Avaliação do processamento fonológico e da compreensão em crianças com phda
ABSTRACT
The vast number of comorbid disorders associated with Attention Deficit
Hyperactivity Disorder (ADHD) sheds a light over the need to reconsider the
assessment protocols of children with this diagnosis, in what comorbid
neuropsychological disorders, and language difficulties are concerned. This
investigation aimed to assess ADHD's impact on language, on the phonological
processing and comprehension domains, using the portuguese version of the
Psycholinguistic Assessments of Language Processing in Aphasia (PALPA-P). Its
usefulness in clinical practice and discriminative power were also assessed.
Thirty-seven ADHD children were compared to 67 children from a control group,
in terms of their performance in selected PALPA-P subtests. The results suggest
that ADHD children show greater deficits in language tasks, particularly on
phonological processing and comprehension tasks. This is a pioneer study in
Portugal, on ADHD children assessment, using the PALPA-P test battery. The
results show the test battery's clinical value, as well as its discriminative
power, for the comprehensive assessment of these children.
Keywords- ADHD, PALPA-P, Learning Disabilities, Language Impairments,
phonological processing, comprehension.
A Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (PHDA) é o distúrbio
neuropsiquiátrico mais frequentemente diagnosticado na infância, estimado em 3
a 7% das crianças em idade escolar, mais frequente em rapazes do que em
raparigas, na relação de 3:1, de acordo com o DSM-IV-TR (American Psychiatric
Association, APA, 2002).
A PHDA caracteriza-se por um padrão persistente de falta de atenção e/ou
impulsividade-hiperatividade, com uma intensidade superior à observada
habitualmente em indivíduos com um nível semelhante de desenvolvimento (APA,
2002). As características desatenção, agitação psicomotora e impulsividade
podem variar em maior ou menor grau, de acordo com o subtipo: predominantemente
desatento, predominantemente hiperativo/ impulsivo ou combinado (APA, 2002).
A comorbilidade entre a PHDA e outros distúrbios neuropsiquiátricos está bem
documentada (Pliszka, 1998), como é o caso da presença de alterações da
linguagem em crianças com PHDA (Cantwell, 1996; Love & Thompson, 1988;
Miranda-Casas, Ygual-Fernández, Mulas-Delgado, Roselló-Miranda, & Bó, 2002;
Smalley, 1997; Tannock & Schachar, 1996).
A associação entre PHDA e problemas da linguagem tem sido abordada em vários
estudos e sob várias perspetivas. Alguns estudos sugerem que as crianças com
PHDA apresentam um atraso na aquisição da linguagem, em 30 a 35% dos casos
(Barkley, 2006). Para outros autores a percentagem de crianças com problemas ao
nível da linguagem é de 35 a 50% (Baker & Cantwell, 1992; Beitchman, et
al., 2001; Tannock & Schachar, 1996). Por outro lado, o estudo de Snowling,
Bishop, Stolhard, Chipcase e Kaplan (2006) demonstrou uma maior incidência de
défice de atenção e problemas de interação social em adolescentes com
antecedentes de atraso da linguagem, à data do ingresso na escolaridade.
De facto, a presença de sintomas de PHDA, na idade pré-escolar, pode ter um
impacto negativo em vários aspetos do desenvolvimento da linguagem,
nomeadamente ao nível da consciência fonológica, como revela um estudo de
Agapitou e Andreou (2008), dificuldades que constituem um precursor da
Dificuldade Específica de Aprendizagem da Leitura, em idade escolar.
O elevado número de comorbilidades na PHDA obriga a uma reavaliação da prática
clínica, quanto à metodologia de avaliação das crianças com PHDA e ao rastreio
de perturbações neuropsicológicas associadas, nomeadamente no âmbito da
linguagem. Neste sentido, face à necessidade premente de desenvolver estudos
sobre as competências e défices da linguagem em crianças portuguesas com
diagnóstico de PHDA, o presente trabalho teve como objetivos: (a) avaliar o
impacto que esta perturbação tem ao nível da linguagem, na área do
processamento fonológico e da compreensão; (b) avaliar a utilidade clínica e o
poder discriminativo das provas utilizadas da Bateria PALPA-P, na avaliação de
crianças com PHDA.
