Adversidade na gravidez: Um estudo comparativo da adaptação de grávidas
infectadas pelo VIH e grávidas sem risco médico associado
Na literatura sobre Psicologia da Saúde da mulher, o discurso predominante
sobre a gravidez posiciona-a como um acontecimento biológico e médico (Woollett
& Marshall, 1997) e associaa directamente ao estado de saúde. Este
discurso, privilegiado nas investigações iniciais sobre gravidez, deu lugar a
um outro, o qual tem subjacente um modelo biopsicossocial que integra,
simultaneamente, os factores biológicos, psicológicos, sociais e culturais,
interagindo de uma forma concertada e determinando a adaptação da mulher à
gravidez. Na linha do mencionado por Antonucci e Milkus (1988), trata-se de um
acontecimento muito mais complexo que um acto puramente médico. Neste sentido,
podemos fazer uma leitura do processo de gravidez enquanto fenómeno psicológico
e, mais especificamente, enquanto fenómeno psicologicamente exigente.
Deste ponto de vista, gravidez e maternidade constituem processos dinâmicos de
construção e desenvolvimento e são períodos de desequilíbrio e adaptação, mas
também, por excelência, de reorganização, crescimento e enriquecimento pessoais
(Canavarro, 2001). O estudo psicológico da gravidez abrange uma vasta
constelação de aspectos, desde a contracepção aos factores psicológicos
relacionados com o nascimento, passando pela autodefinição e pela transição
para a maternidade (Ruble, BrooksGunn, Fleming, Fitzmaurice, Stangor, &
Deutsch, 1990), ou mesmo pela adaptação durante gravidezes definidas como de
alto risco médico (LevyShiff, Lerman, HarEven, & Hod, 2002). A este
propósito, distinguem-se dois tipos de risco: o risco médico, associado a
patologias físicas que emergem ou se agravam durante a gravidez, podendo vir a
ter consequências na saúde da mulher e/ou na do feto, bem como a interferir no
parto; e o risco psicológico, que remete para o plano da vivência da gravidez
em termos internos (desejos, fantasias, integração num projecto de maternidade)
(Correia, 2005). No caso da infecção pelo VIH, os riscos médico e psicológico
podem ser concorrentes. A convergência e a conjugação de ambos os riscos
poderão perspectivar um quadro mais complexo, e seguramente mais exigente, na
adaptação à gravidez/maternidade.
A gravidez como período de transição na vida de uma mulher tem sido
relevantemente associada ao seu estado emocional e psicológico (Lee, 2000), e
os estudos empíricos actuais sugerem que as ramificações dos stressores
psicológicos na gravidez podem ser constantes (Jomeen, 2004). Vários aspectos
psicológicos têm sido associados à gravidez, em particular a ansiedade (Conde
& Figueiredo, 2003; Gross, 2000; Jomeen, 2004) e a depressão (Figueiredo,
2000; Jomeen, 2004), cuja presença pode implicar um impacto negativo na
adaptação da mulher à gravidez e, extensivamente, nas adaptações subsequentes.
Embora o estado psicológico das grávidas seja tradicionalmente caracterizado em
termos dos indicadores supracitados, Jomeen (2004) alerta que o estado
psicológico durante a gravidez não pode ser definido num enquadramento
unidimensional, devendo incluir uma abordagem compreensiva de todas as
dimensões que contribuem para o humor e para o estado mental das mulheres
durante este período, onde se incluem, para além das referidas, auto-estima,
controlo, sono e qualidade de vida (QdV).
O nascimento de um filho está associado a mudanças de variadas naturezas e,
como mudança que representa, pode implicar stresse (Boss, 1988; Canavarro,
2001). Este processo compreende um vasto espectro de mudanças biológicas,
psicológicas e interpessoais e representa um desafio à capacidade de adaptação
da mulher, do casal e da família, comportando muitas vezes riscos acrescidos.
Se uma gravidez que decorre de acordo com os parâmetros habituais implica
mudança e necessidade de adaptação, as gravidezes que surgem em contextos de
doença, ou nas circunstâncias em que o diagnóstico da doença (e.g., infecção
pelo VIH) é realizado após a ocorrência de gravidez, podem implicar maior
stresse e, por conseguinte, na generalidade dos casos, maiores exigências de
adaptação.
Nas especificidades da infecção pelo VIH entre as mulheres, precisamente pelas
características inerentes às diferenças de género, enquadrase também, e
naturalmente, a questão da gravidez. Entre todas as questões que respeitam à
infecção pelo VIH na população feminina, as que se referem ao comportamento
reprodutivo são as mais específicas e as que mais têm sido estudadas
empiricamente. Com efeito, com o aumento do número de mulheres infectadas pelo
VIH em Portugal, cerca de 75% das quais em idade reprodutiva (Departamento de
Doenças Infecciosas Unidade de Referência e Vigilância Epidemiológica, 2009),
e a preocupação crescente acerca da transmissão vertical, a gravidez no
contexto da infecção pelo VIH tem-se tornado num foco de grande atenção e de
investigação. Por outro lado, sabemos que a conceptualização da SIDA está a
mudar de uma perspectiva de mortepara uma perspectiva de vida(Rossi, Fonsechi-
Carvasan, Makuch, Amaral, & Bahamondes, 2005) e, desta forma, a criar novas
preocupações reprodutivas e opções para os casais infectados, que experienciam
actualmente uma menor pressão da comunidade e dos profissionais de saúde.
