Pacientes em radioterapia: um estudo de coping
O câncer representa 12% de todas as causas de morte no mundo, ou seja, 6
milhões de óbitos a cada ano (Instituto Nacional do Câncer ' INCA, 2007). Tem
origem nos genes de uma célula e por processos de mutação se multiplica e forma
uma massa tumoral maligna local e a distância (Yamaguchi, 1994). Atualmente
discute-se a multiplicidade de fatores envolvidos na etiologia dessa doença.
Dentre esses fatores destacam-se alguns de base comportamental, como uso de
álcool e cigarro, outros de base emocional, como a influência de estados
depressivos sob o sistema imunológico e por fim, os aspectos biológicos
tradicionalmente estudados, como a hereditariedade ou maior vulnerabilidade de
alguns órgãos em função da vivência de determinados fatores de risco.
Existem diversos tipos de câncer e sua classificação, em geral, se realiza em
função das células originárias. Assim, de uma maneira geral o câncer se divide
em: neoplasias hematológicas, carcinomas e sarcomas. As neoplasias
hematológicas têm origem nas células do sangue e dos tecidos linfáticos, como
as leucemias (medula óssea) e os linfomas (baço). Por outro lado, os tumores
sólidos, como os carcinomas se originam no tecido epitelial e glandular, e os
sarcomas têm origem nos tecidos ósseos, muscular e adiposo (Ogden, 1999).
O tratamento dessa doença depende de sua classificação em termos de estágio de
desenvolvimento, do órgão afetado, do tecido de origem, dos aspectos
morfológicos, estruturais e o grau de comprometimento em tecidos vizinhos e
distantes. Os principais tratamentos se dividem em: cirurgia, quimioterapia,
imunoterapia e radioterapia, sendo este último foco deste estudo (Yamaguchi,
1994).
A radioterapia como tratamento do câncer começou a ser utilizada em 1899, e seu
objetivo é aplicar uma dose de radiação, a maior possível, com finalidade ideal
de controle do tumor e minimizar os prejuízos aos tecidos normais
circunvizinhos. Isolada ou associada à cirurgia e/ou quimioterapia, é uma
modalidade curativa efetiva para muitas neoplasias malignas com alta taxa de
sobrevida nos estádios inicias da doença (Perez, 1999).
Os efeitos colaterais da radioterapia iniciam na segunda ou terceira semana
após o início do tratamento e variam de acordo com a sensibilidade e região do
corpo. Quando a radioterapia é, por exemplo, na região do cérebro o paciente
pode sentir náuseas, vômitos, tonturas, dores de cabeça e sofrer de alopecia;
na região da boca e garganta, dor ao alimentar, dificuldade para engolir, boca
seca, perda temporária do paladar, inapetência, rouquidão; no tórax, tosse
seca, náuseas, sensação de fraqueza; no abdômen e pelve, náuseas, vômitos,
inapetência, diarréia, cólicas e ardor ao urinar (Garcia & Kosminsky, 1999;
Paula Junior, 1998).Os efeitos colaterais da radioterapia podem interferir no
equilíbrio emocional do paciente e na credibilidade que o mesmo tem no
tratamento.
Quanto à credibilidade do uso da irradiação como intervenção terapeutica,
percebe-se que historicamente a mesma pode ser percebida com descrédito (Garcia
& Kosminsky, 1999; Paula Junior, 1998) sendo muitas vezes associada aos
acidentes radioativos tais como os de Chernobyl e do césio-137 em Goiânia,
sendo, portanto, vistas como sinonimo de destruição e catástrofe. Somados a
esta representação os efeitos colaterais não é raro encontrar pacientes que
questionam o efeito curativo da radioterapia. Neste sentido, Garcia e Kosminsky
(1999) apontam que podem aparecer emoções negativas em relação à radioterapia,
tais como: medo do aparelho de radioterapia, insegurança, ansiedade, depressão
reativa, sentimentos de impotência, culpa, raiva por estar doente, tristeza,
entre outros. A intensidade e duração destas emoções, segundo estes autores,
podem estar relacionadas às variáveis tais como: evolução da doença,
conhecimento dos efeitos colaterais do tratamento, idade da pessoa ao receber o
diagnóstico, traços de personalidade, situação profissional e socioeconômica,
posição familiar, religião, experiências passadas e preconceitos culturais em
relação ao câncer.
