Moderadores e mediadores da relação entre a psicopatologia e a obesidade ou
sobrepeso na adolescência
No início do século XXI, a obesidade tornou-se a principal doença metabólica em
todo o mundo, de tal forma que a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2000)
passou a referir-se à obesidade como uma epidemia global que afecta não só as
sociedades mais empobrecidas, mas também os países desenvolvidos. O aumento da
prevalência da obesidade nas crianças e adolescentes é portanto, um importante
problema de saúde pública nas sociedades industrializadas (Erermis, et al.,
2004).
Se observarmos as prevalências em Portugal, verificamos que esta tendência
crescente também é notória na população portuguesa, merecendo especial atenção
as faixas etárias mais jovens. Um estudo nacional com estudantes do ensino
secundário, apontou para uma prevalência de 3,55% de estudantes com obesidade e
de 10,15% de estudantes com excesso de peso (Brites, Cruz, Lopes & Martins,
2007). Outro estudo com adolescentes escolarizados do concelho de Lisboa,
revelou que 14,3% tinham excesso de peso e 7,7% apresentavam obesidade
(obtendo-se um valor total de 22%), sendo que a proporção de raparigas com
excesso ponderal ou obesidade foi superior à de rapazes (Gouveia et al., 2007).
Já Amorim Cruz e colaboradores (2000), registaram uma prevalência ligeiramente
inferior (18%) de excesso peso e obesidade, em adolescentes escolarizados da
área de Lisboa, entre os doze e dezanove anos.
Mais recentemente, foi realizado um estudo com 714718 estudantes do ensino
básico e ensino secundário oficial de Portugal Continental com idades
compreendidas entre os dez e os dezoito anos (Carmo, Santos, Camolas &
Vieira, 2008). Neste estudo, constatou-se um indicador de prevalência de pré-
obesidade e obesidade em Portugal de 22,7% e 8,3%, respectivamente.
A diversidade de resultados obtidos nestes estudos nacionais, pode estar
relacionada com a heterogeneidade das amostras e faixas etárias abrangidas.
Estes números são, no entanto, preocupantes, uma vez que, tal como refere Veiga
(2000) as alterações metabólicas associadas à obesidade, mais evidentes nos
adultos, começam actualmente a manifestar-se na criança e no adolescente com
excesso de peso. Neste sentido, torna-se urgente inverter o crescimento abrupto
da prevalência da obesidade nos adolescentes.
A adolescência é uma fase desenvolvimental em que o aspecto exterior se
apresenta como a chave para o relacionamento com os outros; em que a
comparação e identificação com o grupo de pares são muito importantes; e em que
o adolescente se vê como estando sempre no palco, sob os olhares do público
que se centra no seu ponto mais evidente, o corpo (Fonseca et al., 2008). Como
tal, não é de admirar que muitos detestem desde cedo os seus corpos e estejam
preocupados com o peso (Stunkard, 1976).
Adolescentes com obesidade, são portanto, estigmatizados e discriminados em
várias áreas das suas vidas, e como resultado, o seu bem-estar psicológico pode
ficar comprometido (Wardle & Cooke, 2005).
Neste artigo pretende-se assim, compreender com base na literatura existente, a
ligação entre o excesso de peso e os problemas psicológicos manifestados pelos
adolescentes, realçando o papel de algumas variáveis psicossociais na moderação
e na mediação dessa mesma relação.
MÉTODOS
Para esta revisão, realizou-se uma pesquisa de literatura em Inglês e Francês,
de artigos de 1980 até 2010, recorrendo a bases de dados como a Psycharticles e
a Science Direct. Utilizaram-se para tal, combinações de palavras-chave como:
moderators, mediators, variables, obesity, overweight, psychological
disfunction, psychopathology, adolescence, social supporteemotion.
Paralelamente, foram também consultados alguns livros relacionados com o tema e
outros artigos nacionais recentes na Internet. As investigações revistas
abrangem estudos quantitativos e qualitativos, desde os mais descritivos
àqueles mais correlacionais.
