Versão portuguesa do questionário de pensamentos automáticos-revisto: relação
com sintomatologia depressiva em adolescentes
Os processos cognitivos têm um papel central não só na etiologia e manutenção
da depressão, como também no seu tratamento e remissão (p.e., Abramson,
Metalsky & Alloy, 1989; Alloy, 1988; Beck, 1987). Os pensamentos
automáticos negativos são considerados como essenciais para a depressão, na
medida que ajudam a manter o humor depressivo (Beck, 1963; Beck, Rush, Shaw,
& Emergy, 1979; Moore, & Garland, 2003). Baseados no modelo cognitivo
para a depressão em adultos de Beck (Beck, 1963; Beck et al., 1979), Hollon e
Kendall (1980) desenvolveram um questionário que identifica as frases/
pensamentos principais indicadas por pacientes deprimidos como sendo
representativos das cognições experienciadas. Apesar de já terem sido
desenvolvidos alguns questionários com o intuito de avaliar pensamentos
automáticos (ver revisão por Glass, & Arnkoff, 1997), o Questionário de
Pensamentos Automáticos (QPA-30; Automatic Thoughts Questionnaire ATQ-30,
Hollon & Kendall, 1980) e a sua versão revista são as medidas mais
utlizadas relativamente a cognições depressogénicas. O Questionário de
Pensamentos Automáticos Revisto, acrescenta aos pensamentos automáticos
negativos que constituem o QPA-30, uma dimensão positiva das cognições
constituída por 10 pensamentos positivos, de modo a aumentar a capacidade do
questionário em discriminar a depressão da ansiedade (Kendall et al., 1989),
visto que a ausência de cognições e variáveis afectivas positivas caracteriza a
depressão, distinguindo-a da ansiedade (p.e., Nelson, & Craighead, 1977;
Hollon, & Kendal, 1980; Harrel & Ryon, 1983; Kendall et al., 1989).
Kendall et al. (1989) testaram a hipótese de os pensamentos positivos e
negativos estarem diferenciadamente associados com a psicopatologia e
concluíram que, ao incluir pensamentos positivos numa versão revista do
questionário, o efeito preditivo relativamente à depressão aumentou
significativamente.
Assim, o QPA-R surge como um instrumento especialmente útil na identificação da
depressão e relativamente independente da presença de perturbações de ansiedade
(Kendall et al., 1989). É uma medida de auto-resposta que avalia a frequência
em que ocorrem os pensamentos automáticos relativos à depressão. Consiste em 40
itens que medem a frequência da ocorrência de pensamentos automáticos negativos
(negative self-statements) e pensamentos automáticos positivos (positive self-
statements), ou seja, cognições intrusivas associadas à depressão. Estes
pensamentos (i.e., I'm worthless, I wish I were somewhere else) são cotados
numa escala de likert de 5 pontos, medindo a frequência com que o pensamento
ocorreu na semana anterior. As cotações variam entre 1 (nunca) e 5 (sempre).
O número de estudos que reportaram as propriedades psicométricas do QPA-R é
muito pequeno e, devido ao fato dos autores originais do questionário (Kendall
et al., 1989) considerarem que as propriedades psicométricas deste questionário
são comparáveis às do questionário original (QPA-30), os estudos que se
reportam ao QPA-R analisam esta escala em termos de consistência interna e
correlações com outras medidas referindo-se ao total dos 30 itens negativos que
também constituem o QPA-30 e aos 10 itens positivos acrescentados na sua versão
revista (QPA-R), usando o questionário como sendo constituído por duas
subescalas. Burgess e Haaga (1994) encontraram uma consistência interna alta de
0,91 para os 10 itens positivos acrescentados no QPA-R num grupo de estudantes.
O mesmo estudo encontrou valores de correlação elevados (0,78) para o total de
30 itens negativos com o Beck Depression Inventory (BDI; Beck et al., 1979) e
uma correlação negativa (-0,53) dos 10 itens positivos com este questionário.
