Relevância da assertividade na comunicação profissional de saúde-paciente
Origens do treino assertivo
Em 1971, Lazarus definiu assertividade como a capacidade para recusar e
elaborar pedidos, pedir favores, expressar sentimentos negativos e positivos e
iniciar, continuar e terminar uma conversa comum. Cinco anos mais tarde, Lange
e Jakubwski (1976) consideraram a assertividade como a defesa de direitos
pessoais e a expressão de pensamentos, sentimentos e crenças de forma directa,
honesta e apropriada, de modo a respeitar os direitos das outras pessoas. Ao
longo do tempo foram surgindo outras definições de assertividade (p.e., Alberti
& Emmons, 2008; Galassi & Galassi, 1977). Contudo, todas elas partem da
premissa que os indíviduos têm direitos de afirmação básicos que devem
exercitar (Hargie & Dickson, 2004). Aliás, foi precisamente o
reconhecimento, por parte dos terapeutas do comportamento Salter (1949) e Wolpe
(1958), de que alguns indivíduos tinham problemas específicos em fazer valer os
seus direitos e que esta incapacidade conduzia a inadaptação por parte do
indivíduo, que deu origem à comunicação assertiva (Flowers & Guerra, 1974).
A assertividade foi, desde logo, considerada uma competência que pode ser
aprendida (Galassi & Galassi, 1977) e não um traço de personalidade
(McCartan & Hargie, 2004a). Um grande número de factores, entre os quais a
punição, o reforço, a modelagem, a falta de oportunidade, os padrões culturais
e as crenças pessoais, assim como a incerteza quanto aos direitos do próprio,
contribuem para o défice de assertividade (Galassi & Galassi, 1977). O
treino assertivo pressupõe o desenvolvimento de duas competências fundamentais:
coordenação de perspectivas entre a pessoa e o interlocutor e flexibilidade.
Esta última visa modificar as próprias crenças depois de considerar as do
outro, ou mesmo integrar as do interlocutor nas suas (Joyce-Moniz & Barros,
2005).
No final dos anos 70, alicerçados nos direitos de afirmação pessoal, Galassi e
Galassi (1977), por um lado, e Jakubowski e Lange (1978), por outro,
conceptualizaram o treino assertivo de forma estruturada e como entidade
separada.
Os fundadores do treino assertivo constatam que pode não ser suficiente
acreditar nos direitos pessoais ou aprender uma resposta assertiva específica.
Neste sentido e influenciados pelo advento das terapias cognitivas, em
particular da terapia racional emotiva de Albert Ellis (1962), introduziram os
aspectos cognitivos no mesmo (figura 1).
Figura 1
Modo como as crenças influenciam o comportamento assertivo (Back & Back,
2004).
Ellis preconizou que os indivíduos conceptualizam a realidade por intermédio
das crenças que estes possuem acerca dos acontecimentos. As consequências
emocionais e comportamentais advêm assim da natureza e do conteúdo das crenças,
e não do acontecimento em si. Em oposição às crenças racionais, as crenças
irracionais pelo seu carácter absolutista (e.g., Tenho que , Devo ) estão
na origem de comportamentos inadequados (Ellis, 1962) de que a falta de
assertividade é exemplo. Com base neste pressuposto, a disputa racional de
crenças irracionais relativas quer aos direitos e responsabilidades, quer às
possíveis consequências do comportamento, passaram a fazer parte integrante dos
programas de treino assertivo (Alberti & Emmons, 2008; Back & Back,
2005; Galassi & Galassi, 1977; Jakubowski & Lange, 1978; Slater, 1990).
No essencial, o treino assertivo tem início com a identificação das áreas em
que existe défice assertivo (e.g., relações com chefias), analisa os factores
que impedem o indivíduo de se expressar de forma adequada (e.g.,
desconhecimento dos direitos de afirmação, crenças irracionais) e opera sobre
esses factores (e.g., modificação de crenças irracionais). O ensaio das
respostas assertivas nas áreas identificadas como problemáticas, e posterior
análise das suas consequências, decorre inicialmente em meio protegido (e.g.,
com o terapeuta). Só posteriormente o indivíduo tenta aplicar a aprendizagem
realizada em situações reais (Galassi & Galassi, 1977; Jakubowski &
Lange, 1978).