As consequências de um diagnóstico de seropositividade para o VIH para uma
mulher em idade fértil podem ser particularmente intensas e psicologicamente
exigentes. Se o nascimento de um filho implica grandes mudanças e tem um enorme
impacto na vida pessoal e familiar dos indivíduos, o cruzamento destes
contextos releva a evidente contradição que emerge entre os conceitos que ainda
se associam à gravidez (e.g., nascimento; vida) e à infecção por VIH (e.g.,
doença incurável; morte), inequivocamente demonstrada na afirmação de
Sandelowski e Barroso (2003a) de que o diagnóstico da infecção VIH ' uma
ameaça mortal ' frequentemente coincide com o diagnóstico de gravidez, uma
afirmação de vida (p. 475). Estamos, portanto, e como refere Correia (2005),
na presença de um contexto, físico e emocional, onde uma coexistência paradoxal
entre vida e morte se mistura com emoções complexas e contraditórias.
Assim, percebese que a maternidade no contexto da seropositividade para o VIH
se encontre repleta de dilemas e desafios para as mulheres (Kotchick et al.,
1997; Segurado & Paiva, 2007; Sherr, 2005; Tompkins, Henker, Whaler,
Axelrod, & Comer, 1999), que podem ser confrontadas com exigências
adicionais directa ou indirectamente associadas ao VIH, incluindo a revelação
de seropositividade, o teste VIH do(s) filho(s) e as necessidades e exigências
quotidianas de adesão aos regimes terapêuticos. Contudo, e como frisam
Sandelowski e Barroso (2003b), estas mulheres assemelham-se à maioria das
mulheres e mães no seu desejo de maternidade, nas oportunidades e
constrangimentos que percebem como inerentes à maternidade, e no papel que
desempenham enquanto mães (p. 162).
Embora poucos estudos empíricos se tenham debruçado sobre a vivência
psicológica da gravidez num contexto de seropositividade, a literatura sobre o
impacto do diagnóstico da infecção pelo VIH tem alertado para a variedade de
reacções emocionais, quer normais quer patológicas, associadas a este
diagnóstico (e.g., American Psychological Association, 2003; Gallego, Gordillo,
& Catalan, 2000; Gordillo, 1999), mas também para a teia complexa de
decisões que emergem desta intersecção (Kobayashi, 2001).
Dada a escassez de estudos empíricos (nos contextos nacional e internacional)
que se tenham debruçado sobre a adaptação psicológica à gravidez nas mulheres
infectadas pelo VIH, entendemos que este estudo se afigura como particularmente
útil. Ainda que exista muita produção científica dentro desta temática, a sua
grande maioria centra-se nos aspectos clínicos e, essencialmente, nas questões
que se prendem com a transmissão vertical do VIH e nas estratégias para a sua
prevenção. Escasseiam, porém, e particularmente no contexto nacional, estudos
que se centrem nas vivências psicológicas da gravidez e da transição para a
maternidade entre as mulheres infectadas por este vírus. Num estudo
exploratório sobre adaptação à gravidez em mulheres seropositivas, Pereira e
Canavarro (no prelo) confirmaram uma particular ambivalência nas emoções
avaliadas pela Emotional Assessment Scale(EAS), em particular, Felicidade,
Ansiedadee Tristeza, a presença de sintomatologia psicopatológica,
significativamente diferente dos valores da população geral, e níveis moderados
de stresse.
O presente estudo tem como principal objectivo estudar a adaptação à gravidez
em mulheres infectadas pelo VIH. Assumindo a essência antagónica destas duas
situações, hipotetizamos que as grávidas infectadas apresentarão maiores
dificuldades na adaptação à gravidez do que as grávidas sem risco médico
associado. De forma mais específica, serão as grávidas cujo diagnóstico
coincidiu com a actual gravidez quem apresentará dificuldades mais acentuadas.
MÉTODO
Participantes
O presente estudo empírico baseia-se nas respostas de dois grupos. O grupo
clínico (GCVIH) é composto por 47 mulheres grávidas infectadas pelo VIH, com
uma média (M) de idade de 28.74 anos e desviopadrão (DP) de 6.01 anos (Mínimo:
17; Máximo: 39). O grupo de controlo (GC) ' grávidas sem condição médica de
risco associada ' é constituído por 51 mulheres com uma idade média de 29.53
anos e DPde 4.06 anos (Mínimo: 18; Máximo: 37). No Quadro 1, apresentam-se as
características sociodemográficas dos dois grupos.
Quadro 1 Características sociodemográficas da amostra
A análise comparativa do GCVIH e do GC não permitiu constatar a sua
homogeneidade em todas as variáveis sociodemográficas consideradas.
Nomeadamente, verificou-se que os dois grupos eram equivalentes em termos de
idade média [t(96)= 0.752; p= .454], mas não em termos de estado civil [χ2(3)
= 12.714; p= .013], habilitações literárias [χ2(4) = 12.170; p= .016], nível
socioeconómico [NSE; χ2(2) = 9.989; p= .007] e situação profissional [χ2(3) =
17.041; p= .001].