MÉTODO
Participantes
A amostra de crianças com diagnóstico de PHDA é uma amostra não probabilística
por conveniência e foi selecionada a partir da consulta de processos clínicos,
das crianças em seguimento na Consulta de Neurodesenvolvimento da Unidade
Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança, do Centro Hospitalar de São João
(CHSJ), no período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010.
Foram selecionadas 37 crianças com PHDA, com idades compreendidas entre os seis
e os 11 anos. Todas as crianças com PHDA cumpriam critérios de diagnóstico de
acordo com a DSM IV-TR. Foi considerado critério de exclusão, no grupo com
PHDA, o início de medicação específica há mais de 12 meses e a coexistência de
outros comprometimentos clínicos tais como, défice auditivo, défice visual sem
correção, deficiência mental e outras patologias psiquiátricas e/ou
neurológicas. O grupo controlo é constituído por 67 crianças sem PHDA. Estas
crianças frequentavam uma escola do distrito do Porto, com nível de
escolaridade do primeiro ao quarto ano.
A amostra foi constituída por 104 crianças do Distrito do Porto, todas elas
provenientes de meios urbanos, das quais 37 (35,6%) apresentavam diagnóstico
clínico de PHDA e 67 (64,4%) constituíram o grupo controlo e foram recrutadas
numa escola do ensino básico, não apresentando qualquer patologia. As crianças
tinham idades compreendidas entre os seis e os 11 anos (8,03±1,19), sendo que
53 (51%) pertencem ao sexo masculino e 51 (49%) ao sexo feminino. No que
concerne à escolaridade, foram avaliadas crianças entre o 1º ano e o 6º ano de
escolaridade. A distribuição das crianças pelos vários grupos sociodemográficos
pode ser consultada no Quadro_1.
A idade da mãe (38,69±4,09) e do pai (41,16±4,99) também foram consideradas,
bem como a sua escolaridade e consequente nível sociocultural de cada família.
Estes dados podem ser consultados no Quadro_2.
Material
A utilização de questionários de comportamento, como complemento ao processo de
diagnóstico da PHDA, é um procedimento recomendado por entidades internacionais
de referência na PHDA, como por exemplo, a American Academy of Child and
Adolescent Psychiatry (2007) e o European Network for Hyperkinetic Disorder
(Taylor, et al., 2004). Para o efeito, foi utilizado no estabelecimento do
diagnóstico o Questionário de Conners ' Revisto (EC-R), versões para pais e
professores (Rodrigues, 2000).
O potencial intelectual das crianças com PHDA foi avaliado com recurso à
adaptação portuguesa da WISC-III (Simões, Rocha, & Ferreira, 2003) ou,
noutros casos, às Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR). Todas as
crianças com PHDA apresentaram resultado nas MPCR igual ou superior ao
percentil 25 (Simões, 2000) ou QI na Escala WISC-III igual ou superior a 85.
Para avaliação da linguagem, foram aplicadas provas selecionadas da bateria de
avaliação da linguagem e da afasia em português (PALPA-P), incluídas nos
subgrupos de processamento fonológico e compreensão, a todas as crianças. Não
existem estudos no nosso país com utilização desta bateria em indivíduos com
PHDA. A PALPA-P descende da PALPA, Psycholinguistic Assessments of Language
Processing in Aphasia, em que o processamento da linguagem é examinado em
inglês. Tem subjacente o modelo neuropsicológico de linguagem definido por Kay,
Lesser e Coltheart (1992).