Também num estudo de McGillivray e McCabe (2007), os resultados do QPA-R foram
reportados como significativamente correlacionados (0,72) com o BDI. Donnelly,
Renk, Sims e McGuire (2011), num estudo com estudantes universitários,
encontraram também uma consistência interna adequada para o questionário (alfa
de Cronbach de 0,84 para os itens positivos e de 0,95 para os itens negativos).
Num estudo de Brinthaupt, Hein e Kramer (2009) com estudantes universitários,
foi encontrada uma elevada consistência interna para o total do instrumento (a
= 0,88), assim como para os itens positivos (a= 0,87) e negativos (a= 0,95).
Também uma versão Japonesa do QPA-R, testada em estudantes universitários
(Kodama, Katayanagi, Shimada, & Sakano, 1994) revelou um alfa de 0,94 para
os itens negativos e um alfa de 0,88 para os itens positivos. Foi também
efetuado um estudo transcultural que examinou a estrutura dos pensamentos
automáticos e a sua relação com o Young Adult Self-Report (YASR; Achenbach,
1997) em estudantes universitários Americanos e estudantes universitários
Espanhóis. Os autores encontraram uma elevada consistência interna para os
itens positivos e negativos nas duas culturas com valores de alfa de 0,87 para
os itens positivos e 0,95 para os itens negativos nos estudantes da América; e
valores de alfa de 0,90 para os itens positivos e 0,94 para os itens negativos
nos estudantes Espanhóis. Este estudo revelou ainda fortes correlações (0,70)
entre os pensamentos automáticos negativos e problemas afectivos medidos pelo
YASR (Achenbach, 1997) e uma correlação negativa entre os pensamentos positivos
e problemas afectivos (-0,49). Em Portugal, o único estudo que utilizou o QPA-
R, traduziu o instrumento e aplicou-o numa população clínica de adultos com
Depressão Major (Borralha, 2011), tendo o autor obtido um alfa de 0,91 para os
itens negativos que compõem o QPA-R, e um alfa de 0,94 para os itens positivos.
Relativamente à análise fatorial desta escala, não foi encontrado nenhum estudo
que procedesse à análise da estrutura do QPA-R. Dos inúmeros estudos que citam
as propriedades psicométricas do QPA-30, encontramos vários, incluindo os
autores originais, que se reportam à análise fatorial da escala. No entanto,
uma revisão extensiva destes estudos revelou-nos que os resultados destas
análises são muito inconsistentes e que, apesar de muitos autores encontrarem
mais do que um fator na escala, a maioria dos estudos indicam que a escala de
30 itens pode ser tratada como tendo um único fator (Netemeyer et al., 2002).
De facto, apesar dos autores originais terem identificado 4 fatores na escala
(Hollon, & Kendall, 1980), estudos posteriores encontraram inúmeras
variações nos itens que compõem cada fator, sendo que em amostras não clínicas
foram encontrados dois fatores em dois estudos diferentes (Chioqueta, &
Stiles, 2004; Joseph, 1994). Como consequência, independentemente do número de
fatores encontrados, todos os autores parecem ser consistentes ao tratar a
escala como representada por um único fator, somando todos os itens negativos
que compõem o QPA-30 para obter um score total (Netemeyer et al., 2002).
Apesar de a sua importância ser reconhecida por vários autores, não apenas na
pratica clínica mas também para a investigação, o QPA-R não foi alvo de análise
na População Portuguesa. Além disso, internacionalmente, este instrumento foi
apenas estudado relativamente à depressão em adultos, sendo que a sua versão
original foi também estudada em crianças. Por conseguinte, este estudo tem como
objetivo analisar a estrutura fatorial da versão portuguesa do QPA-R numa
amostra de adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos,
assim como a relação deste instrumento com sintomatologia depressiva.
MÉTODO
Participantes
A amostra utilizada neste estudo é composta por 245 adolescentes, com idades
compreendidas entre os 14 e os 18 anos (M = 15,61; DP = 1,3), 157 do sexo
feminino (64,1%) e 88 do género masculino (35,9%).
