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EuPTHUHu1645-00862008000200004

EuPTHUHu1645-00862008000200004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN1645-0086
Year2008
Issue0002
Article number00004

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Caracterização do estilo alimentar de crianças com perturbações alimentares

As perturbações alimentares são definidas tendo por base aspectos intrínsecos do processo alimentar como: falta de apetite, recusa de alimentos, selectividade, vómitos, cólicas, dificuldade em engolir, ruminação, recusa de sólidos. O conceito que começou por incluir o atraso de crescimento (failure to thrive), este mais complexo e de consequências mais graves para o desenvolvimento da criança pois uma perda de peso substancial, passou a restringir-se aos aspectos específicos descritos e, aparentemente, de expressão apenas comportamental (Lindberg, Bohlin, & Hage­kull, 1991). A prevalência desta perturbação rondará cerca de 3 a 4 por cento das crianças internadas de 0 a 12 meses, enquanto na população infantil, entre os 0 e os 7 anos de idade, será de 20 a 30% (Lindberg et al., 1991). Uma grande parte destas perturbações são resolvidas rapidamente mas algumas necessitam de intervenção mais demorada e podem acarretar consequências mais complexas.

As causas desta perturbação encontram-se em factores de ordem comportamental mas também de ordem constitucional ou neurológica (Burklow, Phelps, Schultz, MacConnel, & Rudolph, 1998).

O processo de diversificação alimentar que implica lidar com alimentos de texturas, paladares, consistência muito diferente, exigindo adaptação ao gosto e diferentes esforços de mastigação poderão favorecer a ocorrência da perturbação. Também o desenvolvimento psicossocial da criança que implica crescente autonomia e desejo de decidir o quê e quando comer é um aspecto a considerar (Deheger, Akrout, Bellisle, Rossignol, & Rolland-Cachera, 1996; Linscheid, Budd, & Rasnake, 2003).

Ao longo do primeiro ano de vida as interacções mãe ' criança focalizam-se no processo alimentar (da criança). Muitas vezes a auto estima da mãe implica perceber­se eficaz no processo alimentar da criança, de acordo com critérios centrados nas suas próprias necessidades e não nas reais necessidades do filho.

De facto a alimentação de um filho é fundamental na vida familiar em termos de percepção da saúde, relacionamento mãe-filho, relacionamento conjugal e familiar, etc.

Na nossa experiência com crianças com esta perturbação, temos verificado que em muitos casos os pais, geralmente a mãe, apresentam ou apresentaram na infância perturbações do comportamento alimentar ainda que ligeiras. Esta constatação vai na linha dos investigadores que identificaram nas mães comportamentos, atitudes e crenças que encontraram associadas às perturbações alimentares dos filhos (Blisset, Meyer, Farrow, Bryan-Waught, & Nicholls, 2005; Cooper, Whelan, Woolgar, Morrel, & Murray, 2004).

Alguns autores chamam à atenção para algumas variáveis associadas às perturbações alimentares que consideram preditivas, sendo elas: ansiedade da mãe na gravidez, saúde da mãe, percepção de problemas relacionados com a amamentação, problemas alimentares dos pais na infância, privação ambiental, vinculação insegura, negligência, disfunção familiar, deficiência mental e doença psiquiátrica da mãe (Linscheid et al., 2003).

Em todos os casos, a ansiedade e precipitação da mãe, como resposta a problemas alimentares situados na transição dos alimentos líquidos e papas para alimentos sólidos e perante a diversificação alimentar, parecem-nos determinantes na fixação de um padrão de rejeição acidental ou recusa dos novos alimentos por parte da criança.

Estas perturbações são muitas vezes ultrapassadas sem consequências de maior.

Em alguns casos podem sobrevir, no entanto, efeitos graves. Contam-se entre estes: atraso de crescimento estatura-ponderal, malnutrição, atraso de desenvolvimento e, mais tarde, perturbações do comportamento alimentar (Kerwin & Berkowitz, 1996).

Esta investigação teve como objectivos: averiguar a associação entre os factores maternos (escolaridade, idade e tipo físico) e o tipo físico dos filhos; caracterizar o comportamento alimentar do grupo de crianças com perturbações alimentares, comparando-o com crianças com diferente evolução ponderal.

