Propriedades psicométricas do questionário de stress face à diabetes em
adolescentes portugueses
A diabetes Tipo 1 é uma das patologias crónicas mais frequentes na infância
(Craig, Hattersley & Donaghue, 2009; Sarafino, 1994). Trata-se de uma
doença auto-imune, resultante da ausência de secreção de insulina pelas células
beta do pâncreas. Como consequência ocorre um aumento da concentração de
glicose no sangue e a incapacidade para utilizar e armazenar os hidratos de
carbono. Esta patologia atinge cerca de 6% da população portuguesa em idade
pediátrica (Rodrigues et al, 1997). É uma das patologias crónicas que tem um
tratamento mais exigente e cuja não adesão, coloca o paciente em risco
substancialmente acrescido de morbilidade e mortalidade. Apesar do tratamento
ter evoluído significativamente nos últimos anos, a adesão ao regime prescrito
continua a ser difícil para muitos pacientes. As consequências do não
tratamento das crises agudas serão o coma e a morte, em situação extrema
(Bangstad, Danne, Deeb, Jarosz-Chobot, Urakami, & Hannas, 2009). As
implicações a longo prazo (dificilmente observáveis no adolescente),
resultantes da má adesão terapêutica e do mau controlo metabólico continuado,
manifestam-se em perturbações do sistema cardiovascular, renal e visual entre
outras repercutindo-se na qualidade de vida do paciente e representando um
problema de saúde pública importante (Bangstad et al., 2009).
Ao nível dos factores de risco, em termos desenvolvimentais, a adolescência, é
uma fase particularmente difícil para lidar com a diabetes tipo 1 dadas as
mudanças que ocorrem nos domínios social, emocional e fisiológico (Steinberg
& Still, 2002) conducentes à independência psicológica e à autonomia
funcional do adolescente. A presença de uma doença crónica é uma fonte de
stresse familiar, especialmente quando exige mudanças que interferem com os
papéis e tarefas e exigem uma adaptação de todo o sistema, implicando tensões e
conflitos quer em torno da doença e respectivo tratamento quer em torno da
autonomia psicossocial enquanto tarefa desenvolvimental da adolescência
(Lubkin, 1990; McCubbin & McCubbin, 1993). A diabetes poderá ser
particularmente ansiógena durante a adolescência por condicionar o processo de
autonomia característico desta fase.
As condições emocionais em que o paciente vive aparecem como um factor
importante na determinação do seu comportamento de adesão ao tratamento. O
stresse face à diabetes é fundamental na activação de estratégias de coping
para lidar com as exigências do tratamento (Bryon, 1991) e surge como um dos
principais factores determinantes da adesão e do controlo glicémico (Goetsch,
1989; Halford, Cudhy & Mortimer, 1990).
Glasgow, McCaul e Schafer (1984) mostram que circunstâncias intervenientes no
quotidiano dos pacientes com diabetes i.e. vergonha, causam um aumento
excessivo do stresse (distresse) que interfere negativamente com o
comportamento de adesão. Estes aspectos, designados de barreiras à adesão,
incluem também factores interpessoais e ambientais (como a falta de suporte
familiar) que perturbam ou impedem a adesão ao tratamento da doença (Glasgow,
1991). Essas componentes têm sido descritas como preditores da não adesão
global à terapêutica em pacientes com diabetes (Pallardy, Greening, Ott,
Holderby & Attchinson, 1989) ou a aspectos específicos da adesão, como é o
caso da realização de exercício físico ou do cumprimento da dieta (Jenny,
1986).