Para Alberti e Emmons (2008) o treino assertivo tem como principal objectivo
mudar a forma como o indivíduo se vê a si próprio, aumentar a sua capacidade de
afirmação, permitir que este expresse de forma adequada os seus sentimentos e
pensamentos e, posteriormente, estabelecer a auto-confiança. Mais detalhados,
Hargie e Dickson (2004) elencaram várias funções do treino, entre as quais
destacamos: (1) ajudar o indivíduo a assegurar que os seus direitos não serão
violados, (2) reconhecer os direitos dos outros, (3) comunicar a sua opinião de
forma confiante, (4) recusar pedidos irrazoáveis, (5) fazer pedidos razoáveis,
(6) lidar eficazmente com recusas irrazoáveis, (7) evitar conflitos agressivos
desnecessários e (8) desenvolver e manter um sentido pessoal de eficácia.
O sucesso do treino assertivo, nas mais distintas áreas do saber, pode
justificar-se pelo facto da essência da comunicação assertiva (i.e., afirmação
de direitos pessoais respeitando os direitos do outro) ser culturalmente
desejável ou politicamente correcta e, portanto, facilitadora da convivência
civilizada em sociedades democráticas (Joyce-Moniz & Barros, 2005). A
participação em treinos encerra ainda outras vantagens de âmbito mais pessoal,
nomeadamente, aumento de sentimentos de autoconfiança, reacções positivas dos
outros, e diminuição quer da ansiedade nas situações sociais, quer das queixas
somáticas do indivíduo (Galassi & Galassi, 1977).
Estilos de resposta
Para a compreensão do conceito de assertividade, é necessário distinguir este
estilo de resposta de outros estilos, nomeadamente as respostas passivas e as
respostas agressivas.
Estes três estilos de respostas têm sido conceptualizados como pontos de um
contínuo, diferindo, portanto, mais em termos de intensidade do que de tipo
(Hargie & Dickson, 2004). A resposta assertiva forma o ponto médio desse
contínuo e é, habitualmente, a resposta mais apropriada. A grande diferença
entre assertividade e os outros dois estilos de comunicação, passividade e
agressividade, diz respeito ao uso e/ou abuso dos direitos de afirmação pessoal
(Slater, 1990).
O estilo de respostapassivo caracteriza-se pela expressão de pensamentos,
sentimentos e preferências de forma indirecta ou implícita, ou mesmo pela
ausência da expressão dos mesmos (Galassi & Galassi, 1977). Ao não
conseguir expressar de forma directa e honesta as suas necessidades, a pessoa
falha na defesa dos seus direitos, permitindo que estes sejam facilmente
ignorados pelo seu interlocutor (Back & Back, 2005).
As respostas passivas podem incluir: hesitações, evitamento de determinados
assuntos e demonstração de ansiedade (Hargie & Dickson, 2004), frases
longas e desconexas, justificações repetidas, muitos pedidos de desculpa,
expressões de auto-depreciação (e.g., Eu nunca devia ter ) e expressões que
anulam as suas necessidades (e.g., Eu podia ter feito ).
O objectivo destas respostas parece ser agradar aos outros e evitar conflitos a
qualquer custo (Hargie & Dickson, 2004). Na origem das respostas passivas
encontram-se diversos factores, tais como: medo das consequências negativas da
expressão directa da sua opinião, percepção de ameaça da situação ou do outro,
dificuldade em aceitar os seus direitos, dificuldade em pensar de forma
racional sobre si próprio, confusão entre assertividade e agressividade ou
associação entre as respostas passivas e a boa educação e prestabilidade (Back
& Back, 2005). As crenças irracionais relacionadas com desvalorização
pessoal (e.g., A minha opinião não conta.) e o poder dos outros (e.g., Em
situações de conflito é mais seguro não me manifestar.) podem igualmente
contribuir para este tipo de resposta.
A resposta agressiva caracteriza-se pela centração nos objectivos do próprio
numa dada situação e, consequentemente, pela ignorância ou desvalorização dos
interesses ou direitos do outro (Anderson & Martin, 1995; Back & Back,
2005; Galassi & Galassi, 1977). O indivíduo expressa as suas necessidades,
opiniões e desejos de forma reivindicativa, ameaçadora, insultuosa e hostil
(Galassi & Galassi, 1977). Estas respostas incluem: falar alto,
interrupções e perguntas antes que o outro acabe de responder, excessiva
utilização do eu (e.g., O meu ponto de vista é ), expressões de vanglória
(e.g., Nunca tive problemas com ), expressão de opiniões como se fossem
factos (e.g., Isto funciona do seguinte modo .), pedidos em forma de
instrução, sarcasmos (Back & Back, 2005), acusações e culpabilização do
outro (Back & Back, 2005; Hargie & Dickson, 2004).