MÉTODO Participantes A nossa amostra era composta por 124 crianças e respectivas mães; 58 eram do sexo masculino e 66 do feminino. Os sujeitos constituem uma amostra de conveniência com idades entre os 4 e os 13 anos, classificadas segundo o seu estatuto de peso e apresentação, ou não, de perturbação alimentar, e respectivas mães. As crianças foram distribuídas por quatro grupos, tendo em conta o Índice de Massa Corporal (IMC) referenciado às tabelas recomendadas no nosso país, em função da idade e sexo (Kuczmarski, Ogden, Guo et al., 2002).

Estes grupos são equivalentes quanto às características demográficas e sociais.

Material Utilizou-se o seguinte material: Questionário do Comportamento Alimentar da Criança (CEBQ), que é composto por 35 itens que avaliam, numa escala de Likert, o comportamento de crianças e jovens em contexto alimentar. Inclui oito dimensões relacionadas com o apetite que são: Prazer na comida (EF) 1 , Resposta à comida (FR), e Sobre-Ingestão emocional (EOE) (perante a acção de factores emocionais o sujeito tende a comer mais do que o habitual) e Desejo de bebida (DD), que avaliam a atracão pela comida; Resposta à saciedade (SR), Selectividade alimentar (FF), Sub-ingestão emocional (EUE) (perante os factores emocionais o sujeito perde o apetite e come menos do que o habitual) e Ingestão lenta (SE), que avaliam o evitamento da comida. O instrumento foi desenvolvido para estudar o estilo alimentar das crianças e jovens no contexto da obesidade (Wardle, Guthrie, Sanderson, & Rapoport, 2001); discrimina o comportamento alimentar de crianças com diferentes estatutos de peso (Viana, Sinde, & Saxton, 2008).

A justificação para a utilização deste questionário em crianças com perturbações alimentares fundamenta-se, por um lado, nos seus pressupostos teóricos em que algumas das subescalas se referem a comportamentos observáveis em crianças com perturbações alimentares, por exemplo Selectividade e Ingestão lenta (Wardle et al., 2001). Fundamenta-se, por outro lado, no próprio conceito de estilo alimentar(e.g., Viana & Sinde, 2003) que inclui a restrição alimentar, considerada como um contínuo, em que num dos extremos se classifica o comportamento alimentar normal e no outro o comportamento alimentar restritivo (Polivy & Herman, 1987).

Procedimentos Crianças e mães foram pesadas e medidas de modo a ser calculado o IMC pela fórmula de Quetelet ' IMC = kg/m² (Garrow & Webster, 1985).

As mães responderam às questões demográficas, sobre aspectos socioeconómicos e ao CEBQ (Wardle et al., 2001) validado em Portugal (Viana & Sinde, 2005; 2008).

Os quatro grupos em que se distribuíram as crianças foram: I-Perturbações alimentares; II-Normo-ponderais (percentil de IMC > 5 e < 85); III-Excesso de peso (percentil de IMC > 85 e < 95) e IV-Obesos (percentil de IMC > 95).

Uma vez que os valores absolutos do IMC das crianças de diferentes grupos etários e dos dois sexos não são equivalentes, não podendo, por isso, ser considerados como variável, foram transformados em Z score (Cole & Pan, 2002).

Os métodos estatísticos incluíram a Análise de Variância univariada e a Regressão Linear.

RESULTADOS No quadro I observam-se os resultados da distribuição das crianças pelas quatro categorias em que se classificaram, em função do sexo, da média de idade e de escolaridade e o Z score do IMC. É de notar que os valores da escolaridade dizem respeito a 94 crianças que frequentavam a escola, pois na nossa amostra 23 sujeitos tinham menos que 6 anos de idade frequentando a pré-escola.

Quadro 1 Variáveis demográficas: Média e (Desvio padrão)

No que diz respeito às mães, o cálculo do IMC permitiu categorizá-las nos quatro grupos que traduzem o seu estatuto de ponderal, ou Tipo físico, conforme a classificação da OMS (WHO, 1997). Com IMC inferior a 18 (baixo peso) classificaram­se 9 mães; IMC entre 18 e 25 (normo-ponderais) 52 mães; com IMC entre 26 e 29 (excesso de peso) eram 30; 26 mães eram obesas, tinham IMC superior a 30.

Ainda no quadro 1 apresentam-se os valores da idade, IMC e escolaridade das mães (em anos) em função das quatro categorias dos respectivos filhos.

Testadas as diferenças entre os valores destas variáveis em função das quatro categorias (Análise Univariada) apenas os valores da distribuição do Z score do IMC foram estatisticamente significativos.

No quadro 2 podem observar-se os resultados da análise de regressão (método passo a passo), tomando como variável dependente o Z score do IMC da criança.