A PALPA-P reúne um conjunto de 60 tarefas, para avaliar fina e
diferenciadamente quatro aspetos principais da linguagem: (a) processamento
fonológico; (b) leitura e escrita; (c) compreensão de frases; e (d) semântica
de palavras e imagens. De todas as provas da bateria PALPA-P, foi selecionado
um grupo de provas, passíveis de serem aplicadas a crianças com as idades
definidas neste estudo e que permitissem a avaliação do processamento
fonológico (provas 5 ' Decisão Lexical Auditiva, Imaginabilidade e Frequência ;
8 - Repetição de Pseudopalavras; e 13 - Amplitude de Memória de Dígitos) e da
compreensão (provas 47 - Emparelhamento Palavra Falada-Imagem; 58 - Compreensão
Oral de Relações Locativas; e 60 - Amplitude de Memória de Sequências
Substantivo-Verbo).
Procedimento
Foi obtida a aprovação da Comissão de Ética do CHSJ para a realização desta
investigação e todos os pais das crianças que participaram no estudo assinaram
depois o Termo de Consentimento Livre e Informado. No que se refere às crianças
com PHDA, o contacto foi efetuado via telefónica, tendo sido apresentada uma
explicação sucinta dos objetivos da investigação e agendada a avaliação. Foi
solicitado que, nesse dia, as crianças não fossem medicadas com o
psicoestimulante prescrito. O questionário sociodemográfico foi preenchido
pelos pais das crianças com PHDA, no dia da avaliação hospitalar.
Quanto ao grupo de controlo, após a seleção da escola, os professores das
turmas dos alunos que seriam incluídos foram contatados e foi apresentada a
investigação, tendo sido entregue o EC-R: versão para professores. No primeiro
encontro com os alunos, foram entregues o questionário sociodemográfico e o EC-
R: versão para pais. O EC-R foi respondido por pais e professores de todas as
crianças, incluindo as do grupo controlo, a fim de evitar a inclusão de
crianças com PHDA não diagnosticadas. As crianças com PHDA apresentaram
pontuação igual ou superior a um desvio-padrão no Índice de PHDA (equivalente
ao Percentil 85), simultaneamente nas versões para pais e professores.
Todos os testes foram aplicados pela investigadora principal (pediatra do
Neurodesenvolvimento) e pelos psicólogos envolvidos no projeto. O grupo de
crianças com PHDA foi avaliado em consultas hospitalares de Psicologia ou
Neurodesenvolvimento. As crianças do grupo controlo foram avaliadas no seu
estabelecimento de ensino, em sala destinada ao efeito, individualmente e em
ambiente tranquilo.
As escolaridades foram agrupadas de acordo com o nível expectável das
aprendizagens. Assim, as crianças com o 1º e 2º ano de escolaridade constituem
um grupo e as crianças com o 3º, 4º e 5º ano constituem outro. O nível sócio-
cultural (NSC) da amostra foi calculado com base na média de escolaridade dos
pais (do 4º ao 9º ano - NSC baixo; de 10º ano a Bacharelato - NSC médio;
Licenciatura/Doutoramento - NSC alto).
A análise estatística foi realizada através do software Statistical Package for
Social Sciences (SPSS). A comparação dos resultados obtidos, nas provas de
linguagem aplicadas, foi efetuada com recurso aos procedimentos estatísticas
adequados. O teste t, utilizado para comparar variáveis paramétricas, foi
utilizado para calcular as diferenças entre o grupo PHDA e o grupo controlo. As
diferenças foram consideradas significativas a um intervalo de confiança de 95%
(nível de significância de 5%) com uma probabilidade de erro (p) inferior a
0,05.
Foi testado um modelo de regressão logística, tendo a presença ou ausência de
PHDA como variável dependente, em que foram incluídas todas as co-variáveis com
significância estatística na análise univariada. A regressão logística cria um
modelo que explica a relação entre duas variáveis e permite estimar o risco de
um indivíduo apresentar determinada patologia ou dificuldade (Kleinbaum &
Klein, 2010). Para avaliar a capacidade do modelo prever o diagnóstico,
realizou-se o teste de Hosmer-Lemeshow (goodness-of-fit).
