Vinculação pré-natal e ansiedade em mães e pais: impacto da ecografia do 1º
trimestre de gestação
Na transição para a parentalidade, mulher e homem deparam-se com várias tarefas
a realizar, que condicionam a sua adaptação, sendo a ligação ao feto uma delas
(Rubin, 1984). É logo desde o início da gravidez que se desencadeia a ligação
dos pais ao filho em gestação, ou vinculação pré-natal (Figueiredo & Costa,
2009; Figueiredo, Costa, Pacheco, Conde, & Teixeira, 2007a; Ji et al.,
2005). Progressivamente, ao longo da gravidez, a mãe elabora uma ideia do bebé
e uma ideia de si enquanto mãe (Stern, 1995) e investe afectivamente o seu
filho. Segundo Salisbury (2003), a vinculação pré-natal baseia-se na
representação cognitiva do feto e manifesta-se em comportamentos de cuidado e
ligação ao bebé. Ainda que esta seja uma área de estudo relativamente recente,
iniciada nos anos 70, já algumas investigações se debruçaram sobre o
desenvolvimento e factores que condicionam a vinculação pré-natal, como
apresentamos a seguir.
Sabemos hoje que a ligação materno-fetal existe desde o início da gravidez e se
intensifica gradualmente com o desenvolvimento da gestação (Gomez & Leal,
2007; Righetti, Dell Avanzo, Grigio, & Nicolini, 2005; Rustico et al.,
2005); as mudanças hormonais, a percepção dos movimentos fetais e, sobretudo, o
contacto com o bebé após o parto condicionam esta relação. No entanto, para
além de dimensões biológicas, a presença de sintomatologia psicopatológica bem
como a qualidade da relação conjugal e o estilo de vinculação da mãe interferem
na vinculação pré-natal (Figueiredo, 2003; Figueiredo, 2005; Figueiredo, Costa,
Pacheco, & Pais, 2007b; Gomez & Leal, 2007, Lindgren, 2001).
Vários estudos têm incidido no papel dos exames de rotina da gravidez na
promoção do bonding pré-natal (e.g., Kleinveld, Timmermans, van den Berg, van
Eijk, & Ten Kate, 2007). A atractividade da ecografia parece centrar-se no
facto de, ao contrário de outras formas de rastreio, providenciar aos pais uma
confirmação visual da gravidez e um contacto com o seu bebé por nascer. Uma vez
que ver o bebé é uma componente relevante da representação cognitiva que os
pais elaboram do filho/a e esta representação é um factor importante no
desenvolvimento da vinculação pré-natal (Salisbury, 2003), é pertinente avaliar
o impacto da ecografia neste processo vinculativo.
Nas duas últimas décadas, assistimos a uma utilização crescente da
ultrassonografia no campo da Medicina Materno-Fetal. Alguns estudos vieram
validar a utilização da ultrassonografia quando realizada em idades
gestacionais oportunas e por médicos qualificados (Graça, 2005). Actualmente,
os exames de rotina, que todas as mulheres devem realizar durante a gravidez,
incluem a realização de três exames ecográficos. A ecografia do 1º trimestre é
realizada entre as 11 e as 14 semanas de gestação e permite: a avaliação da
vitalidade da gestação, o diagnóstico da gestação múltipla e corionicidade, a
avaliação da idade gestacional, o diagnóstico de malformações major e
avaliação da translucência da nuca (um marcador para avaliação de anomalias
cromossómicas).
A nível psicológico, ao permitir o reconhecimento do feto, a ecografia reduz a
ansiedade dos pais (Zlotogorsky, Tadmor, Duniec, Rabinowita, & Diamaut,
1995) e estimula o desenvolvimento do bonding pré-natal (Segdmen, 2006). Num
estudo de Kohn e colaboradores (1980, cit. in Zlotogorski et al., 1995), os
casais relataram mais sentimentos de proximidade e maior conhecimento do bebé,
bem como um aumento da responsabilidade enquanto pais, depois de observarem o
filho(a). Assim, parece que a visualização do feto através da ecografia pode
suscitar emoções capazes de promover a vinculação pré-natal, o que aproxima os
pais do bebé e afecta o seu comprometimento e estilo de vida, contribuindo
ainda para a adopção de comportamentos de saúde durante a gravidez (Baillie,
Hewison, & Mason, 1999).