RESULTADOS
Relação entre a Psicopatologia e a (Pré) Obesidade na Adolescência
Inúmeras são as investigações que relacionam a obesidade com certos problemas
psicológicos como a depressão, a ansiedade, o stress, a auto-estima, os
distúrbios alimentares, entre outros. Estes distúrbios num contexto de
adolescência, tem em grande parte, origem na rejeição social, num contexto
social que dá primazia à beleza física, levando à discriminação educativa,
social e culminando no isolamento social (Oliveira et al., 2009). A obsessão
cultural dos dias de hoje em relação à magreza, à aversão à gordura e a censura
aos indivíduos com obesidade, podem promover uma baixa auto-estima e uma auto-
imagem pobre nos indivíduos que não se coadunam com a imagem magra,
estereotipadamente atraente (Ogden, 1999).
Todavia, existe alguma incongruência nos resultados obtidos nestes estudos que
procuram compreender a relação entre a obesidade e a psicopatologia. Se por um
lado, existem investigações que encontram fortes associações entre a obesidade
e os problemas psicológicos na adolescência, por outro, existem estudos mais
recentes que põem em causa essa associação.
Segundo Marcus e Wildes (2009), os estudos longitudinais têm vindo a mostrar
que a obesidade prediz o aparecimento de sintomas psiquiátricos, mas também a
psicopatologia pode predizer a obesidade, tal como se verificou no estudo de
Franko, Striegel-Moore, Thompson, Schreiber e Daniels (2005). Estes autores
constataram que os sintomas depressivos aos dezasseis e dezoito anos de idade,
estavam associados a um maior risco de obesidade e a uma elevação do índice de
massa corporal aos vinte e um anos de idade. Na mesma linha, Hasler e seus
colaboradores (2005) realizaram um estudo, no qual verificaram que os sintomas
depressivos presentes antes dos dezassete anos nos sujeitos da amostra de ambos
os sexos, estavam associados a uma maior tendência para aumento de peso nos
anos seguintes, representando um grande risco para a obesidade quando se tratam
de mulheres adultas. Outro estudo longitudinal de Richardson e seus
colaboradores (2003), também constatou diferenças de género, verificando uma
associação significativa entre a depressão na adolescência tardia e obesidade
na adultez, presente unicamente nas raparigas. De notar que aos vinte e seis
anos de idade, 12% dos membros deste estudo apresentavam obesidade.
Muitos estudos sugerem portanto, uma relação entre o peso em excesso e a
depressão, independentemente da sua direcção. Por exemplo, os resultados do
estudo de Richardson e colaboradores (2006), apontaram para uma associação
entre os sintomas depressivos e a obesidade durante a puberdade. Os resultados
obtidos num estudo com pré-adolescentes com e sem obesidade, permitiu constatar
que o grupo de pré-adolescentes com obesidade apresenta maiores índices de
insatisfação corporal e maior grau de restrição alimentar relativamente ao
grupo de pré-adolescentes sem obesidade (Malfará, 2007). Na mesma linha, Bull e
colaboradores (1983) afirmaram que tanto os pacientes que aguardavam cirurgia
para colocar bypass gástrico, como os pacientes sem essa psicopatologia se
descreviam como mais deprimidos do que as pessoas com peso normal, embora os
níveis de depressão não atingissem proporções clínicas. Um outro estudo levado
a cabo por Hopkinson e Bland (1982) concluiu que 1/5 da amostra de sujeitos com
obesidade que aguardavam tratamento cirúrgico diziam ter tido pelo menos um
período de depressão clínica que requerera tratamento. Todavia, parte deste
tipo de estudos incluíam apenas sujeitos que aguardavam tratamento médico ou
cirúrgico, não considerando aqueles sujeitos com obesidade que não sentem
necessidade de entrar em contacto com os técnicos de saúde, porque
possivelmente não estão deprimidos (Ogden, 1999). Num estudo de Fitzgibbon,
Stolley e Kirschenbaum, (1993) com três grupos de sujeitos (com obesidade em
tratamento, com obesidade sem tratamento e de peso normal), detectaram-se
sintomas psicopatológicos nos sujeitos com obesidade sem tratamento, mas é de
notar que, os sujeitos com obesidade que estavam a receber tratamento,
manifestaram ainda mais sintomas psicopatológicos no Brief Symptom Inventory
(BSI) e maior tendência para a ingestão alimentar compulsiva, comparativamente
com os sujeitos com obesidade que não estavam em tratamento e com os sujeitos
de peso normal.
