Cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência: Rede social,
pessoal e satisfação com a vida
Cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência: Rede social,
pessoal e satisfação com a vida
Family caregivers of dependent elderly with and without dementia: Social
Personal network and life satisfaction
Cuidar de um idoso dependente durante um longo período de tempo pode ter
efeitos adversos na saúde e bem-estar do cuidador familiar. A literatura tem
largamente descrito os impactos das exigências do cuidar em termos de:
morbilidade física, nomeadamente, elevada incidência de doenças crónicas,
perceção desfavorável do estado de saúde, sistema imunitário debilitado,
elevado consumo de fármacos (Glaser & Kiecolt-Glaser, 1997; Hooker, Bowman,
Coehlo, Lim, Kaye, Guariglia et al., 2002; Kim & Knight, 2008; Pinquart
& Sörensen, 2007, Pressler et al., 2009; Schulz & Beach, 1999; Son,
Erno, Shea, Femia, Zarit & Stephens, 2007); distress psicológico, como
depressão ou ansiedade (Cooper, Belamurali & Livingstone, 2007; Haley,
Allen, Grant, Clay, Perkins & Roth, 2009; Kim & Schulz, 2008; Lavela
& Ather, 2010); e bem-estar subjetivo, designadamente ao nível da
satisfação com a vida (Ferrario, Cardillo, Vicario, Balzarini & Zotti,
2004; Forsberg-Wårleby, Möller & Blomstrand, 2004).
Os modelos de stress e coping têm fundamentado a pesquisa neste âmbito,
destacando o papel do suporte social como fator moderador relevante entre as
exigências da prestação de cuidados e seus impactos na saúde do cuidador
familiar (Aneshensel, Pearlin, Mullan, Zarit & Whitlatch, 1995; Clay, Roth,
Wadley & Haley, 2008; Wilks & Croom, 2008; Williams, Williams,
Zimmerman, Munn, Dobbs & Sloane, 2008) e no seu bem-estar subjetivo
(Pinquart & Sörensen, 2000; Wyller, Holmen, Laake & Laake, 1998).
Todavia, o enfoque dado pela investigação ao estudo do suporte social como
variável moderadora tem impedido a compreensão das largas estruturas que o
enquadram ' a rede social ' e, consequentemente, das diferentes formas de apoio
que daí poderão emergir.
O apoio social depende do contexto envolvente de vínculos e de afiliações, que
se tem denominado rede social pessoal. Apesar de intimamente relacionados, os
conceitos de suporte social e de rede social pessoal são conceptualmente
distintos. A noção de rede informa acerca do total complexo de vínculos e seus
contextos social e institucional; o suporte social refere-se a tipos
específicos de relações que derivam da rede social (Antonucci, 2001).
Sluzki (1996) define rede social pessoal como "a soma de todas as relações que
um indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da massa
anónima da sociedade" (p.42). As fronteiras do sistema significativo do
indivíduo abrangem o conjunto de vínculos interpessoais (quadrantes) e de
práticas sociais: família, amigos, relações de trabalho, de estudo, de inserção
comunitária. A rede pode ser avaliada pelas características estruturais
(propriedades morfológicas), funcionais (funções dos vínculos, i.e. tipo
prevalecente de intercâmbio interpessoal) e pelos atributos dos vínculos
(propriedades específicas de cada relação) (Sluzki, 1996).
A literatura sugere que a existência de uma rede social ativa, acessível,
estável e integrada tem um efeito positivo na saúde do indivíduo (Kahn &
Antonucci, 1980; Ramos, 2005; Serra, 1999; Sluzki, 1996). Inversamente, a
presença de uma doença na pessoa (ou na vida do cuidador), especialmente quando
assume contornos de cronicidade e dependência, deteriora a qualidade da sua
interação social e pode reduzir o tamanho e acessibilidade da rede social
(Love, Street, Harris & Lowe, 2005; Sit, Wong, Clinton, Li & Fong,
2004; Sluzki, 1996; Upton & Reed, 2006). Sluzki (1996) descreve este
processo como dupla ação que designa por: círculos virtuosos, isto é, a
presença de uma rede social sólida protege a saúde do indivíduo e a saúde do
indivíduo mantém a rede social; e ciclos viciosos, ou seja, a presença de uma
doença crónica no indivíduo afeta negativamente a sua rede social, tendo um
impacto negativo sobre a sua saúde, o que aumenta a retração da rede e assim
sucessivamente no sentido da deterioração recíproca.