Fundamental é, assim, dominar e ganhar em relação à outra pessoa (Fachada,
2000; Hargie & Dickson, 2004). Para a elaboração de respostas agressivas,
contribuem crenças de superioridade (e.g., Eu sou melhor, eu sei como
fazer ), mas também de insegurança e medo (e.g., Não se pode confiar em
ninguém ).
A comunicação assertiva caracteriza-se pela coordenação das perspectivas do
próprio e do interlocutor (Joyce-Moniz & Barros, 2005), pelo que os
direitos envolvidos são sempre respeitados.
Em contraste com o comportamento não assertivo, passivo ou agressivo, a
resposta assertiva envolve a defesa das opiniões do próprio, sem deixar de ter
consideração pelo outro (Galassi & Galassi, 1977; Hargie & Dickson,
2004) (quadro 1). O indivíduo expressa, assim, as suas necessidades, desejos,
opiniões, sentimentos e crenças de forma directa e apropriada (Back & Back,
2005; Galassi & Galassi, 1977). Recentemente, Alberti e Emmons definiram
assertividade como a acção directa, firme, positiva ' e, quando necessário,
persistente ' que promove a equidade nas relações pessoais. A assertividade
permite agir tendo em vista os melhores interesses do próprio, defender-se sem
ansiedade excessiva, exercer os direitos pessoais sem negar os direitos dos
outros, e expressar honesta e confortavelmente os próprios sentimentos.
(Alberti & Emmons, 2008, p.8).
Quadro 1
Comparação entre os três estilos de comunicação (adaptado de Alberti &
Emmons, 2008 e Jakubowski & Lange, 1978).
As respostas assertivas incluem: expressão directa de pensamentos e
sentimentos, escuta do outro (Hargie & Dickson, 2004), elaboração de
questões abertas que visam conhecer as opiniões e desejos do outro (e.g., O
que pensas sobre ) (Back & Back, 2005; Hargie & Dickson, 2004), frases
curtas e directas, expressões iniciadas por eu, distinção entre factos e
opiniões (e.g., A minha opinião ) e sugestões e críticas construtivas que se
centram na acção do outro e não na culpa excessiva (Back & Back, 2005).
Este estilo de resposta envolve não apenas o conhecimento dos direitos e
responsabilidades do próprio e do outro; exige também que a pessoa esteja
consciente das consequências resultantes da expressão da sua opinião naquela
situação (Galassi & Galassi, 1977). É neste sentido que Slater (1990)
considera a assertividade, simultaneamente, uma qualidade e um comportamento
que exige competências interpessoais específicas, i.e., a capacidade para
expressar direitos, pensamentos e sentimentos sem interferir com os direitos
dos outros.
Existe uma correlação positiva entre o estilo assertivo e a auto-estima. Dito
de outra forma, as pessoas que utilizam mais respostas assertivas possuem uma
auto-estima mais elevada (Watson, Morris & Miller, 1998). Algumas crenças
centradas no controlo e na responsabilização (e.g., Posso escolher como me
comportar., Posso aprender com os meus erros.) (Back & Back, 2005) são
determinantes para a formulação de resposta assertivas e, consequentemente,
para a construção de uma auto-estima satisfatória.
A par da auto-estima, os indivíduos que, habitualmente, utilizam o estilo
assertivo tendem a sentir mais controlo sobre as suas vidas, possuem maior
satisfação com os seus relacionamentos e conseguem alcançar os seus objectivos
com mais frequência. Ao ser assertivo, o indivíduo assume mais responsabilidade
sobre o seu próprio comportamento (Back & Back, 2005; Galassi &
Galassi, 1977) e consegue ser mais respeitado pelos outros (Hargie &
Dickson, 2004).
Importa realçar que o comportamento assertivo é um comportamento aprendido e
situacionalmente específico (Galassi & Galassi, 1977). Daqui decorre que a
pessoa aprende diferentes tipos de comportamento para diferentes situações.
Poucos indivíduos são assertivos em todas as situações. A maioria considera
mais fácil ser assertivo numas situações (e.g., com amigos) do que noutras
(e.g., figuras de autoridade) (Hargie & Dickson, 2004).
Assertividade nos profissionais de saúde
Treino assertivo
Os principais objectivos do treino assertivo para profissionais de saúde
prendem-se com a aquisição de competências comunicacionais que lhes permitam,
por um lado, expressar de forma clara as suas ideias e opiniões e, por outro,
encorajar os utentes a darem a conhecer as suas necessidades.