Neste sentido, tem-se verificado que a natureza e dimensão da psicopatologia
nos indivíduos com obesidade é variável de estudo para estudo, constatando-se
que nem todos apresentam humor deprimido ou baixa auto-estima devido a sua
condição física. Tal como salienta Fettes e Williams (1996), se por um lado
temos estudos que reforçam a crença de que a obesidade está associada a uma
maior incidência de perturbações mentais, têm surgido outros estudos cujos
resultados não suportaram esta assunção.
Por exemplo, um estudo mais recente de Floodmark (2005), contrariou a visão da
obesidade como a causa directa de problemas psicológicos, ao verificar que uma
parte da amostra das crianças com obesidade era feliz. Logo, esta criança
feliz pode simplesmente ter mais recursos psicossociais para lidar com o
problema, do que aquelas que apresentam sintomatologia psicopatológica
(Flodmark, 2005).
Um outro estudo de Halmi e colaboradores, (1980), encontrou num grupo clínico
de sujeitos com obesidade, taxas de níveis de depressão compatíveis com a
prevalência da depressão na população em geral. Por isso, embora algumas
pessoas com obesidade possam estar deprimidas, não há provas consistentes da
existência de uma relação directa entre a percentagem de peso em excesso e a
incidência de problemas psicológicos (Ogden, 1999).
Por sua vez, Eremis e seus colaboradores (2004), verificaram que um grupo
clínico de adolescentes com obesidade, apresentava pontuações mais elevadas de
ansiedade-depressão, agressividade, problemas sociais e isolamento social,
comparativamente com o grupo comunitário de adolescentes com obesidade e com o
grupo de controle. Por sua vez, o grupo comunitário de adolescentes com
obesidade, tinha valores mais elevados de problemas sociais, preocupações
somáticas e comportamentos internalizadores do que os adolescentes do grupo de
controle. Na mesma linha, os autores também verificaram que os valores de
depressão do Children Depressive Inventory (CDI; Kovacs, 1985) e a prevalência
de perturbações de humor e de perturbação depressiva major nos dois grupos de
adolescentes com obesidade (clínicos e da comunidade), eram significativamente
mais altos, do que no grupo de controle. Apesar de este estudo confirmar uma
relação entre a obesidade e a psicopatologia, o autor reforça a ideia de que
essa relação é indirecta e portanto, mediada por outros factores sócio-
emocionais.
Importa ainda realçar um estudo longitudinal, no qual Goodman e Whitaker (2003)
não encontraram uma associação significativa entre depressão e obesidade ao
longo do tempo, desde o período de início até ao período de follow up de um
ano.
Neste sentido, é importante reconhecer que um pobre ajustamento psicossocial
não é um resultado automático da obesidade, pelo que existem determinados
factores que protegem as crianças com obesidade do estigma e das consequências
negativas sociais de que são alvo (Puhl & Latner, 2007).
Variáveis moderadoras de ordem psicossocial
Dada a inadequação das associações causais simplistas entre a obesidade e a
presença de psicopatologia, ultimamente tem-se vindo a questionar a sua
validade científica. O risco que estas associações podem trazer, é o de serem
negligenciados aspectos que tenham relevância não só imediata ou interventiva,
mas também etiológica.
Assim, importa salientar o papel que algumas variáveis psicossociais podem ter
na moderação da relação entre a psicopatologia e a obesidade ou sobrepeso nos
adolescentes. Neste sentido, é oportuno dividi-las em dois grupos distintos:
variáveis internas e variáveis externas.
Variáveis internas
No que diz respeito aos recursos internos, torna-se importante evidenciar o
papel das competências emocionais e de coping do indivíduo. Todavia, a escassez
de estudos que fazem referência às variáveis internas, comparativamente com o
número elevado de estudos que fazem alusão às variáveis externas, torna urgente
a análise de factores como o coping e a auto-regulação emocional, ao nível da
relação entre a psicopatologia e a obesidade infanto-juvenil, sendo que a
maioria deste tipo de estudos foi realizado com adultos. Apesar disso, existem
evidências de que esta população tende a aumentar a quantidade de ingestão de
alimentos em resposta a estados emocionais de stress (Walfish, 2004).
Apfeldorfer (1997), realça o impacto que a desregulação emocional gera no
desenvolvimento da psicopatologia, defendendo que os indivíduos com obesidade
podem ser incapazes de identificar e reflectir sobre as suas próprias emoções,
utilizando a comida como estratégia para ultrapassar os momentos mais difíceis.