Foram incluídas no modelo inicial, mas excluídas por os resultados não serem significativos, as seguintes variáveis: Idade e Escolaridade da mãe, IMC da mãe, Sub ingestão emocional, Selectividade, Resposta à comida, Prazer na comida, Desejo de bebida.

Quadro 2 Análise de regressão linear -Variável dependente: Z Score IMC da criança

As variáveis no quadro são as que o modelo preservou. Tipo físico da mãe, Sobre ingestão emocional, Resposta à saciedade e Ingestão lenta foram os factores que, de que acordo com a análise, contribuíram para o Z score do IMC da criança.

No quadro 3 apresentam-se os resultados (média e desvio padrão) obtidos pelos sujeitos, categorizados segundo estatuto de IMC, nas subescalas do CEBQ. Estes resultados traduzem o estilo alimentar de cada um dos grupos.

Quadro_3 Comportamento alimentar: M e DP em cada subescala por grupos

Na figura 1 observam-se os resultados das subescalas que implicam atracção pela comida. Pode verificar-se nesta figura como os valores das diversas subescalas aumentam conforme aumenta o estatuto de IMC, com excepção dos valores de DD (Desejo de bebida) cujas diferenças não são estatisticamente significativas.

Figura_1 Comportamento alimentar: atracção pela comida (médias nas subescalas do CEBQ por grupos)

Na figura 2 observa-se a distribuição dos resultados das subescalas que traduzem evitamento da comida em função do grupo de IMC. Constata-se que os valores destas subescalas diminuem conforme aumenta o estatuto de IMC, com excepção dos va­lores de EUE (Sub-ingestão emocional) que não apresentam diferenças significativas.

Figura_2 Comportamento alimentar: evitamento da comida (médias nas subescalas do CEBQ por grupos)

DISCUSSÃO No que diz respeito à importância do tipo físico das mães enquanto determinante do estatuto de peso (tipo físico) dos filhos, os resultados da análise de regressão demonstram que existe uma associação positiva entre estes factores.

Assim, quanto mais elevado o estatuto de peso das mães mais elevado o dos filhos, e vice-versa. Esta associação era esperada e sugere o efeito de hereditariedade, pais obesos têm grande probabilidade de terem filhos obesos; sugere também alguma influência comportamental entre mães e filhos (Johnson & Birch, 1994; Whitaker, Deeks, Baughcum, & Specker, 2000). As mães são reconhecidamente quem, na família, mais participa na socialização dos filhos no domínio da alimentação dado o seu papel na selecção de produtos, confecção das refeições, modelagem de atitudes e comportamentos perante os alimentos, etc.

(e.g., Fiese, Foley, & Spagnola, 2006; Viana et al., 2001).

Outras variáveis da mãe, como a idade ou a escolaridade não tiveram, neste trabalho, impacto no IMC dos filhos. Em diversas investigações usando amostras aleatórias, a obesidade e o excesso de peso, apesar de ocorrerem em todos os estratos sociais, encontram-se associados aos níveis socioeconómicos e culturais mais baixos (Rolland-Cachera & Bellisle, 1986), tal não aconteceu porém na nossa amostra provavelmente pela falta de representatividade da mesma Entre os factores do estilo alimentar, a Sobre ingestão emocional (EOE) teve uma influência determinante positiva no estatuto de peso das crianças enquanto Resposta à saciedade e Ingestão lenta mostraram ter uma influência negativa na mesma variável dependente. Maior Sobre ingestão emocional mais IMC, maior Resposta à saciedade e mais Ingestão lenta menor IMC e, neste caso, provável presença de Perturbação alimentar.

Embora outras variáveis do estilo alimentar se distribuam de modo significativamente discriminado ao longo dos grupos de IMC, quando consideradas no conjunto do modelo de regressão, não tiveram a importância esperada.

No que diz respeito à caracterização do comportamento alimentar, os participantes categorizados nos grupos descritos, reagiram aos factores do CEBQ de modo linear como se observou no Quadro3 e Figuras_1 e 2.

Tão importante como observar estes resultados é analisar o que cada um destes factores avalia de facto.

Começando por Resposta à saciedade (SR), este aspecto reflecte a sensibilidade às pistas internas de saciedade e, por isso, maior eficácia no controlo da ingestão calórica e implica protecção face ao consumo alimentar em excesso.

