Obesidade e Estilos de Vida Saudáveis: Questões Relevantes para a Intervenção
Ao longo das últimas décadas, a taxa de prevalência da obesidade em crianças e
adolescentes tem sofrido um drástico aumento um pouco por todo o mundo
(Lobstein, Baur, & Uauy, 2004), estando Portugal entre os países da Europa
com as maiores taxas de prevalência de obesidade pediátrica (Moreira, 2007).
Até agora, muito se tem escrito sobre a intervenção na obesidade e muitos são
os programas desenvolvidos para combater este problema, porém, continuam ainda
hoje a ser escassos os resultados empíricos que apoiam essas intervenções e que
comprovam a eficácia dos programas actuais, particularmente no que concerne à
manutenção sustentada dos resultados terapêuticos a longo prazo (Fabricatore
& Wadden, 2006). A definição do tratamento mais adequado e eficaz na
manutenção dos resultados terapêuticos a longo prazo (i.e., para além da
duração dos programas de intervenção) mantém-se assim, ainda hoje, uma fonte de
incertezas para clínicos e investigadores.
Com o objectivo de reforçar e impulsionar a continuação dos estudos, nesta
área, o presente trabalho pretende (a) apresentar os principais modelos
teóricos que têm servido de base às investigações realizadas com crianças e
adolescentes; (b) anunciar os factores identificados pela investigação como
moderadores da relação entre a intervenção e os seus resultados (i.e., factores
que podem facilitar ou dificultar o sucesso das intervenções); (c) dar a
conhecer os diferentes tipos de tratamento existentes para a obesidade e a
intervenção mais apropriada para crianças e adolescentes; (d) fazer uma análise
crítica dos problemas dos actuais programas de intervenção; e (e) oferecer
directrizes para a construção futura de novos programas mais eficazes.
A OBESIDADE NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
A obesidade é geralmente definida como uma condição em que a excessiva
acumulação de gordura no corpo pode colocar em risco a saúde das pessoas. Neste
sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1998b) recomenda a distinção
entre excesso de peso e obesidade, sugerindo que o excesso de peso seja
definido por um Índice de Massa Corporal (IMC = peso em quilos [kg] / altura em
metros quadrados [m2]) igual ou superior a 25 kg/ m2, e a obesidade seja
definida por um IMC igual ou superior a 30 kg/ m2. Porém, quando se trata da
obesidade pediátrica, o diagnóstico e a definição de obesidade tornam-se mais
difíceis e controversos. Por deliberação da Direcção Geral de Saúde, em
Portugal são actualmente utilizadas para o diagnóstico, em idade pediátrica, as
tabelas de referência desenvolvidas pelo Center for Disease Control and
Prevention/ National Center for Health Statistics (CDC/NDHS, 2000). Segundo o
CDC/NDHS (2000) o excesso de peso, em idade pediátrica, é definido por um IMC
igual ou superior ao percentil 85 e inferior ao percentil 95; por sua vez, a
obesidade é definida por um IMC igual ou superior ao percentil 95.
Ao longo das últimas décadas, a obesidade tem-se destacado de entre os maiores
problemas de saúde pública, tendo a sua prevalência vindo a aumentar
drasticamente um pouco por todo o mundo, particularmente em crianças e
adolescentes (Lobstein, et al., 2004). Portugal está entre os países da Europa
com as maiores taxas de prevalência de obesidade infantil. As taxas de excesso
de peso e de obesidade atingem prevalências acima de 30% nas crianças do
arquipélago da Madeira e em algumas regiões do continente (Moreira, 2007). Em
crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 5 anos, as taxas de excesso
de peso atingem os 13.6% para o sexo masculino e os 20.4% para o sexo feminino;
e as taxas de obesidade os 6.5% para o sexo masculino e os 6.9% para o sexo
feminino (Rito, 2006). A revisão de Moreira (2007) dos estudos de prevalência
em crianças com idades entre os 6 e os 10 anos permitiu concluir que a taxa de
prevalência do excesso de peso para esta faixa etária varia entre os 14.7% e os
30.5% para o sexo masculino, e entre os 16.5% e os 29.1% para o sexo feminino;
por sua vez, a taxa de prevalência da obesidade varia entre os 5.3% e os 13.2%
para o sexo masculino, e entre os 6.4% e os 12.6% para o sexo feminino.
Resultados idênticos da prevalência nesta faixa etária (i.e., 6 - 10 anos)
foram obtidos no estudo de Silva et al., (2008). No que concerne à população
adolescente com idades entre os 13 e os 14 anos, a prevalência do excesso de
peso é de 16.9% para o sexo masculino e de 16% para o sexo feminino; e a taxa
de obesidade de 11.3% para o sexo masculino e de 9.2% para o sexo feminino
(Ramos & Barros, 2005). Os dados disponíveis para a população adolescente
portuguesa com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos permitem apontar
para uma prevalência de excesso de peso de 21% e obesidade de 5% (Terres,
Pinheiro, Horta, Pinheiro, & Horta, 2006).
A obesidade está associada a inúmeros problemas de saúde e ao risco de doenças
crónicas, incluindo problemas cardiovasculares, hipertensão, asma, problemas
músculo-esqueléticos e diabetes tipo 2 (Lobstein, et al., 2004). A investigação
neste domínio tem demonstrado que a obesidade em idade pediátrica surge ainda
associada a problemas psicológicos e sociais diversos, nomeadamente, diminuição
da auto-confiança (Wadden & Stunkard, 1985) e da auto-estima (Erermis, et
al., 2004; Strauss, 2000), depressão (Anderson, Cohen, Naumova, Jacques, &
Must, 2007; Erermis et al., 2004; Maddi, Khoshaba, Persico, Bleecker, &
VanArsdall, 1997; Mustillo et al., 2003), ansiedade (Anderson et al., 2007),
problemas de comportamento (Erermis et al., 2004; Mustillo et al., 2003),
insatisfação com o corpo (Thompson et al., 2007), dificuldade em estabelecer
relações sociais e isolamento social (Fonseca & de Matos, 2005).