Material
Questionário de Pensamentos Automáticos - Revisto (QPA-R; Automatic Thoughts
Questionnaires ' Revised, ATQ-R;Kendall, Howard, & Hays, 1989).
O Questionário de Pensamentos Automáticos ' Revisto é uma medida de avaliação
da frequência da ocorrência dos pensamentos automáticos negativos e positivos
relacionados com a depressão. É constituído por trinta afirmações negativas e
dez afirmações positivas, com um formato de resposta numa escala de tipo Likert
de cinco pontos (0. Nunca;1. por vezes; 2. Moderadamente;3.
Frequentemente;4.Sempre). É pedido aos participantes que indiquem a frequência
de cada pensamento relativamente à semana anterior. A medida permite obter um
score total, invertendo os 10 itens positivos e somando todos os itens, para um
total de 40-200, que corresponde à medida de frequência de pensamentos
depressogénicos. O questionário pode ainda ser usado como constituído por duas
subescalas, uma de pensamentos automáticos negativos e outra constituída pelos
pensamentos automáticos positivos, gerando assim dois totais diferentes.
Resultados mais elevados em cada uma das dimensões são indicadores de maior
frequência do tipo de pensamentos automáticos avaliados. As suas qualidades
psicométricas mostraram ser adequadas, tendo sido obtido no estudo original
(QPA-R; ATQ-R; Kendall et al., 1989) um valor de consistência interna, alfa de
Cronbach, igual a 0,90. No presente estudo foi encontrado um valor elevado para
o alfa de Cronbach em ambas as dimensões negativas e positivas da escala (0,91
e 0,94, respectivamente), assim como para a nota total da escala (0,96).
Inventário de Depressão para Crianças (Children's Depression Inventory,
CDI;Kovacs, 1985, 1992; Marujo, 1994).
O CDI consiste num questionário constituído por 27 itens, que procuram avaliar
humor perturbado, capacidade para sentir prazer, funções vegetativas,
autoavaliações e comportamentos interpessoais (Kovacs, 1992). Cada um dos 27
itens contém 3 frases classificadas entre 0 (ausência de problema) e 2
(problema grave). Os itens traduzem as áreas sintomáticas previstas,
nomeadamente humor negativo, dificuldades interpessoais, baixa autoestima,
perda de interesse e competência geral para a realização de tarefas. É
destinado a crianças entre os 6 e os 18 anos de idade (Kovacs, 1992). A cotação
total é obtida através do somatório da pontuação de todos os itens, de forma
que, quanto maior a cotação, maior a gravidade dos sintomas. A cotação pode
variar entre 0 e 54. A versão portuguesa do CDI (Marujo, 1994) e um estudo
posterior de Dias e Gonçalves (1999) revelaram uma boa precisão e valores
elevados de consistência interna (alfa de Cronbach entre 0,80 e 0,84). Não
existe consenso relativamente ao ponto de corte do CDI e na sua capacidade de
delinear níveis clínicos de depressão (Simões, 1999). No primeiro estudo de
validação à população portuguesa (Marujo, 1994) o ponte-de-corte considerado
foi 33,7. No entanto, o ponte de corte de 19 foi considerado por Passos e
Machado (2002) como um bom preditor da depressão em adolescentes portugueses
entre os 14 e os 17 anos. Adicionalmente, segundo Simões (1999) é possível usar
um ponto de corte correspondente aos 10% dos resultados mais elevados na
distribuiçãoe, na população americana, uma pontuação igual ou mais elevada que
19 é frequentemente referida como um total com capacidade de distinguir
sujeitos deprimidos e não deprimidos. No presente estudo, o ponto de corte
encontrado usando os 10% dos resultados mais elevados na distribuição foi 19 e
este foi o ponto de corte escolhido para distinguir, com o objetivo de formação
de grupos, sujeitos potencialmente deprimidos de sujeitos não deprimidos. A
consistência interna deste questionário foi também calculada e foi obtido um
alfa de Cronbach de 0,81 para a escala total.