Estudos prévios evidenciaram também o efeito positivo de redes sociais e de
suporte no bem-estar subjetivo dos indivíduos (Jones, Rapport, Hanks,
Lichtenberg & Telmet, 2003; Karademas, 2006). Especificamente, tem-se
observado associações significativas entre as características estruturais e
funcionais das redes e a satisfação com a vida definida enquanto componente
cognitiva do bem-estar subjetivo (Bowling, Farquhar & Browne, 1991).
Este estudo tem como objetivos analisar e comparar a rede social pessoal de
cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência e estudar a
relação entre o tamanho da rede social e a satisfação com a vida nos dois
grupos de cuidadores. Este estudo é relevante porque: i) alarga o conhecimento
sobre a rede social pessoal dos cuidadores, permitindo saber mais acerca de
membros disponíveis para prestar apoio; ii) a investigação tem focado a
experiência de cuidar no contexto da demência e este estudo inclui e compara
cuidadores familiares de idosos com e sem demência, permitindo ponderar a
necessidade de intervenções diferenciadas; iii) centra-se na satisfação com a
vida como um indicador positivo de bem-estar, contrariando a tendência
verificada na literatura de analisar os impactos psicológicos da experiência de
cuidar em termos da afetividade negativa, como a depressão ou a ansiedade.
Além disso, o estudo tem importantes implicações para a intervenção, pois
conhecer as características e regularidades das redes sociais pessoais pode dar
indicações para o desenvolvimento de intervenções psicossociais e comunitárias
de promoção a saúde e bem-estar dos cuidadores familiares.
MÉTODO
Participantes
Os objetivos do estudo implicaram a constituição de uma amostra diferenciada.
Assim, foi constituída uma amostra de 99 cuidadores familiares, 52 (52,5%)
cuidam de uma pessoa idosa com demência e 47 (47,5%) de um idoso dependente sem
demência.
Durante o procedimento de constituição das subamostras, procurou-se que ambas
cumprissem critérios semelhantes de caracterização sócio-demográfica
relativamente às seguintes variáveis: idade, género, estado civil, habilitações
literárias, situação profissional, grau de parentesco, existência de filhos a
cargo, distância geográfica e grau de dependência da pessoa idosa. Assim, as
subamostras apresentam distribuições idênticas em relação às variáveis sócio-
demográficas consideradas (Tabela 1). Os cuidadores são maioritariamente do
género feminino (84,8%), com média etária de 57,1 anos (DP=12,3) e casados
(78,8%). Predominam os 4 anos de escolaridade (54,5%) e situações de reforma
(28,3%) ou de domésticas (25,3%).
Tabela 1 - Caracterização sócio-demográfica e familiar dos cuidadores
A maioria dos cuidadores são descendentes (52,5%) ou cônjuges (24,2%) da pessoa
de quem cuidam, não têm filhos a cargo (64,6%) e coabitam com o familiar
dependente (82,8%). Quanto ao grau de dependência, verifica-se que a maioria
(51.5%) dos recetores de cuidados são totalmente dependentes.
Procedimentos
Os critérios de inclusão da amostra foram: ser cuidador principal, isto é, ser
o familiar que assume a responsabilidade pela prestação de cuidados; cuidar há
mais de 6 meses; cuidar de uma pessoa idosa dependente (Índice de Barthel) sem
e com demência (diagnóstico clínico).
A identificação dos participantes foi realizada com a colaboração de
instituições do Distrito de Aveiro, Portugal, que prestam serviços de apoio a
idosos dependentes, nomeadamente serviço de apoio domiciliário e/ou centro de
dia. Cumpridos os aspetos formais de apresentação dos objetivos do estudo e
pedidos de autorização às instituições contactadas, os diretores técnicos
identificaram os cuidadores familiares dos utentes que satisfizessem os
critérios de inclusão e mediaram o seu contacto com os investigadores. Após
este procedimento, as pessoas foram contactadas pelos investigadores e
informadas acerca da natureza, objetivos e métodos do estudo. Foi-lhes
solicitada a sua colaboração, tendo-lhes sido garantida a confidencialidade das
respostas. Aos cuidadores que aceitaram participar, foi-lhes solicitada a
assinatura do termo de consentimento livre e informado.
Material
Para a caracterização da amostra foi construído um questionário sócio-
demográfico a partir do qual se recolheu informação acerca de: género, idade,
estado civil, habilitações literárias e situação profissional do cuidador;
relação de parentesco com a pessoa cuidada; existência de filhos a cargo;
distância geográfica em relação ao idoso dependente; e grau de dependência da
pessoa idosa.
