O Estado de Saúde da Ilha de Moçambique: Uma análise comparativa dos
indicadores de saúde da população
O Estado de Saúde da Ilha de Moçambique: Uma análise comparativa dos
indicadores de saúde da população
Ana Luísa Patrão* e José Vasconcelos-Raposo**
*Universidade do Minho
lispatrao@gmail.com
**Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
j.vasconcelos.raposo@gmail.com
Resumo
De acordo com o PNUD (2010), num universo de 169 países, Moçambique ocupa o
165º lugar relativamente aos índices de desenvolvimento humano. Entre 2004/2005
desenvolveu-se uma investigação, com uma amostra de 500 indivíduos, cujo
objectivo passou por analisar alguns indicadores de saúde da população da Ilha
de Moçambique e compará-los com os valores nacionais. Os resultados
demonstraram que, em alguns aspectos, os valores da Ilha são mais desfavoráveis
do que os nacionais, enquanto que noutros são mais elevados. Assim, no geral,
considera-se que a Ilha não possui um nível de desenvolvimento humano alto, tal
como era esperado. Ao nível da saúde, a população não acede às oportunidades
nem aos instrumentos que a ajudariam a melhorar a sua qualidade de vida.
Palavras-chave: desenvolvimento humano, indicadores de saúde, Ilha de
Moçambique
Abstract
The United Nations Development Program ( PNUD ) refers to Mozambique as
occupying the 165th place in terms of human development, within a range of 169
countries (2010). A study was conducted between 2004/2005, based on a sample of
500 persons. The goal was to analyse selected health indicators within the
Island of Mozambique's population, in order to compare them with the
national rates. The results show that, in some aspects, the Island's
rates are lower than the national ones. However, it was also observed that
certain variables revealed a more favourable situation within the Island of
Mozambique. Generally speaking, then, we may conclude that human development is
a serious problem in the Island. Healthwise, the population lacks the
opportunities, as well as the means to improve this situation.
Keywords: human development, health indicators, Mozambique Island
Introdução
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2010 (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, 2010), numa amostra de 169 países,
Moçambique ocupa o 165º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano. Esta é uma
posição muito desfavorável que se tem vindo a agravar, visto que, em 2004,
Moçambique se encontrava em 171º lugar, num universo de 177 países (PNUD,
2004). Uma das explicações para este baixo nível de desenvolvimento humano, de
acordo com o descrito no Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta,
elaborado pelo Observatório da Pobreza (2004), reside no facto de Moçambique
ser um país que viveu uma fase de recuperação do pós-guerra, durante a qual
recebeu assistência de urgência e só depois iniciou um processo de
desenvolvimento global, sendo ainda, por isso, um país com carências a diversos
níveis. A saúde é uma das áreas com grandes carências.
A saúde tem um papel fundamental no desenvolvimento de uma sociedade, pois,
para além do óbvio, que é tratar-se de uma condição primordial para o bem-estar
físico, também está intimamente relacionada com um conjunto de outras variáveis
fundamentais para a promoção do bem-estar social. Neste seguimento, Wagstaff
(2002) apresenta uma sistematização do designado ciclo da pobreza e da saúde,
onde evidencia claramente a articulação e interdependência existente entre
variáveis de saúde e a sua influência na situação de pobreza. Este ciclo
reflecte ainda, associado às diferentes variáveis apresentadas, a interligação
com um conjunto de outras condições sociais. Daqui resulta também a evidência
de que ao promover-se a saúde da população estão-se a promover outras condições
sociais, tais como habitacionais e de educação (Erwin, 2008), e assumindo a
existência deste ciclo, a consequente diminuição da pobreza e maiores melhorias
de saúde. Os ganhos ao nível da saúde são possíveis de obter através da
promoção do capital social da população, tendo em conta os impactos positivos
do mesmo na saúde, educação e bem-estar (Dutta-Bergman, 2004; Folland, 2007;
Reid & Tom, 2006), fomentando, adicionalmente, o próprio desenvolvimento
económico do país e o bem-estar da sociedade (Bouchard, Gilbert, Landry &
Deveau, 2006).