A obesidade é considerada uma doença crónica influenciada por factores
genéticos, metabólicos e fisiológicos, no entanto, é também determinada por
factores ambientais, psicológicos, comportamentais, entre outros (Lobstein et
al., 2004), que devem ser alvo dos esforços de prevenção e de intervenção.
REVISÃO DA LITERATURA E RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO
A importância da adopção de comportamentos saudáveis está hoje plenamente
divulgada, surgindo todos os dias notícias sobre a necessidade de praticar
actividade física e alterar os comportamentos alimentares, como forma de
melhorar a qualidade de vida. Porém, neste domínio, como aliás em muitos
outros, a informação por muito pertinente que seja não é suficiente para
provocar a mudança de hábitos e a adopção de novos comportamentos. Várias
questões têm surgido, entre elas, a de saber que meios sócio-psicológicos podem
ajudar as pessoas a adoptar novos comportamentos saudáveis e a manter as
mudanças iniciadas de forma a possibilitar o alcance dos resultados desejados;
ou, quando a disfunção já existe, a de saber como estimular nas pessoas as
competências para gerirem a aquisição de novos comportamentos que diminuam o
risco de agravamento do seu estado de saúde e produzam os efeitos positivos
necessários para uma maior autonomia e bem-estar (Maes e Karoly, 2005). Numa ou
noutra situação, o que é notório é a existência de uma grande variabilidade na
adopção de comportamentos de saúde. O que explica tal variabilidade? Eis uma
das questões que, nas últimas décadas, suscitou o interesse dos psicólogos e os
levou a produzir um vasto número de investigações empíricas e a construir
modelos teóricos que possibilitassem a identificação dos determinantes
subjacentes à concepção e à adopção de comportamentos de saúde. Apesar disto,
grande parte dos programas de intervenção na obesidade parece não ter
subjacente qualquer referencial teórico, ou no caso de o ter, este não ficar
claro. O desenho de intervenções na ausência de um modelo teórico pode
dificultar a determinação das razões do sucesso ou do insucesso dos esforços de
intervenção. Desta forma, antes de construir qualquer programa de intervenção
há que fazer uma leitura dos modelos teóricos - desenvolvidos com o objectivo
de permitir compreender e promover o sucesso da mudança dos comportamentos -, e
procurar fundamento empírico nos estudos que têm apoiado e comprovado as
orientações de cada modelo.
Como ponto de partida para a identificação das variáveis que qualquer programa
de intervenção na obesidade deve contemplar para atingir os resultados
desejados, o presente artigo destaca seguidamente os modelos que têm sido
utilizados no domínio dos comportamentos de saúde e apresenta os resultados dos
estudos empíricos que se basearam nesses modelos para explicar a mudança dos
comportamentos alimentares e de actividade física.
Modelos teóricos como o modelo de crenças de saúde (Becker, 1979; Becker et
al., 1977; Rosenstock, 1974), a teoria da motivação para a protecção (Rogers,
1975, 1983, 1985), a teoria da acção ponderada / teoria do comportamento
planeado (Ajzen & Fishbein, 1980), são designados modelos motivacionais.
Muita da investigação que se tem dedicado ao estudo dos comportamentos
alimentares e de actividade física tem sido conduzida na linha da teoria da
acção ponderada e da teoria do comportamento planeado (Baranowski, Cullen,
Nicklas, Thompson, & Baranowski, 2003). O estudo pioneiro de Schifter e
Ajzen (1985), baseando-se no modelo do comportamento planeado, demonstrou que
as atitudes, as normas subjectivas e o controlo percebido eram os fortes
preditores das intenções de perda de peso; por sua vez, as intenções e o
controlo percebido eram os preditores directos da perda de peso. Os autores do
estudo descobriram ainda que a perda de peso aumentava com o desenvolvimento de
planos de acção.
A generalidade dos modelos motivacionais assume que a intenção é o principal
preditor da mudança. No entanto, apesar da utilidade destes modelos na
compreensão dos determinantes dos comportamentos de saúde, actualmente sabe-se
que as pessoas raramente agem em conformidade com as suas intenções e, por
isso, a intenção explica apenas uma parte do comportamento (Armitage &
Conner, 2000). Por conseguinte, os modelos motivacionais fornecem apenas um
contributo parcial para a compreensão da mudança dos comportamentos.
A questão está em saber como tornar efectiva a realização da intenção. Os
modelos baseados nas competências de auto-regulação têm estimulado um conjunto
vasto de investigações relevantes para a compreensão da discrepância entre a
intenção e a acção, e proposto a intervenção de processos psicológicos através
dos quais os indivíduos podem influenciar a sua cognição, motivação e
comportamento para produzir as acções que produzem as mudanças desejadas.
Subjacente à identificação destes processos está a ideia de que os indivíduos
são agentes activos que tomam decisões, estabelecem objectivos e empreendem
esforços para atingir esses objectivos. A auto-regulação refere-se, desta
forma, aos processos que permitem ao indivíduo adaptar o seu comportamento às
exigências do meio e mudar o seu comportamento para atingir metas e resultados
desejados (Baumeister, 1999). Este é um processo sistemático que envolve
esforço consciente para alterar pensamentos, sentimentos, desejos e
comportamentos de forma a atingir as metas desejadas num contexto em constante
mudança (Zeidner, Boekaerts, & Pintrich, 2000). Apesar das diferentes
definições encontradas na literatura, a auto-regulação pode ser entendida como
um sistema cognitivo-motivacional dinâmico que envolve o estabelecimento de
metas, a aplicação estratégica e planeada dos recursos humanos e sociais para
atingir essas metas, a auto-avaliação do progresso e a revisão dos objectivos e
estratégias adoptadas. Este é um processo de gestão de respostas emocionais,
elementos cruciais do sistema motivacional, concebidas em ligação com os
processos cognitivos (De Ridder & De Wit, 2006).