Quadro 2
Direitos de afirmação pessoal para profissionais de saúde (Cabe & Timmins,
2003).
Assim, o treino assertivo permite que o profissional de saúde comunique de
forma mais adequada, possibilitando que o paciente compreenda melhor a
informação que lhe é transmitida, adquira mais confiança no tratamento e
diminua os seus níveis de ansiedade (Ley, 1988). A adesão ao tratamento é
também facilitada com a utilização da comunicação assertiva entre profissional
de saúde e paciente. Efectivamente, a descentração operada por cada um dos
interlocutores potencia a tomada de decisões conjuntas (Joyce-Moniz &
Barros, 2005), essenciais para o sucesso do tratamento. Não menos importante, a
comunicação assertiva tem vindo a ser consistentemente associada à diminuição
da ansiedade e, consequentemente, como um importante instrumento na gestão do
stress dos profissionais de saúde (Gerry, 1989; Herman, 1978; Yamagishi,
Kobayashi, Kobayshi, Nagami, Shimazu & Kageyama, 2007).
Apesar das reconhecidas vantagens deste tipo de treino, alguns trabalhos
apontam para o déficede competências de comunicação assertiva, quer nos
enfermeiros (Gerry, 1989; McIntyre, Jeffrey & McIntyre, 1984), quer nos
médicos (Sánchez, 2001). A falta da assertividade constituiu mesmo um dos temas
recorrentes num grupo de estudantes de enfermagem que, durante dezoito meses,
integrou um programa de trabalho na área da saúde mental (Minghella &
Benson, 1995).
No domínio da enfermagem, são vários os autores (Begley & Glacken, 2004;
Cabe & Timmins, 2003; Donner & Goering, 1982; Freeman & Freeman,
1999; Gerry, 1989; Herman, 1978; Kilkus, 1993; McCartan & Hargie, 1990;
Slater, 1990; Thomas, 1982) que apontam as competências de comunicação
assertiva como uma mais-valia para estes cuidadores, e que apelam para a
necessidade de aquisição destas competências durante a formação pré-graduada
(Begley & Glaken, 2004; Bergman, 1985; Cabe & Timmins, 2003; Donner
& Goering, 1982; Palmer & Deck, 1981; Thomas, 1982). Cabe e Timmins
(2003) defendem mesmo que os comportamentos passivos ou agressivos resultam em
níveis inadequados de comunicação e são potencialmente devastadores para
pacientes mais vulneráveis, podendo mesmo colocar em dúvida a sua capacidade
para cumprir o tratamento (Blackwell & Gutmann, 1986).
A educação/treino durante a formação pré-graduada surge, assim, como uma forma
de dotar os profissionais de saúde de conhecimentos e competências necessários
para interagirem com os pacientes. Cabe e Timmins (2003) realizaram um programa
de treino assertivo, destinado a estudantes de enfermagem, que incluía:
aprendizagem de aspectos mais teóricos (e.g., definição, direitos, linguagem
corporal), role-playing dos vários estilos comunicacionais em várias situações
(e.g., fazer pedidos) e análise e discussão das dramatizações. Apesar do
feedback positivo dos estudantes, este programa não foi objecto de qualquer
avaliação estandardizada.
Kilkus (1993) avaliou a assertividade de 500 enfermeiros e verificou que
aqueles que, previamente, tinham realizado algum tipo de treino nesta área
apresentavam scores mais elevados de assertividade. Estranhamente, e atendendo
à proliferação de literatura no que à comunicação profissional de saúde-
paciente diz respeito, estes dados não se têm traduzido na realização de
estudos que implementem e avaliem o resultado de programas de treino de
comunicação assertiva nos cuidadores (Begley & Glaken, 2004). Os treinos
mais recentes a que tivemos acesso (Lin et al., 2004; Yamagishi et al., 2007)
e, ao contrário do que tem vindo a ser recomendado por vários autores (Cabe
& Timmins, 2003; Freeman & Freeman, 1999; Palmer & Deck, 1981), não
incluíam qualquer componente prática. Recorrendo à internet, Yamagishi e
colaboradores(2007) realizaram um treino assertivo para enfermeiros japoneses.
Por seu lado, Lin et al. (2004) elaboraram um programa de treino com estudantes
de enfermagem e de medicina com défice assertivo, previamente identificado. Em
ambos os estudos, a ênfase foi colocada nos aspectos mais conceptuais da
assertividade, sendo a componente de treino das respostas assertivas
negligenciada.