De acordo com o PNUD (2004), o desenvolvimento humano tem a ver principalmente
com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolheram e com a
provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem as suas escolhas. O
Relatório do Desenvolvimento Humano 2004 do PNUD assenta muito numa análise das
diferenças culturais que levam ao conflito social, económico e político e
acredita que as pessoas pobres e marginalizadas (as mais afectadas por estes
conflitos) devem ser agentes directos deste processo, pois só assim será
possível alcançar o acesso equitativo ao emprego, educação, saúde, justiça,
segurança, entre outros serviços básicos, sendo para isto fundamental dar voz
aos mais marginalizados e alterar as culturas políticas, sendo as consequências
perturbadoramente claras quando tal não acontece. Dos grupos indígenas da
América Latina, às minorias infelizes da África e da Ásia e aos novos
emigrantes de todo o mundo desenvolvido, não resolver as razões de queixa
destes grupos marginalizados cria não apenas injustiça, mas também verdadeiros
problemas para o futuro (PNUD, 2004). O Relatório do Desenvolvimento Humano
2004 identificou 38 países "prioritários" na África subsariana (um
dos quais Moçambique), que têm níveis baixos de desenvolvimento e um progresso
fraco em direcção aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; no entanto,
acrescenta que são maioritariamente países interiores ou com alta densidade
demográfica (PNUD, 2004). No caso particular de Moçambique, a interioridade não
é uma das características precipitantes, pois trata-se de um país com uma vasta
costa e inúmeras fronteiras; no entanto, confirma-se a questão da elevada
densidade demográfica.
De acordo com o Observatório da Pobreza (2004), para mais de 60% da população
moçambicana, a pobreza está associada a uma impossibilidade de cobrir as
necessidades vitais e as disparidades sociais. Destas necessidades sociais, a
falta de serviços e recursos de saúde satisfatórios que enfrentem as várias
doenças que atingem o país é uma das principais preocupações. Segundo Wane
(2004), a pobreza humana em Moçambique, ou seja, a falta de condições sociais
de base, é mais grave do que propriamente os indicadores que medem a pobreza
económica.
Ainda segundo a mesma fonte (PNUD, 2004), há autores que defendem que é a
cultura que está a determinar o fraco desenvolvimento na África subsariana, uma
cultura africana problemática, argumentam, inadequada ao desenvolvimento
económico, político e social, argumentação esta que a fonte rejeita. No que se
refere ao caso específico de Moçambique, as opiniões também se dividem, na
medida em que uns autores defendem que a cultura local deve ser aproveitada e
valorizada, nomeadamente no campo da saúde, e outros defendem que esta é um
entrave ao desenvolvimento e à melhoria das condições de vida. Neste
seguimento, Abudo (2004) refere que um total de 60% da população moçambicana
depende da medicina tradicional (folk), contra 40% da população que depende dos
serviços prestados pela medicina profissional. Segundo este autor, a
valorização das práticas tradicionais deve-se ao facto de a Associação dos
Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) se ter afirmado no campo da saúde
formal. Ainda de acordo com Abudo (2004), a AMETRAMO declara que em África, em
geral, e em Moçambique, em particular, a vida começa com o apoio da medicina
tradicional na prevenção e combate às doenças. Já outros autores como
Craveirinha (2001) fazem críticas directas e indirectas a tantos rituais que se
praticam fruto da cultura folk/tradicional em Moçambique, ao afirmar que espera
um milagre divino que ponha cobro a tanta feitiçaria e regresso ao passado das
trevas "em que vale tudo até tirar olhos e cortar cabeças". Esta
presença sólida e paralela de diferentes sectores de saúde no contexto
moçambicano deve-se, segundo Mira et al.(2000), ao facto de, durante muitos
anos de colonização, o povo moçambicano ter vivido as suas culturas ancestrais
quase que em confronto com as ocidentais. No entanto, estas nunca se perderam e
actualmente cada vez mais se verifica uma tendência para o retorno às origens e
a todas as crenças e rituais culturais, em simultâneo com o sector tradicional
sempre existente (onde a família é o agente principal de saúde), e o
profissional cada vez mais em ascensão.
Sobre estes aspectos, será importante ter em atenção a complementaridade dos
diferentes sectores e a importância do relativismo e da sensibilidade cultural,
quando se abordam tais questões. Em saúde, sensibilidade cultural pode ser
definida como a medida em que a etnicidade e a cultura, assim como as
características, experiências, normas, valores, padrões comportamentais e
crenças de uma dada população, são incorporadas na definição e evolução de
materiais e programas de saúde (Resnicow et al., 2000; cit. por Sifunda et al.,
2007). A cultura e as normas sociais definem o que é a saúde para os seus
membros, onde se determina a etiologia e o tratamento das doenças (Kagawa-
Singer & Kassim-Lakha, 2003; cit. por Sifunda et al., 2007).