A presença de níveis de stresse elevados pode favorecer o aparecimento ou a
intensificação de comportamentos deletérios da saúde (Ogden, 1999). Mas estar
doente pode também ser considerado um acontecimento stressor. Neste caso o
stresse que se segue à doença também tem implicações para a saúde do indivíduo
e pode influenciar o comportamento em termos da probabilidade de procurar
ajuda, da adesão às intervenções e recomendações médicas, e também na adopção
de estilos de vida saudáveis (Ogden, 1999, pg. 266). Bishop (1994) analisou a
relação entre stresse, aptidões de confronto e saúde/doença concluindo que a
experiência de stresse poderá ter um impacto directo na saúde através dos
vários mecanismos fisiológicos ou indirecto, através do comportamento. Neste
caso, segundo o autor, as pessoas sob stresse tendencialmente percebem a sua
saúde de forma mais negativa, o que poderá ter como resultado a procura de
ajuda para lidar com sintomas que provavelmente ignorariam noutras
circunstâncias, ou então procurarão implementar esforços para lidar com os
acontecimentos, ignorando os sintomas. Coyne e Holroyd (1982) especificam
quatro modos de associar stressee saúde. Em primeiro lugar, as estratégias de
confronto poderão afectar a saúde através da influência na frequência,
intensidade e possivelmente no tipo de resposta fisiológica ao stresse. Como
exemplo é citada a resposta neuroendócrina ao stresse que poderá estar na base
de algumas patologias, a activação dos mecanismos imunológicos em pacientes
asmáticos ou a hiperglicemia diabética. Neste caso, os níveis elevados de
ansiedade produziriam um aumento de hormonas de stresse o qual levariam à
libertação de glicogénio. Em segundo lugar, os sintomas fisiológicos poderão
ser aprendidos ou mantidos por servirem de estratégia de confronto, como poderá
ser o exemplo das famílias psicossomáticas relatado por Minuchin (Coyne &
Anderson, 1988; Minuchin, 1975; 1979). Uma terceira hipótese afirma que os
acontecimentos stressantes poderão contribuir para a patologia por desencadear
alterações nos comportamentos relativos à saúde que exporão o sujeito a agentes
agressivos, como o álcool ou o tabaco. Por fim, o modo como o sujeito lida com
as ameaças da doença aguda ou com as exigências da doença crónica poderá ser um
importante determinante da evolução da doença e dos cuidados médicos recebidos.
Por exemplo o paciente diabético em condições de stresse poderá procurar obter
informação ou ajuda para controlar a hiperglicemia e executar os comportamentos
necessários ao controlo metabólico (alimentação, regulação apropriada das doses
de insulina). Como resultado desta análise podemos ver que nem todas as
situações serão fonte de ansiedade e, perante acontecimentos percebidos como
ameaçadores, nem todas as estratégias de confronto são adaptativas.
A diabetes nas crianças e adolescentes exige um tratamento intenso e rigoroso
para obter um bom controlo metabólico. Este requer vigilância e perseverança
quotidianas em diversas tarefas exigentes: seguir uma dieta restritiva, ter
refeições em horários determinados, administrar insulina várias vezes ao dia e
picar o dedo antes de cada refeição para determinar o nível de glicemia são
algumas das tarefas. Para além disto, a alteração nas rotinas diárias (ficar
até mais tarde numa actividade escolar ou lúdica, participar numa actividade
desportiva inesperada) exige adaptações na ingestão alimentar ou na dose de
insulina para manter o controlo metabólico. Pode-se ainda acrescentar as
ameaças relacionadas com a doença, como o receio de uma hipoglicemia, culpa por
ter feito algo que tenha provocado uma hipo ou hiperglicemia; medo das
complicações a longo prazo, como a cegueira ou nefropatia. Ainda o sentimento
de vergonha pela necessidade de realizar procedimentos médicos ou recusar
alimentos mais calóricos em contextos sociais pode desencadear uma percepção de
diferença e de vulnerabilidade numa fase de desenvolvimento em que a pertença e
a identificação aos pares é fundamental para a emancipação da tutela parental e
o desenvolvimento da personalidade. Todos estes aspectos relacionados com a
doença e o tratamento requerem uma constante adaptação a acontecimentos
ameaçadores, tornando a adesão ao regime terapêutico numa tarefa difícil, que
por vezes poderá ser vivida com ansiedade e perturbar a qualidade de vida do
jovem com diabetes. No entanto, um grande número de pacientes executa sem
dificuldade as exigências impostas pelo tratamento da diabetes, alcançando um
bom controlo metabólico, o qual permite reduzir a frequência de perturbações
agudas (caso da hipoglicemia), evitar complicações a longo prazo e manter uma
qualidade de vida óptima. Cox, Taylor, Nowacek, Holley-Wilcox e Pohl (1984) e
Cox e Gondar-Frederick, (1992) ao estudar as relações entre stresse e diabetes
verificaram que as situações de stresse poderiam afectar o metabolismo dos
hidratos de carbono e os níveis glicémicos através de um conjunto de mediadores
hormonais e que estavam também descritas relações entre situações de stresse e
a ocorrência de crises em diabéticos formulou a hipótese de isso acontecer
devido a roturas na adesão terapêutica (não cumprimento do plano alimentar, de
actividade física ou de administração de insulina), mediadas por aspectos de
ordem cognitiva. No seu estudo, verificaram que a percepção subjectiva de
stresse era o mais poderoso determinante do nível glicémico. Todos os
acontecimentos percebidos como ameaçadores produziam efeitos fisiológicos
semelhantes (aumentavam o nível glicémico), enquanto os acontecimentos
estimuladores avaliadas positivamente eram associadas a um abaixamento do nível
de glicemia. Os autores constataram ainda uma grande dispersão nas respostas de
avaliação dos acontecimentos ameaçadores, sugerindo que nem todos os diabéticos
avaliam as situações do mesmo modo, levantando a hipótese de haver estilos
neuroendócrinos diversos (semelhantes aos cool responders e hot responders
fisiológicos da personalidade Tipo A), mas também efeitos ambientais, de
aprendizagem face ao stresse ou aptidões de confronto diferentes.