O impacto da ecografia parece ser maior para mulheres que fazem a sua ecografia
do 1º trimestre, o que sugere que esta pode facilitar a activação da
vinculação, sem haver necessariamente experiência de movimentos fetais ou
notar-se visivelmente a gravidez (Piccinini & Gomes, 2005). Esta tendência
verifica-se independentemente do tipo específico de ecografia ' de 2 ou 3 D's
(Ji et al., 2005; Rustico et al., 2005; Segdmen, 2006). Embora alguns estudos
evidenciem que a vinculação aumenta pela realização de um teste de rastreio e
não pela ecografia em si (Öhman, Saltvedt, Grunewald, & Waldenström, 2004),
outros mostram que as mães são atraídas pela imagem ecográfica, não apenas
porque esta as assegura do bem-estar do bebé, mas também tão-somente porque
lhes permite ver o seu bebé (Garcia et al., 2002).
Várias são as investigações que relacionam a ecografia com a diminuição dos
níveis de ansiedade da mãe (Garcia et al., 2002). Normalmente, os níveis de
ansiedade são mais elevados antes da realização da ecografia, havendo uma
redução significativa depois (Baillie et al., 1999). Efeitos similares são
encontrados para a ansiedade paterna. Estudos sugerem que a ansiedade antes da
ecografia está associada a uma preocupação com a informação que este exame vai
fornecer (Müller, Bleker, Bonsel, & Bilardo, 2006), especificamente em
relação à saúde do bebé e à existência de possíveis malformações (Eurenius,
Axelsson, Gällstedt-Fransson, & Sjödeu, 1997). Por outro lado, sabemos que
a gravidez por si só está associada a níveis mais elevados de preocupação e
ansiedade (Figueiredo et al., 2007b; Öhman et al., 2004). Os autores têm
contudo encontrado níveis mais elevados de sintomatologia psicopatológica nas
mulheres comparativamente aos homens, durante a gravidez e pós-parto (Teixeira,
Figueiredo, Conde, Pacheco, & Costa, 2009; Figueiredo, Conde, Teixeira,
Costa, & Pacheco, in press). Considerando este estado de vulnerabilidade
durante a gestação, é razoável assumir que intervenções que procurem detectar
malformações fetais possam afectar a ansiedade dos casais (Eurenius et al.,
1997).
Numa amostra de 303 mulheres, apenas 2% estavam preocupadas por considerarem
que o exame poderia ser nocivo para o bebé. A redução da ansiedade depois da
ecografia pôde assim associar-se ao facto de esta ser uma experiência positiva,
ao demonstrar o desenvolvimento saudável do bebé. No entanto, no seu artigo de
revisão, Baillie e colaboradores (1999) referem que a diminuição dos níveis de
ansiedade não pode ser atribuída a um efeito reassegurador da ecografia, uma
vez que, num grupo comparativo de mulheres que fez outro tipo de exame de
rastreio (que não a ecografia), estes diminuíram igualmente. Ainda Garcia e
colaboradores (2002) consideram que a redução da ansiedade depois da ecografia,
relatada em vários estudos, pode ser explicada pelo facto de os valores estarem
anormalmente aumentados, antes da ecografia, e não por um benefício real
decorrente do exame em si.
Sabendo que foram encontradas relações entre os estilos de vinculação pré e
pós-natal e que o envolvimento emocional dos pais é um elemento decisivo na
qualidade da interacção e dos cuidados prestados ao bebé, é fundamental atender
ao desenvolvimento desta ligação, como determinante para o desenvolvimento e
bem-estar de ambos (Rustico et al., 2005). Assim, é importante perceber se a
ecografia, realizada durante a gravidez, tem um efeito potenciador da ligação
dos pais ao bebé. O propósito do presente estudo, de carácter diferencial, foi
avaliar, longitudinalmente, o impacto da realização da ecografia do 1º
trimestre de gravidez, ao nível da vinculação pré-natal e da ansiedade de mães
e pais, bem como determinar possíveis diferenças entre mulheres e homens nas
dimensões em estudo.