Esta sensibilidade e controlo da ingestão parece ser em parte hereditária e reflectir-se na ingestão energética, na quantidade ingerida a cada refeição e na frequência de refeições (de Castro, 1993). Este aspecto parece estar relacionado com a idade, apresentando as crianças de menor idade maior eficácia na regulação da ingestão de modo a compensar uma refeição anterior (Carnell & Wardle, 2006). Também Ingestão lenta (SE) e Selectividade alimentar (FF), reflectindo falta de prazer e desinteresse pelos alimentos, estão associadas ao baixo peso em crianças (Douglas & Bryon, 1996; Viana & Sinde, 2008).

Como vimos os valores de SR, SE e FF são superiores no grupo de Perturbações alimentares e vão diminuindo conforme aumenta o estatuto de peso, sendo mais baixos no grupo dos obesos.

O Prazer na comida (EF) e Resposta à comida (FR) reflectem um maior interesse pelos alimentos e uma maior resposta às pistas externas com eles relacionadas (externalidade). Estes comportamentos tornam-se mais pronunciados conforme as crianças se mostram menos neofóbicas e mais autónomas face à alimentação (Wardle et al. 2001). Verifica-se uma grande variabilidade entre indivíduos e os que apresentam resultados mais elevados poderão estar em maior risco de obesidade. Jansen et al. (2003) verificaram que em situação experimental, crianças com excesso de peso e obesas não ajustavam a ingestão depois de uma refeição anterior (contra regulação) ou depois de passado algum tempo a cheirar alimentos com grande palatabilidade. Pelo contrário, as crianças normo- ponderais respondiam a esta última situação com redução do apetite. Uma vez considerados os nossos resultados, pode afirmar-se que este mecanismo de ajustamento da ingestão energética (e.g., Wardle & Beales, 1987) menos eficaz nos grupos com maior estatuto ponderal (e.g., Viana, 2002).

Quanto aos factores de ingestão emocional EOE (Sobre-ingestão emocional) e EUE (Sub-ingestão emocional) estes reflectem reactividade emocional à comida, com consequências opostas em termos de peso. Atitudes restritivas dos pais e pressão para ingerir alimentos saudáveis parecem estar associados à sobre- ingestão emocional, traduzindo-se em desinibição e externalidade que perturbam o mecanismo de controlo da saciedade em meninas (Birch, Fisher, & Davison, 2003; Carper, Fisher, & Birch, 2000). Também o tipo de reactividade ao stress parece interagir com a restrição, resultando em sobre ou sub-ingestão.

Roemmich, Wright, e Epstein (2002) verificaram que crianças muito reactivas e muito restritivas demonstravam maior ingestão energética devido à desinibição, induzida por stress, comparativamente a crianças menos reactividade e ao grupo de controlo. No caso dos sujeitos deste estudo, o factor EUE (Sub-ingestão emocional) não apresentou diferenças que permitissem caracterizar a pertença a qualquer um dos grupos. Pelo contrário, os valores de EOE (Sobre-ingestão emocional) mostraram-se associados linearmente à pertença dos sujeitos nos quatro grupos.

Por fim, que assinalar alguns obstáculos que limitam o impacto destes resultados. Trata-se da questão dos números da amostra do Grupo I (Perturbações alimentares). Este grupo é constituído por poucos sujeitos comparativamente aos restantes. Esta diferença deve-se à nossa dificuldade em encontrar sujeitos com este tipo de perturbação no contexto hospitalar e no período em que decorreu o estudo. Ainda, o facto de se tratar de uma amostra não aleatória impossibilita a generalização dos resultados.

Sobre-ingestão emocional e o Tipo físico da mãe encontram-se associados ao IMC das crianças. Os factores Resposta à saciedade e Ingestão lenta encontram-se negativamente associados ao estatuto ponderal dos sujeitos.

Os resultados nas subescalas do CEBQ reflectem o comportamento alimentar e permitem discriminar o grupo de IMC a que pertencem as crianças.

Os valores nas subescalas relacionadas com a atracção pela comida são significativamente mais baixos no grupo com perturbações alimentares e vão aumentando conforme aumenta o IMC.

Pelo contrário, os valores nas subescalas relacionadas com o evitamento da comida são significativamente mais elevados no grupo com perturbações alimentares e vão diminuindo conforme aumenta o IMC.

Estas variações sugerem uma distribuição linear destes factores associada aos padrões de ingestão em cujos extremos se situam os sujeitos com perturbações alimentares e os obesos, respectivamente.

O CEBQ, originalmente criado para investigar aspectos relacionados com a obesidade, mostra-se adequado para a investigação do comportamento alimentar noutros grupos como, neste caso, com perturbações alimentares.


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