Os componentes do regime terapêutico mais frequentemente associados com a
adesão ao tratamento parecem ser os que mais stresse desencadeiam e mais
impacto têm no estilo de vida do paciente. Quando as exigências impostas pela
adesão ao tratamento entram em conflito com as exigências desenvolvimentais do
adolescente, perante o incremento de stresse que este dilema desencadeia, o
paciente poderá decidir de forma razoável não aderir ao tratamento. Poderão os
adolescentes ver as preocupações e exigências dos clínicos, relativamente ao
controlo metabólico, como irrelevantes face às suas necessidades quotidianas de
sobrevivência psicológica. Quando o adolescente sente que, da adesão ao
tratamento resulta uma rotura na sua qualidade de vida, os seus valores
pessoais determinam a direcção do seu comportamento. Se os clínicos apenas
focam o controlo metabólico como alvo terapêutico, esquecendo o impacto do
tratamento na qualidade de vida, poderá resultar um aumento de tensão no
paciente e a não adesão terapêutica, pelo que a melhoria da qualidade de vida
não deve ser entendida como um objectivo único, mas deverá ser enquadrado num
plano de adesão terapêutica (Testa & Simonson, 1996).
Nos últimos anos diversos instrumentos têm sido desenvolvidos para avaliar os
fatores intervenientes no processo de adesão ao tratamento e adaptados à língua
portuguesa (Aguiar, Vieira, Carvalho & Montenegro-Júnior, 2008) sendo, no
entanto escassos os instrumentos disponíveis para a população pediátrica.
O objectivo do presente estudo é adaptar para a população adolescente um
questionário de avaliação do stresse face à diabetes e analisar as suas
propriedades psicométricas (estrutura fatorial, consistência e validade de
constructo).
MÉTODO
Participantes
Com este objectivo recorremos a uma amostra de conveniência, constituída por
utentes da Consulta de Diabetologia Pediátrica do Departamento de Pediatria do
Hospital de S. João- Porto. Os critérios de Inclusão foram os seguintes:
Crianças e adolescentes com idades entre 10 e 18 anos, inclusive; Utentes da
Consulta de Diabetologia Pediátrica do Hospital de S. João; Preencham os
critérios da ISPAD (International Society for Pediatric and Adolescent
Diabetes) e da IDF (International Diabetes Federation ' Europe) (ISPAD, 1995;
2000) para o diagnóstico de Diabetes Tipo 1; Diagnosticadas pelo menos há 1
ano; Estarem em Regime de Ambulatório (não internados); Ausência de gravidez;
Ausência de doença aguda; Desenvolvimento intelectual normal.