São, portanto, incapazes de ter comportamentos assertivos, utilizando a comida
como uma estratégia adaptativa para evitar a tomada de posição face aos outros
(Apfeldorfer, 1997). Neste sentido, melhores competências emocionais podem
proteger o indivíduo com obesidade de psicopatologia.
Segundo Canetti, Bachar e Berry (2001), quer os doces altamente calóricos, quer
o álcool são frequentemente utilizados para regular as emoções. Stauber e
colaboradores (2004), realizaram um estudo com crianças e adolescentes com
obesidade, no qual verificaram que a ingestão compulsiva de alimentos se
encontrava relacionada com pobres estratégias de coping.
Segundo o estudo de Eremis e colaboradores (2004), os pais dos adolescentes com
obesidade (que apresentavam maiores índices de psicopatologia), realçaram
similarmente, a tendência dos seus filhos para exibirem mais problemas de
controlo das emoções e dos comportamentos.
Por sua vez, no estudo de Fitzgibbon, Stolley e Kirschenbaum, (1993), o grupo
de controle (com peso normal), mostrou ter as melhores estratégias de coping,
que por sua vez eram significativamente diferentes das estratégias adoptadas
pelos dois grupos de sujeitos com obesidade (com e sem tratamento). Segundo os
autores estas diferenças sugerem que os sujeitos com obesidade, principalmente
os que estavam em tratamento, eram mais ansiosos e podiam ter mais dificuldade
no controlo da perda de peso.
Neste sentido, torna-se fulcral para qualquer adolescente, e ainda mais para
aqueles que apresentam obesidade ou sobrepeso, desenvolver as suas competências
a nível emocional e social. O Modelo de Bar-On sobre a Inteligência Emocional e
Social vai de encontro a este princípio, caracterizando-se por um conjunto de
capacidades não cognitivas, competências e habilidades que influenciam a
capacidade para ser bem sucedido em lidar com as exigências e pressões
ambientais (Fonseca et al., 2008, p. 54). No que diz respeito aos componentes
da inteligência emocional analisados por este modelo, constata-se que é
extremamente importante o desenvolvimento da auto-estima (capacidade para, numa
base de compreensão, aceitar-se e respeitar-se), do optimismo (capacidade para
manter uma atitude positiva perante as adversidades), da felicidade (capacidade
para se sentir satisfeito com a sua vida, para gostar de si e dos outros e para
ter divertimento e expressar sentimentos positivos) e da responsabilidade
social, para que estes adolescentes consigam superar as eventuais frustrações
ligadas ao seu corpo, através da valorização dos aspectos positivos inerentes a
si, à sua vida e ao seu papel na sociedade (Fonseca et al., 2008).
Segundo a mesma fonte, algumas pessoas com obesidade são incapazes de
distinguir entre estarem assustadas, zangadas ou com fome, considerando que
todos estes estados significam fome, o que as impulsiona a comer em excesso
sempre que se sentem fragilizadas. A baixa consciência interior e as fracas
competências sociais, levam a que estas pessoas, quando perturbadas, não
consigam regular e atenuar os seus sentimentos, podendo desencadear um
distúrbio do comportamento alimentar (Fonseca et al., 2008), como por exemplo a
ingestão alimentar compulsiva e consequentemente, levar a um aumento de peso.
Variáveis externas
No que diz respeito às variáveis externas, a literatura salienta o papel do
suporte da família e do grupo de pares, no desenvolvimento ou ausência de
psicopatologia nos adolescentes com sobrepeso ou obesidade.
Segundo Wills e colaboradores (2006), ter muito peso gera habitualmente
ansiedade e sucessivas tentativas de dietas exageradas, podendo certos recursos
externos como os amigos e a família, moderar esta ansiedade e os esforços para
emagrecer. Num estudo qualitativo em que entrevistaram 36 adolescentes com
obesidade, sobrepeso ou peso normal, Wills e seus colaboradores (2006)
constataram que a maioria dos adolescentes que estavam a tentar perder peso de
forma obsessiva ou excessiva, sentiam que por vezes os amigos ou familiares
expressavam dúvidas ou pessimismo acerca dos seus esforços para perder peso.