Assim, é necessário recuar aos anos 80 para encontrar um programa de treino
assertivo que inclua efectivamente a dimensão de treino. O programa destinado a
enfermeiros realizado por McIntyre, Jeffrey e McIntyre, em 1984, consistiu em
sessões grupais de duas horas durante cinco semanas. As sessões partiam do
modelo cognitivo-comportamental de Lange e Jakubowski e integravam quer os
aspectos teóricos, quer os práticos da assertividade com recurso à realização
de role-playing. Os resultados apontaram para o incremento nas respostas
assertivas por parte deste grupo de cuidadores.
Temáticas da assertividade em contexto de saúde
Gerry (1989) verificou que, apesar dos enfermeiros valorizarem a comunicação
assertiva, existem ainda várias temáticas da assertividade acerca das quais
estes evidenciaram total desconhecimento, entre as quais se destacam a
capacidade para lidar com críticas, para elaborar críticas construtivas e para
fazer elogios.
Neste sentido, Joyce-Moniz e Barros (2005) apontam seis temáticas determinantes
para melhorar a comunicação do profissional de saúde. São elas: moderação da
expressão emocional em excesso, facilitação da expressão emocional em défice,
elaboração de perguntas e pedidos, resposta a perguntas e pedidos, elaboração
de críticas justas e finalmente, resposta a críticas justa ou injustas.
As temáticas elencadas são úteis, quer para o profissional de saúde, quer para
o paciente (Blackwell & Gutmann, 1986; Post, Cegala & Miser, 2002).
Contudo, o presente artigo remete apenas para a sua aplicação aos cuidadores.
Moderação da expressão emocional em excesso
Ajustar uma consulta ou tratamento de acordo com a realidade do paciente
depende, em larga escala, da capacidade do profissional de saúde ouvir o
paciente e proporcionar um ambiente facilitador da relação (Caris-Verhallen,
Timmermans & Dulmem, 2004; Joyce-Moniz & Barros, 2005; Kruijver,
Kerkstra, Bensing & Wiel, 2000; Kruijver, Kerkstra, Francke, Bensing, Harry
& Wiel, 2000; McGilton et al., 2006; Reynolds, 2005; Schofield, 2004;
Williams, Weinman & Dale, 1998). É, pois, fundamental que o profissional de
saúde compreenda não apenas a perspectiva do paciente sobre a sua doença, mas
também os sentimentos desencadeados por esta (Fossum, Arborelius &
Theorell, 2002; Fragstein et al., 2008; McWhinney, 1989; Roter & Hall,
2006). O estabelecimento de uma relação em que o cuidador explora as emoções do
paciente (Kruijver, Kerkstra, Bensing & Wiel, 2001; Street, Makoul, Arora
& Epstein, 2009) e demonstra empatia face ao que foi expresso (Caris-
Verhallen, Timmermans & Dulmem, 2004; Corney, 2000; Gard, Gyllensten,
Salford & Ekdahl, 2000; Kruijver et al., 2001; Norfolk, Birdi & Walsh,
2007; Reynolds, 2005; Schofield, 2004) constitui a melhor forma de gerir as
situações complexas (e.g., dar más noticias) que, indubitavelmente, surgem no
decurso desta relação interpessoal.
Infelizmente, esta está longe de ser a realidade que caracteriza as relações
profissional de saúde-paciente (Davis & Fallowfield, 1994; Reynolds, 2005).
Sem surpresa, o aumento das reacções emocionais excessivas (Allen, Petrisek
& Laliberte, 2001; Davis & Fallowfield, 1991; La Mónica, 1978; Lange,
Myhren, Ekeberg & Stokland, 2006; Macdonald, 2004; Thomas & Cohn, 2006;
Thorne, Bultz & Baile, 2005) decorre, muitas vezes, de falhas da
comunicação do cuidador para com o paciente.