A amostra é constituída por 256 adolescentes, sendo 130 (50,8%) do sexo
masculino e 126 (49,2%) do sexo feminino. As idades estão compreendidas entre
os 10 anos e 18 anos, estando os sujeitos distribuídos de forma homogénea ao
longo do intervalo estabelecido, sendo a média das idades de 14,7 anos (DP=28,3
meses).A duração da diabetes é, em média de 79,9 meses (DP=48,3 meses). O
diagnóstico da diabetes foi realizado em média aos 8,3 anos (DP=3,5 anos),
existindo uma grande proximidade na idade de diagnóstico da diabetes para os
sujeitos do sexo masculino (idade média do diagnóstico de 8,1 anos; desvio
padrão de 3,8 anos) e do sexo feminino (idade de diagnóstico média 8,5 anos;
desvio padrão de 3,3 anos). A duração média da doença é de 6,7 anos (DP=3,9
anos), havendo, tal como para a idade de diagnóstico, uma grande proximidade
entre sexo feminino (média 6,4 anos; desvio padrão de 3,7 anos) e masculino
(média 6,4 anos; desvio padrão de 4,0 anos).
Material
-Adesão ao Tratamento (Almeida & Pereira, 2003): O questionário de Adesão
ao Tratamento avalia o grau em que o paciente cumpre as prescrições
fundamentais para o controlo da diabetes (adesão à dieta prescrita quer no tipo
de alimentos quer na regularidade da ingestão, administração de insulina,
prática de exercício físico ou auto-monitorização da glicemia). As respostas
indicadoras da frequência de realização do comportamento prescrito (adesão
terapêutica) são notadas numa escala tipo Likert, variando entre 1- Sim/sempree
4- Não/nunca, sendo também questionada a autonomia do adolescente para realizar
as pesquisas de glicemia e para a auto-administração de insulina. A análise dos
resultados revelou uma organização dos itens em dois componentes que explicam
59,53% da variância total dos resultados. O componente um, designado de Adesão
ao Tratamento Médico, explica 32.7% da variância. O componente dois foi nomeado
de Adesão Comportamental ao Tratamento, sendo responsável por 25% da variância
dos resultados. Os valores mais baixos indicam um nível superior de adesão às
recomendações terapêuticas.
-Questionário de Avaliação de Qualidade de Vida em Adolescentes com Diabetes
(DQOL) (Almeida & Pereira, 2008): O DQOL é um questionário de auto-
resposta, desenvolvido para a população adolescente a partir do instrumento de
avaliação da qualidade de vida em adultos com diabetes, utilizado no DCCT. A
versão para adolescentes faz uma avaliação multidimensional da qualidade de
vida em diabéticos a partir dos dez anos de idade. As respostas são dadas numa
escala tipo Likert (1 - Nunca a 5 - Sempre para as subescalas Impacto e
Preocupações; e 1 - Muito Satisfeito a 5 ' Muito Insatisfeito, para as
restantes subescalas), tendo a cotação do item de auto-avaliação da saúde
apenas quatro dimensões. Calcula-se o resultado das subescalas adicionando a
cotação de cada um dos itens pertencentes à subescala. A versão portuguesa do
DQOL apresenta-se com 36 itens agrupados em três factores que avaliam o IMPACTO
da Diabetes na vida actual do adolescente (treze itens), a SATISFAÇÃO com o
tratamento e a vida (dezassete itens) e a PREOCUPAÇÃO quanto ao futuro (seis
itens) revelando uma consistência interna satisfatória (Almeida & Pereira,
2008).
-Questionário de Stresse face à Diabetes-Revisto (Adolescentes) (Questionnaire
on Stress in Patientes with Diabetes-Revised; Herschback, Duran, Waadt, Zetler,
Amm, & Marten-Mittag 1997) é composto por 45 itens descritores de situações
que são potencialmente fonte de ansiedade ou preocupação para adultos com
diabetes. A resposta é assinalada ao longo de uma escala tipo Likert com 6
alternativas (de 0 ' Não acontece comigo ou não me preocupa; 1- Preocupa pouco;
a 5 ' Preocupa muito), sendo os valores mais elevados indicadores de níveis de
stresse mais altos.
