Questionário de Confiança Parental: Análise fatorial confirmatória numa amostra
comunitária de casais
O sentimento de confiança parental corresponde à avaliação que os progenitores
fazem acerca da sua capacidade para prestar cuidados e compreender o seu bebé
(Zahr, 1993). Segundo Zahr (1993), a confiança parental corresponde à vertente
afetiva do processo de concretização do papel parental, ou seja, aos
sentimentos subjetivos que a pessoa tem acerca da sua aptidão para assumir as
responsabilidades parentais. Este processo, que conduz à experiência de
competência no desempenho do papel parental, integra ainda a componente
comportamental, isto é, a capacidade real demonstrada pela pessoa, através das
suas ações, para assumir eficazmente a prestação de cuidados aos seus filhos
(Rubin, 1984). Diversas investigações têm mostrado que tendem a não existir
associações entre os dados obtidos através de métodos observacionais (que
possibilitam a avaliação da componente comportamental do processo de
concretização do papel parental) e de instrumentos de autorresposta (que focam
a componente afetiva), quer entre mulheres adultas (Zahr, 1991, 1993), quer
entre adolescentes (Secco, Ateah, Woodgate, & Moffatt, 2002). O
desfasamento que pode existir entre as competências reais e percebidas de
prestação de cuidados ao bebé sublinha, em primeiro lugar, a necessidade de
avaliar cuidadosamente esta variável e, adicionalmente, a importância de
recorrer a diferentes métodos quando se procede a essa avaliação.
O sentimento de confiança parental é central na relação mãe/pai-criança,
resultando da influência de, entre outros fatores, características de ambos os
membros da díade: parentais - como a idade, a paridade, a escolaridade, a saúde
mental e o apoio social percebido - e do bebé - como o seu temperamento, a
existência de problemas médicos e o seu peso à nascença (Loo et al., 2006;
Oswalt & Biasin, 2012; Russell, 2006; Zahr, 1991, 1993). Por seu lado, o
sentimento de confiança parental exerce influência na interação entre os
progenitores e o bebé, estando associado aos níveis de stress parental e aos
estilos educativos parentais (Morawska & Sanders, 2007; Nazaré, Fonseca,
& Canavarro, 2012; Oswalt & Biasini, 2012). Assim, as pessoas que se
sentem mais competentes na prestação de cuidados aos seus filhos tenderão a
sentir-se mais realizadas e gratificadas pela tarefa, enquanto, inversamente,
baixos níveis de confiança parental podem afetar negativamente a experiência de
parentalidade e a capacidade das pessoas para tomarem conta dos seus bebés
(Kuo, Chen, Lin, Lee, & Hsu, 2009). Atendendo a isto, o sentimento de
confiança parental é visto como essencial a uma adaptação saudável ao papel
parental (Zahr, 1991, 1993).
Face à relevância clínica que esta variável assume, em 1985, Parker e Zahr
desenvolveram o Maternal Confidence Questionnaire, no contexto de um estudo que
pretendia avaliar a adaptação de mães de bebés prematuros (um grupo em que os
níveis de confiança parental tendem a ser significativamente inferiores, quando
comparados com os de mães de bebés de termo saudáveis; Zahr, 1991). Na
construção deste questionário foi tida em conta a experiência clínica dos
autores e, adicionalmente, a revisão por eles feita das escalas existentes que
contemplavam comportamentos maternos de prestação de cuidados (Badr, 2005;
Zahr, 1991). Pretendeu-se, assim, desenvolver um instrumento cujo objetivo
seria avaliar não só a confiança das mães relativamente às suas próprias
capacidades como cuidadoras de um bebé (isto é, as suas competências
percebidas) como também a sua capacidade para reconhecer as necessidades do
bebé (ou seja, o seu nível de conhecimento do bebé; Badr, 2005). Crncec,
Barnett e Matthey (2010) defendem que o Maternal Confidence Questionnaire pode
ser categorizado como um instrumento que avalia a perceção de autoeficácia no
âmbito do exercício da parentalidade.