Procedimento
Após obter a autorização para o uso do QPA-R em Portugal pelo autor original,
os itens que compõem o questionário foram traduzidos da língua inglesa para a
língua portuguesa por um psicólogo que domina ambas as línguas e especialista
no modelo conceptual subjacente à construção da medida. Foi feita também a
retroversão e a revisão deste procedimento por um tradutor especializado, de
forma a assegurar a equivalência de conteúdo das versões inglesa e portuguesa.
O processo continuou até não se verificarem mais diferenças semânticas entre a
versão Portuguesa e Inglesa do questionário. O instrumento foi aplicado num
estudo piloto numa pequena amostra de 10 estudantes com idades compreendidas
entre os 15 e 18 anos, que completaram o questionário individualmente de modo a
testar a compreensão de linguagem, a cultura e se os itens se encontravam
apropriados à idade. Antes de proceder à recolha dos dados foi requerida
autorização à Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular e à
Comissão Nacional de Proteção de Dados. Seguidamente, antes de responder à
bateria de questionários, os alunos que concordaram participar na investigação
e respetivos pais (quando se tratava de alunos menores de idade), assinaram um
consentimento informado.
Para as análises estatísticas efetuadas neste estudo foi usado o programa
informático Statistical Package for Social Sciences ' versão 20 (IBM Corp,
Armonk, NY, USA). Foram realizadas estatísticas descritivas para cada uma das
escalas utilizadas no estudo. Para a análise fatorial da escala optou-se por
uma Análise em Componentes Principais com rotação varimax, tomando a mesma
opção metodológica do estudo original do QPA-30 (Hollon & Kendall, 1980). A
seleção do número de fatores a serem rodados foi feita com base na regra do
eigenvaluesuperior a 1; da análise dos resultados obtidos pelo Screenplote
percentagem de variância explicada pelos fatores (Maroco, 2010). A medida
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Bartlett ´s Test of Sphericityforam utilizadas de
modo a confirmar a adequação dos dados para realização da Análise em
Componentes Principais. Itens com uma saturação no fator menor que 0,50 foram
excluídos, visto que os autores Hollon e Kendall (1980), aquando a análise
fatorial do QPA-30 original, usaram apenas saturações superiores a 0,50; itens
que saturaram em mais de um fator foram também excluídos, à exceção dos itens
nos quais havia uma saturação superior a 1 num fator em relação ao outro
(Floyd, & Widaman, 1995). Os valores das comunalidades foram considerados
apenas quando superiores a 0,35, pontos de corte sugerido por Tabachnick e
Fidell (2007). Procedeu-se também à análise da consistência interna através do
cálculo do alfa de Cronbach, considerada a melhor estimativa de fidelidade de
um teste (Nunnally, 1978).
De modo a examinar a Relação do QPA-R com a Sintomatologia Depressiva, o CDI
foi usado com o ponto de corte 19, criando assim dois grupos: grupo
potencialmente deprimido e grupo não deprimido. Realizaram-se testes t-Student
para analisar se os scores totais para o QPA-R e os seus fatores eram
significativamente diferentes entre estes grupos.
RESULTADOS
Análise Fatorial do QPA-R
Com o objetivo de determinar a composição fatorial do Questionário de
Pensamentos Automáticos-Revisto (QPA-R) realizámos uma análise em componentes
principais com rotação varimax,por ser a mesma usada por Hollon e Kendall
(1980) para o QPA-30. Para a medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi obtido o
valor de 0,94, revelando uma boa adequação da amostragem, assim como o teste de
esfericidade de Bartlet (?2=6173,93; p=0,0001) se mostrou significativo, o que
permitiu a realização da Análise Fatorial em Componentes Principais.