Estudos demonstram que, mesmo com os efeitos colaterais do tratamento, da dor e
os efeitos negativos do estresse relatados pelos pacientes em radioterapia,
alguns apresentam bom nível de bem-estar e qualidade de vida (Arraras et al.,
2008). Esse dado nos reporta a ideia de superação destes pacientes frente à
adversidade do câncer e tratamento, e portanto nos remete ao tema da
resiliência.
Atualmente, existem vários conceitos sobre resiliência, no entanto, todos eles
têm em comum dois elementos: a) a experiência frente à adversidade e ao
estresse e b) uma evolução e adaptação positiva ao processo de desenvolvimento
posterior ao enfrentamento do evento estressor (Serra, 2008).
Neste trabalho adotamos o conceito de Rutter (1985), um dos pioneiros no estudo
da resiliência que propõe ser este constructo um processo dinâmico de
resistência relativa ao estresse, pautado em bases constitucionais e
ambientais, sem uma base fixa e que variam de acordo com as circunstâncias.
Esse autor acrescenta ainda que este processo dinâmico de resiliência implica
numa interação entre processos de risco e proteção. Pesce, et al. (2005)
destacam que situações de risco, como as descritas em seu estudo, tornam a
pessoa vulnerável no confronto com as situações de estresse. Para superar estes
obstáculos, os fatores de proteção podem moderar a força dos fatores de risco e
em conjunto com as estratégias de coping proteger o indivíduo dos efeitos
adversos da vivencia dos eventos estressores.
É inevitável que no decurso da vida de uma pessoa esta se confronte com eventos
estressores. Entretanto, as fontes de proteção e a forma como o indivíduo irá
enfrentar esta situação adversa poderá desencadear desenvolvimento pessoal e
superação ou adoecimento. Neste sentido, o coping, definido por Lazarus e
Folkman (1984) como: um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais
utilizados com o objetivo de lidar com as demandas específicas, internas ou
externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como
sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais (p. 141) pode possibilitar
ao indivíduo um enfrentamento eficaz dos problemas vivenciados em sua vida e
assim diminuir o impacto destes em sua saúde e bem-estar (Zanini, 2003).
O copingpode ser focado no problema ' também chamado de aproximação - ou focado
nas emoções ' também chamado de evitação (Moos, 1993; Zanini, 2003). Quando o
foco é no problema, busca-se a agir sobre o evento estressante com o fim de
solucioná-lo. Por outro lado, quando o foco é nas emoções visa-se o controle
das mesmas com o objetivo de retomada do equilíbrio emocional perdido em função
da vivencia do problema (Lazarus & Folkman, 1984). Estudos tem demonstrado
que o uso de estratégias focadas na emoção está associado com maiores índices
de mal estar psicológico e psicopatologias enquanto que o uso de estratégias
focadas no problema está associado a melhores índices de bem-estar e saúde
psicológica (Lazarus & Folkman, 1984; Zanini, 2003). Neste sentido, a
vivencia de mal estar psicológico se daria não como consequência do problema em
si, mas guardaria uma relação significativa com a estratégia de coping
utilizada.
O fato de estar com câncer, por exemplo, não implica necessariamente na
experiência do sentimento de infelicidade constante. A pessoa pode sofrer
oscilações quanto ao bem-estar em diferentes momentos da doença. A fase do
diagnóstico, do tratamento e da reabilitação são estágios distintos e entre
eles o sujeito pode viver períodos de tensão, estresse e também felicidade,
alegria, vitória, entre outros. A estes estados de alegria e/ou felicidade
alguns autores denominaram de bem-estar subjetivo (Albuquerque & Troccoli,
2004). Assim, bem-estar subjetivo pode ser considerado o estudo empírico da
felicidade, ou do balanço entre as emoções positivas e negativas vividas por
parte do indivíduo.