Com ou sem a influência da cultura local, a verdade é que Moçambique continua a
ser um dos países mais pobres do mundo, o que o leva sempre a chumbar no
quesito do desenvolvimento humano (Wane, 2004). Muitos aspectos ligados à
precária saúde deste país são fortes contribuidores para estes baixos índices e
indicadores gerais do país ao nível do desenvolvimento humano. Concretamente no
que respeita a alguns indicadores de saúde e, em particular, no caso de
Moçambique, segundo o PNUD (2008), 2,7% do PIB é gasto em despesa pública de
saúde e 1,3% é gasto em despesa privada de saúde. Neste país, a percentagem de
crianças com menos de um ano que são vacinadas contra o sarampo é de 77% e
contra a tuberculose é de 87%. Num país onde a média nacional de prevalência de
casos de VIH/SIDA é de 16,1%, a taxa de utilização de preservativos é de 29%
nas mulheres e de 33% nos homens. A taxa de prevalência de contraceptivos,
entre mulheres casadas, é de 17%; e a percentagem de partos assistidos por
técnicos de saúde qualificados de 48%. Relativamente às condições de acesso (em
2004) a água e saneamento, a percentagem de acesso sustentável a saneamento
básico melhorado era de 32% e o acesso a fonte de água melhorada era de 43%. Em
qualquer país europeu e mesmo em muitos dos países considerados com um
desenvolvimento humano médio, estes valores situam-se entre os 90% e os 100%
(PNUD, 2004).
Ainda de acordo com a fonte supracitada, a esperança média de vida à nascença é
de 44 anos. Isto deve-se a uma série de condições de saúde e sociais muito
precárias, aliadas a uma série de doenças tropicais e infecciosas muito
prevalecentes em África. Face a um estudo no âmbito da saúde, importa incidir
um pouco nestas doenças para melhor compreendermos a realidade de Moçambique ao
nível da saúde. Segundo o Ministério do Plano e Finanças e o Ministério da
Saúde de Moçambique (2005), o perfil das doenças em Moçambique continua a ser
tipicamente o de um país em vias de desenvolvimento, com o predomínio de
doenças infecto-contagiosas como a malária, diarreias, doenças respiratórias e,
ultimamente, o VIH/SIDA.
De acordo com Alves, Laranjo, Resende, Aguiar, Costa e Carvalho (2004), a Ilha
de Moçambique tem um lugar especial na história moçambicana e a sua lenda,
quase mítica, tem muito a ver com o património construído, único na costa
moçambicana, e com a beleza do local. No entanto, ela também possui um conjunto
de características que contribuem para as difíceis condições de vida que nela
se vivem, tais como o elevado número populacional num território pouco extenso
(especialmente na parte insular) e para o qual não existem respostas
suficientes a vários níveis; um clima muito difícil (ora muito quente, ora
muito chuvoso) que ajuda a provocar e a propagar várias doenças; uma economia
limitada em todos os seus sectores, que não permite a criação de empregos e
que, consequentemente, leva à impossibilidade de os agregados familiares
possuírem recursos suficientes e satisfatórios. Face a uma realidade social
como esta, é de esperar que o estado de saúde das populações não seja o melhor,
como também não o são as condições que lhes permitem melhorá-lo; logo, estas
repercutem-se no nível de desenvolvimento humano da Ilha e contribuem para os
números pouco animadores a nível nacional.
Por tudo quanto foi referido, considerou-se pertinente desenvolver um estudo
que elucidasse sobre alguns dos indicadores de desenvolvimento humano da
população da Ilha de Moçambique e os comparasse aos indicadores nacionais, de
forma a verificar-se a posição da Ilha em relação ao país, no que se refere a
uma série de questões pertinentes relativas à saúde pública.
Descrição do contexto: a Ilha de Moçambique
A superfície territorial da Ilha de Moçambique é de 445 km2 e está localizada
na costa oriental da província de Nampula. A Ilha enquanto cidade possui 41.777
habitantes, dos quais 20.636 são do sexo masculino e 21.141 são do sexo
feminino, organizados em 10.671 agregados familiares. Deste número
populacional, 14.988 habitantes vivem na parte insular da Ilha e os restantes
vivem na parte continental (Delegação Nacional de Desenvolvimento Autárquico,
2003). Segundo Matusse, Langa e Nuvunga (2003), administrativamente a Ilha
possui um padrão e estrutura urbanísticos que compreendem sete bairros:
Unidade, Litine, Marangonha, Esteu, Areal, Magaribe e Museu.