Foi intenção dos autores construir um instrumento de fácil compreensão e
aplicação. Desta forma, a versão final do questionário é composta por 14 itens
a que se responde com base numa escala de frequência de tipo Likert, com cinco
alternativas de resposta, oscilando entre 1 (Nunca) e 5 (Sempre). A pontuação
total é calculada a partir da soma dos 14 itens, após ter sido invertida a
cotação de dois deles (itens 10 e 12). Relativamente à interpretação do
questionário, pontuações superiores correspondem a níveis mais elevados de
confiança parental.
Embora os autores da versão original do questionário o caracterizem como uma
escala unidimensional (Badr, 2005), foi posteriormente proposta uma organização
alternativa dos itens. O primeiro autor a defender esta opção foi O'Reily
(citado por Badr, 2005), que, tendo por base uma amostra de 79 mães, recomendou
uma estrutura trifatorial, composta pelas dimensões Conhecimento (6 itens),
Tarefas (3 itens) e Sentimentos (5 itens). Esta estrutura fatorial foi
posteriormente replicada no estudo de adaptação da versão portuguesa do
instrumento (designado Questionário de Confiança Parental - QCP), que envolveu
uma amostra comunitária de 140 mulheres e 140 homens com bebés de 6 meses
(Nazaré, Fonseca, & Canavarro, 2011). Da análise de componentes principais
resultou uma solução que explicava 62,22% da variância, com todos os itens a
apresentar saturações superiores a 0,45 num único fator (cf. Quadro_1).
Embora a organização dos itens da versão portuguesa do QCP seja sobreponível
àquela que O'Reilly apresentou em 2003, as autoras optaram por modificar as
designações dos fatores, de maneira a traduzir de forma mais clara o conteúdo
dos itens que os compõem. Desta forma, as denominações escolhidas foram,
respetivamente, Conhecimento Acerca do Bebé, Prestação de Cuidados ao Bebé e
Avaliação da Experiência de Parentalidade. A organização dos itens em três
fatores permite identificar mais facilmente os itens que se referem a tarefas
específicas associadas ao papel parental (englobados nos primeiros dois
fatores) e aqueles que traduzem uma perceção mais global do desempenho do papel
parental. Segundo Crncec et al. (2010), enquanto os itens gerais têm a vantagem
de ser aplicáveis a progenitores com filhos de diferentes idades, os itens que
se referem a tarefas particulares tendem a revelar melhor validade preditiva,
dada a sua maior sensibilidade.
Adicionalmente, Nazaré et al. (2011) procederam à eliminação de uma das
afirmações (Ser pai/mãe é exigente e não é compensador) do QCP, que passou a
englobar apenas 13 itens. Esta alteração à versão original do questionário é
justificada por duas razões. Primeira, ao incluir duas afirmações diferentes, o
item tem um duplo sentido (DeVellis, 2011), pelo que potencia a ambiguidade e
presta-se a ser erradamente interpretado pelos respondentes (Moreira, 2004).
Segunda, o item apresentou uma correlação item-total corrigida muito baixa (r =
0,02; Pestana & Gageiro, 2005), indicando que pode não ter capacidade para
avaliar aquilo que o questionário pretende medir. Por fim, considerando que o
número de itens que compõem cada fator é variável, as autoras defendem a
cotação do instrumento com base na média, em vez de na soma, dos itens que
compõem cada fator, de maneira a facilitar as comparações entre as pontuações
obtidas nos diferentes fatores.