No que se prende com as características associadas à infecção por VIH,
verificou-se que a principal circunstância conducente à realização do
diagnóstico de infecção por VIH foi a gravidez. Vinte e duas (46.8%) mulheres
tiveram conhecimento da sua infecção durante as rotinas da actual gravidez,
4.3% das mulheres tiveram conhecimento do seu estado serológico numa gravidez
anterior, 31.9% das mulheres conheceram a sua seropositividade por rotina
médica, 10.6% realizou o teste por iniciativa própria e 6.4% das mulheres
referiram outra causa.
Das 47 grávidas que integram o grupo clínico, e no que se reporta às vias de
transmissão, as relações heterossexuais foram a principal causa de infecção
para a maioria das mulheres (63.8%). Oito (17%) mulheres contraíram a infecção
devido a comportamentos associados à toxicodependência, uma (2.1%) refere
contágio por transfusão e oito (17%) referem desconhecer a origem da infecção.
Parece importante sublinhar a percentagem de casos que refere desconhecer a
proveniência da infecção pelo VIH/SIDA, que foi de 17%. Na generalidade dos
casos não foram especificados quaisquer factores de risco individuais,
apontando como maior probabilidade a transmissão da infecção por via sexual. ~
Medidas
Perceived Stress Scale(PSS)
A PSS (Cohen, Kamarck, & Mermelstein, 1983) ' Versão Portuguesa (VP) do
Instituto de Prevenção do Stress e Saúde Ocupacional (MotaCardoso, Araújo,
Ramos, Gonçalves, & Ramos, 2002) ' é um instrumento de auto-resposta,
composto por 10 itens, destinado a medir o grau em que as situações de vida da
pessoa são percepcionadas como indutoras de stresse. Por outras palavras, a PSS
quantifica o nível de stresse que cada indivíduo experimenta subjectivamente,
num determinado momento. Cada pergunta tem cinco possibilidades de resposta,
variando entre 0 (Nunca) e 4 (Com muita frequência). O sujeito deverá assinalar
a resposta que melhor corresponde à forma como se tem sentido no último mês. A
interpretação faz-se tendo em conta o valor total obtido na escala: quanto mais
alto o valor, maior o grau de stresse percebido pelo indivíduo. O resultado da
PSS é visto como um indicador de perturbação emocional (Mota Cardoso et al.,
2002). Os autores não sugerem categorias ou pontos de corte específicos. Na
presente amostra, o alfa de Cronbachpara o total da escala foi de .84.
Brief Symptom Inventory(BSI)
O BSI (Derogatis, 1993; VP: Canavarro, 2007) é um inventário de autoresposta
constituído por 53 itens, onde o indivíduo deverá classificar o grau em que
cada problema o afectou durante a última semana, numa escala com cinco
possibilidades de resposta, desde Nunca(0) a Muitíssimas Vezes(4). O BSI avalia
sintomatologia psicopatológica em termos de nove dimensões básicas de
psicopatologia (Somatização, ObsessõesCompulsões, Sensibilidade Interpessoal,
Depressão, Ansiedade, Hostilidade, Ansiedade Fóbica, Ideação Paranóidee
Psicoticismo) e três índices globais: o Índice Geral de Sintomas(IGS), o Total
de Sintomas Positivos(TSP) e o Índice de Sintomas Positivos(ISP). Este último
índice é considerado por Canavarro (2007) o que melhor discrimina entre
indivíduos da população geral e aqueles que apresentam perturbações emocionais.
No presente estudo, o alfa de Cronbachfoi de .96 para o total da escala e
variou entre .60 (Ansiedade Fóbica) e .86 (Depressão) para as nove dimensões.
Emotional Assessment Scale(EAS)
A EAS (Carlson, Collins, Stewart, Porzelius, Nitz, & Lind, 1989; VP: Moura
Ramos, 2006) tem como objectivo medir a reactividade emocional. A EAS é
constituída por 24 itens, que correspondem a descrições de emoções consideradas
fundamentais (Medo, Felicidade, Ansiedade, Culpa, Cólera, Surpresa e Tristeza),
sendo especialmente útil na medida de níveis momentâneos e de mudança de
emoções. A forma de medição utilizada para avaliar o grau de cada emoção é uma
escala visual analógica, com valor mínimo igual a 0 (zero), localizado no
extremo esquerdo da escala e com a indicação O menos possível, e valor máximo
igual a 100 (cem), localizado no extremo direito e com a indicação O mais
possível, na qual o sujeito deverá colocar a sua resposta. Para cada uma das
emoções descritas, o indivíduo deverá posicionar-se no local que lhe parecer
mais adequado para representar o modo como se sente no momento actual. Esta
escala apresentou boas características psicométricas no estudo original
(Carlson et al., 1989), bem como na versão portuguesa (Moura Ramos, 2006). O
alfa de Cronbach, na presente amostra, variou entre .68 (Surpresa) e .81
(Felicidade).