Algumas variáveis parecem influenciar na felicidade ou no bem-estar dos
indivíduos. Dentre elas os estudos apontam aquelas relacionadas ao indivíduo
(tais como o temperamento, a personalidade, a genética e etc.), aquelas
relacionadas ao contexto sócio cultural, e aquelas provenientes da interação
entre o contexto sócio cultural e o indivíduo (tais como a idade, a renda e
etc.) (Diener & Chan, 2011). Assim, indivíduos saudáveis, com bom nível de
renda, casados, com expectativas de vida medianas e otimistas tendem a
apresentar maior nível de bem-estar subjetivo (Davidson, Mostofsky & Whang,
2010; Rodrigues & Silva, 2010). Contudo, embora a saúde esteja relacionada
com bem-estar subjetivo, essa relação parece não ser causal já que alguns
estudos demonstram que, mesmo em situações adversas, como por exemplo, na
vivencia de patologias crônicas ou graves como o câncer, os indivíduos podem
apresentar bons índices de bem-estar subjetivo (Bullock, Green & Ha, 2010;
Davidson, Mostofsky & Whang, 2010; Diener & Chan, 2011).
Desta forma, o presente estudo pretende investigar o uso de estratégias de
enfrentamento, resiliência e auto-relato de bem-estar subjetivo dos pacientes
em tratamento radioterápico de um hospital especializado no tratamento de
câncer. Mais especificamente pretende: a. Descrever as formas de enfrentamento
psicológico de pacientes oncológicos em tratamento de radioterapia; b. Avaliar
a percepção de bem-estar subjetivo dos pacientes em tratamento radioterápico;
c. Identificar a existência da resiliência em pacientes oncológicos em
radioterapia.
MÉTODO
Participantes
Participaram desta pesquisa 60 pessoas, sendo 40 (66,70%) do sexo feminino e 20
(33,3%) do sexo masculino, com diagnóstico de câncer e em tratamento
radioterápico em um hospital filantropico especializado no tratamento de
câncer. As idades variaram entre 26 a 82 anos de idade (M = 52,52 DP = 13,25).
Nesta pesquisa os participantes foram selecionados quando á idade considerando
a fase adulta e terceira idade. Apesar da grande variedade, nesta pesquisa, não
houve a pretensão de delimitar os participantes quanto à faixa etária para que
no período de coleta de dados pudéssemos buscar o maior número de pacientes
possível e obter dados para este pesquisa por ser um estudo descritivo. Quanto
ao número de aplicações de radioterapia, os participantes estavam entre a
quarta e a trigésima quinta aplicação.
Material
Para este estudo foi utilizados o Coping Response Inventory ' Adult Form (CRI -
A), em fase de validação para a população brasileira, o Inventário de
Resiliência (IR), de Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez (2008), a Escala Bem-
Estar Subjetivo (EBES), de Albuquerque e Tróccoli (2004), o Inventário de
Sintomas de Estresse (ISE), de Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez (2002). Além
destes instrumentos, foi elaborada uma entrevista semi-estruturada com a
finalidade de coletar dados sócio-demográficos e informações sobre os pacientes
em radioterapia.