Desta forma, existem situações em que o paciente exibe uma expressão emocional
excessiva, evidenciando sinais de revolta, medo ou mesmo demonstrando
agressividade (Giesen, Mokkink, Hensing, Bosch, & Grol, 2008). A expressão
destas reacções emocionais desencadeiam um grande desconforto nos cuidadores
(Fallowfield, Lipkin & Hall, 1998; Fallowfield, Saul & Gilligan, 2001;
Jacobsen, Baerheim, Lepp & Schei, 2006; Sage, Sowden, Chorlton &
Edeleanu, 2008). Nestas circunstâncias, a tendência mais evidente consiste em
evitar o paciente ou minimizar/apaziguar a sua hostilidade o mais depressa
possível (Hulsman et al., 1999; Rosenfield & Jones, 2004). Daqui resulta
que, na sua maioria, os pacientes têm poucas oportunidades de expressar
reacções emocionais intensas e se sentirem compreendidos pelo profissional de
saúde (Fallowfield, Saul & Gilligan, 2001; Sage et al., 2008). Não obstante
as dificuldades que este procedimento possa representar para o cuidador,
permitir que o paciente verbalize os sentimentos negativos e as razões que o
conduziram àquele estado emocional tem-se revelado uma metodologia eficaz,
proporcionando alívio do sofrimento do paciente (Giesen et al., 2008; Gard,
2004; Sage et al., 2008).
Para além dos factores relacionados com a forma como o paciente confronta a
doença ou o tratamento, frequentemente, o sentimento de insatisfação face à
relação estabelecida com o profissional de saúde leva a que o paciente se
mostre mais relutante em manifestar as suas preocupações e demonstrar a sua
vulnerabilidade (Schofield, 2004).
Facilitação da expressão emocional em défice
Neste contexto, o profissional de saúde pode deparar-se com situações em que o
paciente apresenta défice de expressão emocional, i.e., contido, com manifesta
dificuldade em expressar os pensamentos e sentimentos associados à vivência da
doença ou tratamento. Apesar da dificuldade que as situações, em que o paciente
mostra tendência para se isolar e fechar encerram (Fallowfield, Saul &
Gilligan, 2001; Jacobsen et al., 2006), é importante que o profissional de
saúde demonstre interesse pela condição do paciente e o encoraje a verbalizar
as suas preocupações e sentimentos.
Quer na moderação da expressão emocional em excesso, quer na facilitação da
expressão emocional em défice, as técnicas fenomenológicas propostas por Carl
Rogers (1970), nomeadamente as clarificações e perguntas abertas, assim como a
reflexão de sentimentos e a expressão empática, constituem excelentes recursos
para facilitar a expressão do paciente (Joyce-Moniz & Barros, 2005).
Elaboração de perguntas e pedidos
A formulação de perguntas, por parte dos profissionais de saúde, está
habitualmente relacionada com a necessidade destes esclarecerem aspectos da
vida do doente que possam estar relacionados com a sua situação clínica (e.g.,
hábitos alimentares, gestão de sintomas). Mesmo perguntas, aparentemente
simples, exigem que o profissional, por um lado, seja claro e objectivo na sua
formulação e, por outro lado, permita que o paciente responda como pretende,
sem interrupções e limitações exageradas de tempo.
Os pedidos são a forma mais difícil de elaborar perguntas para os profissionais
de saúde (Joyce-Moniz & Barros, 2005). Apesar destes constituírem um
direito de afirmação pessoal, a antecipação da sua recusa dificulta a
formulação dos mesmos por parte do cuidador.
O cumprimento de horários ou das regras do internamento, a execução de
exercícios em casa, assim como a toma de medicação são exemplos de pedidos que
o profissional de saúde pode necessitar de formular (Bond, 1988b). É importante
que o cuidador indique, de forma clara, o que pretende que o paciente faça. Se
necessário, pode ainda justificar o motivo do pedido (Bond, 1988a; Herman,
1978).
Mais complicados são os pedidos de mudança, necessários quando há
incumprimento, da parte do paciente, do que foi previamente acordado entre
ambos. A forma mais simples de formular o pedido de mudança consiste em: (1)
descrever objectivamente o que o paciente se comprometeu a fazer, (2) indicar
sem crítica o que efectivamente fez, (3) enumerar as consequências para si e
para o profissional de saúde desse comportamento, (4) descrever o que se espera
que o paciente faça no futuro (Jakubowski & Lange, 1978).
Resposta a perguntas e pedidos
Da lista dos direitos de afirmação pessoal, o direito a dizer não é,
seguramente, aquele que mais espaço ocupa nos diversos manuais que se dedicam
ao treino assertivo. Como consequência, a recusa de pedidos surge como a
temática da assertividade mais analisada e comentada.