O QCP tem sido referido como um instrumento com características psicométricas
que, de modo geral, se revelam favoráveis, quer ao nível da fidelidade, quer ao
nível da validade (Badr, 2005; Crncec et al., 2010). No que respeita
especificamente à consistência interna da escala total, os valores apresentados
têm sido bons em diversas versões do instrumento, incluindo a original (a =
0,89; Zahr, 1991), a espanhola (a = 0,88; Zahr, 1993), a chinesa (a = 0,85; Kuo
et al., 2009) e a portuguesa (a = 0,85, considerando 13 itens; Nazaré et al.,
2011). No entanto, nalguns estudos, os valores de consistência interna do
instrumento revelaram-se significativamente mais baixos (a = 0,67 na versão
norueguesa; Olafsen et al., 2007), chegando a atingir valores inaceitáveis
(nomeadamente a = 0,58, na versão de língua inglesa; Oswalt & Biasini,
2012). Poucas investigações têm apresentado os valores de alfa de Cronbach
considerando a estrutura trifatorial inicialmente proposta por O'Reilly (citado
por Badr, 2005), que apresenta níveis de consistência interna a oscilar entre
os 0,51 e os 0,81. Tendo adotado esta estrutura, Russell (2006) indicou que os
valores de consistência interna obtidos na sua amostra foram de 0,81 (para o
fator Conhecimento) e de 0,79 (para os fatores Tarefas e Sentimentos). Já as
autoras da versão portuguesa do instrumento - cujo último fator se diferencia
do de O'Reilly e de Russell pelo facto de não incluir um dos itens -,
apresentam valores de, respetivamente, 0,85, 0,75 e 0,68 (Nazaré et al., 2011).
Este trabalho teve como objetivos: 1) identificar a estrutura fatorial do QCP
(Badr, 2005; Nazaré et al., 2011) mais adequada e 2) avaliar o seu
comportamento psicométrico, no sentido de verificar se a versão portuguesa
deste instrumento possui características que permitam a sua utilização, tanto
na prática clínica como na investigação. Consideramos de especial relevância a
disponibilidade de um instrumento que avalia a confiança parental, tendo em
conta as implicações clínicas que daí podem advir. Adicionalmente, atendendo a
que se trata de um instrumento adaptado para diversas línguas e usado em vários
países, consideramos especialmente vantajoso o facto de a escala proporcionar
comparações transculturais.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi constituída por 223 casais heterossexuais. Verificaram-se
diferenças significativas (t(219) = -4,37, p < 0,001) nas idades das mulheres
(M = 34,23, DP = 5,09) e dos homens (M = 35,55, DP = 5,86), sendo estes mais
velhos. Em relação à escolaridade, as mulheres (M = 13,84, DP = 3,69)
apresentaram habilitações literárias significativamente (t(215) = 6,77, p <
0,001) superiores às dos homens (M = 12,25, DP = 4,09). Verificou-se uma
percentagem significativamente (c2 = 33,81, p < 0,001) superior de homens
(94,1%, n = 208) atualmente empregados, por comparação com as mulheres (75,2%,
n = 167). Por fim, não houve diferenças entre as percentagens de mulheres
(44,7%) e de homens (41,3%) primíparos.
Material
O protocolo de avaliação foi constituído por uma ficha de dados
sociodemográficos e por quatro questionários de autorresposta.
Ficha de dados sociodemográficos - Incluiu perguntas referentes a
características sociodemográficas (género, idade, anos de escolaridade,
situação profissional atual, estado civil e número de filhos).
QCP (Badr, 2005; Nazaré et al., 2011; cf. Quadro_1). - As características da
versão original deste instrumento já foram descritas, sendo que os estudos
psicométricos da versão portuguesa são analisados na secção seguinte.
Questionário de Ligação ao Bebé após o Nascimento (PBQ; Brockington, Fraser,
& Wilson, 2006; Nazaré et al., 2012). -Questionário unidimensional que
pretende constituir um indicador de perturbações na relação mãe/pai-filho (para
efeitos de despistagem), através da avaliação da frequência de respostas
emocionais e cognitivas da mãe/pai para com o seu bebé. É constituído por 12
perguntas e tem uma escala de resposta de tipo Likert com seis alternativas de
resposta, variando entre 0 (Nunca) e 5 (Sempre). A pontuação final é calculada
com base na soma das pontuações de todos os itens, após a inversão da pontuação
de quatro deles. Quanto mais elevadas são as pontuações finais, mais
patológicas são as respostas parentais. Na presente amostra, o valor de alfa de
Cronbach foi de 0,72, denotando uma boa consistência interna.