Os modelos de auto-regulação, desenvolvidos para explicar e compreender os
comportamentos de saúde, são igualmente utilizados em outras áreas comon a
aprendizagem ou no domínio das organizações (Boekaerts, Pintrich & Zeidner,
2000). A área da saúde coloca, no entanto, um desafio adicional às teorias de
auto-regulação devido à grande discrepância que tem sido encontrada entre o
estabelecimento de metas de saúde e a falha no seu alcance, mesmo quando
aquelas são consideradas importantes por parte dos indivíduos.
Os modelos de auto-regulação, ao incidirem o seu estudo nos processos de
mudança activados pelo indivíduo (Baumeister, 2005) ' expressos na mobilização
estratégica de pensamentos, sentimentos e comportamentos para alcançar um
objectivo desejado ', destacam aspectos privilegiados para a compreensão da
mudança dos comportamentos. A especificação dos processos cognitivos,
metacognitivos, motivacionais, volitivos e comportamentais que podem intervir
na mudança do comportamento em diferentes fases da sua execução, e o papel
atribuído aos indivíduos na regulação estratégica daqueles processos com vista
à concretização dos resultados desejados, veio estimular a abertura de novas
linhas de investigação que visam identificar os factores facilitadores ou
impeditivos da mudança do comportamento.
A maior parte dos modelos de auto-regulação considera a adopção de
comportamentos saudáveis como produto de uma interacção dinâmica, temporal e
recíproca de múltiplas estratégias cognitivas, motivacionais e comportamentais
que vão interagir entre si e com o meio, durante os dois principais momentos da
mudança: a formulação da intenção e a execução dos comportamentos. A
diferenciação destes dois momentos no processo de auto-regulação possibilita a
identificação dos factores que actuam na construção da intenção de agir e na
execução e manutenção dos comportamentos seleccionados.
Apesar dos aspectos comuns, muitas são as diferenças existentes entre os
diversos modelos que se concretizam na designação e saliência dos processos
intervenientes na auto-regulação. O modelo cibernético (Carver, 2004; Carver
& Scheier, 1998; Scheier & Carver, 2003) constituiu-se como uma das
primeiras teorias de auto-regulação, segundo a qual os indivíduos identificam
objectivos sistematicamente ao longo da sua vida, adoptam comportamentos para
atingir esses objectivos (Scheier & Carver, 2003), monitorizam o progresso
no alcance desses objectivos, e agem em conformidade para reduzir discrepância
entre os resultados obtidos e os desejados (Carver, 2004). Através de processos
dinâmicos de feedback e feedforward o resultado obtido (input) é avaliado a
partir da comparação com o resultado desejado e, havendo discrepâncias, ocorre
um processo para atingir o resultado desejado, formando-se um output que, por
sua vez, é testado novamente para avaliar se o resultado desejado foi
finalmente obtido (Carver & Scheier, 1998). Apesar deste modelo ter sido
utilizado para explicar os processos de auto-regulação no contexto de algumas
doenças crónicas (Carver, Scheier & Pozo, 1992; Carver et al., 1993;
Scheier & Carver, 1992), nenhuma investigação foi realizada com base neste
modelo na área da obesidade ou dos comportamentos de alimentação ou de
actividade física.
Gollwitzer (1993) introduziu o conceito de realização da intenção, alertando
para o papel facilitador dos planos de acção (que especificam onde, quando e
como) na passagem da intenção para a acção. Os estudos empíricos que se têm
fundamentado no constructo de realização de intenções de Gollwitzer (1993) têm-
se mostrado encorajadores, sugerindo que os indivíduos que desenvolvem planos
para a acção iniciam e mantêm mais facilmente comportamentos saudáveis (Sheeran
& Orbell, 1999), como sejam a prática de exercício físico (Milne, Orbell
& Sheeran, 2002), a prática de alimentação saudável (Verplanken & Faes,
1999), e o consumo de frutas e vegetais (Armitage, 2007; Kellar & Abraham,
2005).
Por sua vez, Schwarzer (1992) na abordagem do processo de acção para a saúde
assume a existência de uma fase motivacional em que o indivíduo desenvolve a
intenção e estabelece objectivos, e uma fase volitiva em que o indivíduo age
para alcançar os objectivos de mudança. Segundo este modelo, na fase
motivacional está presente a interacção de três variáveis importantes, sendo
elas a percepção do risco, as expectativas de resultado e as expectativas de
auto-eficácia. O resultado da interacção destas variáveis é a intenção de agir.
Na fase volitiva, isto é, na concretização efectiva da intenção em
comportamento, interagem estratégias auto-reguladoras, das quais se destacam a
auto-eficácia de coping (i.e., crenças optimistas sobre a capacidade de lidar
com os obstáculos e experiências de recaída) e o planeamento da acção e do
coping (i.e., planos para a acção, controlo da acção e planos para lidar com as
dificuldades) (Schwarzer, 1992). Nesta perspectiva, o planeamento envolve uma
representação mental da situação futura para activar um determinado
comportamento, como proposto igualmente por Gollwitzer. Os estudos empíricos
fundamentados na abordagem do processo de acção para a saúde têm mostrado que a
auto-eficácia é o melhor preditor da intenção e da mudança de uma grande
variedade de comportamentos, nomeadamente os comportamentos associados à perda
de peso e ao exercício físico (Schwarzer, 1992). Schwarzer e Renner (2000)
mostraram o papel da percepção do risco, das expectativas de resultado e da
auto-eficácia de acção como preditores da intenção, e o papel da intenção e da
auto-eficácia de coping como mediadores da mudança dos comportamentos
alimentares. O estudo de Schwarzer et. al, (2007) que teve como objectivo
avaliar a utilidade do planeamento e da auto-eficácia como variáveis mediadoras
pós-intencionais concluiu que o planeamento e a auto-eficácia funcionam como
factores preditores dos comportamentos alimentares e de actividade física.