O CRI ' A de Moos (1993) mede oito tipos de estratégias de coping e se divide
em três partes: 1ª) o participante da pesquisa descreve uma situação
estressante que vivenciou nos últimos 12 meses; 2ª) o sujeito avalia 10
perguntas sobre os seguintes temas: experiência prévia, prejuízos,
responsabilidade do evento estressante; 3ª) e por fim, responde a 48 perguntas
sobre comportamentos que utiliza ao enfrentar um problema. Estas perguntas são
respondidas de acordo com quatro alternativas de tipo Likert e as respostas se
agrupam posteriormente, por meio da adição direta dos itens nas oito escalas de
estratégias de coping: análise lógica (tentam do ponto de vista cognitivo
compreender e preparar mentalmente para enfrentar o evento estressor e suas
consequências); reavaliação positiva (busca construir e reconstruir o problema
de forma positiva ainda que a pessoa aceite a realidade da situação); busca de
apoio (é comportamental e tenta buscar informação, orientação e suporte) e
resolução de problemas (são ações que visam negociar direto com o problema a
fim de resolver a situação que provocou o estresse); evitação cognitiva (a
pessoa tenta evitar pensar no problema real); aceitação/resignação (é uma
reação de aceitar e até mesmo de forma submissa o problema); busca de
gratificação alternativa (são comportamentos que buscam envolver em atividades
ou criarem fontes de satisfação e, com isto, minimizar o problema) e descarga
emocional (são respostas comportamentais que visam reduzir a tensão expressando
sentimentos negativos frente ao problema enfrentado). As quatro primeiras
escalas são consideradas formas de enfrentamentos diretas (coping de
aproximação) e as quatro últimas são consideradas formas indiretas (coping de
evitação) (Moos, 1993). O instrumento apresenta boa qualidade psicométrica em
sua versão original com alphas entre 0,58 e 0,72. Na versão brasileira, estudos
apontaram uma consistência interna entre 0,80 e 0,77 para as escalas de
aproximação e evitação, respectivamente.
O Inventário de Resiliência de Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez (2008) se
constitui de 40 itens que expressam ações ou atitudes afirmativas e os
participantes assinalam numa escala de 1 a 5, se estão totalmente em desacordo
(1), em desacordo (2), nem de acordo, nem em desacordo (3), de acordo (4), e
totalmente de acordo (5). Estes itens foram agrupados em 6 fatores: inovação e
tenacidade, hiperemotividade, assertividade, empatia, satisfação no trabalho e
competência emocional.
O fator inovação e tenacidade referem-se a pessoas com atitudes inovadoras,
curiosas, persistentes, que enfrentam os desafios, de certa forma,
aventureiras, porém cautelosas. São afirmações do tipo: prefiro atividades que
me tragam experiências novas mesmo que tenha que me esforçar mais ou sou uma
pessoa curiosa. O fator hiperemotividade refere-se à expressão das emoções,
como por exemplo: Me emociono com facilidade. O fator assertividade faz
referência a resolver o problema de foram direta, com expressão dos sentimentos
de forma clara e objetiva, como na afirmação: Não engulo sapos. Aos
diretamente envolvidos, digo exatamente o que penso das pessoas e situações. O
fator empatia aponta para a compreensão dos sentimentos dos outros, como na
afirmação: Posso colocar-me com facilidade no lugar de outras pessoas e
experimentar como se sentem. No fator satisfação no trabalho aborda o prazer e
envolvimento da pessoa junto ao seu trabalho. Por exemplo: Me preocupo e me
identifico verdadeiramente com meu trabalho. Por fim, o fator competência
emocional trata da expressão verbal dos próprios sentimentos, como na
afirmação: Posso expressar verbalmente meus sentimentos sem dificuldades.
Este instrumento apresentou qualidade psicométrica satisfatória com alfas de
Cronbach para as escalas de 0,78 para inovação e tenacidade, 0,78 para
hiperemotividade, 0,67 para assertividade, 0,64 para empatia, 0,65 satisfação
no trabalho, 0,66 competência emocional (Benevides-Pereira & Moreno-
Jiménez, 2008; Mota, Benevides-Pereira, Gomes, & Araújo, 2006).
A Escala de Bem-Estar Subjetivo de Albuquerque e Tróccoli (2004) compõe-se de
62 itens. Na primeira parte da escala, os itens vão do número 1 ao 47 e
descrevem afetos positivos e negativos, devendo o sujeito responder como tem se
sentido ultimamente numa escala em que 1 significa nem um pouco e 5 significa
extremamente. Na segunda parte da escala, os itens vão do número 1 ao 15 e
descrevem julgamentos relativos à avaliação de satisfação ou insatisfação com a
vida, devendo ser respondidos numa escala onde 1 significa discordo plenamente
e 5 significa concordo plenamente. Estes itens foram divididos em 3 fatores:
afeto positivo com um alfa de Cronbach é de 0,95; afeto negativo com alfa de
0,95; satisfação com a vida versus insatisfação com a vida com alfa de 0,90
(Albuquerque & Tróccoli, 2004).