A análise de componentes (rotação varimax) das respostas da versão original
permitiu definir oito componentes mas, no arranjo final dos itens, os autores
tomaram em consideração também aspectos clínicos. Seguidamente são apresentadas
as subescalas e alguns exemplos de itens:
1) Ocupação de tempos livres (a=0,81): Devido à diabetes, necessito planear
cuidadosamente o meu tempo livre (4 itens);
2) Relação médico-doente (a =0,69): Médicos diferentes dão-me informações
diferentes em relação à doença (4 itens);
3) Trabalho (a =0,70): A progressão na minha profissão é limitada pela minha
doença (6 itens);
4) Relação conjugal (a =0,69): Estou preocupado com a minha esposa/companheira
(6 itens);
5) Hipoglicemia (a=0,75): Por vezes verifico demasiado tarde que estou com
hipoglicemia (4 itens);
6) Problemas com tratamento e dieta (a=0,71): Devido à diabetes tenho que comer
mesmo sem fome (9 itens);
7) Queixas somáticas (a=0,75): Às vezes dói-me a cabeça (6 itens);
8) Depressão/medo do futuro (a=0,80): Por vezes fico preocupado por vir a ter
complicações no futuro (6 itens).
O instrumento permite obter resultados parciais para cada domínio e um
resultado global a partir da soma das pontuações em todos os itens. A escala
total apresenta uma consistência interna elevada, com um valor de alfa de 0,93.
É ainda de assinalar a correlação do resultado global do QSD-R com medidas
externas com o Inventário de Depressão, de Beck (BDI) (r=0,61) e com o
Inventário de Ansiedade Traço-Estado, de Spielberger (STAI) (r= 0,62).
Versão do Estudo: A versão portuguesa deste questionário é uma adaptação para
crianças e adolescentes que ficou reduzida a 40 itens. Foram eliminados os 6
itens da subescala Relação conjugal e eliminado um item referente às Queixas
somáticas (I suffer from pain in my feet), já que a existência de problemas
nesta área é escassa ou inexistente na faixa etária da adolescência, o que foi
confirmado aquando da discussão com um painel de técnicos dos itens no processo
de tradução. Inicialmente foram acrescentados ou especificados outros itens
(acrescentado um item na subescala Tempos Livres (a diabetes não me deixa
participar em actividades desportivas) e dois itens na subescala Depressão/
Medo do Futuro), a partir de consulta de literatura e de entrevistas com
adolescentes diabéticos durante as quais se debatia o conteúdo dos itens.
Nestas modificações procurou-se respeitar os componentes inicialmente definidos
no QSD-R. Desta forma, o conteúdo dos itens da versão portuguesa procura
avaliar a preocupação dos doentes em situações como Ocupação de tempos
livres, Relação médico-doente, Escola/Aprendizagem (em substituição de
Trabalho), Problemas com Tratamento e Dieta, Hipoglicemia e Queixas
Psicossomáticas.
Para o estudo da organização por dimensões dos itens incluídos na versão final
da escala foi realizada uma análise de validade seguindo o procedimento do
autor. Iniciamos o nosso estudo do QSD-R com este procedimento visto terem sido
introduzidas alterações nos itens, eliminada uma subescala e inserido itens com
novo conteúdo. Com esse objetivo, procuramos avaliar a congruência entre os
seus itens e sua inclusão em dimensões ou subescalas (Almeida & Freire,
2000). A inclusão dos itens em dimensões distintas teve em conta os resultados
das análises de componentes principais, com o método de rotação Varimax.
Procedemos a alterações das dimensões propostas pelos autores unicamente quando
elas não colocavam em causa o racional teórico que presidiu à construção do
mesmo. A seleção dos itens para a escala ou subescalas obedeceu aos seguintes
critérios: (1) validade convergente com o item que satura (valor de correlação
item ' componente igual ou superior a 0,40) e (2) pelo menos 3 itens em cada
componente.
Para além da validade procedemos a uma análise da fiabilidade do teste através
do estudo da homogeneidade dos itens (consistência interna das escalas e
subescalas). Para tal, foram calculadas as correlações do item com o total de
escala e/ou subescala (excluindo o respetivo item) e o alfade Cronbach. Este
índice permite verificar se os itens que compõem cada uma das subescalas do
teste estão ou não correlacionados entre si, ou seja, se representam de forma
paralela o mesmo constructo (Almeida & Freire, 2000).
Procedimento
No dia da Consulta de Diabetologia Pediátrica, os doentes (e família, uma vez
que são menores) foram contactados pelo autor, sendo-lhes explicados os
objetivos e a metodologia do trabalho de investigação, a sua utilidade, e
pedido consentimento informado para participar no estudo. Os questionários
foram distribuídos de forma individual aos adolescentes, tendo estes sido
encaminhados para um local onde pudessem responder com privacidade, durante o
período que mediava entre a colheita de sangue para análise e a Consulta de
Endocrinologia Pediátrica. Foi ainda realizada uma colheita de sangue para
determinação da Hemoglobina glicosilada (parâmetro de avaliação bioquímica do
controlo metabólico da diabetes).