Quando o cuidador decide dizer não, é importante que o faça de forma
apropriada, demonstrando que ouviu e considerou a opinião do paciente (Bond,
1988a). No contexto das profissões de saúde, o direito a recusar pedidos
afigura-se evidente num grande número de situações. Particularmente quando as
pretensões do utente acarretam risco para o próprio (e.g., doente que insiste
num tratamento totalmente inadequado para a sua situação) (Herman, 1978; Joyce-
Moniz & Barros, 2005). A legitimidade para exercer este direito não implica
que o cuidador o faça sem custos, i.e., sem sentimentos de culpa ou embaraço
associados (Joyce-Moniz & Barros, 2005).
Sem pôr em causa o direito do profissional de saúde em recusar as solicitações
do paciente, a verdade é que alguns pedidos encerram questões éticas delicadas,
em que o direito de recusa do cuidador colide directamente com o direito do
paciente (e.g., realização de cesariana a pedido da grávida).
Refira-se ainda que a dificuldade na recusa de um pedido aumenta quando o
profissional de saúde se sente pressionado, perante a insistência do paciente.
A técnica do
disco riscado1
é seguramente uma forma adequada de lidar com estas situações de pressão.
A resposta a perguntas e inquietações do paciente constitui uma das tarefas
centrais do profissional de saúde (e.g., Quanto tempo demora o exame?, Posso
comer doces?, Quanto tempo irei ficar internado?).Na sua maioria, exigem
respostas curtas e concisas, baseadas nos conhecimentos técnicos do
especialista.
Quando as perguntas formuladas pelo paciente exigem o fornecimento de más
notícias (e.g., patologia com diagnóstico reservado) ou acarretam incerteza
(e.g., ter que esperar para saber se o familiar vai acordar do coma) as
exigências aumentam (Fallowfield, Lipkin & Hall, 1998; Finset, Ekeberg,
Eide & Aspegren, 2003). O receio das reacções emocionais do paciente pode
induzir o profissional a ser pouco claro, ou mesmo ambíguo, na sua resposta.
Contudo, a literatura (Ley, 1988; Melo, 2005; Schofield, 2004) tem vindo a
demonstrar que os pacientes preferem que lhes seja fornecida informação precisa
acerca da sua situação. O recurso à asserção empática, seguida da explicação,
de forma clara, do quadro do paciente, não reduzem o impacto da notícia, mas
permitem manter um ambiente caloroso entre profissional de saúde e paciente,
facilitando a verbalização das emoções experienciadas por este último.
Elaboração de críticas
O direito de fazer críticas é facilmente admitido pelos profissionais de saúde
(Bond, 1988c; Herman, 1978; Joyce-Moniz & Barros, 2005). Porém, pode ser
dos mais difíceis de implementar (Bond, 1988c; Joyce-Moniz & Barros, 2005),
sobretudo pelos cuidadores que se mostram preocupados com a possibilidade da
crítica desencadear reacções emocionais negativas no paciente (Bond, 1988c). A
acrescentar a esta dificuldade, a própria situação que despoleta a necessidade
de formular a crítica pode desencadear reacções emocionais que dificultam a
centração do profissional de saúde na descrição dos factos, sem recurso aos
sentimentos, como é objectivo da comunicação assertiva.
Algumas das situações associadas à necessidade do cuidador formular críticas
são semelhantes às que despoletam a elaboração de pedidos (Joyce-Moniz &
Barros, 2005): incumprimento de horários, incumprimento do tratamento,
agressividade, imposição de exigências e desrespeito pelos outros pacientes.
Para além disto, a elaboração de críticas pode ainda surgir na sequência do
incumprimento, por parte do paciente, de um acordo previamente estabelecido com
o profissional de saúde. Nestas situações, o cuidador pode sentir-se inibido ou
embaraçado face à necessidade de criticar o comportamento do paciente. Bond
(1988c) defende que, nestas circunstâncias, a crítica funciona como exemplo de
cuidado e preocupação do profissional de saúde para com o paciente, pois
permite que este último tome conhecimento do efeito que o seu comportamento tem
no cuidador, nos outros, ou mesmo na sua saúde.
A forma mais eficaz de formular uma crítica consiste em descrever
objectivamente o que o paciente fez, e a forma como esse comportamento
prejudica o próprio ou os outros (e.g., profissional de saúde, outros utentes).
Assim, o que se comenta é o modo como determinadas acções específicas foram
realizadas, mais do que comportamentos gerais ou aspectos da personalidade
(Bond, 1988c). Pode ainda ser útil acrescentar o que o profissional de saúde
espera que o paciente faça, sendo que, nestes casos, a formulação da crítica é
em tudo semelhante ao pedido de mudança.