Todavia, quando se tratavam de pequenas perdas de peso, os adolescentes eram
geralmente mais apoiados pelos seus familiares, embora os amigos continuassem a
ser ocasionalmente percepcionados como sendo pessimistas em relação a qualquer
tentativa de perda de peso. Neste sentido, existe alguma evidência de falta de
suporte dos amigos e familiares nos adolescentes obesos, face às tentativas de
perda de peso, principalmente se se tratam de dietas muito rigorosas (Wills et
al., 2006). No entanto, esta falta de suporte social não está necessariamente
relacionada com uma má aceitação da dimensão ou forma corporal. De acordo com
este estudo, a aceitação da dimensão e forma do corpo era comum em adolescentes
com obesidade ou com excesso de peso, apesar de alguns estarem a tentar perder
peso. Os mesmos autores descobriram que os jovens que são vítimas de bullying
devido ao seu peso ou tamanho, ficam muitas vezes incomodados com esses actos,
mas nem por isso apresentaram maior insatisfação corporal, do que os
participantes do estudo que não relataram episódios de bullying. Apenas os dois
participantes do estudo com obesidade de grau severo, é que referiram ser
constantemente criticados pelos seus familiares, acerca do seu peso ou hábitos
alimentares. Neste sentido, nem todos os jovens com obesidade ou com sobrepeso
são sujeitos a bullying, assim como nem todos os actos de bullying estão
relacionados com o tamanho ou forma do corpo. Para além disso, nem todos os
corpos classificados com obesidade ou sobrepeso segundo o IMC (Índice de Massa
Corporal), são percepcionados como inaceitáveis e nem todos os jovens
(particularmente as raparigas), estão preocupados em emagrecer (ibidem).
Já no estudo de Eremis e colaboradores (2004), em que se verificaram índices
mais elevados de psicopatologia no grupo clínico de adolescentes com obesidade,
comparativamente com o grupo não-clínico de adolescentes com obesidade e o
grupo de controle, verificou-se que esse grupo clínico tinha um risco acrescido
para a presença de distúrbios nas interacções familiares, de desaprovações dos
pares e de discriminação académica. Neste sentido, o apoio social e familiar
percepcionado, assume mais uma vez um papel importante no desenvolvimento da
psicopatologia numa população jovem com obesidade.
As experiências de vitimização associadas à obesidade podem portanto,
contribuir para uma baixa auto-estima e para o aparecimento de problemas
psicossociais (Rigby, 2003). As atitudes de intimidação ou estigma estão assim
relacionadas com preocupações excessivas com o peso, isolamento social, baixa
auto-confiança face à sua aparência física e preferências por actividades
isoladas (Puhl & Latner, 2007). Neste sentido, as mensagens de estigma face
ao peso transmitidas pelos pais, pelos pares e pelos média, aumentam a
probabilidade de problemas de internalização e por sua vez, estes problemas
aumentam a vulnerabilidade para consequências adversas como baixa auto-estima,
pobre ajustamento emocional, comportamentos alimentares disfuncionais e
práticas de redução do peso pouco saudáveis (ibidem).
Num estudo de Mellin, Neumark-Sztainer, Story, Ireland e Resnick, (2002),
descobriu-se que os adolescentes com excesso de peso, que reportavam uma forte
ligação com os pais, também apresentavam altos níveis de bem-estar psicológico,
ao contrário daqueles que não reportavam boas relações parentais, concluindo
assim, que as relações familiares positivas podem proteger os jovens das
consequências do estigma associado ao seu peso. Outro estudo de Fulkerson e
Strauss (2007) com jovens com sobrepeso, mostrou que a transformação das
refeições em momentos familiares de atmosfera positiva e a inexistência de
comentários acerca do peso, estavam significativa e positivamente associadas ao
bem-estar psicológico e inversamente associadas à sintomatologia depressiva e
aos comportamentos de controlo de peso pouco saudáveis. Por sua vez, a
ocorrência de comentários dos familiares acerca do peso (isto é, o gozo em
torno do peso e o encorajamento parental para se fazer dieta), estava associada
a muitos indicadores de mau funcionamento psicológico.
Do mesmo modo, um estudo muito recente de Kitzmann e seus colaboradores (2010)
realizado com crianças e adolescentes com sobrepeso, revelou que a
participação/ envolvimento parental também pode ter um papel importante no
sucesso dos tratamentos para redução do peso (como a dieta, o exercício físico
e a modificação de hábitos alimentares). O envolvimento parental estava,
portanto, significativamente associado a melhores resultados desses mesmos
tratamentos, sendo que este factor explicava cerca de 20% da variância do peso
derivada do efeito dos tratamentos. Os resultados sugeriram que uma componente-
chave para uma melhor manutenção do peso seria a expectativa de que os pais
iriam mudar os seus próprios comportamentos, como uma forma de providenciar
refeições saudáveis para os seus filhos.