Na revisão teórica, Albuquerque e Tróccoli (2004) descrevem o afeto positivo
como um prazer puro, num determinado momento que traz entusiasmo e vontade de
agir. Apontam ainda que esse é um sentimento transitório ligado mais a um
estado emocional do que a um processo cognitivo. Segundo estes autores, o afeto
negativo refere-se a um estado de distração e engajamento desprazível que
também é transitório, mas que inclui emoções desagradáveis como ansiedade,
depressão, agitação, aborrecimento, pessimismo e outros sintomas psicológicos
aflitivos e angustiantes (p.154). A dimensão satisfação com a vida envolvem
julgamento cognitivo em que a pessoa avalia um domínio da própria vida, de
acordo com critérios pessoais, que podem estar ligados a circunstâncias da vida
do sujeito ou a um padrão ou modelo por ele eleito. Observa-se também neste
instrumento de avaliação do bem-estar a divisão entre as dimensões que avaliam
estado emocional (afeto positivo e negativo) e dimensões de avaliação cognitiva
(satisfação e insatisfação com a vida).
O Inventário de Sintomas de Estresse de Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez
(2002) apresenta 30 itens afirmativos, numa frequência do tipo Likert, de 0
para nunca, 1 raras vezes, 2 moderadamente, 3 frequentemente até o 4
assiduamente, relativos aos sintomas referenciados na literatura como
frequentes ou característicos de estresse no dia-a-dia. Estes itens agrupam-se
formando as escalas: sintomas físicos (SF), por exemplo: dificuldade com sono,
problemas gastrointestinais entre outros e sintomas psicológicos (SP) que vão
desde sentir-se sem vontade de começar nada até estado de aceleração contínua.
A consistência interna das dimensões apresentou alfa de Cronbach de 0,72 para
SF; 0,85 para SP (Benevides-Pereira & Moreno-Jiménez, 2002).
Procedimento
Após ter sido avaliado e aprovado o projeto de pesquisa pelo comitê de ética em
pesquisa, protocolo No. 039/07, os participantes da pesquisa foram abordados
pelo pesquisador responsável ou auxiliar de pesquisa, orientados sobre os
objetivos e convidados a participar da mesma. Após aceitação, foram convidados
a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e aplicados os
instrumentos na seguinte ordem: Coping Response Inventory ' Adult Form (CRI -
A); Inventário de Resiliência (IR); Escala Bem-Estar Subjetivo (EBES);
Inventário de Sintomas de Estresse (ISE). Posteriormente, foi realizada a
entrevista semiestruturada. Os instrumentos foram respondidos individualmente
em ambiente fechado com boa iluminação e ventilação resguardando-se sempre as
mesmas condições de espaço físico e procedimentos para todos os participantes.
As aplicações dos instrumentos e das entrevistas semiestruturadas eram
realizadas sempre antes da sessão de radioterapia, sob as mesmas instruções de
esclarecimento. Os participantes demoraram em média 40 minutos para responder
os questionários.
RESULTADOS
A análise desta pesquisa foi realizada através do pacote estatístico para
Windows SPSS versão 14.0. Os quadros 1 e 2 abaixo ilustram as características
dos participantes pesquisados indicando os dados sócio-demográficos e o
conhecimento dos mesmos quanto ao diagnóstico da doença.
Quadro 1
Caracterização dos participantes da pesquisa (N=60)
Quadro 2
Características dos sujeitos quanto ao diagnóstico (N=60)
Com relação aos efeitos colaterais, 55% dos participantes relataram apresentar
algum sintoma ou sinais no momento da coleta de dados. Entre eles, foram
apontados: dor, tontura, tremor, vômito, diarréia, sonolência, inapetência,
fraqueza, cansaço, alopecia, inchaço, náusea, enjoo, azia, flatulência, perda
do paladar, perda de peso, coceira, ardor ao urinar, calor, queimaduras,
irritação, mucosite, prisão de ventre, febre, escurecimento da pele, boca seca,
cólica e entre os sintomas psicológicos, irritação, angústia e apatia. 45% não
relataram efeitos colaterais no momento da entrevista.