Também foi utilizada a curva Receiver Operating Characteristic (ROC),
procedimento que permite avaliar a qualidade diagnóstica de determinado
instrumento ou teste. Este avalia a eficácia de uma medida para discriminar
entre diferentes categorias de sujeitos (Pintea & Moldovan, 2009). Este
procedimento dá origem a um valor designado área sob a curva, que deve estar
acima de 0,50. Quanto mais alto este valor, maior o poder discriminativo da
medida (Pintea & Moldovan, 2009; Streiner & Cairney, 2007).
RESULTADOS
Diferenças entre o Grupo PHDA e o Grupo de Controlo
As diferenças entre o grupo PHDA e o grupo controlo foram analisadas. Os
resultados são apresentados no Quadro_3.
Como se pode verificar, foram encontradas diferenças significativas entre os
dois grupos, para a maioria das provas aplicadas. Pela análise das médias de
erro em cada grupo (cf. Quadro_3 e Figura_1), verifica-se que aquelas que
correspondem a crianças com PHDA são geralmente mais altas, comparativamente às
do grupo controlo. Tal não acontece para as provas 13 e 60 uma vez que, neste
caso, são contabilizados os acertos.
Na prova 5, cujos resultados são apresentados em termos de médias percentuais
de erros, apesar de, globalmente, as crianças com PHDA errarem mais
frequentemente do que o grupo controlo em todos os subtestes, é no
reconhecimento de palavras de baixa imaginabilidade bem como na identificação
de não palavras como tal que se verifica um desempenho significativamente
inferior no grupo com PHDA. Na prova 8, cujos resultados são apresentados em
termos de médias percentuais de erros, o grupo com PHDA apresentou pior
desempenho na repetição de pseudopalavras, independentemente da sua extensão.
Na prova 13, cujos resultados são apresentados em termos de total de acertos
(amplitude), as crianças com PHDA demonstraram dificuldades significativamente
superiores quer a repetir sequências de dígitos quer em reconhecer duas
sequências apresentadas como iguais ou diferentes. Na prova 47, cujos
resultados são apresentados em termos de médias percentuais de erros, as
crianças com PHDA, mostraram mais confusão em imagens que representam
conceitos semânticos com relação, mas distante. Relativamente aos erros
semânticos próximos ocorreram em todas as crianças, quer grupo com PHDA quer
grupo controlo. Por outro lado ocorreram menos erros em todas as crianças no
caso dos distratores visuais e sem relação. A prova 58, permitiu demonstrar
maior dificuldade das crianças com PHDA na compreensão de preposições e
advérbios de lugar em frases (resultados apresentados em termos de médias
percentuais de erros). A prova 60,cujos resultados são apresentados em termos
de total de acertos (amplitude), demonstrou menor número de respostas certas
para as crianças com PHDA, na identificação de sequências de palavras faladas,
apontando imagens correspondentes.
Neste sentido, crianças com PHDA tendem a apresentar mais dificuldades em
tarefas de processamento fonológico e de compreensão (cf. Figura_1 e Figura_2).
Como é possível constatar no Quadro_4, as provas de processamento fonológico e
compreensão significativamente preditivas das competências linguísticas de
crianças com PHDA são a 5 ' baixa imaginabilidade, a 8 (1 e 3 sílabas), 13 '
amplitude de repetição, 47 ' semânticos distantes e 58 (inanimados e outros).
Assim, a cada aumento no número de erros nestas provas, associa-se um aumento
da probabilidade do diagnóstico ser, efetivamente, PHDA.
Para avaliar a capacidade de estas provas preverem o diagnóstico, é necessário
atentar nos testes de ajustamento do modelo. Assim, de acordo com o teste Wald,
verifica-se que o valor do teste p é significativo para todas provas.