Para o estudo da rede social pessoal construiu-se um questionário, baseado no
Instrumento de Análise da Rede Social Pessoal (IARSP) (Alarcão & Sousa,
2007), para analisar as características estruturais e funcionais da rede e a
reciprocidade como atributo dos vínculos (Ver Quadro 1). O IARSP tem-se
revelado como um instrumento adequado no quadro de investigações que visem a
caracterização das redes sociais de determinadas populações (Alarcão &
Sousa, 2007). Antes da recolha de dados, realizou-se um pré-teste com cinco
participantes no sentido de averiguar possíveis dificuldades no preenchimento
do questionário.
Quadro 1 - Rede social pessoal: Descrição das questões e variáveis
A satisfação com a vida foi avaliada com a versão portuguesa da Satisfaction
With Life Scale (SWLS) de Diener, Emmons, Larsen e Griffin (1985), validada por
Simões (1992). A SWLS é composta por 5 itens organizados numa escala tipo
Likert de 5 pontos: discordo muito (1), discordo um pouco (2), não concordo nem
discordo (3), concordo um pouco (4) e concordo muito (5). Os resultados oscilam
entre 5 e 25, e valores mais elevados indicam maior satisfação com a vida. A
SWLS tem revelado boas propriedades psicométricas, com valores de consistência
interna aceitáveis: alfa de Cronbach de 0.77 (Simões, 1992). Neste estudo o
valor do alfa de Cronbach foi bastante satisfatório (0.834).
A capacidade funcional da pessoa idosa para realizar as atividades de vida
diária foi avaliada pela versão portuguesa adaptada do Índice de Barthel
(Mahoney & Barthel, 1965), que faculta uma estimativa do seu grau de
dependência. Trata-se de uma escala de fácil aplicação e interpretação,
apresentando elevados níveis de fiabilidade e validade (Ruzafa & Moreno,
1997). Para cada tipo de atividade considerada, existe uma pontuação que pode
assumir os valores de 0, 5, 10 ou 15 pontos. A pontuação total varia entre 0 e
100, pelo que pontuações mais elevadas significam maior grau de independência.
Procedimentos de análise dos dados
A análise descritiva dos dados implicou o cálculo de frequências e de medidas
de tendência central (média) e dispersão (desvio-padrão). A comparação de
resultados foi realizada através do cálculo do teste t. O estudo da associação
entre as variáveis envolveu o cálculo do coeficiente de correlação de Pearson.
Estes procedimentos implicaram um nível de significância de p<0,05. Os dados
foram analisados através programa SPSS (Statistical Package for the Social
Sciences), versão 16 para Windows.
RESULTADOS
Rede social pessoal
Uma rede de tamanho médio tem entre 13 a 20 elementos (Alarcão & Sousa,
2007), daí que a rede social pessoal dos cuidadores familiares neste estudo é
reduzida (Tabela 2): média de 6,44 elementos para os cuidadores familiares de
uma pessoa demenciada e de 7,21 para os que cuidam de um idoso sem demência.
Não existem diferenças estatisticamente significativas.
Tabela 2 - Rede social pessoal dos cuidadores familiares: tamanho. composição.
funções e reciprocidade
Quanto à composição, em ambas as subamostras o quadrante familiar é o mais
significativo, seguido pelas relações de amizade e vizinhança. As relações de
natureza institucional e de trabalho são menos comuns para ambas as
subamostras.
Nas características funcionais da rede também não se observaram diferenças
estatisticamente significativas (Tabela 2). Nem todas as funções assumem a
mesma intensidade, observando-se o mesmo gradiente decrescente do nível de
apoio em ambos os grupos: o apoio emocional, seguido pela companhia, apoio
instrumental, apoio financeiro e aconselhamento, são as funções cujo nível de
apoio foi considerado como "suficiente". Destaca-se ainda o significado dos
valores observados para o apoio técnico que exprimem a sua insuficiência.
Na reciprocidade não se verificaram diferenças com significado estatístico
entre os grupos. Os cuidadores sentem que são "algumas vezes" solicitados para
prestar apoio e que "frequentemente" retribuem o apoio que recebem.
Satisfação com a vida
Considerando que um resultado de 15 representa na SWLS o ponto neutro, isto é,
o marco no qual a pessoa se encontra igualmente satisfeita e insatisfeita ("não
concordo, nem discordo), verificou-se que os cuidadores de ambas as subamostras
não estão satisfeitos com a vida: 11,79 (DP=4,94) para os que cuidam de um
idoso com demência e 14,02 (DP=6,16) para o outro grupo. Observaram-se
diferenças significativas entre as subamostras (t=1,99; p=0,004): os cuidadores
que têm um familiar com demência a seu cargo estão ainda menos satisfeitos com
a vida do que aqueles que cuidam de um familiar cujo estado cognitivo não se
encontra comprometido.