As hipóteses testadas neste estudo são as seguintes:
1) Mães e pais apresentam níveis mais elevados de vinculação pré-
natal após a realização da ecografia do 1º trimestre (pós-teste) do
que antes (pré-teste);
2) Mães e pais apresentam níveis menos elevados de sintomatologia
ansiosa no Pós-teste;
3) Não se verificam diferenças entre mães e pais, ao nível da
vinculação pré-natal, no pré e no pós-teste;
4) As mães apresentam níveis mais elevados de sintomatologia ansiosa
do que os pais, tanto no pré como no pós-teste.
MÉTODO
Participantes
Este estudo foi realizado com uma amostra de 22 casais (N = 44) contactados
entre Fevereiro e Maio de 2007, numa Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico
Pré-Natal, em Portugal, aquando da realização da ecografia de rotina do 1º
trimestre de gestação, sendo por conseguinte uma amostra de conveniência. Os
critérios iniciais de exclusão foram: não saber ler nem escrever português e já
ter realizado uma ecografia para a actual gravidez.
As mulheres tinham entre 21 e 40 anos, sendo a média das idades de 32.05 anos
(DP= 5.01) (cf. Quadro 1). A quase totalidade das utentes nasceu em Portugal
(90.9%), é católica (95.5%), não frequentou consultas prévias de psicologia/
psiquiatria (77.3%), está empregada e possui a escolaridade obrigatória, sendo
a média de anos de estudo de 10.32 (DP= 4.7).
Quadro 1
Caracterização Social e Demográfica:
mães e pais
Os homens tinham entre 24 e 44 anos, sendo a média das idades de 33.55 (DP=
5.85). Quase todos nasceram em Portugal (81.8%), são católicos (95.5%), estão
empregados e têm a escolaridade obrigatória, sendo a escolaridade média de
10.23 anos de estudo (DP= 4.43).
Os casais são maioritariamente casados (72.7%) e os restantes vivem em regime
de coabitação (27.3%), com uma média de anos de casamento/vida conjunta de 5.73
(DP= 5.74). Metade dos casais já tem pelo menos um filho, sendo o número médio
de filhos por casal na amostra de 0.73 (DP= 0.7). A maioria nunca teve um
abortamento espontâneo ou fez interrupção médica da gravidez (77.3%) e nenhum
casal recebeu tratamento para a infertilidade.
Material
Questionário Sóciodemográfico.Um questionário foi usado na recolha de dados
sociais e demográficos importantes para a caracterização da amostra: idade,
estado civil, habilitações literárias, história obstétrica, história de
problemas psiquiátricos/emocionais e problemas de saúde, etc.
StateTrait Anxiety Inventory (STAI). O STAI (Form Y) (Spielberger et al., 1983;
validado para a população portuguesa por Silva, 2003), constituído por
duasescalas de vinte itens cada, Traço e Estado, é um instrumento de auto-
relato, aplicável a indivíduos de ambos os sexos. As respostas estão formuladas
em forma de Lickert de 4 pontos, correspondendo 1 ao grau mínimo e 4 ao grau
máximo de ansiedade. O total obtém-se com a soma dos valores encontrados em
cada escala e cujo máximo e mínimo são de 80 e 20. O estudo psicométrico do
instrumento, a nível da consistência interna, mostrou valores de alfa de 0.91 e
0.93 para a Escala de Estado de Ansiedade, em homens e mulheres,
respectivamente, e de 0.89 para a Escala de Traço de Ansiedade. Neste estudo,
foi utilizada apenas a Escala de Estado de Ansiedade.