O processo de tradução e adaptação teve como base a orientação proposta por
Bradley (1996) e decorreu de acordo com o seguinte procedimento:
a) Tradução pelo investigador e simultaneamente por tradutor independente;
b) Confronto das versões para elaboração da primeira versão em português;
c) Retroversão por tradutor independente, não conhecedor da versão inicial em
Língua inglesa;
d) Confronto de versões (original e retrovertida), com o objetivo de avaliar a
identidade do conteúdo dos itens;
e) Adaptação e correção dos termos técnicos por pediatra;
f) Pré-teste com 12 doentes para avaliar a adequação e compreensão dos itens da
versão de investigação;
g) Elaboração da versão a utilizar no estudo.
RESULTADOS
Estudo de validade:
Perante as alterações introduzidas na versão portuguesa para adolescentes
iniciamos o nosso estudo pelo estudo da validade do construto. Para tal,
procedeu-se a uma análise de componentes principais com rotação varimax, tal
como na versão original, e com definição prévia de sete componentes, tal como
seria de esperar pela análise de conteúdo dos itens e da versão original
(relembramos que foram eliminados os itens de duas subescalas ' relação
conjugal e trabalho - e foram introduzidos itens relativos ao stresse percebido
na vida escolar). Os resultados encontrados permitiram constatar que a
organização dos 40 itens apresenta algumas diferenças relativamente à versão
dos autores no que se refere ao arranjo dos itens nos componentes, surgindo
alguns apenas com 3 itens, explicando 51,1% da variância dos resultados. Para
contornar as dificuldades que poderiam surgir da existência de subescalas com
tão reduzido número de itens, foi efetuada uma análise com definição prévia de
seis componentes, fornecendo resultados que nos parecem mais satisfatórios
visto encontrarmos componentes com mais itens e com organização e conteúdo mais
congruente com o racional da escala. Esta versão explica 47,4% da variância
total dos resultados (quadro 1).
Quadro 1
Estrutura do Q S D (A) (carga > 0,40)
O componente 1 explica 9,8% da variância e agrupa 7 itens (18, 19, 35, 36, 38,
39 e 40). Na versão original estes itens referiam-se a Ansiedade/Depressão
associada à diabetes (itens 36 e 38), a aspectos referentes ao Tratamento
(itens 35 e 40) e a Queixas Somáticas (itens 18 e 39). Optámos por incluir o
item 19 neste componente, apesar de saturar com um valor liminar (0,38), pela
importância do seu conteúdo. Designaremos este componente por Queixas
Somáticas.
O componente 2, que explica 9,3% da variância dos resultados, é constituído por
nove itens, 4 dos quais foram criados para analisar aspectos referentes à
Escola (itens 3, 25, 29 e 31), três itens pertencentes à subescala
Ansiedade/depressão (itens 26, 33 e 37) e um item que se refere ao
Tratamento (24). Verificámos que o item 34 ("stresse" relativo às atividades
de Ocupação de Tempos Livres) satura neste fator, mas com uma carga superior
ao encontrado para o primeiro componente, pelo que optámos por o incluir neste.
Este componente será designado por Stresse Social e Escolar.
O componente 3, que explica 9,1% da variância, integra sete itens das
subescalas: Ansiedade/depressão (itens 10, 13 e 14); Ocupação de tempos
livres (itens 15 e 17); um item referente à subescala Tratamento (item 12);
e um item da subescala Queixas somáticas (item 16). De referir que o item 10
satura no componente com valor liminar, mas optámos pela sua manutenção pela
importância do seu conteúdo. Designaremos este componente por Ansiedade/
Depressão.
O componente 4 explica 8,6% da variância dos resultados, sendo composto por
oito itens: os itens 4 e 6 pertencentes à subescala Stresse Face ao Médico;
os itens 11 e 20 da subescala Tratamento; o item 5 referente a Queixas
Somáticas; os itens 21 e 23 que pertencem à subescala Hipoglicemia; e o item
32 da subescala Ansiedade /depressão. O item 32 satura também no componente
1, mas optámos pela sua integração neste componente. Chamaremos a este
componente Stresse face à Hipoglicemia.