Índice de Stress Parental 'Forma Reduzida (ISP-FR; Abidin, 1995; Santos, 2011).
Questionário que pretende medir os níveis de stress associados à relação mãe/
pai-criança. Contém 36 itens cujas respostas são dadas, para quase todos, com
base numa escala de concordância de tipo Likert, com 5 opções de resposta, de 1
(Discordo completamente) a 5 (Concordo completamente). É composto por três
subescalas: Dificuldade Parental, Interação Disfuncional Mãe/Pai-Criança e
Criança Difícil. Quanto mais elevadas são as pontuações (calculadas com base na
soma dos itens que compõem cada dimensão), maiores são os níveis de stress
parental. O alfa de Cronbach variou, na nossa amostra, entre 0,74 (Interação
Disfuncional Mãe/Pai-Criança) e 0,86 (Total), o que atesta a sua boa
consistência interna.
Brief Symptom Inventory 18 (BSI18; Derogatis, 2001). - Questionário que
pretende avaliar a intensidade do sofrimento associado a determinado sintoma
psicossintomatológico, num total de 18. A pessoa deve responder tendo como
referência temporal os últimos sete dias. A escala de resposta é de tipo Likert
e possui cinco alternativas, que oscilam entre 0 (Nada) e 4 (Extremamente). Os
itens organizam-se em três dimensões: Ansiedade, Depressão e Somatização. É
ainda possível calcular o Índice Global de Gravidade (IGG), utilizado no
presente estudo, que corresponde à soma das pontuações de todos os itens,
podendo variar entre 0 e 72. Valores mais elevados indicam maior intensidade de
psicossintomatologia. O alfa de Cronbach na nossa amostra foi de 0,92 (IGG), o
que indica que se trata de um instrumento com boa consistência interna. As
características psicométricas da versão portuguesa do questionário estão
atualmente em estudo pelas autoras deste trabalho.
Procedimento
O presente estudo enquadra-se num projeto intitulado Transição para a
parentalidade em casais com indicação para realizar diagnóstico pré-natal,
aprovado pela Comissão de Ética dos Hospitais da Universidade de Coimbra. A
recolha de amostra decorreu entre setembro de 2009 e março de 2012. Mulheres
com e sem indicação para diagnóstico pré-natal foram contactadas, durante a
gravidez, no dia de uma das consultas de vigilância obstétrica, na Maternidade
Dr. Daniel de Matos. Os investigadores apresentaram os objetivos do estudo e as
pessoas que aceitaram participar na investigação assinaram um documento de
consentimento informado. Foram entregues duas versões (a preencher em separado
pelas mulheres e pelos seus companheiros) do protocolo de avaliação do primeiro
momento (correspondente ao segundo trimestre de gravidez), bem como um envelope
onde deveriam inserir os questionários após preenchidos, entregando-os na
Maternidade Dr. Daniel de Matos numa das consultas posteriores. A investigação
incluiu dois momentos adicionais de avaliação, no primeiro e no sexto mês após
o nascimento do bebé ' nestas duas fases, os questionários foram enviados pelo
correio para a morada indicada pelos participantes, a quem foi solicitado que
preenchesse e devolvesse os questionários, utilizando um envelope previamente
selado e endereçado aos investigadores, fornecido pelos mesmos.
Os dados aqui apresentados correspondem ao último momento de avaliação, tendo
os participantes respondido quando os seus filhos tinham, em média, 6,21 (DP =
0,54) meses de idade. Os critérios de inclusão para o presente estudo
incluíram: idade igual ou superior a 18 anos; nível de literacia que
possibilitasse a compreensão dos questionários; e inexistência de problemas
médicos no bebé. A ordem de apresentação dos questionários foi igual para todos
os participantes (ou seja, ficha de dados sociodemográficos e clínicos, BSI18,
QCP, ISP-FR e PBQ).