Bonding Scale.A Bonding Scale (Figueiredo et al., 2005b) é a versão portuguesa
alargada do MotherBaby Bonding Questionnaire(Taylor et al., 2005) e destina-se
a avaliar o envolvimento emocional dos pais com o bebé. É composta por três
subescalas, com um total de 11 itens de autorelato, cotados numa escala tipo
Lickert de 4 pontos, entre 0 e 3, consoante a emoção a que o item se refere
está nada, um pouco, bastante ou muito presente (Figueiredo &
Costa, 2009). A subescala Bonding Positivo é constituída por 3 itens
(Afectuoso/a, Protector/a e Alegre) e mede o envolvimento emocional positivo; a
subescala Bonding Negativo, constituída por 6 itens (Zangado/a, Agressivo/a,
Triste, Ressentido/a, Desgostoso/a e Desiludido/a) e avalia o envolvimento
emocional negativo; a subescala Bonding Not Clear é constituída por 2 itens
(Receoso/a e Neutro/a, Sem Sentimentos) e sinaliza a presença de emoções não
claramente relacionadas com o envolvimento emocional dos pais com o bebé. Os
itens são pontuados no sentido em que, quanto mais presente a emoção em causa,
mais elevado é o resultado. O estudo psicométrico do instrumento mostrou
índices razoáveis de consistência interna (Alpha de Cronbach = 0.61 para a
versão pré-natal, utilizada neste estudo, e 0.75 para a versão pós-parto),
assim como o valor obtido pela escala original (Alpha de Cronbach = 0.71)
(Taylor et al., 2005) e uma boa fidelidade teste-reteste (Coeficiente de
Correlação de Spearman = 0.49; p <0.01) (Figueiredo et al., 2005b; Figueiredo
& Costa, 2009).
Procedimento
O estudo foi submetido à Comissão de Ética do Hospital e aprovado. No final da
sessão de informação acerca do exame ecográfico, feita pela Equipa de
Enfermagem, foi proposta a participação na investigação. No período de espera
para a realização da ecografia de rotina do 1º trimestre de gestação, com uma
duração média de 25 minutos, após consentimento informado, os participantes
preencheram os dois questionários de auto-relato (Bonding Scale e STAI-Estado),
bem como o questionário sócio-demográfico (pré-teste). As ecografias foram
realizadas em ambiente calmo e acolhedor e duraram, em média, 20 minutos. Os
casais observaram o bebé no ecrã e receberam feedback visual e verbal durante o
exame, tendo oportunidade de colocar questões ao obstetra em relação ao bebé.
No final, os casais receberam informação escrita acerca do exame, acompanhada
de imagens resultantes da ecografia. Ao longo do estudo, as ecografias foram
realizadas por três obstetras, tendo sido as condições de realização do exame
controladas. O pósteste foi realizado imediatamente após a realização da
ecografia, com o preenchimento dos mesmos questionários ' Bonding e STAI
(Estado).
Análises estatísticas.Os dados foram tratados estatisticamente através do SPSS,
versão 15.0 para Windows. A análise exploratória dos dados revelou estarem
cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos para
a variável ansiedade-estado, mas não para a variável vinculação pré-natal.
Assim, e dado o carácter diferencial do estudo, utilizou-se o Teste-T para
amostras emparelhadasno estudo das diferenças na sintomatologia ansiosa das
mães e dos pais, do pré para o pós teste (hipótese 1). Para a variável
vinculação pré-natal (hipótese 2), sendo uma distribuição não normal, utilizou-
se o teste Wilcoxon.
As hipóteses 3 e 4 deste estudo são relativas a diferenças entre mães e pais,
na sintomatologia ansiosa e vinculação pré-natal, respectivamente nos momentos
pré e pós ecografia. Para este propósito, foram utilizados o Teste-T para
amostras independentes, para a ansiedade, e o teste MannWhitneypara a
vinculação pré-natal, pelas razões atrás referidas.
RESULTADOS
Vinculação pré-natal em mães e pais: diferenças entre o pré e o pósteste
Verifica-se um aumento estatisticamente significativo no resultado total da
escala Bonding dos participantes no estudo, quando se compara o primeiro
momento com o segundo momento de avaliação (Z = -3.168, p < .001), como consta
do quadro 2. Analisando os resultados por sexos, observa-se que este aumento é
estatisticamente significativo para as mulheres (Z = -2.571, p < .01), e
marginalmente significativo para os homens (Z = -1.862, p < .10).
Quadro 2
Vinculação pré-natal em mães e pais:
diferenças entre o pré e o pós-teste
Analisando os resultados por subescalas e itens, realça-se, nas mulheres, uma
diminuição estatisticamente significativa na subescala de sentimentos neutros
(Z= -2.722, p <. 01), as quais se sentem significativamente menos receosas em
relação ao bebé depois da ecografia (Z = -3.119, p < .01). Quanto aos homens,
há um aumento significativo dos sentimentos positivos, do primeiro para o
segundo momento de avaliação (Z = -2.08, p <. 05), os quais se sentem
significativamente mais afectuosos em relação ao bebé depois da ecografia (Z =
-3.317, p < .001).