O componente 5, que explica 7,9% da variância dos resultados, integra os itens
27 e 30 pertencentes à subescala Médico; o item 22, da subescala
Tratamento; e o item 28, da subescala Ocupação de Tempos Livres. Será
designado de Relação Médico-Doente.
O componente 6, responsável por 6,5% da variância dos resultados, integra cinco
itens: dois pertencentes à subescala Tratamento (itens 1 e 9), o item 7
pertencente à subescala Ansiedade/depressão e os itens 2 e 8, da subescala
Ocupação de tempos livres. Este componente agrupa aspetos que se referem ao
Regime Terapêutico.
Estudo de fidelidade
A fidelidade da escala (e subescalas definidas no estudo de validade) foi
determinada a partir do cálculo da alfa de Cronbach. Registamos na versão de
estudo uma consistência interna (a = 0,93) igual à encontrada para a versão
original (quadro 2). Nas diversas subescalas encontramos indicadores de
consistência interna satisfatória com valores de a = 0,81 para a subescala
queixas somáticas, a = 0,82 para o stresse social e escolar, na subescala
ansiedade/depressão o valor de alfa foi 0,77, na subescala stresse face à
hipoglicemia o valor registado foi de a =0,79 ao passo que na subescala
relação médico-doente o a = 0,75 e, finalmente, na subescala regime
terapêutico o valor de alfa foi de 0,72.
A partir da análise de alfa dos itens considerámos não ser necessário
introduzir alterações com o objetivo de melhorar a sua homogeneidade.
Quadro 2
Alfa de Cronbach do QSD-R: Sumário do Questionário: M=67,6; DP= 33,0 (n=164)
Estudo de validade convergente
A análise da validade externa (ou convergente) do constructo foi efetuada do
modo diverso do proposto pelos autores. Não recorremos a medidas de avaliação
da ansiedade ou de depressão mas, inserida no modelo stresse, avaliamos a
validade convergente do QSD-R (A) através da correlação com a adesão
comportamental ao tratamento e com o nível de Qualidade de Vida relacionada com
a diabetes (DQOL- adaptação portuguesa de Almeida & Pereira, 2008).
A análise das correlações efetuadas permite concluir que o Stresse face à
Diabetes(resultado total do QSD-R) apresenta uma correlação positiva (r=0,17;
p= 0,03) com o resultado da escala de Adesão ao Tratamento, o que significa que
ao aumento de stresse face à doença se associa uma diminuição da adesão ao
tratamento, nomeadamente na vertente mais comportamental do mesmo (r=0,18; p=
0,01). Constata-se igualmente que as subescalas "Queixas somáticas" (r= 0,21;
p= 0,008) e "Stresse social e escolar" (r=0,19; p= 0,01) estão também
correlacionadas com o total da escala de Adesão ao tratamento. Estes resultados
significam que o aumento de queixas somáticas e de stresse em contextos de vida
do adolescente estão associados a uma diminuição da adesão global ao
tratamento.
O nível global de Stresse está também significativamente correlacionado com a
Qualidade de Vida(r=-0,55; p= 0,0001). Sendo esta correlação negativa,
significa que níveis de stresse mais elevados se associam a uma menor qualidade
de vida. Resultados semelhantes são encontrados para todas as subescalas de
stresse face à diabetes ' ao aumento de qualquer das componentes de stresse
corresponde uma diminuição da qualidade de vida global (quadro 3). Do mesmo
modo, ao aumento dos Queixas Somáticas, do Stresse Social e Escolar, de
sentimentos de Ansiedade e Depressão e Stresse face ao Tratamento corresponde
uma maior preocupação com a Qualidade de Vida, perceção de maior impacto da
diabetes e menor satisfação com a vida.
Quadro_3
Correlação entre o Stresse face à Diabetes e a Qualidade de Vida (QdV)
O Stresse face às Hipoglicemias apenas não se correlaciona com a Satisfação com
a Vida em Geral. Por fim, o Stresse face ao Médico (Stresse F 5) não se
correlaciona com o impacto da diabetes nem com a Satisfação com a Vida.