Para avaliar a capacidade do modelo prever o resultado do diagnóstico,
realizou-se o teste de Hosmer-Lemeshow. Neste caso, obtivemos um valor de p não
significativo (p=0,738), sugerindo que o modelo em questão parece ser adequado
(as pontuações nas referidas provas do PALPA-P são adequadas para prever o
diagnóstico).
Pela análise da curva ROC (cf. Figura_3), é possível inferir a capacidade de
discriminação do modelo, sendo que o modelo em questão apresenta uma capacidade
discriminativa aceitável (área sob a curva=0,90).
DISCUSSÃO
A co-ocorrência entre PHDA e défices ao nível da linguagem é bem conhecida e o
seu estudo tem vindo a intensificar-se, nos últimos anos, principalmente no que
diz respeito às suas repercussões neuropsicológicas. De facto, já há muito que
a PHDA deixou de ser considerada uma mera perturbação do comportamento, para
ser vista como uma perturbação que implica vários défices neuropsicológicos
(Carte, Nigg, & Hinshaw, 1996). Assim, parece lógica a avaliação das
funções neuropsicológicas destas crianças, particularmente no que concerne
àquelas que regulam a linguagem, uma área de funcionamento ainda pouco clara.
A necessidade deste estudo torna-se ainda mais proeminente quando se considera
que a linguagem das crianças portuguesas com PHDA não tem sido alvo de
avaliação e caracterização.
No presente estudo, verificou-se que crianças com PHDA têm mais dificuldades
nas provas 5 (palavras com baixa imaginabilidade e pseudopalavras), 8
(repetição de 1, 2 e 3 sílabas), 13 (repetição e emparelhamento), 47 (erros
semânticos distantes), 58 (animados, abstratos, inanimados, invertidos e
outros) e 60.
Com a prova 5, procurou-se avaliar a decisão lexical auditiva, que exige a
intervenção do loop fonológico1 na identificação e discriminação de conjuntos
de cadeias de sons, que depois serão avaliados pelo conhecimento lexical, para
identificar a cadeia de sons como palavra ou pseudopalavra. Estudos
demonstraram que este tipo de prova sofre um efeito da escolaridade, ainda que
ligeiro (Naito, Uessugue, Cabral, Radanovic, & Mansur, 2008). Na prova 5,
esperavam-se mais erros nas palavras com baixa frequência e baixa
imaginabilidade, erros mais frequentes em crianças pequenas e com escolaridade
mais baixa. No caso do presente trabalho, encontraram-se, diferenças
estatisticamente significativas nos grupos PHDA/controlo ao nível da baixa
imaginabilidade, ou seja na identificação de palavras mais subjetivas e que
portanto será mais difícil para a criança reconhecer pelo significado, uma vez
que estão na dependência da aquisição de um léxico abstrato (Crutch &
Warrington, 2005). A imaginabilidade está correlacionada com a idade de
aquisição, ou seja, palavras abstratas são aprendidas numa fase mais tardia da
vida, ao contrário de palavras concretas (Ralph & Ellis, 1997). O facto de
não se encontrarem diferenças ao nível da baixa frequência terá relação com a
idade e nível de escolaridade de todas as crianças, que implica um
desconhecimento natural de um número considerável de palavras apresentadas.
No que se refere à prova 8, sabe-se que as dificuldades na repetição de
pseudopalavras podem dever-se a défices no buffer fonológico2 de saída e/ou na
discriminação e análise auditiva. Como a repetição de pseudopalavras pode
depender da memória fonológica a curto prazo, podem também notar-se
dificuldades em circunstâncias que a comprometam. Observam-se melhores
resultados com o aumento da idade. O pior desempenho do grupo com PHDA na
repetição de pseudopalavras, independentemente da sua extensão, realça a
dificuldade destas crianças em manter a atenção sustentada numa tarefa bem como
a menor capacidade de recodificação fonética na memória de trabalho (Roth &
Schneider, 1998). Diferentes estudos anteriores realçam o comprometimento de
vários domínios da atenção. De entre os domínios mais referidos, os défices na
atenção sustentada parecem ser os mais pronunciados e caracterizar a maior
parte das crianças com PHDA (Johnson, et al., 2007; López-Campo, Gómez-
Betancur, Aguirre-Acevedo, Puerta, & Pineda, 2005). Os défices na atenção
sustentada traduzem-se num padrão de resposta mais lento e caracterizado por um
maior número de erros e lacunas.