Por sua vez, um estudo de Silva, Pais-Ribeiro e Cardoso (2004) realizado com
adolescentes e adultos com obesidade, sugeriu que quanto maior a satisfação com
o apoio social, melhor é a qualidade de vida apresentada pelos sujeitos. Neste
estudo, os autores verificaram que a satisfação com a Amizade, com a
Intimidade, com a Família e com as Actividades Sociais está positivamente
correlacionada com a qualidade de vida, nomeadamente ao nível do funcionamento
social, desempenho emocional e saúde mental.
Mesmo em crianças, cuja importância dada à imagem corporal é consideravelmente
menor do que nos adolescentes, também nestes casos é possível encontrar
resultados similares. Davison e Birch (2002), realizaram um estudo longitudinal
com crianças do sexo feminino, no qual se verificou que as raparigas com maior
peso, apresentavam um baixo auto-conceito. Os resultados deste estudo mostraram
que aos sete anos de idade, os actos de ridicularização por parte dos pares e o
criticismo parental, já influenciavam a relação entre o estatuto de peso das
raparigas e o seu auto-conceito. Deste modo, mesmo nas idades mais precoces, o
apoio social já assume um papel preponderante no bem-estar psicológico das
crianças com sobrepeso ou obesidade.
DISCUSSÃO
A investigação tem vindo a constatar que os níveis de depressão, de baixa auto-
estima, de insatisfação corporal e de outras psicopatologias, são mais altos
nas amostras clínicas de crianças e jovens com obesidade, em comparação com o
mesmo tipo de amostras não clínicas ou da comunidade (Puhl & Latner, 2007).
Por sua vez, as amostras não clínicas de crianças com obesidade parecem,
segundo Braet e Van Strien (1997), apresentar mais problemas psiquiátricos que
as das amostras não clínicas de crianças com peso normal.
No entanto, de acordo com a literatura analisada, existem evidências de que a
relação entre a obesidade e a psicopatologia na adolescência, não é uma relação
de causa-efeito. Os resultados obtidos no estudo de Floodmark (2005), vieram
precisamente reforçar este pressuposto ao considerarem que os factores
psicossociais por vezes associados à obesidade, podem ser a causa dos problemas
psicológicos, mais do que as próprias limitações da obesidade.
O facto de existirem crianças com obesidade alvo de estigmas face ao seu peso,
que não apresentam baixa auto-estima, depressão ou insatisfação corporal, levou
à suposição de que alguns desses sujeitos podem ser resilientes face às
consequências sociais negativas da obesidade (Wardle & Cooke, 2005).
Nesta linha, os resultados do estudo de Fitzgibbon, Stolley e Kirschenbaum
(1993) sugeriram que a população obesa não é homogénea e, portanto, pode não
responder uniformemente e de igual modo aos programas de tratamento da
obesidade. Como tal, os programas de intervenção devem também atender às
especificidades individuais.
Com base na análise efectuada, existem assim, variáveis internas e externas que
podem moderar e mediar a relação entre a obesidade/sobrepeso e a psicopatologia
nos adolescentes.
Vários autores realçaram nas suas investigações o papel das competências
emocionais e do suporte social (nomeadamente, dos pais e dos pares) na
protecção do bem-estar psicológico das crianças e adolescentes com excesso de
peso ou obesidade (e.g., Eremis et al., 2004).
É, portanto, visível em várias investigações que um maior apoio sentido por
parte dos colegas e dos pais, diminui os índices de psicopatologia nos
adolescentes e aumenta o sucesso dos programas para controlo do peso.
De notar que existem evidências no estudo de Wills e colaboradores (2006) de
que os adolescentes, recebem um maior apoio dos familiares e grupo de pares,
quando tentam perder peso de forma comedida, do que quando realizam dietas mais
obsessivas e restritivas. Para além disso, a mesma fonte sugere que a falta de
suporte social não implica necessariamente uma má aceitação da imagem corporal.
Estes resultados vieram contrariar a ideia comum de que os jovens têm medo de
ser gordos e de que ter obesidade está relacionado com uma insatisfação
corporal.