Sintomatologia ansiosa em mães e pais: diferenças entre o pré e o pós-teste
No quadro 3 pode observar-se que a sintomatologia ansiosa diminui
significativamente do primeiro momento (antes da ecografia) para o segundo
momento de avaliação (depois da ecografia), quando se analisa a amostra total
(t (43) = 4.34, p<.001) e quando se analisa o grupo das mulheres (t (21) =
4.56, p<.001), mas não quando se considera o grupo dos homens: ainda que se
verifique um decréscimo na ansiedade-estado depois da ecografia, este não é
estatisticamente significativo (t (21) = 1.6, n.s.).
Quadro 3
Sintomatologia ansiosa em mães e pais:
diferenças entre o pré e o pós-teste
Vinculação pré-natal no pré e no pós-teste: diferenças entre mães e pais
Como proposto na hipótese 3, fazendo uma análise intergrupos, não verificamos
diferenças significativas na vinculação pré-natal dos homens e das mulheres,
quer no pré-teste (Z = -. 608, n.s.) quer no pós-teste (Z = -. 213, n.s.) (cf.
Quadro 4).
Quadro 4
Vinculação pré-natal no pré e no pó-
steste: diferenças entre mães e pais
Sintomatologia ansiosa no pré e no pós-teste: diferenças entre mães e pais
A hipótese 4 foi apenas parcialmente verificada pois, embora as mulheres
apresentassem níveis mais elevados de ansiedade-estado em relação aos homens,
no pré-teste (t = 2.33, p <.05), estas diferenças não se revelaram
significativas depois da realização da ecografia (t = -1.54, n.s.) (cf. Quadro
5).
Quadro 5
Sintomatologia ansiosa no pré e no pós-
teste: diferenças entre mães e pais
DISCUSSÃO
Este estudo procurou avaliar o impacto da ecografia do 1º trimestre da gravidez
comparando vinculação pré-natal e ansiedade em mães e pais, antes e depois da
realização da ecografia. Globalmente, os resultados evidenciam que, depois da
realização da ecografia do 1º trimestre de gestação, a vinculação dos pais ao
bebé aumenta, enquanto a sua ansiedade-estado diminui.
A primeira hipótese do estudo, isto é o aumento da vinculação pré-natal dos
pais depois da realização da ecografia do 1º trimestre, é confirmada tanto em
relação às mães como aos pais, o que vai de encontro aos resultados obtidos por
mais investigadores (Ji et al., 2005; Kleinveld et al., 2007; Rustico et al.,
2005, Segdmen, 2006; Zlotogorsky et al., 1995). Sendo esta a primeira ecografia
para a presente gravidez, este aumento pode ser explicado pelo facto de este
ser entendido como um momento de conhecimento do bebé (Segdmen, 2006).
Quando analisamos estes resultados por sexo, vemos que, nas mães, se verifica
um aumento significativo da vinculação pré-natal entre o momento antes e o
momento depois da ecografia, o que pode ser explicado pelo efeito
reassegurador da ecografia (Garcia et al., 2002), dado que essa diferença se
deve sobretudo a uma diminuição das emoções não claramente relacionadas com o
bonding, em particular o facto de a mulher se sentir menos receosa com o bebé
depois da ecografia. Nos pais, observa-se um aumento marginalmente
significativo dos sentimentos positivos para com o bebé entre o pré e o pós-
teste, sentindo-se estes mais afectuosos com o bebé após a ecografia. A
ecografia parece, assim, possibilitar o despoletar da ligação ao bebé, uma vez
que os sentimentos positivos aumentam, para a qual muito contribuem as imagens
proporcionadas pela ecografia que parecem contribuir para uma primeira a
representação cognitiva do bebé (Salisbury, 2003), facilitadora do envolvimento
positivo com o mesmo.