Igualmente, os resultados do estudo de Renner et al., (2008) confirmam o poder
preditor da a bordagem do processo de acção para a saúde na auto-regulação dos
comportamentos alimentares.
Por sua vez, Leventhal, Meyer e Nerenz (1980) e, mais tarde, Leventhal, Nerenz
e Steele (1984) desenvolveram o modelo de auto-regulação de doença. Este modelo
assume que, perante uma ameaça à saúde, o indivíduo elabora representações e
reage emocionalmente à doença, estando motivado para resolver o problema de
saúde e restabelecer o equilíbrio. Segundo o modelo de auto-regulação de senso
comum (Leventhal, Brissette, & Leventhal, 2003) o comportamento é dirigido
para um objectivo e orientado por um processo de retroalimentação, no qual os
resultados do comportamento são avaliados tendo em conta o objectivo e, os
resultados desta avaliação afectam os determinantes do comportamento. Desta
forma, o comportamento é o produto de interacções dinâmicas de múltiplos
factores, a diferentes níveis, e apresentando relações causais recíprocas. O
comportamento caracteriza-se por um sentido intrínseco de atingir objectivos e
reduzir ou eliminar obstáculos à concretização desses objectivos. O estudo de
Wamsteker et al., (2005), baseando-se no modelo de auto-regulação de doença ,
estabeleceu como objectivo avaliar as crenças acerca das causas, consequências,
dimensão temporal e controlo da obesidade como possíveis factores preditores da
perda de peso. Este estudo concluiu que as baixas percepções de auto-eficácia e
de controlo sobre a doença, e a crença de que a obesidade possui uma origem
física estão associadas a uma menor perda de peso. Este estudo sugeriu ainda
que o resultado das intervenções pode ser aumentado através da mudança de
crenças, especialmente, daquelas relacionadas com a auto-eficácia, visto esta
ter provado ser, neste estudo, o factor preditor mais significativo da perda de
peso.
Adicionalmente, o estudo de Kitsantas (2000) veio demonstrar a importância da
percepção de auto-eficácia e a utilidade de diversas estratégias de auto-
regulação e auto-controlo, designadamente, o estabelecimento de objectivos, a
auto-monitorização, a auto-avaliação, a mudança do contexto ambiental, a gestão
do tempo, o apoio social e a procura de informação, para a perda de peso e a
manutenção do peso saudável.
Em resumo, antes de se partir para o desenho de intervenções com vista à
mudança de comportamentos de saúde é fundamental ter presente a importância dos
processos de auto-regulação. A auto-regulação é um constructo multidimensional
que integra duas componentes principais: uma componente afectiva-motivacional
dinâmica e uma componente cognitiva-metacognitiva. A componente afectiva-
motivacional dirige a formulação de objectivos considerados desejados ou
adequados, e a escolha e adopção de estratégias motivacionais que têm por
missão, entre outras, facilitar a gestão de emoções, a resistência face aos
obstáculos e dificuldades, e a gestão do tempo e do esforço. A componente
cognitiva-metacognitiva está presente na definição do objectivo a atingir em
adequação com as crenças pessoais e com a representação da doença, na
antecipação da acção futura, na elaboração de um plano de acção, nos juízos
formulados sobre os progressos ou os fracassos ocorridos e na orientação da
atenção para os objectivos desejados e os comportamentos adoptados.
FACTORES MODERADORES DOS EFEITOS DOS PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO NA OBESIDADE
Para o desenvolvimento de programas eficazes ao nível da intervenção torna-se
necessário conhecer os factores que influenciam a direcção e a magnitude da
relação entre a intervenção e os seus resultados.
De seguida são apresentados os diferentes factores, agrupados em categorias,
que a literatura sugere estarem correlacionados de forma significativa com os
resultados dos programas de intervenção na obesidade com crianças e
adolescentes (Stice, Shaw, & Marti, 2006).
Características do Indivíduo
Relativamente às características do indivíduo destacam-se como factores
moderadores dos efeitos dos programas de intervenção a idade e o sexo.
Idade. O estudo meta-analítico de Stice et al., (2006) revelou que os programas
de intervenção mais eficazes apresentam como principal alvo os adolescentes. Os
autores sugerem que, por se encontrarem numa fase de desenvolvimento mais
avançada, os adolescentes possuem uma maior capacidade de compreensão e
aplicação dos materiais de intervenção e um maior controlo sobre a sua
alimentação, comparativamente com as crianças.
Sexo. Segundo os resultados do estudo de Stice et al., (2006), os programas de
intervenção na obesidade com indivíduos de sexo feminino apresentam resultados
de maior sucesso comparativamente com os programas que intervêm com o sexo
masculino ou ambos os sexos. A população adolescente de sexo feminino tende a
mostrar-se mais receptiva às intervenções que têm como finalidade promover
comportamentos alimentares saudáveis, possivelmente devido às pressões sócio-
culturais para a conformidade com os ideais de beleza associados à magreza,
manifestamente maiores para o sexo feminino, nas culturas ocidentais.