Relação entre o tamanho da rede social pessoal e a satisfação com a vida
O cálculo do coeficiente de correlação de Pearson permitiu observar a
existência de correlações significativas apenas para os cuidadores familiares
de um idoso com demência (r=0,494; p <0,01): as pessoas que têm redes sociais
mais pequenas tendem a sentir-se menos satisfeitas com a vida.
DISCUSSÃO
Os resultados demonstram que, de uma forma geral, os familiares que cuidam de
uma pessoa idosa dependente tendem a apresentar redes sociais pequenas, muito
concentradas nas relações familiares e a sentir-se pouco satisfeitos com a
vida, sublinhando a natureza desgastante da experiência de cuidar.
As redes pequenas tendem a ser pouco eficazes em situação de sobrecarga ou
tensão prolongada, por evitamento do contacto com a pessoa focal ou por
sobrecarga do (ou dos) elemento(s) mais diretamente envolvidos (Alarcão &
Sousa, 2007; Sluzki, 1996). Assim, criam-se condições para o círculo vicioso
que ameaça o bem-estar do cuidador. Esta situação é particularmente relevante
nas situações em que a pessoa cuidada sofre de demência. Os resultados
evidenciaram a existência de uma correlação significativa entre a satisfação
com a vida e o tamanho da rede social apenas naqueles que cuidam de um idoso
com demência: os que têm redes sociais mais pequenas são aqueles que se
encontram menos satisfeitos com a vida. São também os cuidadores de idosos com
demência que, quando comparados com os outros, se encontram significativamente
menos satisfeitos com a vida, reforçando que a demência é uma das condições de
doença mais complexa, difícil e stressante (Dupuis, Epp & Smale, 2004;
Leinonen, Korpisammal, Pulkkinen & Pukuri, 2001; Ory, Hoffman III, Yee,
Tennstedt & Schulz, 1999; Parks & Novielli, 2003).
Não foram encontradas diferenças significativas entre as subamostras
relativamente ao estudo das características das redes sociais pessoais. Os
vínculos familiares e informais (relações de amizade e vizinhança) assumem
maior relevância para ambos os grupos por comparação com as relações de cariz
formal ou institucional. Acresce que todas as funções estão representadas na
rede, à exceção do apoio técnico, que consiste numa função desempenhada pelos
elementos ligados a serviços estruturais e formais, tais como profissionais de
saúde ou de ação social. Estudos prévios vão também neste sentido, sugerindo
que os cuidadores valorizam mais o apoio da família e/ou redes informais em
detrimento dos serviços formais (Bourgeois, Beach, Schulz & Burgio, 1996;
Chiou, Chang, Chen & Wang, 2009).
De facto, os participantes do estudo articulam os cuidados que prestam com os
serviços de apoio formal, mas os profissionais não são percecionados como
elementos significativos nas redes sociais dos cuidadores. Estes resultados
poderão ter várias explicações. Em primeiro lugar, as respostas sociais de que
os cuidadores familiares "usufruem" não são especificamente direcionadas para
as suas necessidades, mas sim para as necessidades da pessoa idosa, centrando-
se sobretudo no apoio ao nível das atividades básicas de vida diária; portanto,
é o idoso dependente o principal beneficiário dos serviços. Além disso, a
literatura tem destacado que os cuidadores valorizam mais o apoio (e quem o
presta) para lidar com conflitos emocionais, sentimentos de culpa, de tristeza
ou ansiedade do que o apoio ao nível dos cuidados instrumentais (Dupuis, Epp
& Smale, 2004; Figueiredo, 2009; Nolan, Grant & Keady, 1996). Outro
aspeto relevante refere-se ao padrão que tem caracterizado as interações entre
profissionais e cuidadores, assente numa relação assimétrica de poder, na qual
o profissional se perspetiva (e é perspetivado) como expert e o cuidador como
desprovido de conhecimentos e competências para lidar com a situação de
cuidados. Acresce que um dos motivos evidenciados em estudos prévios para a
resistência dos cuidadores familiares em aceitar apoio formal prende-se
precisamente com a ausência de reconhecimento e valorização do seu papel e das
suas competências por parte dos serviços e o receio do comportamento impositivo
dos profissionais (Brodaty, Thomson, Thompson & Fine, 2005; Carretero,
Garcés & Ródenas, 2007; Dupuis, Epp & Smale, 2004; Figueiredo, 2009).