Etnicamente é constituída por uma mistura de elementos de origem macua, goeses,
baneanes, indianos e europeus. Segundo Sopa (2004), esta multiculturalidade
social foi um dos factores que determinou a elevação da Ilha ao estatuto de
Cidade Património Mundial da Humanidade. Relativamente à história da Ilha de
Moçambique, muito se poderia dizer, pois neste aspecto é uma das mais ricas em
toda a África. Em termos genéricos podemos dizer que a cidade da Ilha de
Moçambique foi a primeira capital do país e assim permaneceu até 1898, altura
esta em que foi transferida para a actual capital Maputo. Segundo Matusse,
Langa e Nuvunga (2003), esta é a cidade mais antiga do país e, embora se
conheça pouco da sua história nos anos anteriores ao século XV, descreve-se que
os seus primeiros habitantes teriam sido populações africanas islamizadas
provenientes da Tanzânia.
Foi esta cidade que deu o nome ao próprio país que a abrange: Moçambique. Era
conhecida entre os naturais por Muípite, enquanto que os árabes chamavam-na de
Mulbaiuni; o termo Moçambique deriva do árabe Muça M'biki, ou seja, o
nome do país deriva do nome da Ilha. É por esta conjuntura histórica, cultural
e humana tão peculiar que, em 1993, a UNESCO declarou a Ilha de Moçambique como
Património Cultural da Humanidade (Matusse, Langa & Nuvunga, 2003). Na
opinião de Costa, Ricardo e Lopes (1997), hoje e sempre, a cidade da Ilha de
Moçambique ocupa um lugar especial na história moçambicana devido à sua beleza
natural, localização e cultura genuína. De acordo com Matusse, Langa e Nuvunga
(2003), relativamente à sua economia a Ilha baseia-se essencialmente em
actividades como a agricultura, comércio, pecuária, indústria e turismo, das
quais se destaca este último.
Segundo a Delegação Nacional de Desenvolvimento Autárquico (2003), quanto ao
clima, a Ilha de Moçambique apresenta um clima tropical húmido. A vegetação
predominante é constituída pelos mangais e a savana. A nível hidrográfico, o
principal curso que banha o distrito é o rio Monapo, o qual serve de limite
natural pelo lado norte. A Ilha de Moçambique é um local privilegiado em muitos
aspectos: tem uma beleza natural única, é um dos mais ricos locais moçambicanos
e até africanos quanto à sua história, possui um clima muito favorável ao
turismo e ao lazer, e apresenta uma diversidade cultural e étnica riquíssima.
Método
A elaboração do presente trabalho exigiu a recolha e análise de informação de
várias fontes sobre as temáticas trabalhadas e sobre o próprio contexto. Para
além de uma abordagem teórica, as mesmas questões foram trabalhadas segundo uma
observação directa no próprio contexto da Ilha de Moçambique. Todo o estudo
tenta estabelecer um contraponto entre os dados existentes acerca de Moçambique
e os dados recolhidos relativamente à Ilha.
Assim, procedeu-se à utilização de diferentes métodos e instrumentos de
investigação, tais como inquéritos e observação e participação directas. Numa
fase inicial de preparação dos questionários, efectuou-se um estudo e
levantamento do número populacional real por cada bairro, para constituir uma
amostra o mais fiel possível da realidade. A amostra dos inquéritos é
constituída por 500 pessoas residentes em bairros da parte insular da Ilha de
Moçambique e proporcionais ao número populacional por cada bairro. Depois dos
inquéritos respondidos, procedeu-se ao seu tratamento e análise de forma
quantitativa através do programa Excel. A aplicação dos instrumentos decorreu
entre Novembro de 2004 e Janeiro de 2005. Relativamente às características
psicométricas deste inquérito, as mesmas foram baseadas em conteúdos do
Relatório do Desenvolvimento Humano 2004 e ainda em artigos de outros autores
acerca de questões de saúde e indicadores de saúde.