No quadro 3, são descritas as respostas dos participantes quando foram
perguntados sobre o que os ajuda a enfrentar o câncer e o tratamento de
radioterapia. Os dados apontam para maior porcentagem nas respostas associadas
à rede de apoio social, principalmente a família, as características
individuais e a religião, com enfoque maior em Deus. Além dessa pergunta, os
sujeitos foram indagados sobre as pessoas que mais ajudam a enfrentar a doença/
tratamento. 90% das respostas foram relativas à família, seguidos de 16,6%
sobre amigos e as demais respostas foram divididas em: prefeito, patrão e
pessoas do trabalho (5%), equipe de saúde (5%), vizinhos (3,3%), outros
pacientes (3,3%) e grupos de oração (1,6%).
Quadro 3
Descrição das respostas sobre o que ajuda a enfrentar a doença/tratamento
Nos quadros 3, 4 e 5 descrevem o uso diferencial de estratégias de coping, os
fatores da escala de resiliência, da escala de bem-estar subjetivo e da escala
de sintomatologia de estresse por sexo e geral. Nao foram realizadas análise de
comparação de média devido ao número reduzido da amostra (N = 60), o que
impossibilitaria o uso de técnicas paramétricas para estas análises, sendo
assim optou-se por apresentar a descrição das médias e desvios padrões ao invés
de utilização de técnicas não paramétricas para cálculo das diferenças entre
médias.
Quadro 4
Médias e desvio padrão da escala de coping por sexo e geral.
Quadro 5
Médias e desvio padrão dos fatores de resiliência, bem-estar subjetivo e
sintomas de estresse por sexo e geral.
Em linhas gerais, os pacientes em tratamento radioterápico referem um maior uso
de Reavaliação Positiva e Resolução de Problemas, e menor uso de Descarga
Emocional, como forma de enfrentar seus problemas. Ainda em relação às
estratégias de coping, os participantes relataram um uso superior de
estratégias de aproximação, do que de evitação. Ao serem orientados para
descrever uma situação problema, 76,7% dos participantes relataram a própria
doença e 23,3% apontaram outros problemas, entre eles de relacionamento
amoroso, morte ou separação da família, depressão, problemas financeiros,
outras doenças na família e dificuldade para alimentar.
No Inventário de Resiliência observa-se que a maior média apresentada foi a do
fator inovação e tenacidade na pesquisa com pacientes oncológicos, seguido pelo
fator satisfação no trabalho com média, entretanto competência emocional obteve
a menor média. Estes dados nos informam que neste estudo, os pacientes
oncológicos parecem enfatizar mais a inovação e tenacidade e satisfação no
trabalho em detrimento da competência emocional.
Na Escala de Bem-Estar Subjetivo os participantes informaram mais afeto
positivo e, portanto, obter maior satisfação com a vida do que afeto negativo e
consequentemente, menos insatisfação com a vida.
Em relação ao Inventário de Sintomas de Estresse, os participantes revelaram
maior pontuação para Sintomas Psicológicos em relação aos Sintomas.
DISCUSSÃO
No Inventário de Resiliência observa-se que os pacientes oncológicos parecem
enfatizar mais a inovação e tenacidade e satisfação no trabalho em detrimento
da competência emocional. Quase todas médias desta pesquisa foram similares aos
dados apontados por Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez (2008), com exceção do
fator satisfação no trabalho, que a média encontrada nesta investigação foi
superior ao encontrado no trabalho supra-citado. Entretanto, estes dados
diferem aos achados de Mota et al. (2006), ao pesquisar estresse e resiliência
em doença de Chagas. Estes autores apontam baixo índice de resiliência na
população investigada e principalmente baixa média no fator inovação e
tenacidade. Segundo Mota et al. (2006), entre os possíveis fatores explicativos
encontram-se o nível educacional, a situação de trabalho e o fato de que a
doença interfere na vida atual do indivíduo. Na pesquisa realizada com
pacientes oncológicos em radioterapia, 11,7% não eram alfabetizados. Apesar
deste dado ser alto em relação ao nível educacional, a doença de Chagas está
associada a condições econômicas e sociais de pobreza, enquanto o câncer não
possui, necessariamente, esta caracterização uma vez que a doença pode ser
detectada em várias camadas sociais.