Os resultados colocam assim vários desafios à intervenção em rede, à
organização dos serviços formais de apoio e à interação entre os profissionais
e os cuidadores familiares. O desenvolvimento de quadrantes adicionais parece
essencial na prevenção de situações sintomáticas no cuidador e/ou noutros
membros da família. Salienta-se, desse modo, o papel preponderante que as
intervenções psicossociais podem assumir. O impacto da tarefa de cuidar pode
ser atenuado pela partilha, não só dentro da rede social de suporte existente,
mas recorrendo a outras redes de apoio como os grupos de suporte ou os grupos
psicoeducativos. Tem-se verificado um efeito positivo da troca de experiências
no bem-estar dos cuidadores no contexto dos grupos psicoeducativos desde logo
pelo facto de os retirar da solidão a que a doença crónica do familiar muitas
vezes obriga (Chiquelho, Neves, Mendes, Relvas, & Sousa, 2010; Figueiredo,
2009; Guerra, Mendes, Figueiredo & Sousa, 2011; Sörensen, Pinquart, &
Duberstein, 2002), representando também uma oportunidade de partilha de
informação sobre a doença, serviços e recursos comunitários disponíveis, ou de
estratégias para promover a autoeficácia da gestão emocional.
Os serviços devem procurar ser mais facilitadores e flexíveis, atendendo e
valorizando a perspetiva dos cuidadores sobre as suas necessidades específicas
para que sejam mais efetivos (Hanson, Nolan, Magnusson, Sennemark, Johansson
& Nolan, 2006). A própria interação entre profissionais e cuidadores,
frequentemente baseada em padrões de assimetria, deve ser questionada e
desafiada. A ideia de expertise associada ao saber profissional leva a que
frequentemente se ignore os conhecimentos e competências dos cuidadores
entretanto adquiridas pela sua experiência, criando neles relutância em aceitar
ajuda (Nolan, Grant & Keady, 1996; Figueiredo, 2009).
Outro dado relevante do estudo refere-se à reciprocidade. Os cuidadores de
ambos os grupos perspetivam a troca equitativa dos recursos disponíveis na
rede. Este resultado é de importância primordial para o desenvolvimento e
intervenção na rede, pois a oportunidade do sujeito central poder ser fonte de
apoio para outros membros traz-lhe gratificação e torna-o mais recetivo à ajuda
dos outros.
A ausência de diferenças significativas entre os dois grupos relativamente à
análise das redes sociais também merece ser escrutinada. Apesar da maioria dos
idosos com demência sofrer de doença de Alzheimer, não se recolheu informação
acerca do estádio da evolução da doença em que se encontravam. Porém verificou-
se que a maioria (77%) apresentava dependência funcional severa a total, tal
como os idosos dependentes sem demência (66%), condição específica das etapas
tardias da doença. A investigação tem apontado como fatores de redução do bem-
estar dos cuidadores familiares, os comportamentos problemáticos e alterações
cognitivas da demência, característicos dos estádios iniciais e intermédios da
doença (Black & Almeida, 2004; Neil & Bowie, 2007; Neri, Bonati,
Pinelli, Borella, Tolve & Nigro, 2007; Shaji, George, Prince & Jacob,
2009). Possivelmente, a ausência de diferenças significativas no estudo ocorre
porque os idosos com demência se encontram no estádio mais avançado da doença,
caracterizado pela total dependência e inatividade. Ou então, não é o tipo de
doença per se que influencia as características das redes sociais, mas as
exigências da doença crónica em determinado momento de progressão. Trata-se de
uma limitação do estudo que exige a consideração do estádio da progressão da
doença de Alzheimer em pesquisas futuras. Estudos posteriores poderiam analisar
a evolução das características estruturais e funcionais das redes sociais dos
cuidadores em função da progressão da demência.
Este estudo apresenta importantes contributos teóricos e práticos. Salienta-se
o desenho comparativo, contrariando a tendência na literatura de focalizar os
estudos da experiência de cuidar nas situações de doença demencial. Além disso,
a pesquisa neste domínio tem-se centrado nos impactos psicológicos decorrentes
da prestação de cuidados avaliados em termos de afetividade negativa, como a
depressão, sobrecarga ou ansiedade. Este estudo, ao avaliar a satisfação com a
vida, centra-se em indicadores positivos de bem-estar, trazendo um acrescento
ao estado do conhecimento neste âmbito. Ao realizar-se um estudo comparativo
das redes sociais pessoais, ultrapassa-se o âmbito do estudo do apoio social,
para se considerar outras características importantes para a intervenção em
rede, nomeadamente o tamanho, a composição e a reciprocidade.