Houve também uma grande preocupação em tornar o inquérito perceptível ao nível
da linguagem, de forma a adaptar-se ao local e à cultura. Estes inquéritos
foram dirigidos oralmente às pessoas de forma individual devido à elevada taxa
de analfabetismo, e também por questões linguísticas, devido ao facto de grande
parte da população não entender perfeitamente o português. Por este mesmo
motivo, na aplicação dos inquéritos houve sempre o acompanhamento dos chefes e
régulos dos bairros para que pudessem fazer a tradução do português para o
macua, além de que a presença dos mesmos facilitou muito a adesão e aceitação
dos inquéritos pela população.
Apesar desta informalidade obrigatória, derivada de questões culturais e
contextuais, houve um esforço constante para que a aplicação destes inquéritos
respeitasse questões fundamentais, como o princípio da confidencialidade, nunca
sendo proferidos ou escritos os nomes dos participantes e tendo os mesmos
concordado sempre com a forma como os inquéritos foram aplicados. Além disso,
esta tentativa de tornar os inquéritos o mais perceptíveis possível para a
população salvaguarda a validação dos seus conteúdos.
Apresentação dos resultados
Caracterização sociodemográfica da amostra
Em termos de caracterização da amostra, na generalidade, ou seja, em quase
todos os bairros, a faixa etária mais prevalente é a dos 15 aos 25 anos. Em
todos os bairros há mais mulheres do que homens inquiridos, e a maioria das
pessoas não exerce qualquer profissão nem possui qualquer nível de
escolaridade. A esmagadora maioria dos inquiridos é pertencente à religião
muçulmana.
Indicadores de saúde e desenvolvimento humano da população da Ilha de
Moçambique
A tabela que se segue sistematiza os principais resultados encontrados ao nível
de alguns indicadores de saúde da população da Ilha (por bairros e total) em
comparação com as médias nacionais do último Relatório do Desenvolvimento
Humano elaborado aquando da concretização do presente estudo, ou seja, os dados
do ano de 2004.
Tabela 1 - Apresentação dos principais resultados da Ilha de Moçambique
em comparação com os valores nacionais (de acordo com os RDH de 2004 e 2010)
Bairro Esteu Litine Maga- Uni- Areal Maran- Museu Tot. Tot. Tot. PaísPaís
N= ribe dade gonha F M Ilha
Questão 77 88 80 65 60 63 67 252 248 500 2004 2010
% % % % % % % % % %
Vacina Tuberculose 3 0 0 0 0 0 6 1 1 1 78% 28%
Vacina Sarampo 4 3 0 0 0 0 0 2 0 1 58% 23%
Vacina Febre 0 0 0 0 0 0 4 1 0 1 ---- ----
Amarela -- --
Vacina Cólera 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 ---- ----
-- --
Ida ao Dentista 91 99 86 80 80 89 93 88 90 89 27% ----
--
Utilização 17 8 15 5 12 6 18 12 11 12 6% 17%
Contraceptivo
Experiência Parto 79 89 89 92 92 81 97 92 85 88 ---- ----
-- --
Parto Assistido por 82 87 82 92 85 84 85 82 90 85 44% 48%
Técnicos
Ida ao Médico na 81 62 50 49 58 43 62 62 55 59 ---- ----
Doença -- --
Saneamento Básico 12 0 3 3 0 0 13 5 4 4 43% 83%
Água Canalizada 4 0 3 3 0 0 13 3 3 3 57% 53%
Recolha do Lixo 99 45 90 42 33 25 93 65 60 63 ---- ----
-- --
Faz 3 Refeições 1 1 10 0 0 3 34 6 8 7 ---- ----
Diárias -- --
Já Teve Malária 95 89 100 95 95 94 96 93 96 95 20% ----
--
Teve Malária 5x ou 35 46 14 57 45 60 42 43 39 42 ---- ----
+ -- --
Tal como podemos ver na tabela 1, em termos de vacinação, na Ilha apenas 1% das
pessoas inquiridas estão vacinadas contra a tuberculose, assim como contra o
sarampo e a febre amarela. Nenhuma das pessoas inquiridas possui a vacina oral
contra a cólera. A taxa de utilização de terapia de reidratação oral é de 89% e
a taxa de prevalência de contraceptivos é de 12%. Relativamente aos partos
assistidos por técnicos de saúde, na Ilha é de 88%.
No que se refere ao acesso a água e saneamento, só 4% dos inquiridos têm acesso
sustentável a saneamento básico melhorado e 3% têm acesso a uma fonte de água
melhorada.