World Health Organization Quality of Life (WHOQOLBref)
O WHOQOLBref (World Health Organization Quality of Life Group ' WHOQOL Group,
1998) é um instrumento de avaliação da qualidade de vida, composto por 26 itens
e que se encontra organizado em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações
sociaise Ambiente. Cada faceta é avaliada através de uma pergunta,
correspondente a um item, à excepção da faceta sobre QdV em geral, que é
avaliada através de dois itens, um correspondente à QdV em geral e outro sobre
a percepção geral da saúde. Neste sentido, o WHOQOLBref avalia 24 facetas
específicas (Canavarro et al., 2006).
Este instrumento apresentou valores aceitáveis de consistência interna no
estudo internacional (Skevington, Lotfy, & O'Connell, 2004; WHOQOL Group,
1998), bem como no estudo de validação da versão em Português de Portugal (Vaz
Serra et al., 2006). No presente estudo, o alfa de Cronbachfoi de .90 para o
total dos itens e oscilou, relativamente aos domínios, entre .72 (Psicológico)
e .80 (Físico).
Ficha de dados sociodemográficos e grelhas clínicas
Do protocolo de avaliação faziam parte uma ficha de dados sociodemográficos e
duas grelhas de informação clínica. Uma de natureza obstétrica, incidindo sobre
os antecedentes obstétricos e a actual gravidez, e uma segunda relativa à
história médica da infecção por VIH, compreendendo dados sobre a infecção,
nomeadamente: duração da infecção; tempo de conhecimento da infecção; contexto
de realização do teste VIH; categoria de transmissão; condição serológica do
companheiro; e, no caso de ter filhos anteriores à actual gravidez, dados sobre
o conhecimento da infecção no momento em que engravidou e a situação médica
actual do(s) filho(s).
Procedimentos
Os dois grupos de grávidas foram recrutados nos serviços de Obstetrícia da
Maternidade Dr. Daniel de Matos (MDM) ' Área de Gestão Integrada de Saúde
Materno Fetal dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e na Maternidade
Dr. Alfredo da Costa (MAC; Lisboa). As mulheres foram avaliadas durante a
gravidez e no pósparto (dois a quatro dias após o parto), reportando-se os
dados que se apresentam no presente estudo ao momento da gravidez. A amostra
foi constituída por conveniência.
Para a recolha de dados, foi feito previamente um pedido de colaboração
voluntária no estudo, explicada a natureza e os objectivos do mesmo, garantida
a confidencialidade e o anonimato das respostas aos questionários, e assinado o
consentimento informado, previamente aprovado pela Comissão de Ética do
Conselho de Administração dos HUC e pela Comissão de Ética da MAC.
Tratamento estatístico dos dados
No presente estudo, foi utilizada estatística descritiva e inferencial. Numa
primeira fase, para a caracterização sociodemográfica da amostra e dos
diferentes grupos que a compõem, utilizaram-se estatísticas descritivas:
frequências relativas, média e desviopadrão. Com o objectivo de averiguar a
existência de diferenças entre os dois grupos em estudo, recorreu-se à
estatística inferencial. Tendo em conta que os grupos clínico e de controlo se
diferenciavam entre si no que respeita aos indicadores socioeconómicos, optou-
se por utilizar testes estatísticos controlando os efeitos da variável NSE, que
se entendeu congregar as informações das outras variáveis onde se registou a
não homogeneidade das amostras (habilitações literárias e situação
profissional). Neste sentido, o estudo de comparação da adaptação à gravidez
dos dois grupos em estudo considerou o NSE como covariável. Concretamente, nas
análises referidas, os indicadores de adaptação foram considerados variáveis
critério (ou dependentes) e a existência de infecção VIH determinou a criação
dos dois grupos, que constituíram os níveis da variável independente.
Justificou-se, desta forma, o recurso à análise univariada da covariância
(ANCOVA), em alternativa à simples análise univariada da variância (ANOVA), com
o objectivo de remover dos resultados a variabilidade imputável ao NSE. Na
comparação entre dois subgrupos do grupo clínico (diagnóstico na actual
gravidez GDAG vs. diagnóstico prévio à actual gravidez GDPAG) e o GC, optouse
por testes nãoparamétricos, nomeadamente o Teste de KruskallWallis. Na
existência de diferenças significativas, as comparações posthoctiveram em conta
a correcção de Bonferroni (ajustada para .017).
Para a análise estatística dos dados, utilizouse a versão 15.0 do programa
SPSS (StatisticalPackagefor the SocialSciences). Níveis de significação
inferiores a .05 (p< .05) foram considerados como indicando diferenças
(resultados) estatisticamente significativas.
RESULTADOS
Em primeiro lugar, procurou-se caracterizar a adaptação simultânea à gravidez e
à doença das mulheres infectadas pelo VIH em termos de quatro possíveis
indicadores de ajustamento: percepção de stresse, sintomatologia
psicopatológica, reactividade emocional e QdV. Para tal, procedeu-se à
comparação, nestes mesmos indicadores, do GCVIH com o GC.
Percepção de stresse
Relativamente à percepção de stresse, o GCVIH apresentou um score médio de
18.70 (DP= 7.01) e o GC de 16.76 (DP= 7.19). Quando comparados os dois grupos,
o GCVIH percepciona maior stresse, porém a diferença não se revelou
estatisticamente significativa [F(1, 91) = 0.004; p=.947].