Estes resultados permitem concluir o impacto positivo da ecografia em si na
vinculação pré-natal das mães e pais. Além de os pais receberem feedback acerca
da saúde do bebé, as imagens do bebé facilitam também os sentimentos de
proximidade e ligação ao filho/a (Baillie et al., 1999). Para os homens, este
exame tem um impacto importante, talvez pelo facto de que a ecografia seja a
forma que mais lhes permite sentirem-se perto do bebé, pois têm oportunidade de
o ver, o que contrapõe a impossibilidade de uma aproximação física, mais
facilitada para a mãe.
A segunda hipótese do estudo, isto é a diminuição da sintomatologia ansiosa dos
participantes entre o antes e o depois da realização da ecografia do 1º
trimestre, é parcialmente confirmada, visto que apenas foi verificada no que se
refere às mães e à amostra total. Estes resultados vão de encontro aos que
foram obtidos por outros investigadores em amostras de mulheres, que descrevem
uma diminuição da ansiedade depois da ecografia (Baillie et al., 1999; Garcia
et al., 2002). Esta redução pode estar associada à informação obtida acerca da
saúde do bebé na ecografia ' uma vez que todos os casais da amostra receberam
um feedback positivo, e/ou à ecografia em si, e apenas ao facto de terem visto
o bebé. A diminuição da ansiedade entre o momento antes e o momento posterior à
ecografia é estatisticamente significativa apenas para as mães. Isto pode
explicar-se pelo elevado nível de ansiedade sentido antes do exame ' pela
informação que este vai provir (Garcia et al., 2002), pela natural ligação
física da mãe, que pode exacerbar este sentimento (Öhman et al., 2004) e parece
associar-se ao efeito positivo da ecografia, que pode ser para as mulheres mais
no aspecto reassegurador.
O facto de não se verificarem diferenças entre mães e pais na vinculação pré-
natal, quer antes quer depois da ecografia, confirma a terceira hipótese do
estudo, ou seja, permite concluir que não há diferenças entre os pais
relativamente ao nível do envolvimento emocional com o feto. Por exemplo, num
estudo anterior ainda que depois do parto, verificamos não existirem diferenças
substanciais entre mães e pais na vinculação ao recém-nascido (Figueiredo,
Costa, Marques, Pacheco, & Pais, 2005a; Figueiredo, Costa, Pacheco, &
Pais, 2007a).
No que se refere à hipótese 4 do estudo, de que as mães apresentam níveis mais
elevados de sintomatologia ansiosa do que os pais, antes e depois da realização
da ecografia do 1º trimestre, os resultados espelham os dados recolhidos em
estudos epidemiológicos que mostram níveis mais elevados de ansiedade em
mulheres, comparativamente aos homens na transição para a parentalidade
(Figueiredo et al. in press; Teixeira et al., 2000).
Estes resultados devem, no entanto, ser interpretados à luz das limitações do
estudo. Em primeiro lugar, o facto de a amostra ser pequena e pouco heterogénea
condiciona a possibilidade de generalização dos resultados, bem com levanta a
necessidade de estudos com amostras maiores. Em segundo lugar, seria importante
ter uma medida da ansiedade anterior ao momento imediatamente antes da
ecografia, para assegurar uma medida préteste mais consistente e termos maior
certeza de que o efeito observado se deve efectivamente à diminuição da
ansiedade pós ecografia e não ao seu aumento perante a ecografia.
Não podemos negar a importância e poder da visão na cultura ocidental: ver
tornou-se um dos mais importantes sentidos e o desenvolvimento da tecnologia,
com a ecografia, permite que o bebé seja visto como uma pessoa (Riddle, 2005;
Rustico et al., 2005). Os resultados obtidos neste estudo vêm salientar a
importância da técnica da ecografia não só como um imprescindível instrumento
de diagnóstico na avaliação e tratamento da mulher grávida, mas também como
promotora da vinculação pré-natal. Tendo este aspecto em conta e sabendo que a
qualidade da vinculação, durante a gravidez, está associada à qualidade da
interacção mãe-bebé e aos cuidados prestados posteriormente (Wiberg, Humble,
& de Château, 1989), a expressão de Chudleig, fazer ecografia para prazer
dos pais (Ji et al., 2005), ganha mais sentido.
Particularmente interessantes são as observações que apontam que a experiência
da ecografia pode ter um impacto diferente em mães e pais, em diferentes
dimensões que contribuem para a vinculação pré-natal, uma constatação a
explorar melhor no futuro.