No que concerne à prova 13, dificuldades nestas tarefas podem dever-se a
problemas no buffer fonológico de entrada ou de saída. Nesta prova, as crianças
com PHDA demonstraram dificuldades significativamente superiores quer a repetir
sequências de dígitos quer em reconhecer duas sequências apresentadas como
iguais ou diferentes. Os défices ao nível da memória de trabalho e de atenção
sustentada podem explicar as maiores dificuldades observadas nestas tarefas. De
facto, a capacidade para reter informação na memória a curto prazo depende da
idade, sendo que, em média, uma criança de sete anos e um adulto conseguem
reter sete fragmentos de informação (Ringoen, 1999a). Problemas ao nível desta
competência parecem causar dificuldades comportamentais e de aprendizagem,
nomeadamente para a leitura (Ringoen, 1999a). Isto acontece porque a fonética
constitui um sistema de aprendizagem auditiva, sendo necessária memória
auditiva a curto prazo suficiente para a aprendizagem, utilização e compreensão
da leitura, através do método fonético (Ringoen, 1999b). Para que seja capaz de
utilizar realmente a fonética, em vez de memorizar apenas alguns sons
individuais, a criança deve ter uma amplitude de memória auditiva a curto prazo
de seis. Caso contrário, a criança poderá ser capaz de expressar o som dos
fonemas e juntar alguns para formar palavras, mas terá dificuldade em
compreender o que leu (Ringoen, 1999b). Por outro lado, em crianças com PHDA, o
fator atenção tem também um papel limitativo no desempenho.
Quanto à prova 47 (emparelhamento de palavra falada e imagem), era esperado um
maior número de erros na identificação dos distratores semânticos próximos e
semânticos próximos visuais. Erros semânticos próximos indicam um défice
semântico relativamente específico (exemplo: cão/gato); erros semânticos
distantes sugerem um défice semântico mais generalizado (exemplo: lua/estrela);
se predominarem erros semânticos com parecença visual tal indica que o défice
pode ter uma componente percetiva. Outro indicador de possíveis problemas
percetivos é a tendência para escolher distratores visuais (exemplo: mangueira/
cobra). As crianças com PHDA, mostraram mais confusão em imagens que
representam conceitos semânticos com relação, mas distante o que sugere que
estas crianças têm dificuldades em aceder à informação semântica, de forma
generalizada, quando a informação é recebida de forma auditiva. A impulsividade
nas respostas e o impacto da desatenção no processamento da informação recebida
poderão justificar as dificuldades observadas no grupo com PHDA.
Na prova 58 (compreensão oral de relações locativas), o grupo com PHDA
demonstrou, de forma geral, maior dificuldade na compreensão de preposições e
advérbios de lugar inseridos em frases. Uma vez que para cada frase enunciada
são apresentadas quatro imagens possíveis, a dispersão da atenção e a
impulsividade nas respostas poderão justificar as diferenças encontradas entre
os grupos PHDA e controlo. A presença de défices em medidas de avaliação da
memória visuo-espacial a curto prazo foi igualmente observada noutras
investigações como é o caso do estudo de Jakobson e Kikas (2007).