Quando considerada a divisão do grupo clínico, a comparação (GDAG vs. GDPAG vs.
GC) não se mostrou estatisticamente significativa [χ2= 2.069; p= .355], ainda
que o GDAG tenha reportado Ms superiores de percepção de stresse(20.15 vs.
17.50 vs. 16.76).
Sintomatologia psicopatológica
Em relação à sintomatologia psicopatológica, em ambos os grupos não se
verificaram valores particularmente elevados nas nove dimensões e nos três
índices globais. Globalmente, as grávidas do GCVIH reportam valores mais
elevados em todas as dimensões, excepto nas dimensões ObsessõesCompulsões e
Ansiedade Fóbica. No que se prende com os índices globais, o GCVIH apresenta
também valores superiores. Relativamente a estes últimos, o ISPaproximou-se do
valor 1.7, que constitui o ponto de corte do BSI (Canavarro, 2007), acima do
qual existe uma maior probabilidade de encontrar pessoas perturbadas
emocionalmente.
A comparação entre os grupos, controlando o efeito imputável ao NSE, não
mostrou a existência de diferenças nas nove dimensões de psicopatologia, ainda
que na Somatizaçãose tenha aproximado do limiar da significância estatística [F
(1, 92) = 3.277; p= .074; η2= .034]. Em relação aos três índices globais,
registou-se uma diferença estatisticamente significativa no ISP[F(1, 91) =
8.914; p= .004; η2= .088].
A análise comparativa considerando os três grupos revelou diferenças
significativas na Depressão[χ2= 7.589; p= .022] e no ISP [χ2= 9.113; p= .011].
A aplicação da correcção de Bonferroni (ajustada para p< .017) revelou apenas
diferenças significativas na comparação entre o GDAG e o GC, em relação à
Depressão(1.238 vs. 0.572; p= .008) e ao ISP(1.813 vs. 1.412; p= .002),
apresentando o primeiro grupo valores mais elevados.
Reactividade emocional
No Quadro 2, apresentamos os resultados obtidos referentes à reactividade
emocional dos dois grupos de grávidas. Nesta análise, optouse por apresentar
as emoções do GCVIH por ordem decrescente de intensidade, de forma a ilustrar
as emoções mais referidas neste momento. Verificouse que a emoção prevalente
no GCVIH foi a Felicidade(Mínimo: 0.00; Máximo: 91.67). Igualmente relevantes
são as pontuações das emoções Ansiedade(Mínimo: 5.25; Máximo: 92.25) e Tristeza
(Mínimo: 2.50; Máximo: 92.50) e, em particular, os elevados DPsregistados
nestas emoções que, ao denotarem grande variabilidade de respostas, poderão
traduzir a ambivalência emocional sentida por estas mulheres.
Quadro 2 Comparação da reactividade emocionalentre o GCVIH e o GC
Relativamente a este indicador, a assimetria entre os grupos é claramente
ilustrada pelos dados apresentados no Quadro 2, onde se pode verificar que o
GCVIH apresenta maior reactividade emocional, sobretudo negativa. A ANCOVA
revelou a existência de diferenças estatisticamente significativas para todas
as emoções com excepção da Felicidade(p= .465), tendo neste caso o GC valores
mais elevados. O nível de significância foi mais elevado na comparação da
emoção Cólera.
Considerando os três grupos, registaram-se diferenças na comparação entre o
GDAG e o GC nas emoções Tristeza(46.15 vs. 18.50; p= .010), Ansiedade(52.36 vs.
34.49; p= .004), Medo(36.65 vs. 15.54; p= .017), Culpa(33.45 vs. 16.74; p=
.005) e Cólera(34.37 vs. 14.44; p= .005). A comparação entre o GDPAG e o GC
revelou apenas uma diferença na emoção Medo(31.69 vs. 15.54; p= .001).
Qualidade de vida
Pode-se verificar no Quadro 3 que, no grupo de grávidas do GCVIH, o domínio de
QdV mais pontuado foi o Psicológico. Pelo contrário, entre os domínios mais
fragilizados encontra-se o domínio Ambiente. Na Faceta geral, o resultado
situouse ligeiramente acima do ponto médio do instrumento (50).
Quadro 3 Comparação dos domínios de qualidade de vida entre o GCVIH e o GC
Uma vez controlado o efeito do NSE, apenas na Faceta geraldo WHOQOLBref se
encontrou uma diferença estatisticamente significativa (p< .001), que demonstra
a existência de menor satisfação com o estado de saúde e menor percepção global
da QdV entre as grávidas seropositivas. De forma geral, e pela leitura do mesmo
quadro, pode-se observar que as grávidas do GCVIH reportam menor QdV em todos
os domínios, comparativamente às grávidas do GC.
Considerando os três grupos de comparação, o teste de KruskallWallis revelou a
existência de diferenças na Faceta geral[χ2= 21.724; p= .001] e nos domínios
Psicológico[χ2= 6.836; p= .033] e Relações sociais[χ2= 9.677; p= .008], e
aproximou-se do limiar de significância estatística no domínio Ambiente[χ2=
5.482; p= .065]. As comparações a posteriorimostraram diferenças significativas
entre o GDAG e o GC na Faceta geral(46.88 vs. 76.86; p= .001) e nos domínios
Relações sociais(67.36 vs. 76.95; p= .017) e Ambiente(59.11 vs. 68.62; p=
.017). Entre o GDPAG e o GC, verificaram-se diferenças na Faceta geral(62.50
vs. 76.86; p= .002) e no domínio Relações sociais(66.20 vs. 76.95; p= .012).