Nas investigações mais recentes, constata-se, portanto, uma relação inversa
entre a regulação emocional e a psicopatologia nos adolescentes com sobrepeso
ou obesidade. Mas no que concerne ao suporte social, este factor nem sempre
assume uma relação inversa com a psicopatologia, nomeadamente ao nível da
insatisfação com a imagem corporal, podendo os adolescentes com obesidade estar
satisfeitos com a sua imagem, mesmo quando os seus pares manifestam comentários
ou atitudes depreciativas (Wills et al., 2006). Em parte, isto pode ser
explicado, pelo facto da percepção da sua imagem corporal poder ser mais
positiva ou até independente do seu peso real.
Torna-se pertinente evidenciar que a maior parte dos estudos encontrados e
revistos neste artigo, procuram uma associação entre a obesidade e a
psicopatologia. No entanto, encontrou-se um maior número de estudos sobre o
efeito da obesidade no desenvolvimento da psicopatologia, comparativamente com
o número de estudos que abordam o efeito contrário, ou seja, o impacto que
certas trajectórias desadaptativas ou perturbações psicopatológicas, podem ter
no aparecimento e desenvolvimento da obesidade ou sobrepeso. Posto isto, torna-
se importante continuar a investir nos estudos longitudinais para analisar esta
relação inversa, nomeadamente para compreender as diferenças de género
encontradas, particularmente a razão pela qual a depressão nas adolescentes
está associada a um risco elevado de obesidade na fase adulta e isso não se
verificar de modo tão linear nos jovens rapazes.
Do conjunto de estudos revistos em que se procura abordar a questão dos efeitos
psicológicos da obesidade infanto-juvenil, os resultados obtidos permitem-nos
concluir que existe alguma contrariedade e ambiguidade. O estudo sistemático da
psicopatologia em sujeitos com obesidade tem oferecido, nos últimos anos,
correlações importantes que ofereceram orientações terapêuticas mais cuidadosas
e que destacaram o papel das características individuais e sócio-familiares na
capacidade para reduzir e lidar com a obesidade na adolescência.
Embora haja indicativos de associações entre a psicopatologia e a obesidade/
sobrepeso, isso não significa o estabelecimento de uma relação causal formal. A
sua co-ocorrência, tem impulsionado, portanto, o estudo de variáveis
psicossociais que podem influenciar esta relação.
Os resultados da revisão de literatura efectuada, realçam o modo como as
competências emocionais protegem os adolescentes com excesso de peso dos
problemas psicológicos, salientando-se a capacidade para discriminar, expressar
e controlar as emoções. O apoio social por parte dos pares e família, também
favorece o bem-estar psicológico nos adolescentes obesos, embora a falta deste
apoio não implique necessariamente mal-estar psicológico, sobrepondo-se aqui,
as especificidades individuais ou a percepção positiva do seu corpo por parte
do adolescente, ainda que o seu peso e altura se traduzam em sobrepeso ou
obesidade.
Torna-se assim, importante implementar uma avaliação multidimensional
psicossocial dos adolescentes com excesso de peso, permitindo adaptar as
estratégias interventivas a cada caso e assim, garantir o sucesso do tratamento
da obesidade. Uma vez que as condições psiquiátricas podem interferir com o
sucesso das intervenções de controlo do peso, torna-se prioritário solucioná-
las antes de se proceder ao tratamento da obesidade propriamente dito (Fettes
& Williams, 1996).
Nesta lógica, o tratamento tem de passar, inevitavelmente, por uma intervenção
na área das competências emocionais que ajudem os adolescentes a identificar os
seus sentimentos e a aprender formas de se auto-controlarem e de conseguirem
gerir os seus impulsos e relações, sem que para isso tenham de recorrer a
hábitos alimentares prejudiciais, nomeadamente, comer em excesso (Fonseca, et
al., 2008). Da mesma forma, a intervenção com a rede social, é um factor
importante para prevenir ou resolver trajectórias disfuncionais associadas à
obesidade ou sobrepeso na adolescência.
A intervenção prévia nestes factores, antes de se intervir directamente no
peso, pode contribuir assim, para uma maior taxa de sucesso dos tratamentos
médico-cirúrgicos e de dietética, evitando as frequentes oscilações de peso
não-desejadas, e prevenindo o efeito negativo do excesso de peso ao nível do
estado psicológico dos adolescentes.