintos
factores.
Frequentemente observamos que as pessoas envolvidas em programas de perda ou
controlo de peso (autogeridos ou geridos por profissionais), os próprios
profissionais de saúde e, mesmo, a população em geral atribuem a dificuldade ou
fracasso na gestão do peso corporal a uma questão de mera falta de força de
vontade. A motivação e a capacidade de auto-regulação constituirão sem dúvida,
factores determinantes das nossas opções alimentares, mas se descurarmos todos
os outros determinantes, o sucesso a longo prazo das intervenções neste domínio
poderá ser posto em causa.