Características da Intervenção
No que concerne às características da intervenção, e apesar de alguns estudos
conduzirem a resultados contraditórios, destacam-se como factores moderadores
dos efeitos dos programas de intervenção na obesidade a duração, o envolvimento
dos pais, o conteúdo informativo, a dieta e o exercício físico.
Duração. O estudo meta-analítico de Stice e Shaw (2004) concluiu que as
intervenções de longa duração são mais eficazes comparativamente com as
intervenções de curta duração. Contrariamente, a mais recente revisão meta-
analítica de Stice et al., (2006) demonstrou que as intervenções na obesidade
de curta duração são mais eficazes. Os autores referem que as intervenções
longas tornam-se pouco apelativas para os jovens e resultam geralmente no
aumento de desistências no decorrer dos programas.
Envolvimento dos pais. Alguns autores sugerem que os programas mais eficazes
envolvem os pais nas suas intervenções (Berrocal, López, & Gavino, 1997). A
revisão meta-analítica de Stice et al., (2006) concluiu, todavia, que o
envolvimento dos pais pode não se correlacionar de forma significativa com os
resultados dos programas de intervenção. Não obstante, é indiscutível o papel
da família como modelo no desenvolvimento de hábitos de alimentação e de
actividade física em crianças e adolescentes.
Conteúdo informativo. A investigação tem demonstrado que o conteúdo meramente
informativo/educativo dos programas não se correlaciona de forma significativa
com o sucesso dos programas de intervenção (Stice & Shaw, 2004; Stice et
al., 2006). Deste modo, pode afirmar-se que a educação e o mero fornecimento de
informação tornam-se insuficientes na promoção da mudança dos comportamentos. O
recurso às estratégias comportamentais (em conjunto com os conteúdos
educativos) pode desempenhar um papel fundamental na intervenção ao facilitar a
aquisição de novos comportamentos.
Dieta. Os programas seguem geralmente a linha de intervenção tradicional,
sugerindo um regime de dieta, com alusão à restrição alimentar como
procedimento principal e, por vezes, único procedimento de intervenção (Stice
et al., 2006). Importa considerar, contudo, os efeitos prejudiciais da dieta
restritiva. A restrição alimentar, não só é um conceito de doença, como também
está geralmente associada a diversas reacções defensivas do organismo para
contrabalançar as tentativas de perda de peso, incluindo o aumento da sensação
de fome, o aumento da atracção e ingestão de alimentos hiper-calóricos, o
aumento da fadiga diária e o consequente aumento de peso (Herman & Polivy,
2004; Ogden, 2004). Adicionalmente, diversos estudos têm comprovado os efeitos
prejudiciais da restrição calórica no crescimento e desenvolvimento de crianças
e adolescentes (Brook, Lloyd & Wolff, 1974; White, 1986). A acrescentar a
isto, os resultados do estudo de Stice et al., (2006) permitiram concluir que a
dieta restritiva pode não se correlacionar de forma significativa com os
efeitos dos programas de intervenção. Em detrimento das dietas restritivas,
diversos autores têm destacado a importância do desenvolvimento de
comportamentos alimentares saudáveis, salientando este como um factor
determinante na intervenção e prevenção da obesidade, bem como de outras
perturbações alimentares como a anorexia nervosa ou a bulimia, muitas vezes
associadas à obesidade e às dietas restritivas (Berrocal et, al., 1997).
Exercício físico. O estudo pioneiro de Epstein, Wing, Koeske, e Valoski (1985)
mostrou que os programas que promovem a prática de actividade física não
programada (e.g., subir escadas, andar a pé) apresentam resultados mais
significativos comparativamente com os programas que incentivam o exercício
físico programado (i.e., desporto). Os autores afirmam que a prática de
desporto é dificultada pelo excesso de adiposidade das crianças e adolescentes
com obesidade; por sua vez, a prática de actividade física não programada
facilita pequenas e variadas mudanças comportamentais que podem ser mais
facilmente implementadas na rotina diária de crianças e jovens,
comparativamente com o exercício físico programado. Isto resulta geralmente
numa maior adesão e envolvimento dos jovens nos programas, permitindo combater
um dos frequentes obstáculos à intervenção - o elevado número de abandonos por
parte dos jovens quando confrontados com a prática rígida e exigente de
exercício físico (Berrocal et al., 1997). Os resultados da meta-análise de
Stice et al., (2006) comprovam que, de facto, o exercício físico programado não
se correlaciona significativamente com os efeitos da intervenção dos programas.
Características do Desenho e Apresentação do Programa
No que respeita às características do desenho e apresentação do programa,
destacam-se como factores moderadores dos efeitos dos programas de intervenção
a forma de selecção dos participantes e o formato do programa.
Selecção dos participantes. A investigação sugere que os programas aplicados a
indivíduos que decidem activa e voluntariamente participar na intervenção
apresentam efeitos mais significativos comparativamente com os programas
aplicados a uma população pré-seleccionada (e.g., numa escola). Stice et al.,
(2006) sugerem que, por serem os próprios indivíduos a tomarem a decisão
voluntária de participar no programa, estes geralmente apresentam uma maior
motivação para se envolverem na intervenção e seguirem as suas recomendações.
Formato do programa. Os programas de formato interactivo apresentam geralmente
uma maior eficácia comparativamente com os programas de formato didáctico
(Stice & Shaw, 2004; Stice, et al., 2006). A literatura sugere que os
programas com formato interactivo, por envolverem exercícios que permitem a
aplicação das aprendizagens, possibilitam o aperfeiçoamento das competências e
potenciam a alteração dos comportamentos.