Estudo de validade discriminante
Numa fase seguinte procuramos realizar estudos complementares para avaliar a
sua capacidade para discriminar (sensibilidade da escala) diferenças na
percepção do stresse face à diabetes entre adolescentes de diferentes sexos.
Efetuando um teste t de Student, para amostras independentes, verificamos que
não se encontraram diferenças significativas entre diabéticos do sexo masculino
(M= 67,8; DP= 33,6) e feminino (M= 67,6; DP= 31,7).
Através de uma ANOVA procuramos conhecer se, em diversos níveis etários havia
diferenças na perceção de stresse face à diabetes. Os resultados indicaram que
não se registam diferenças significativas nos níveis de stresse ao longo das
idades estudadas.
Por fim, procuramos diferenciar a relação entre diferentes níveis de stresse
face à diabetes e a adesão ao tratamento e a qualidade de vida do adolescente.
Para estudar esta hipótese procedemos a uma divisão em quintis dos resultados
do QSD-R (A). Seguidamente, selecionámos os grupos extremos (primeiro e último
quintis) de forma a comparar, através de um teste t, de Student, os
adolescentes com níveis inferiores (primeiro quintil) e superiores (último
quintil) de stresse faca à diabetes nas variáveis adesão ao tratamento e
qualidade de vida. A análise dos resultados do teste das diferenças, no que se
refere à Adesão ao Tratamento, permite concluir que não se registaram
diferenças significativas entre os grupos extremos de stresse faca à diabetes.
Quanto à Qualidade de Vida, constatamos que os adolescentes com níveis de
stresse mais elevado (M= 99,5; DP= 28,4) apresentam uma qualidade de vida
relacionada com a diabetes inferior (t= 8,5; p= 0,0001) quando comparados com
adolescentes com nível inferior de stresse (M=40,8, DP=25,8).
DISCUSSÃO
A versão portuguesa (apresentada em anexo) e designada QSD-R(A) apresenta-se
com um número total de itens mais reduzido que a versão original, tendo passado
de 45 para 40itens que se agrupam em 6 componentes. Esta organização nos
componentes de forma diversa da proposta que serviu da base é compreensível
pois, para além de estarmos a estudar o instrumento numa população com uma
faixa etária diferente, foram eliminados os itens de uma subescala (relação
conjugal), acrescentados novos itens e reformulados outros, com o objetivo de
revelar as preocupações do adolescente com a diabetes.
A versão adaptada possui uma consistência interna satisfatória, com um alfa
igual à versão original (a= 0,93). Nas diversas subescalas, foram encontrados
indicadores de consistência interna sobreponíveis ou ligeiramente superiores
aos obtidos na versão original. Um item (19) não satura com valores
satisfatórios em qualquer componente ' satura simultaneamente nos componentes
1, 4 e 5 com valor liminar ' mas, como apresenta uma correlação elevada
(r=0,58) com o total da escala (ver Quadro_3) e dada a relevância do seu
conteúdo, optámos por o conservar na versão final, associado ao componente 1.
A organização dos itens em componentes é em larga medida sobreponível à versão
original, mantendo-se, apesar de o arranjo dos itens ser ligeiramente
diferente, associações em torno de relação médico-doente, queixas somáticas,
stresse face ao tratamento e receio das hipoglicemias. Surgem agrupados os
itens relativos às manifestações de stresse nas atividades de tempos livres e
escolares, o que é compreensível em termos psicossociais pois muitas das
atividades de tempos livres nesta faixa etária se situarem em torno do contexto
escolar. Os itens relativos à dimensão ansiedade/depressão aparecem associados,
o que é expectável dada a comorbilidade entre estes quadros clínicos que
refletem a apreensão do paciente face ao presente e ao futuro.
Quanto à validade externa do QSD-R (A), os resultados vão no sentido esperado
com uma correlação significativa com a adesão ao tratamento (recorde-se que
muitas vezes a associação entre estas variáveis é moderada por outras
variáveis), no entanto constatamos a existência de correlações negativas
importantes entre o resultado global do QSD-R(A) bem como de todas as suas
componentes, com a Qualidade de Vida, sendo apenas mais moderadas as
correlações da subescala que avalia a relação com o médico.
Por fim, quanto ao poder discriminante da escala, não foram encontradas
diferenças significativas entre pacientes do sexo masculino e feminino nem ao
longo da faixa etária estudada.