Por fim, a prova 60 avalia a compreensão e a capacidade de armazenamento
fonológico a curto prazo e permite identificar dificuldades na memória a curto
prazo e atenção sustentada, nas crianças com PHDA. De facto, esta prova como as
anteriores provas 8 e 13 permitem identificar défices na memória verbal e
visual a curto prazo. Pineda, Ardila e Rosselli (1999), em testes de avaliação
da memória verbal e não-verbal, encontraram também diferenças entre os
desempenhos de 62 crianças com PHDA, com idades compreendidas entre os sete e
os 12 anos, e os controlos, no número de ensaios necessários para reter a
informação, sugerindo que os problemas de memória na PHDA não se situam ao
nível do armazenamento ou evocação, mas na fase inicial de memorização
(retenção), fase essa em que a atenção tem um papel fundamental.
Em resumo, pela observação do Quadro_5, constata-se que as provas utilizadas da
bateria PALPA-P possuem grande potencial na identificação de dificuldades
específicas na PHDA. Este facto foi corroborado através dos resultados da
regressão logística. Através desta, foi possível identificar as provas com
maior poder discriminativo das dificuldades de crianças com PHDA, que podem ser
utilizadas para identificar défices específicos e reforçar o diagnóstico.
Como não existem exames imagiológicos ou laboratoriais que permitam confirmar o
diagnóstico de PHDA, diversos autores têm investigado os défices
neuropsicológicos desta população, com vista à definição de um perfil de
desempenho cognitivo caracterizador destas crianças que, uma vez encontrado,
permitiria validar o diagnóstico clínico.
No entanto, os testes neurocognitivos utilizados no exame da PHDA parecem ser
dotados de forte sensibilidade, mas de reduzida especificidade (Pineda, et al.,
2007), pelo que a validade discriminativa das provas cognitivas na PHDA é
significativamente inferior à que se obtém com questionários de comportamento
(Jakobson & Kikas, 2007; López-Campo, et al., 2005; Pineda, et al., 1999).
No estudo de Pineda e colaboradores (1999), os questionários de comportamento
permitiram classificar corretamente 100% dos participantes, enquanto as medidas
neuropsicológicas apenas classificaram corretamente cerca de 85% dos mesmos.
Ainda assim, é inegável o importante papel que a avaliação neuropsicológica
desempenha ao identificar áreas de maior e menor dificuldade de cada indivíduo
permitindo, com base nessa informação, delinear estratégias de intervenção mais
individualizadas e ajustadas às características identificadas (Pineda, et al.,
2007).
Já Bruce, Thernlund e Nettelbladt (2006) havia afirmado que alterações da
linguagem e da comunicação estão associadas às características centrais da
PHDA. Esta associação é tão forte que certos autores afirmam que talvez seja
útil a constituição de um novo subgrupo subjacente à PHDA, em que os critérios
das duas perturbações estão incluídos (Riccio & Jemison, 1998).
Em conclusão, os resultados obtidos no presente trabalho permitiram verificar
que crianças com PHDA apresentam défices significativos em tarefas de linguagem
no domínio do processamento fonológico e da compreensão. A integração destas
áreas no protocolo de avaliação de crianças com diagnóstico de PHDA é de
extrema importância, dado que dificuldades deste tipo poderão contribuir para
as dificuldades de aprendizagem muitas vezes apresentadas por estas crianças.
Este é o primeiro estudo realizado em Portugal que utilizou provas da bateria
PALPA-P para a avaliação de crianças com PHDA. Os resultados evidenciam a
utilidade clínica e o poder discriminativo das provas da PALPA-P, na avaliação
complementar de crianças com PHDA. Verificou-se que algumas provas utilizadas
são suficientes para prever a probabilidade de o diagnóstico ser, efetivamente
PHDA. No entanto, não se aconselha a utilização destas provas, por si só, para
fazer um diagnóstico. Estas podem, sim, ser utilizadas para complementar um
diagnóstico já realizado, seguindo o protocolo estabelecido. Permite-se, assim,
a complementação da avaliação compreensiva da criança com PHDA.