Foi utilizada a regra do eigenvaluesuperior a 1 como critério de retenção,
assim como uma saturação no fator de 0,50 ou superior.Esta análise sugeriu a
extração de três fatores, sendo que esta solução permitiu explicar 54% da
variância. O primeiro fator encontrado contribui para 20,05% da variância total
explicada, enquanto que o segundo fator contribui 19,99% e o terceiro explica
13,54% da variância total.
Como apresentado na tabela_1, os itens extraídos para os primeiros dois fatores
são constituídos pelos itens negativos da escala (pensamentos automáticos
negativos). O fator 1 foi denominado Auto-conceito Baixo/Negativo e
Expectativas Negativaspor parecer refletir percepções de baixo auto-conceito e
expectativas negativas. Já o Fator II parece ser constituído por itens que
refletem Mau-ajustamento Pessoal e Desejo de Mudança. Estas duas dimensões
são as mesmas encontradas pelos autores originais aquando a construção do QPA-
30, com uma pequena diferença nos itens que pertencem a casa dimensão. Três
itens foram eliminados da estrutura fatorial no que se refere aos pensamentos
automáticos negativos: itens 30 e 14 (que não cumpriram o critério de saturação
no fator superior a 0,50) e o item 22 (que saturava em mais do que um fator).
Como esperado, os itens pertencentes ao fator 3 são os pensamentos automáticos
positivos adicionados a esta versão revista do questionário, com a exceção do
item 37 que não cumpriu o critério de comunalidade com um valor igual ou
superior a 0,30, pelo que foi eliminado deste fator
Cognições depressogénicas e sua relação com sintomatologia depressiva
Para averiguar a capacidade do Questionário de Pensamentos Automáticos Revisto
(Kendall et al., 1989) diferenciar adolescentes que pontuam acima e abaixo do
ponto de corte no CDI, começámos por selecionar aqueles que pontuavam acima do
valor de 19. Foram encontrados 31 sujeitos, 25 raparigas e 6 rapazes, que foram
designados para o grupo deprimidos (n=31). Aleatoriamente foi selecionado um
grupo da amostra total que tivesse valores abaixo do ponto de corte de 19 e que
fosse equivalente ao grupo anterior em termos de género e de idade,
correspondente ao grupo não deprimido (n=31). Seguindo a mesma sugestão de
autores anteriores em estudos do QPA-30, as análises efetuadas posteriormente
foram feitas utilizando não só os fatores que compõem o QPA-R, mas também um
valor total composto por todos os itens (que avalia pensamentos
depressogénicos).
Assim, as diferenças entre os dois grupos foram testadas tendo em conta o score
total do QPA-R e os seus fatores. Tanto a nota total do QPA-R (t = -7,48, p <
0,01; M = 130,03 vs M = 85,52), como o Fator 1 (t = -7,44, p < 0,01; M = 33,20
vs M = 18,45) e o Fator 2 (t = -6,69, p < 0,01; M = 50,25 vs M = 32,06),
discriminaram com sucesso os sujeitos com pontuações acima e abaixo do ponto de
corte, com o grupo que apresenta sintomatologia depressiva a obter valores
significativamente mais elevados nestas medidas. Como esperado, no Fator III
(composto por pensamento automáticos positivos), os sujeitos que pontuam abaixo
do ponto de corte obtiveram resultados significativamente mais elevados (t =
5,34, p < 0,01; M = 28,42 vs M = 20,70).
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como principal objetivo, numa amostra de adolescentes
portugueses, apresentar resultados da versão Portuguesa do Questionário de
Pensamentos Automáticos-Revisto (QPA-R; ATQ-R; Kendall et al., 1989) no que
concerne à sua estrutura fatorial, assim como estudar a sua relação com
sintomatologia depressiva.
Foi efectuada uma análise de componentes principais para examinar a estrutura
fatorial da escala. Foram adotados os mesmos procedimentos que no
desenvolvimento do QPA original (QPA-30; Hollon, & Kendal, 1980) visto que
apenas a estrutura fatorial deste instrumento, e não a sua versão revista,
foram alvo de análise fatorial em estudos prévios. No presente estudo, o QPA-
R revelou ser composto por 3 fatores, refletindo Auto-conceito Baixo/Negativo
e Expectativas Negativas(12 itens)e Mau-ajustamento Pessoal e Desejo de
Mudança(15 itens) e o fator III composto por Pensamentos Automáticos
Positivos (9 itens). O QPA-R não foi estudado até hoje, tanto quanto sabemos,
em relação à sua estrutura fatorial.