Ainda neste âmbito, procurámos comparar os resultados para as 24 facetas
específicas do WHOQOL-Bref. No conjunto das 24 facetas, as grávidas do GCVIH
revelam pior QdV em 19 facetas. No total, apenas se registaram três diferenças
estatisticamente significativas: na faceta Energia e fadiga, o GCVIH
apresentou melhores resultados [F(1, 73) = 6.158; p= .015], ao passo que nas
facetas Ambiente no lar[F(1, 73) = 4.701; p= .033] e Sentimentos negativos[F(1,
73) = 6.121; p= .016] os melhores scoresregistaram-se entre o GC. Na faceta
Actividade sexual, mais elevada no GC, a diferença aproximou-se do limiar de
significância estatística (p= .055).
Adicionalmente, podemos referir que, tendo em conta que os valores para cada
faceta variam entre 0 e 5, entre as facetas específicas mais pontuadas pelo
GCVIH encontram-se os Sentimentos positivos(M= 4.23), a Dependência de
medicação ou tratamentos(M= 4.07), os Cuidados de saúde e sociais:
disponibilidade e qualidade(M= 4.03), bem como os aspectos ligados à
Espiritualidade(M= 4.03). No GC, as facetas específicas com Ms mais elevadas
foram os Sentimentos positivos(M= 4.57), Espiritualidade(M= 4.45), Dependência
de medicação ou tratamentos(M= 4.38), Ambiente no lar(M= 4.17) e as Relações
pessoais(M= 4.15). No que se prende com as facetas onde se registou menor
percepção de QdV, no GCVIH, as facetas menos pontuadas foram os Recursos
económicos(a única com uma média inferior a 3 ' M= 2.97) e os Sentimentos
negativos(M= 3.00). Já no GC, as facetas com menor pontuação foram a
Participação e/ou oportunidades de recreio elazer(M= 3.06) e os Recursos
económicos(M= 3.38).
DISCUSSÃO
Ao longo do presente trabalho, procurou-se estudar o modo como as grávidas se
adaptam à convergência de gravidez e infecção VIH/SIDA. Os modelos teóricos
actuais consideram a gravidez e o nascimento de um filho um marco
desenvolvimental no percurso de um indivíduo ou de uma família, implicando
mudanças e reorganizações diversas e a vários níveis (Canavarro, 2001), e
comportando exigências acrescidas de adaptação. Pretendeuse, assim, conhecer a
forma como a grávida se adapta à gravidez em termos de quatro indicadores de
adaptação pessoal: percepção de stresse, sintomatologia psicopatológica,
reactividade emocional e QdV.
Em síntese, do presente estudo, salientam-se os seguintes resultados: (1)
verificou-se a existência de um nível de stresse percebido moderado no GCVIH,
sendo superior mas não significativamente diferente do GC; (2) globalmente, os
resultados são indicadores de ausência de sintomatologia psicopatológica em
ambos os grupos de estudo. Com excepção das dimensões ObsessõesCompulsões
eAnsiedadeFóbica, nas restantes dimensões e nos três índices globais, as
grávidas infectadas reportaram valores mais elevados, sendo que a única
diferença significativa se registou no ISP. Neste índice, o GCVIH apresentou
um valor próximo do ponto de corte do BSI (Canavarro, 2007), acima do qual
existe uma maior probabilidade de encontrar pessoas perturbadas emocionalmente;
(3) os resultados apontam para uma reactividade emocional negativa aumentada
entre as grávidas infectadas, ainda que a emoção prevalente tenha sido a
Felicidade. A comparação com o GC relevou diferenças em todas as emoções, com
excepção precisamente da emoção Felicidade; (4) finalmente, o GCVIH apresentou
bons resultados nos diferentes domínios de QdV, referindo valores mais baixos
no domínio Ambientee na Facetageral, que avalia a satisfação global com a QdV e
a percepção geral de saúde. Estes resultados são inferiores aos registados no
GC. A única diferença significativa entre os grupos registou-se na
Facetageral.No conjunto das 24 facetas específicas, o GCVIH revelou pior QdV
em 19 delas.
De acordo com o hipotetizado, foram encontradas maiores dificuldades de
adaptação à gravidez no grupo de mulheres infectadas pelo VIH do que no grupo
sem patologia associada, especialmente pelas dificuldades inerentes à adaptação
à gravidez (associada à vida), que concorrem com as exigências da adaptação a
uma doença que, pela sua natureza irreversível, assume contornos aproximados à
morte. Em termos gerais, os resultados neste momento de avaliação confirmaram
as nossas suposições iniciais. Tomados como um todo, estes dados sugerem os
efeitos duais (e paradoxais) da maternidade no contexto da infecção por VIH.