Em relação ao estado civil, a maioria é casada, possuem filhos e moram com a
família. Todos os participantes da pesquisa relatam possuirem religião. Teles
(2005), Paludo e Koller (2005), Melillo e Ojeda (2005), Pesce et al. (2005),
Peres, Mercante e Nasello (2005), Almeida, Pereira e Oliveira (2008) e Guerrero
et al. (2010) apontam o apoio social, entre eles a família, a fé, a religião, o
afeto e o vínculo como fatores importantes para a resiliência. Os dados sócio-
demográficos relatados denotam a existência desta rede de apoio, cuja qualidade
não foi avaliada neste estudo. Entretanto, pode-se postular que estes poderiam
ser fatores de proteção, uma vez que a rede de apoio social e a religião foram
apontadas como os principais fatores para o enfrentamento das adversidades por
este grupo pesquisado. Segundo Guerrero et al. (2010) o câncer amedronta e a
espiritualidade renova o que, de acordo com estes autores, denota a
importância da espiritualidade como estratégia de enfrentamento no planejamento
da assistência ao paciente oncológico.
Referente ao trabalho, os participantes da pesquisa estão igualmente divididos
em dois grupos: trabalho com remuneração e não possuem trabalho remunerado. Um
grupo menor de pacientes são aposentados ou estavam de licença médica do
trabalho. Segundo Mota et al. (2006), a doença é um fator limitante para o
trabalho e aposentadoria precoce, entretanto os resultados apontam que para os
sujeitos investigados a satisfação no trabalho parece ser um aspecto importante
no suporte emocional do paciente com câncer. Neme e Lipp (2010) em seus estudos
referem-se à área de relacionamento social e de trabalho, na qual a maioria
significativa de mulheres com diagnóstico de câncer referiu ter vivido
situações de afastamento social e sentimento de solidão, frequentemente mais do
que as entrevistadas do grupo de mulheres sem diagnóstico de câncer. A solidão,
segundo essas autoras, agrava os efeitos do estresse, favorecendo o
desenvolvimento de doenças da adaptação.
Quanto ao conhecimento do diagnóstico de câncer, somente um participante da
pesquisa relata não saber. Os efeitos colaterais do tratamento também são
conhecidos pela maioria. O impacto do diagnóstico de doenças crônicas foi
estudado por Kübler-Ross (1998), que descreve as fases de negação, de barganha,
da raiva, da depressão e da aceitação como um processo de assimilação
psicológica.
Conforme os dados obtidos no inventário de coping, os pacientes em tratamento
radioterápico referem um maior uso de Reavaliação Positiva e Resolução de
Problemas e menor uso de Descarga Emocional, portanto maior uso de estratégias
de aproximação do que evitação. Estes resultados coincidem com os achados de
Heim, Valach e Schaffner (1997), Lisboa et al. (2002), Schroevers, Kraaij,
Garnefski (2008) e Sehgal et al. (2008), que abordam o uso das formas de
enfrentamento de aproximação, voltadas para o problema, auxiliando na adaptação
psicossocial, enquanto que o coping de evitação (negação e fuga) interfere
negativamente nesta adaptação, além de fatores como a rede de apoio social, que
foca nos aspectos positivos, e que também são discutidos por estes
pesquisadores. No entanto, nos estudos de Neme e Lipp (2010), as mulheres com
câncer revelaram ter lidado com fuga e evitação significativamente mais que as
mulheres sem câncer. Fugindo ou esquivando-se de seus problemas, as mulheres
com câncer não conseguiram superá-los, resolvendo-os significativamente menos
do que as mulheres sem câncer. Para essas autoras, o processo de enfrentamento
visa diminuir ou eliminar as fontes de estresse. As reações de fuga e evitação,
acompanhadas de crenças negativas sobre a possibilidade de resolver ou superar
os problemas vividos e de sentimentos de desânimo ou desamparo, são ineficazes
para lidar com o estresse. Para Neme e Lipp (2010), portanto, os padrões de
enfrentamento mais positivos, otimistas, flexíveis e diretos para lidar com as
situações e sentimentos envolvidos em situações de estresse da vida propiciam
adaptações mais saudáveis e a diminuição do impacto do estresse no equilíbrio
psicofisiológico do indivíduo.