Em suma, os programas de intervenção na obesidade parecem ser mais eficazes
quando têm como alvo a população adolescente e o sexo feminino; apresentam uma
curta duração; promovem a educação e a aquisição de estratégias facilitadoras
da mudança dos comportamentos; promovem comportamentos alimentares saudáveis em
detrimento de dietas restritivas; estimulam a actividade física não programada
em alternativa (ou complemento) ao desporto; a participação no programa é
voluntária; e o programa apresenta um carácter interactivo.
INTERVIR NA OBESIDADE OU PROMOVER ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEIS?
Geralmente são consideradas três opções de tratamento nos casos de excesso de
peso / obesidade: (a) alteração dos estilos de vida (i.e., programa alimentar,
programa de actividade física e terapia comportamental); (b) farmacoterapia; e
(c) cirurgia bariátrica.
A promoção de estilos de vida saudáveis é comummente considerada o primeiro
passo no tratamento da obesidade e a intervenção mais adequada tendo em conta a
relação custo - eficácia (Wing, 2002). Diversos estudos têm demonstrado a
eficácia dos programas de promoção de estilos de vida saudáveis na manutenção
do peso saudável a longo prazo e no tratamento de doenças comorbidas em
adolescentes com obesidade. Estes mesmos estudos têm testemunhado igualmente os
benefícios psicológicos da alteração dos estilos de vida (Wadden, Butryn, &
Byrne, 2004; Wilfley et al., 2007).
A farmacoterapia e a cirurgia bariátrica não são actualmente recomendadas e nem
consideradas formas seguras de tratamento da obesidade em crianças e
adolescentes devido à fraca adesão destas populações aos regimes médicos
( Marston, 1970), às elevadas taxas de recaída (Lloyd, Wolff & Whelen,
1961) e aos seus efeitos secundários adversos no crescimento e desenvolvimento
de crianças e adolescentes (Grollman, 1980; White, Cheek, & Haller, 1974).
A generalidade das revisões encontradas na literatura aponta para a prevenção
da obesidade e a promoção de estilos de vida saudáveis como estratégias de
intervenção mais realistas e benéficas para crianças e adolescentes (Lissau,
Burniat, Poskitt, & Cole, 2002). Os esforços de promoção da saúde devem,
entretanto, focar-se na população em geral, incidindo sobre todas as crianças e
adolescentes, incluindo aqueles com peso saudável. Torna-se necessário o
desenvolvimento de esforços de intervenção precoce no sentido de, não somente,
prevenir a obesidade nestas populações, mas também e fundamentalmente, reduzir
as taxas de prevalência da obesidade e das doenças comorbidas na população
adulta a longo prazo.
PARA UMA INTERVENÇÃO EFICAZ: A INVESTIGAÇÃO FUTURA NECESSÁRIA
As críticas que podem ser apontadas aos actuais programas de intervenção
permitem informar o futuro desenvolvimento de novas intervenções. Seguidamente
destacam-se alguns dos problemas encontrados nos programas de intervenção
actuais, bem como directrizes para o futuro desenho de novos programas.
A Avaliação do Peso
Na generalidade dos programas actuais é feita a avaliação regular do peso do
adolescente para avaliar a perda de peso e, consequentemente, avaliar a
eficácia do programa. No entanto, a ênfase colocada no peso do jovem pode
desviar o foco desejável de qualquer programa do aumento da saúde pessoal para
a preocupação com a perda de peso. Os programas devem reconhecer que a
avaliação do peso e a sua comparação com as normas sociais pode potenciar o
desenvolvimento de auto-percepções de anormalidade e ter um impacto negativo
na auto-estima e no humor do adolescente. Desta forma, os programas devem
considerar na avaliação dos resultados ambos, os benefícios físicos e
psicológicos para a saúde do adolescente.
A Avaliação de Grupos de Indivíduos
A maioria dos programas actuais avalia e compara o consumo de alimentos em
grupos de indivíduos, desprezando as características individuais dos jovens
(i.e., altura, composição corporal e nível de actividade física). Os programas
futuros devem ter presente que a avaliação de grupos, não só pode ocultar as
diferenças individuais, mas também mostrar um padrão que é completamente
diferente do padrão de comportamentos do adolescente em particular.
Utilização de Diferentes Técnicas e Valores de Referência
Os actuais programas de intervenção utilizam geralmente diferentes técnicas na
avaliação e diferentes valores de referência para a definição do excesso de
peso e da obesidade. Isto torna difícil a comparação e a avaliação dos
diferentes programas. Como forma de solucionar este problema, a investigação
futura poderá beneficiar da adopção de padrões estandardizados de avaliação,
bem como da utilização dos mesmos valores de referência para a definição das
condições associadas ao peso.
A Mudança como Resultado do Desenvolvimento do Adolescente
A generalidade dos programas actuais não tem em conta que as crianças e os
adolescentes estão ainda em desenvolvimento, pelo que podem sofrer mudanças na
composição corporal devido somente ao seu crescimento durante o período de
intervenção, e não devido aos efeitos da intervenção do programa. Para
controlar e avaliar os efeitos desta variável poderá ser necessário no futuro o
desenvolvimento de estudos que incluam grupos de controlo.
A Avaliação dos Programas
Na maioria dos programas actuais são contempladas somente duas avaliações do
programa: antes e após a intervenção. No entanto, dadas as elevadas
percentagens de recaídas encontradas nos programas torna-se indiscutível a
necessidade de adoptar novas medidas e procedimentos de avaliação que
contemplem a avaliação ao longo da intervenção e em sessões de follow-up.
Fernández-Ballesteros (1995) sugere que a avaliação faz parte do processo de
intervenção dos programas e propõe que a mesma seja integrada como uma das sete
fases do ciclo de intervenção: (a) Identificação do problema e das
necessidades; (b) Planeamento dos objectivos e das metas; (c) Pré-avaliação,
cursos de acção e selecção do que se considera mais adequado; (d) Desenho e
configuração do programa; (e) Execução do programa; (f) Avaliação/valoração;
(g) Tomada de decisão sobre o programa.