Esperava-se uma maior reactividade emocional no GCVIH e, em particular, uma
maior intensidade nas emoções de valência oposta. Com efeito, neste grupo,
ainda que a Felicidadese constituísse como a emoção mais sentida pelas
grávidas, as emoções Ansiedadee Tristezamostraram-se igualmente representativas
deste momento. Os próprios DPsregistados para as sete emoções parecem reflectir
a ambivalência emocional sentida pelas grávidas seropositivas (Carney, 2003;
Correia, 2005; Pinto, 1995). Neste contexto específico, estes resultados estão
igualmente de acordo com os obtidos no estudo exploratório de Pereira e
Canavarro (no prelo), nomeadamente no que se refere às emoções mais sentidas
pelas grávidas seropositivas para o VIH durante o segundo trimestre de
gravidez.
Nas comparações adicionais, e considerando três grupos (GDAG, GDPAG e GC), as
grávidas infectadas pelo VIH diagnosticadas durante a actual gravidez
reportaram maiores dificuldades de adaptação face ao GC, sem que as diferenças
tivessem sido significativas na comparação com o GDPAG. Em termos globais, os
valores nos diferentes indicadores não demonstram uma adaptação particularmente
dramática à gravidez, o que está de acordo com a observação de Figueiredo
(2001), de que a gravidez, apesar de todas as transformações físicas e
psicológicas que acarreta, não tem geralmente implicações graves para a saúde
mental da mãe. Entre as mulheres infectadas pelo VIH, os resultados encontrados
podem estar associados à existência de um evitamento da própria doença. Com
efeito, a literatura têm sublinhado o papel da negação do diagnóstico (Bedimo,
Bessinger, & Kissinger, 1998) que, enquanto mecanismo de defesa, é
frequentemente utilizada numa primeira fase do processo de copingquando uma
mulher tem conhecimento de que está infectada pelo VIH.
Diversos aspectos como perturbações minorda gravidez (Gross, 2000),
acontecimentos relacionados com o parto e aspectos físicos e sociais da
gravidez têm promovido um conhecimento crescente que pode ter importantes
implicações na adaptação psicológica da mulher à gravidez e à maternidade
(Jomeen, 2004). Por esta razão, a identificação do stresse psicológico materno
no decurso da gravidez e nos meses subsequentes ao parto constitui um argumento
sustentado nas recomendações de saúde pública para os cuidados prénatais.
Adicionalmente, a consideração de parâmetros mais positivos, como por exemplo a
QdV, constitui uma mais valia na avaliação da adaptação na transição para a
maternidade num enquadramento multidimensional (Jomeen, 2004).
Os objectivos centrais do presente estudo têm subjacente uma perspectiva de
intervenção, pelo que não se pode deixar de focar as implicações práticas
(clínicas) dos dados obtidos em particular, no âmbito da prevenção e da
intervenção psicológica neste momento do ciclo de vida, junto quer da mulher,
quer do casal e da família.
A literatura têm fundamentado a existência de uma proporção significativa de
mães (ou novas mães) para quem o processo de transição para a maternidade
coincide com um período indutor de stresse, em particular quando coexistem
complicações de natureza médica e social, desfavoráveis a uma melhor adaptação
materna, como é o caso da infecção pelo VIH. Neste sentido, e face aos
resultados obtidos, a existência de um acompanhamento psicológico especializado
pode constituir um factor crucial no processo de adaptação da mulher/casal ao
período de gravidez, na medida em que pode promover uma melhor forma de lidar
com situações mais adversas e, extensivamente, contribuir para a estabilidade
emocional das grávidas e respectivos contextos adjacentes (e.g., cônjuge;
família de origem; outros filhos, se existirem; redes de apoio social),
cumprindo igualmente o objectivo de potenciar um desenvolvimento saudável
próprio e dos seus filhos (Canavarro, 2001).
A experiência das mães seropositivas providencia um paradigma para os
psicólogos da saúde na compreensão dos efeitos de uma doença crónica, fatal e
estigmatizante na saúde física e psicológica das mulheres durante os períodos
de gravidez e pósparto. Durante estes períodos, as mulheres experienciam uma
ampla gama de stressores, e não apenas os específicos à gravidez ou da infecção
por VIH, mas também os específicos desta intersecção que acrescem, com
frequência, à falta de recursos, barreiras no acesso aos cuidados de saúde,
medo da revelação do diagnóstico e perdas interpessoais (Pereira, 2002), e que
se associam ao risco de depressão no primeiro ano após o parto nas mulheres
seropositivas (Miles, Burchinal, HolditchDavis, Wasilewski, & Christian,
1997).
Parece de extrema relevância a referência ao facto de que a gravidez surge como
o contexto mais frequente para realização do teste de VIH. Com efeito, em mais
de 50% dos casos, o diagnóstico de seropositividade para o VIH foi efectuado
durante a gravidez. Este aspecto cria desafios acrescidos para as equipas de
cuidados de saúde e encerra, naturalmente, importantes implicações clínicas,
quer em termos médicos (dada a necessidade de pôr em marcha todos os
procedimentos essenciais à prevenção da transmissão vertical), quer em termos
da intervenção psicológica neste domínio particular. Neste âmbito, enquadra-se
naturalmente a importância da rotina prénatal.