De forma geral, os pacientes investigados em nosso estudo apresentam-se
adaptados e conscientes da doença e do tratamento. Apesar dos efeitos
colaterais e problemas de outra ordem, tais como complicações nos
relacionamentos interpessoais, dificuldades financeiras, dor, entre outros,
percebe-se, pelos resultados obtidos e durante a própria coleta de dados nos
relatos apresentados, que os pacientes buscam diversas formas para lidar com as
situações estressoras e com isto superar as adversidades.
Para a Psicologia da Saúde, os dados fornecem informações importantes ao
apontar que as estratégias de aproximação, focadas no problema, podem estar
relacionadas ao ajustamento emocional e bem-estar subjetivo. Com isto, o
psicólogo que atua nesta área deve focar sua ação terapêutica na orientação e
manutenção do paciente para as estratégias de aproximação (reavaliação
positiva, busca de apoio, resolução de problemas) e menos estratégias de
evitação, focadas na emoção (evitação cognitiva, aceitação/resignação, busca de
gratificação alternativa e descarga emocional). A estratégia de aproximação do
tipo análise lógica na análise estatística parece denotar menor bem-estar
subjetivo, portanto a utilização dessa estratégia pode causar maior desconforto
emocional. Ao focar mais nas estratégias de aproximação, não estamos contra
indicando que os aspectos emocionais do paciente não devem ser considerados na
ação terapêutica, mas que a escuta das emoções, através do apoio psicológico,
pode promover o bem-estar do paciente e, com isto, abrir campo para o terapeuta
direcionar a ação destes rumo a estratégias de coping mais adaptativas.
A partir destes dados pode-se hipotetizar que os benefícios das técnicas mais
focais utilizadas por Psicólogos em suas intervenções em situações de estresse,
como o relaxamento e controle de respiração, a visualização e a experiência
emocional corretiva, entre outras podem auxiliar o paciente no enfrentamento
das adversidades, no controle emocional e orientá-lo em direção às estratégias
de aproximação.
Neste sentido, este pesquisa pode contribuir para ampliar as discussões sobre
esse tema, entretanto pode-se perceber que o inventário de resiliência ainda
carece de novas reavaliações por apresentar lacunas na identificação desse
processo. Portanto, sugerem-se novos estudos, com populações maiores, com a
finalidade de dar continuidade a estas reflexões.
Por outro lado, os dados do presente estudo devem ser mitigados a luz das
limitações apresentadas. Na presente pesquisa observou-se uma grande dispersão
na idade dos participantes. Pesquisas anteriores sobre coping apontam a
importância da variável idade na percepção do problema, recursos de coping e
formas de enfrentamento aos problemas. Sendo assim, podem existir diferenças
significativas nas formas como os pacientes submetidos à radioterapia aos 30
anos enfrentam esse processo quando comparados com os de 50 anos. Neste estudo,
contudo, não foi possível analisar tal aspecto devido ao baixo número de
participantes. Estudos posteriores com amostras maiores deveriam avaliar as
possíveis interferências da variável idade nas formas de enfrentamento ao
tratamento de radioterapia. Além disso, a ampliação da amostra também
possibilitaria o uso de técnicas estatísticas paramétricas e mais aprofundadas
o que possibilitaria maiores esclarecimentos sobre a relação entre as formas de
enfrentamento ao tratamento de radioterapia, o bem-estar subjetivo e a
resiliência.