Análise de dados
Para o tratamento estatístico dos dados, foi o utilizado o software Statistical
Package for the Social Sciences(SPSS - versão 17) e o software Analysis of
Moment Structures (AMOS ' versão 17). Foram determinadas as médias e os
desvios-padrão no que respeita àscaracterísticas da amostra e às variáveis
contínuas em estudo. Ainda no âmbito das estatísticas descritivas, foram
calculados os valores de assimetria e de curtose para os itens da escala, para
a escala total e para cada um dos seus fatores.O teste de Kolmogorov-Smirnov
foi utilizado para avaliar a normalidade da distribuição das respostas aos
fatores e à escala total. Recorreu-se a testes tde Student (para variáveis
contínuas)e a testes de qui-quadrado (para variáveis categoriais) para proceder
às comparações entre géneros relativamente às variáveis sociodemográficas e às
respostas ao QCP total. Foram realizadas análises fatoriais confirmatórias
(AFC) para avaliar os índices de ajustamento dos modelos em estudo. Foram
calculadas correlações de Pearson entre os itens e a escala total, bem como
entre as pontuações dos vários instrumentos. A consistência interna do
instrumento foi avaliada através do alfa de Cronbach. Para as comparações de
género nos fatores do QCP, recorremos a uma MANOVA de medidas repetidas.
Verificou-se que existiam missings nalgumas variáveis, embora em número
reduzido e aleatoriamente distribuídos. Estes valores foram, no caso dos
questionários, substituídos pela pontuação correspondente à resposta intermédia
da escala.
RESULTADOS
Validade de construto
Atendendo a que, no estudo de adaptação da versão portuguesa do QCP (Nazaré et
al., 2011), o modelo resultante da análise de componentes principais mostrou
não ser sobreponível à estrutura da versão original (Badr, 2005),
correspondendo antes à estrutura apresentada por O'Reilly (citado em Badr,
2005), foram realizadas AFC, com o objetivo de comparar a adequação de ambos os
modelos (compostos por 13 itens).
Byrne (2010) considera necessária a análise de diversos índices de ajustamento,
de forma a avaliar a adequabilidade dos modelos propostos aos dados da amostra.
Tendo por base os critérios apresentados por Marôco (2010), foram selecionados
o c2 (o nível de significância associado deverá ser superior a 0,05), o
Comparative Fit Index (CFI), o Goodness of Fit Index (GFI) ' estes dois índices
deverão ser superiores a 0,90 - o Root Mean Square Error of Approximation
(RMSEA; deverá ser inferior a 0,10) e o Expected Cross-Validation Index (ECVI;
não existem valores de referência que permitam classificar o ajustamento do
modelo, sendo preferível que seja o mais baixo possível).
Como indica o Quadro_2, o modelo de Nazaré et al. (2011) apresenta índices de
ajustamento bons (à exceção do c2, cujo nível de significância não é
considerado desejável, embora possa estar enviesado devido à elevada
sensibilidade deste índice ao tamanho da amostra; Marôco, 2010). Quando
comparado com o modelo da versão original do instrumento (Badr, 2005), o modelo
resultante da análise de componentes principais portuguesa (Nazaré et al.,
2011) revelou-se significativamente melhor (cf. Quadro_2), tendo sido mantido
(cf. Figura_1). Os coeficientes de regressão e a correlação entre os fatores do
instrumento são significativos (p = 0,001).
A realização das AFC permitiu, para além de sustentar as dimensões fatoriais do
instrumento, obter dados relativamente à sua validade de construto. Uma vez que
os itens do questionário se agrupam em fatores teoricamente significativos, é
possível concluir que representam adequadamente o construto que se pretende
avaliar. Adicionalmente, as correlações positivas existentes entre o total da
escala e os respetivos fatores foram estatisticamente significativas, o que
suporta a conclusão de que os fatores avaliam o mesmo construto (cf. Quadro_3;
Almeida & Freire, 2007).
O ISP-FR e o PBQ permitiram proceder ao estudo da validade convergente da
escala. Como referem Almeida e Freire (2007), o teste deve correlacionar
significativamente com outras variáveis com as quais o construto medido pelo
teste deveria, de acordo com a teoria, encontrar-se relacionado (pp. 200-201).