Resposta a críticas
Durante anos, a relação profissional de saúde-paciente foi dominada pelo modelo
biomédico, caracterizado por um desequilíbrio em termos epistemológicos e
sociais. Ao paciente, estava reservado um papel de grande passividade, sendo
pouco expectável a formulação de críticas por parte deste.
Actualmente, a facilidade com que o paciente acede à informação (Bensing &
Verhaak, 2004; Corney, 2000; Stewart et al., 2006), assim como a maior
consciencialização que este tem dos seus direitos, permitem uma maior
participação no seu processo terapêutico. Simultaneamente, esta mudança coloca
o profissional de saúde como alvo mais fácil das críticas do paciente.
A forma como o utente vivencia a doença pode igualmente potenciar a formulação
de críticas perante o profissional de saúde. Por exemplo, o doente que possui
expectativas elevadas face ao resultado de um determinado tratamento, ao
constatar a manutenção de alguns sintomas, pode atribuir a responsabilidade dos
resultados ao profissional de saúde, criticando-o por isso.
As críticas de que o profissional de saúde é alvo podem ser justas, vagas e
injustas ou falsas. Compreensivelmente, é mais fácil responder a uma crítica
injusta ou falsa do que a uma crítica justa, uma vez que o impacto emocional
desta última é mais elevado. Nas críticas vagas, como o próprio nome indica, o
paciente não concretiza o motivo do seu desagrado. O aumento de ansiedade do
cuidador é assim potenciado (Joyce-Moniz & Barros, 2005). Nestas últimas, o
recurso ao pedido de clarificação, como forma de obrigar o paciente a
especificar a razão do seu desagrado, revela-se bastante útil (Bond, 1988d)
As críticas injustas são, habitualmente, resultado de falta de informação
(e.g., paciente que desconhece efeitos secundários do tratamento) ou da
ansiedade do paciente decorrente do seu processo de doença ou tratamento.
O fornecimento de informação de forma clara e directa é suficiente para
responder à grande maioria das críticas injustas. Todavia, nos casos em que o
paciente insiste no seu ponto de vista, o profissional de saúde poderá recorrer
ao uso da técnica de disco riscado.
Quando a crítica injusta remete para uma área particularmente sensível para o
profissional de saúde e/ou é acompanhada de hostilidade da parte do paciente, a
tarefa do cuidador é dificultada. Compreensivelmente, nestas situações, o
profissional de saúde poderá ter dificuldade em centrar-se apenas nos factos.
Porém, é importante que o cuidador não deixe que a sua resposta seja
influenciada, em demasia, pelos sentimentos envolvidos, uma vez que estes
conduziriam a uma escalada nas emoções negativas.
As críticas justas contemplam questões logísticas (e.g., atrasos do
profissional de saúde, dificuldade em marcar consultas), aspectos relacionados
com o tratamento (e.g., constatação da ausência de benefícios, prevalência de
efeitos secundários que não tinham sido mencionados), assim como questões de
natureza interpessoal (e.g., falta de disponibilidade do profissional de
saúde). A forma mais simples e directa de lidar com críticas justas consiste em
admitir o erro de forma clara (Bond, 1988d; Herman, 1978) e indicar a intenção
de mudar. Em alternativa o profissional de saúde pode justificar o motivo pelo
qual não existe possibilidade de alterar aquela situação ou comportamento
(e.g., dificuldades na marcação de consultas que o profissional de saúde não
controla).
Considerações finais
As seis temáticas da assertividade aqui descritas (i.e., moderação da expressão
emocional em excesso, facilitação da expressão emocional em défice, elaboração
de pedido, resposta a pergunta/pedido, elaboração de críticaeresposta a
crítica) podem constituir uma mais-valia na elaboração de treinos de
competências comunicacionais (Grilo, 2010).
Como defendem vários autores (Cegala & Broz, 2002; Hulsman et al., 1999;
Salmon & Young, 2005), a utilização das temáticas de assertividade permite
que se considerem as competências comunicacionais mais adequadas em cada
situação e não o treino geral, desarticulado de um contexto específico.
Efectivamente, como postulam Cegala e Broz (2002), mais do que a frequência com
que determinadas competências são utilizadas na comunicação entre profissional
de saúde e paciente, importa considerar a adequação das várias competências em
cada situação e momento e, desta forma, facilitar a aplicação das mesmas na
prática clínica (Rollnick, Kinnersley & Butler, 2002).