Fernández-Ballesteros (1995) considera que as diferentes fases do ciclo de
intervenção devem ser sujeitas a diferentes tipos de avaliação, dos quais são
derivados juízos valorativos (ver Tabela 1) [para mais informação aconselha-se
a consulta da obra original de Fernández-Ballesteros (1995)].
Tabela 1
Ciclo de Intervenção, Formas de Avaliação e Juízos Valorativos (Fernández-
Ballesteros, 1995)
Quanto ao processo de avaliação/valoração propriamente dito, Fernández-
Ballesteros (1995) propõe seis fases: (a) Planeamento da avaliação; (b)
Selecção das operações a observar; (c) Selecção do desenho da avaliação; (d)
Recolha de informação; (e) Análise de dados; (f) Informação sobre a avaliação
[para mais informação aconselha-se a consulta da obra original de Fernández-
Ballesteros (1995)].
A investigação futura deverá integrar ainda avaliações de follow-up a longo
prazo (e.g., meses ou anos após a intervenção), replicações dos programas,
avaliações dos custos, da sustentabilidade e da capacidade de generalização dos
programas. Isto permitirá compreender a eficácia dos programas e estabelecer o
tipo de intervenção mais eficaz.
DISCUSSÃO
Nas últimas décadas, a taxa de prevalência da obesidade entre crianças e
adolescentes aumentou drasticamente por todo o mundo, tornando indiscutível a
urgência de medidas interventivas para travar este problema de saúde pública
que é já considerado uma epidemia global pela Organização Mundial de Saúde
(OMS, 2007).
O presente artigo teve como principais objectivos dar a conhecer os principais
resultados da literatura e da investigação actual sobre a elaboração de
programas de intervenção e fornecer directrizes para a futura construção de
novos programas.
Os modelos teóricos possibilitam a compreensão dos comportamentos e dos
processos que promovem a mudança e a adopção de novos comportamentos. Por esta
razão, o presente artigo começa por informar sobre as principais linhas
teóricas que devem servir de base aos esforços de intervenção. Por outro lado,
não só os conhecimentos teóricos devem apoiar os esforços de intervenção, como
também os resultados da investigação empírica já efectuada devem contribuir
para uma intervenção integradora dos pontos mais salientes e comprovados de
eficácia e eficiência. Assim, este artigo apresenta uma descrição dos
resultados de investigação sobre a validade dos modelos teóricos e dos factores
preditores e moderadores dos efeitos de intervenção. Porém, alguns resultados
de investigação são ainda hoje escassos e não conclusivos. Desta forma, a
investigação continua a ser necessária para apurar a validade dos modelos
teóricos actuais e proporcionar o desenvolvimento de novas teorias mais
integrativas e compreensivas. O apoio empírico para o desenvolvimento de uma
teoria mais integrativa irá permitir no futuro informar os esforços de
intervenção, dotando-os de uma maior eficácia. Todavia, para que tal se torne
possível, tem de ser unanimemente reconhecida a necessidade de fundamentar
teórica e empiricamente os esforços de intervenção e, para além disto,
reconhecida a necessidade de se proceder à avaliação dos programas. Muitos são
os programas de intervenção actualmente existentes que não apresentam qualquer
fundamento teórico e/ou empírico (ou, se o apresentam, não o tornam claro e
explícito) e que não contemplam a sua avaliação. Isto tem resultado no atraso
da investigação e no descrédito por parte da população em geral nos esforços de
intervenção.
A procura de respostas para promover a mudança efectiva dos comportamentos
associados ao estilo vida e a sua manutenção a longo prazo mantém-se ainda hoje
uma fonte de curiosidade e frustração para clínicos e investigadores. Na
literatura, um insuficiente número de estudos é identificado como tendo a
qualidade metodológica necessária para potenciar recomendações ou afirmar com
confiança quais as estratégias de intervenção que podem trazer resultados de
sucesso a longo prazo no trabalho com crianças e adolescentes.
Nos diversos programas já efectuados, os adolescentes com excesso de peso ou
obesidade conseguem iniciar esforços para o controlo dos seus comportamentos e,
com ajuda profissional, são capazes de manter os seus esforços e a perda de
peso durante os vários meses de intervenção, demonstrando resultados positivos
em diversos domínios, nomeadamente, médico, psicológico e social. Porém,
geralmente não conseguem manter os resultados terapêuticos a longo prazo, para
além da duração dos programas (Lobstein et al., 2004). Desta forma, a
investigação futura terá de continuar a responder a questões como: Em que
medida os comportamentos e os processos psicológicos envolvidos na mudança
inicial diferem daqueles envolvidos na manutenção da mudança a longo prazo? E,
como promover e assegurar a manutenção dos resultados terapêuticos a longo
prazo para além da duração dos programas de intervenção?
A generalidade das intervenções actuais apresenta um carácter correctivo,
encorajando os indivíduos a alimentar-se correctamente. Isto envolve
frequentemente colocar crianças e adolescentes num regime de dieta restritiva.
Porém, nos casos de excesso de peso e ou obesidade, a dieta pode conduzir a
diversos problemas físicos e psicológicos, nomeadamente, peso inconstante,
perturbações alimentares (e.g., anorexia nervosa, bulimia), depressão,
diminuição da auto-estima, entre outros. Isto, aliado ao facto de a dieta
restritiva não demonstrar ser uma estratégia eficaz para o sucesso dos
programas de intervenção (Stice et al., 2006), revela a importância da promoção
de comportamentos alimentares saudáveis (em detrimento da dieta restritiva),
como uma possível forma de assegurar a manutenção dos resultados terapêuticos a
longo prazo. Importa recordar que a promoção de hábitos alimentares saudáveis é
também um factor determinante na prevenção de perturbações alimentares como a
anorexia nervosa e a bulimia, comummente associadas a dietas inadequadas e à
restrição alimentar (Berrocal et al., 1997).