As correlações entre o QCP e estes dois instrumentos revelaram-se
significativas, com uma força tendencialmente baixa ou moderada (Pestana &
Gageiro, 2005), uma vez que os questionários avaliam construtos que se associam
(cf. Quadro_3). Mais especificamente, a confiança parental tende a aumentar à
medida que diminuem os níveis de stress parental e a frequência de respostas
parentais patológicas.
O BSI18 foi utilizado no âmbito do estudo da validade discriminante do QCP, uma
vez que o teste não deve encontrar-se correlacionado com outras variáveis das
quais o construto deveria, em termos teóricos, diferir (Almeida & Freire,
2007, p. 201). De acordo com o que é esperado de um instrumento que mede um
construto diferente, a associação entre os dois instrumentos, quando
significativa, revelou-se muito baixa (Pestana & Gageiro, 2005; cf. Quadro
3), mostrando que o QCP avalia uma variável diferente da psicossintomatologia.
Sensibilidade
Verificou-se que as características distribucionais da escala total e dos três
fatores violam os pressupostos da normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov, cf.
Quadro_4). Relativamente aos valores de assimetria e curtose (cf. Quadro_4), e
atendendo ao critério de 1 que Meyers, Gamst e Guarino (2006) designam como
liberal, apenas podem classificar-se como adequados os valores do Fator 1
(Conhecimento Acerca do Bebé). As respostas à escala total e aos restantes dois
fatores não se organizaram numa distribuição normal, demonstrando uma
distribuição leptocúrtica e tendencialmente assimétrica à esquerda (Marôco,
2007). Contrariamente ao desejável (DeVellis, 2011), a média das respostas
dadas não rondou o valor central das alternativas possíveis (ou seja, o valor
3), tendendo a aproximar-se do extremo superior da escala (cf. Quadro_4).
No que toca às características descritivas dos itens da escala, DeVellis (2011)
refere que, idealmente, o valor médio das respostas deve situar-se em torno da
alternativa de resposta média que, neste caso, corresponde ao valor 3. No
entanto, isto não se verifica para a maioria dos itens (exceto para os itens 2,
3 e 11), que tendem a aproximar-se mais do extremo superior da escala (ou
inferior, no caso do item 10, que deve ser invertido; cf. Quadro_5). Os valores
do desvio-padrão foram, para a maior parte dos itens, inferiores a 1 (à exceção
do item 6; cf. Quadro_5), ponto a partir do qual Carretero-Dios e Pérez (2005)
consideram o desvio-padrão desejável, visto indicar que a maioria dos
respondentes optou pelas alternativas de resposta intermédias da escala,
selecionando com menor frequência as opções situadas nos extremos. Os valores
mínimos registados nas respostas a cada item (cf. Quadro_5) revelam que, em
alguns (especificamente, nos itens 1, 4, 8 e 13), nenhum dos participantes
selecionou as alternativas mais próximas do extremo inferior da escala.
Os valores de assimetria dos itens (cf. Quadro_5) são coerentes com os valores
da medida de tendência central, assumindo, para todos os itens à exceção do 10,
um valor negativo, que significa que a média dos itens tende a afastar-se do
extremo mínimo da escala, aproximando-se antes do seu valor máximo (Marôco,
2007). Os valores de curtose variaram bastante (cf. Quadro_5), com cinco itens
a incluírem-se no intervalo desejável de -0,5 a 0,5, que aponta para uma
distribuição normal das respostas (Marôco, 2007). Para os restantes (excluindo
o item 1, que apresentou uma distribuição platocúrtica), os valores de curtose
denotam uma distribuição leptocúrtica (Marôco, 2007).
Fidelidade
Os índices relativos à consistência interna (alfas de Cronbach) da escala total
e do Fator 1 apresentaram valores situados no intervalo 0,8-0,9 (cf. Quadro_4),
constituindo níveis de fidelidade muito bons (DeVellis, 2011). Os restantes
dois fatores apresentaram valores inferiores, embora tenham ultrapassado o
ponto de corte de 0,65 considerado minimamente aceitável por DeVellis (2011).