O resultado de vários estudos que se debruçaram sobre a estrutura fatorial dos
itens negativos que compõem o QPA-R, revelaram uma inconsistência no número de
fatores extraídos (Netemeyer et al., 2002). Porém, os resultados encontrados no
presente estudo para a solução fatorial dos itens que avaliam pensamentos
automáticos negativos, vão de encontro a outros também obtidos em amostras não-
clinicas que reportam igualmente que esta dimensão negativa é composta por dois
fatores (Chioqueta & Stiles, 2004; Joseph, 1994). Na verdade, o QPA-R é um
instrumento que tem sido essencialmente utilizado tendo em conta as suas duas
dimensões de pensamentos automáticos negativos e positivos. Estudos futuros
deveriam verificar se a estrutura fatorial da versão portuguesa do QPA-
R encontrada neste estudo é passível de ser replicada noutras amostras.
O presente estudo revelou também que a nota total do QPA-R e os seus fatores
possuem uma consistência interna elevada, com valores de alfa de Cronbach entre
0,89 e 0,96, o que vai de encontro ao que foi obtido em estudos prévios por
outros autores (Brinthaupt et al., 2009; Burgess & Haaga, 1994; Donnelly et
al., 2011; Hollon & Kendall, 1980; Kendall et al., 1989; Kodama et al.,
1994).
Além do mais, no presente estudo encontrou-se que o QPA-R e os seus fatores
parecem discriminar com sucesso adolescentes que pontuam acima e abaixo do
ponto de corte numa medida de sintomatologia depressiva, o CDI, tendo os
adolescentes que pontuaram acima do ponto de corte evidenciado resultados
significativamente mais elevados. Estes resultados vão de encontro com as
associações encontradas em estudos prévios entre o ATQ-R e sintomatologia
depressiva (Burgess, & Haaga, 1994; McGillivray & McCabe, 2007).
No geral, os resultados do presente estudo revelam que o QPA-R pode ser
utilizado na população de adolescentes Portugueses, considerando tanto o seu
total como uma medida de cognições depressogénicas, como os seus fatores. Os
resultados indicam ainda que o questionário tem capacidade de discriminar, numa
amostra da população geral, entre adolescentes que pontuam acima e abaixo do
ponto de corte de uma medida que avalia sintomatologia depressiva, o que pode
indicar a sua potencialidade na identificação de pensamentos depressogénicos em
adolescentes deprimidos ou com níveis subclínicos de depressão.
Os resultados do presente estudo devem ser interpretados à luz de algumas
limitações. Em primeiro lugar, a amostra utilizada é maioritariamente
constituída por adolescentes do sexo feminino, o que sugere algum cuidado na
interpretação de resultados. Recomendamos por isso que o mesmo estudo seja
feito utilizando amostras maiores de ambos os sexos. Adicionalmente, a amostra
utilizada para discriminar adolescentes deprimidos de não deprimidos é também
uma amostra pequena, pelo que recomendamos que esta análise seja replicada numa
amostra mais robusta. Por outro lado, é possível que o instrumento se comporte
de maneira diferente quando administrado a adolescentes provenientes de uma
amostra clínica (Harrel & Ryon, 1983; Hollon, Kendall, & Lumry,1986),
pelo que se recomenda que estudos futuros sejam feitos em amostras de
adolescentes com depressão.
Consideramos, no entanto, que os resultados obtidos no presente estudo são um
contributo importante para a replicação transcultural do QPA-R e para o seu
estudo numa amostra de adolescentes, permitindo a validação teórica e empírica
do constructo que o instrumento se propõe a medir.