Por outro lado, o facto de o exercício físico não se correlacionar de forma
significativa com os efeitos de intervenção (Stice et al., 2006) revela também
a necessidade de os programas recorrerem a outras estratégias alternativas ou
complementares, como o incentivo à redução dos comportamentos sedentários e à
prática de actividades físicas integradas na rotina diária, no sentido de
proporcionar um balanço positivo de energia e facilitar a manutenção dos
comportamentos saudáveis a longo prazo.
A promoção de estilos de vida saudáveis pode não ser suficiente nos casos de
obesidade mórbida, no entanto, de entre os diversos tipos de intervenção (i.e.,
programas de promoção de estilos de vida saudáveis, famacoterapia e cirurgia
bariátrica), ela é considerada a intervenção mais adequada tendo em conta os
riscos para a saúde pediátrica e a relação custo - eficácia. Os programas de
promoção de estilo de vida saudáveis possibilitam a intervenção nos casos em
que a obesidade está já instalada, mas permitem adicionalmente a prevenção em
crianças e adolescentes saudáveis ou em risco de desenvolverem excesso de peso
ou obesidade. A promoção de estilos de vida saudáveis é actualmente considerada
fundamental para a prevenção da obesidade em crianças e jovens, mas também para
a prevenção a longo prazo da obesidade na idade adulta.
O desenvolvimento de intervenções com grupos específicos tendo em conta o sexo,
a cultura e o nível sócio-económico é uma área onde será necessária
investigação futura. Recorde-se que a população adolescente de sexo feminino
tende a mostrar-se mais receptiva às intervenções que têm como finalidade
promover comportamentos alimentares saudáveis (Stice et al., 2006). Estes
resultados apontam para a necessidade de serem desenvolvidas intervenções
alternativas e específicas para a população adolescente de sexo masculino. Será
a promoção do exercício físico e do desporto, em detrimento da promoção de
comportamentos alimentares saudáveis, uma melhor estratégia para a intervenção
com a população adolescente de sexo masculino?
Existem culturas que demonstram elevadas taxas de prevalência de excesso de
peso e obesidade quando comparadas com outras. Porém, muitas vezes nestas
culturas não se reconhece a necessidade de intervenção, em parte porque que o
excesso de peso e a obesidade estão associados a uma menor insatisfação
corporal e estigmatização social (Duncan, Anton, Newton, & Perri, 2003).
Como poderiam ser então desenhados e apresentados programas para travar a
obesidade nestas populações, de forma a motivar a mudança dos comportamentos?
As crianças e os adolescentes de nível sócio-económico baixo deparam-se
provavelmente com um maior número de obstáculos no acesso ao tratamento, o que
dificulta a sua participação nos programas de intervenção (Hill & Peters,
1998). Como desenhar intervenções eficazes de baixo custo que possam chegar a
estas crianças e estes adolescentes?
O facto de a maioria dos adolescentes estar mais orientada para os benefícios
imediatos de um estilo de vida em detrimento dos seus potenciais custos futuros
pode tornar a intervenção junto desta população um verdadeiro desafio. De
facto, os benefícios do comportamento de saúde apenas serão experienciados no
futuro, enquanto os benefícios do consumo excessivo de alimentos e do
comportamento sedentário ocorrem no presente. Para fazer frente a este desafio,
os futuros programas poderão focar os aspectos relacionados com a saúde que são
mais imediatos e relevantes para os adolescentes, como as associações entre o
comportamento alimentar e o êxito no exercício físico, a boa aparência, ou
condição física; desenvolver esforços para tornar as escolhas alimentares
saudáveis mais acessíveis e atraentes; e ajudar os jovens a desenvolverem
competências específicas (e.g., como comer um pequeno-almoço saudável quando o
jovem está com pressa para ir para a escola).
Apesar de todas as directrizes que este artigo sugere como possíveis formas de
intervenção futura, é irrealista esperar que a intervenção com crianças e
adolescentes seja suficiente para fazer frente à interacção dos múltiplos
factores que têm contribuído para as crescentes taxas de prevalência da
obesidade pediátrica, nomeadamente os factores genéticos, ambientais, sociais,
culturais, entre outros. Desta forma, as famílias, as escolas, os grupos
comunitários e as políticas governamentais para a saúde devem, todos eles, dar
um contributo para a criação de um ambiente favorável à mudança de estilos de
vida. Embora os programas de promoção de estilos de vida saudáveis sejam
necessários e talvez o único meio de inverter as taxas de prevalência da
obesidade a curto prazo, serão necessárias políticas interventivas para
assegurar a resolução eficaz deste problema de saúde pública a longo prazo. A
obesidade deve ser uma prioridade para a investigação científica, mas também
para o sistema nacional de saúde e para as acções políticas futuras.
Em suma, são ainda escassos os estudos sobre a intervenção na obesidade e
muitas são as questões que se mantêm sem resposta. Com o objectivo de reforçar
e impulsionar a continuação dos estudos nesta área, o presente artigo expôs as
principais linhas teóricas que poderão servir de base aos futuros esforços de
intervenção, apresentou os principais resultados da investigação actual,
informou sobre os tipos de intervenção mais apropriados para crianças e
adolescentes, ofereceu directrizes para a futura construção de novos programas
mais eficazes e levantou algumas questões de investigação que se mantêm por
responder e urgem em obter resposta...