As correlações item-total corrigidas excederam o valor recomendado de 0,20 (cf.
Quadro_5), demonstrando a homogeneidade da escala (Streiner & Norman,
2008). Todos os valores do alfa de Cronbach excluindo cada item se situaram
ligeiramente abaixo ou corresponderam exatamente ao valor do alfaquer da escala
total, quer do fator em que o item saturava (exceto o item 8; cf. Quadro_5),
pelo que contribuem para a consistência interna do instrumento (Hill &
Hill, 2005).
Diferenças de género
Foi identificado um efeito multivariado de género significativo (Traço de
Pillai = 0,49, F(3,220) = 70,58, p < 0,001, ?2 = 0,49) nas respostas ao QCP.
Mais especificamente, verificaram-se diferenças de género significativas na
escala total e nos seus três fatores, com as mulheres a apresentar
consistentemente pontuações superiores às dos homens (cf. Quadro_6).
DISCUSSÃO
O QCP é um instrumento de autorresposta que avalia o sentimento de confiança
parental. Este trabalho teve como principal objetivo identificar a estrutura
fatorial do QCP mais adequada aos dados de uma amostra portuguesa. Os estudos
prévios que procuraram estudar a organização dos itens deste questionário
apresentaram resultados inconsistentes, tendo sido propostas duas estruturas
fatoriais: um modelo unidimensional (Badr, 2005) e um modelo trifatorial
(O'Reily, citado por Badr, 2005; Nazaré et al., 2011). Os nossos resultados
identificaram o segundo como constituindo o modelo mais adequado aos nossos
dados.
Desta forma, foi replicada a proposta previamente apresentada por Nazaré et al.
(2011): o primeiro fator, designado Conhecimento Acerca do Bebé (ao qual
O'Reily, citado por Badr, 2005, chamou Conhecimento), refere-se ao nível de
conhecimento que a pessoa perceciona ter acerca do seu bebé, no que toca às
suas necessidades e motivações; o segundo fator recebeu o nome Prestação de
Cuidados ao Bebé (Tarefas, na proposta de O'Reily), dado que engloba itens
relacionados com a perceção de competência relativamente a tarefas específicas
de prestação de cuidados (dar de comer, dar banho, pegar no bebé); por fim, os
últimos quatro itens do questionário compreendem a Avaliação da Experiência de
Parentalidade (designado por O'Reily como Sentimentos), incluindo o grau de
satisfação e de confiança experienciadas pela pessoa no desempenho desse papel.
O estudo dos itens e das características da escala total revelou tratar-se de
um instrumento com bons níveis de fidelidade e de validade, o que permite a sua
utilização tanto na prática clínica como na investigação. É importante referir
o facto de as respostas aos itens não seguirem uma distribuição normal, uma vez
que os respondentes tenderam a selecionar, com maior frequência, as respostas
mais próximas do extremo superior da escala. Crncec et al. (2010), que
apresentaram uma revisão de 36 instrumentos que avaliam a confiança parental,
referem que se trata de uma característica comum à maioria dos questionários
que analisaram. Esta propensão é facilmente compreensível face ao facto de a
confiança parental tender a aumentar com o passar do tempo (Secco et al.,
2002), justificação que Badr (2005) apresenta para explicar os valores não
muito elevados de consistência temporal que os estudos que incluíram a escala
têm revelado (oscilando entre 0,66 e 0,69), em avaliações ocorridas com
intervalos de tempo variáveis entre um e quatro meses. É ainda plausível que as
respostas ao questionário tenham sido influenciadas pela desejabilidade social,
ou seja, pela vontade da pessoa de transmitir uma imagem de si que seja
positivamente valorizada pela sociedade (DeVellis, 2011).