A rotina prénatal tem sido entendida como um componente insubstituível da
saúde materna e do desenvolvimento do bebé. O acesso atempado é seguramente
essencial para desencadear todos os procedimentos implicados na prevenção da
transmissão vertical. Neste sentido, sublinhase a importância desta rotina no
contexto da infecção VIH, que encerra diversas vantagens (e.g., Boyd, Simpson,
Hart, Johnstone, & Goldberg, 1999; Joo, Carmack, GarciaBuñuel, &
Kelly, 2000; Mercey, 1998; Pai, Tulsky, Cohan, Colford Jr, & Reingold,
2007). Esta rotina assume-se como central, concretizando-se na necessidade,
cada vez mais generalizada, de iniciar atempadamente a terapêutica
antiretrovírica, bem como forma de reduzir a possibilidade de transmissão
horizontal e, extensivamente, a possibilidade de reinfecção.
Face ao exposto, reforçase assim a importância do rastreio (necessariamente
consentido) da infecção a todas as grávidas, para que possam ser tomadas
medidas necessárias para prevenir a transmissão da infecção aos filhos. Alguns
autores (e.g., Minkoff, 1998; Sterk, 1998) chamam a atenção para o facto de,
neste contexto, não se ignorarem as mulheres não grávidas, o que nós
subscrevemos. Como advogam o American College of Obstetrics and Gynecology e o
Institute of Medicine,todas as mulheres em idade reprodutiva devem receber
aconselhamento VIH préconcepção e a todas as grávidas deve ser oferecido o
teste VIH como parte integrante da rotina médica primária, independentemente
dos factores de risco e da taxa de prevalência na comunidade. Em nosso
entender, é essencial que os testes de pesquisa do VIH devam ser considerados
prioridade não apenas nas mulheres grávidas, mas em todas as mulheres em idade
fértil, equacionando ou não uma gravidez e independentemente da percepção de
risco pessoal, na medida em que se tem verificado na literatura uma ausência de
riscos individuais na maioria das mulheres infectadas (Puro, D'Ubaldo, Aloisi,
& Ippolito, 1998), o que é, aliás, extensível ao grupo clínico do presente
estudo. Na sequência do enunciado anteriormente, os planos de gravidez e
maternidade devem, necessariamente, ser discutidos também com as mulheres
nãográvidas infectadas, para que estas possam tomar decisões informadas e
ponderadas.Em síntese, mais do que um procedimento de rotina dos cuidados
prénatais, o teste VIH deve constituir um procedimento fundamental a
introduzir previamente à ocorrência (ou mesmo planeamento) de gravidez,
designadamente nas intervenções ligadas aos cuidados préconcepcionais.
No cômputo geral, a existência de infecção VIH e a concomitância de gravidez
fomentam uma preocupação específica relativa à possibilidade de transmissão do
vírus ao bebé. Esta preocupação é persistente, embora possa atenuar-se com o
decurso da gravidez, face às intervenções actualmente disponíveis e à
existência de um acompanhamento clínico regular. Sabendo que a transmissão
mãefilho é a principal modalidade de contaminação das crianças, o franco
crescimento do número de mulheres infectadas em idade fértil por todo o mundo
tem claras e preocupantes implicações no contexto reprodutivo. Apesar do
cenário exposto, hoje sabe-se que a transmissão vertical do VIH é quase
totalmente prevenível com uma combinação de intervenções profiláticas, entre as
quais se diferenciam a terapia anti-retroviral durante a gravidez, o tipo de
parto e a suspensão do aleitamento materno.
O presente estudo não está isento de limitações. Uma importante limitação
respeita à escassez de estudos empíricos nesta área, ainda que esta limitação
possa constituir um importante contributo deste trabalho. Como se referiu na
introdução, a literatura científica sobre gravidez e infecção VIH, numa
abordagem médica, e sobretudo no âmbito da prevenção da transmissão vertical é
bastante extensa porém, não cobre os aspectos de natureza psicológica que
sustentam este trabalho e dificulta a integração dos resultados encontrados. O
recurso a referências (nacionais e internacionais) sobre a adaptação à gravidez
e à transição para a parentalidade, em populações sem condições médicas
associadas, ainda que não seja o preferível, tornou-se no possível. Outras
limitações dizem respeito ao tamanho da amostra clínica e à natureza das
variáveis avaliadas. Em primeiro lugar, uma amostra de maior dimensão poderia
permitir o uso de estatísticas mais avançadas; em segundo lugar, o recurso a
variáveis de adaptação relacional e a instrumentos mais específicos para a
gravidez poderiam contribuir para uma análise mais completa da adaptação à
gravidez de mulheres infectadas pelo VIH com diferentes percursos de infecção.
Em síntese, o contexto da infecção por VIH assume contornos de adversidade, mas
pode ser resignificado e vivido como uma fonte potencial para a mudança e para
novas oportunidades. É tarefa dos profissionais de saúde mental ajudar a criar
estes significados mais adaptativos para lidar com a infecção. Gravidez e
infecção por VIH assumem, por conseguinte, os contornos de um contexto de
excelência para intervenção que, em nosso entender, necessariamente deverá
contemplar a prevenção. Porém, uma melhor prevenção começa, assim o entendemos,
com o planeamento familiar.