A revisão de instrumentos que focam a confiança parental, da autoria de Crncec
et al. (2010), permitiu concluir que nenhum deles fora desenvolvido pensando
especificamente na população masculina. Apesar disso, alguns dos questionários
que os autores avaliaram são considerados válidos para utilização em amostras
de homens. Que tenhamos conhecimento, apenas Yeni (citado por Badr, 2005)
utilizou o QCP numa amostra de mulheres e de homens, embora não seja feita
referência a comparações de género na resposta ao instrumento. Os nossos
resultados mostram que as mulheres tendem a percecionar mais confiança nas suas
competências parentais, o que vai ao encontro dos dados de Hudson, Elek e Fleck
(2001). Estes autores avaliaram a perceção de autoeficácia na prestação de
cuidados ao bebé em 44 casais primíparos, algumas semanas após o nascimento do
bebé. Para os autores, as diferenças encontradas devem-se ao maior número de
oportunidades (proporcionadas pela licença de maternidade) de que as mulheres
dispõem para estar com os filhos e, consequentemente, para treinar as suas
competências na prestação de cuidados ao bebé. Também Nazaré et al. (2012)
identificaram diferenças de género significativas na interação com o bebé, com
os homens a manifestar respostas patológicas para com o bebé com uma frequência
significativamente superior às mulheres. Como alguns estudos (inclusivamente o
presente estudo) têm mostrado, a confiança parental e o grau de disfunção das
práticas parentais tendem a associar-se negativamente (Morawska & Sanders,
2007; Nazaré et al., 2012), o que se pode explicar pela perceção que os
indivíduos têm do bebé ' mais especificamente, quanto menor a confiança
parental, mais provável é que o temperamento do bebé seja percebido como
difícil (Zarh, 1991), o que parece ser mais frequente entre os homens (Edhborg,
Matthiesen, Lundh, & Widström, 2005) e pode originar respostas parentais
menos adaptativas.
Atendendo a que, aquando da validação de um instrumento, se pretende
determinar, da forma mais completa e clara possível, aquilo que o questionário
permite de facto medir (visto que, como sublinham Almeida & Freire, 2007,
os construtos não são diretamente observáveis, podendo, para além disso, ter
diversas definições), consideramos pertinente a realização de mais estudos que
permitam atingir esse objetivo (até porque, de acordo com os mesmos autores, a
intenção de avaliar exatamente o que o teste mede é um processo contínuo e
infindável), nomeadamente através da utilização do QCP em diferentes grupos.
Assim, e a título de exemplo, seria importante atestar a capacidade do
instrumento para discriminar grupos teoricamente diferentes neste domínio
(e.g., mães/pais adolescentes; mães/pais de bebés com problemas médicos; mães/
pais sem outros filhos).
Por fim, é importante voltar a sublinhar a relevância clínica do sentimento de
confiança parental, essencial para que o papel parental seja vivido de forma
adaptativa e gratificante. Considerando que baixos níveis de confiança parental
poderão prejudicar a interação pais-bebé, a promoção do sentimento de
competência parental, tanto em mulheres como em homens, revela-se muito
pertinente. Consistentemente, Olafsen et al. (2007) aconselham a que a
avaliação desta variável aconteça logo no período neonatal, pois consideram que
a existência de baixos níveis de confiança parental pode traduzir uma
vulnerabilidade que deve ser rapidamente colmatada. A este respeito, importa
referir que a versão original do QCP já foi utilizada enquanto medida da
eficácia de intervenções clínicas em amostras diversas (incluindo grupos
clínicos - mães de bebés prematuros ou com doenças cardíacas congénitas - e
comunitários - mães primíparas), sendo que, numa revisão feita por Badr (2005)
contemplando nove estudos, foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas entre o grupo de controlo e o grupo alvo de intervenção,
favoráveis a este último, em sete das investigações realizadas. Estes dados
mostram que a confiança parental é um sentimento passível de ser promovido
através de treino e/ou de formação, tanto na modalidade presencial (Badr, 2005)
como em programas desenvolvidos através da Internet (Kuo et al., 2009). Com
base nestes dados, podemos concluir que o QCP é um instrumento de grande
utilidade clínica.