No que se refere ainda a outros indicadores de saúde importantes, podemos
constatar que a maioria da população da Ilha faz a recolha do lixo colocando-
o no local indicado pelo Conselho Municipal (55%) e que a maioria da população
faz apenas uma refeição (59%) ou duas (40%) por dia.
O bairro que possui melhores indicadores é o do Museu, onde mais gente possui a
vacina contra a tuberculose e febre amarela, onde existe uma maior prevalência
da contracepção, onde mais casas possuem água canalizada e saneamento básico,
onde mais pessoas fazem a recolha do lixo e ainda, é o único bairro onde
existem pessoas a fazer mais de três refeições diárias e aquele onde há mais
população que faz pelo menos três.
No que se refere às diferenças entre os sexos, no que toca à vacinação, os
valores entre as mulheres são mais altos, mas em questão de refeições diárias,
em geral são os homens aqueles que mais fazem pelo menos duas e até três. Nos
restantes itens, de uma forma genérica, os valores estão, sensivelmente,
semelhantes entre os sexos.
Discussão dos resultados
Como podemos ver através de referências de várias fontes e da apresentação dos
diferentes resultados, Moçambique é um país com muitas carências e com um nível
de desenvolvimento humano muito baixo (PNUD, 2004; PNUD, 2008; 2010; Wane,
2004). Os indicadores de saúde são também baixos ao nível de Moçambique, o que
não significa que sejam os mesmos para cada uma das províncias do país. Por
este motivo, compararam-se os resultados nacionais de 2004 (data da recolha de
dados) e de 2010, com os da Ilha de Moçambique.
A nível nacional, em 2004, a percentagem de crianças vacinadas contra a
tuberculose era de 78% (PNUD, 2004), enquanto na Ilha apenas 1% das pessoas
inquiridas o eram; contra o sarampo, os valores nacionais são de 58% (PNUD,
2004), e na Ilha, mais uma vez, são de 1%. Ao nível da Ilha de Moçambique,
pode-se referir ainda que também apenas 1% da população possui a vacina contra
a febre amarela e 0% contra a cólera (doenças muito incidentes em Moçambique e
para as quais existem vacinas; no caso da cólera, vacina oral). Actualmente, os
valores nacionais da vacinação são mais desfavoráveis do que os relativos a
2004 (28% tuberculose e 23% sarampo) (PNUD, 2010). Ainda assim, continuam a ser
mais animadores do que os dados encontrados na amostra estudada.
A taxa de utilização de terapia de reidratação oral no país era de 27% (PNUD,
2004), e na Ilha é de 89%. Actualmente, o RDH 2010 não apresenta dados sobre
este indicador. Assim, constata-se que a Ilha de Moçambique apresenta melhores
valores do que à escala nacional. No entanto, convém referir que o que a
população local considera um dentista não é efectivamente o que na Europa é
designado como tal. Neste contexto o dentista a que a população se refere é um
servente do hospital (nome localmente designado para os auxiliares de acção
médica) que se dedica a esse ofício e o qual tem permissão para o fazer nas
instalações do hospital. Aqui é necessário esclarecer que terapia de
reidratação oral engloba todo e qualquer cuidado relacionado com higiene e
saúde oral. Na Ilha de Moçambique, o trabalho do servente do hospital,
entendido localmente por dentista, passa apenas pela remoção de dentes
danificados. Em suma, embora em termos de valores a Ilha apresente dados mais
animadores dos que os nacionais, é perceptível que os cuidados prestados ao
nível da saúde oral são muito básicos e não devem ser comparados de forma
linear com os nacionais, que abrangem cuidados mais elaborados em termos da
saúde oral.
A taxa de prevalência de contraceptivos, em Moçambique, é de 6% em 2004 (PNUD,
2004) e de 16,5% em 2010 (PNUD, 2010), enquanto que na Ilha a taxa é de 12%.
Neste caso, os dados da Ilha são mais animadores do que os nacionais, aquando
do desenvolvimento da investigação (2004). Considera-se que ambos os resultados
são muito baixos, principalmente tendo em conta o flagelo que o VIH/SIDA
representa neste país. O VIH ganhou o estatuto de ser um dos problemas de saúde
pública mais visíveis e emergentes (Macia & Langa, 2004). O impacto do VIH/
SIDA, em Moçambique, tem sido avassalador, deixando marcas no sistema familiar
e na comunidade (Floriano, 2006; Macia & Langa, 2004). Em termos
familiares, as mortes resultantes da doença têm desestruturado as famílias, o
que acarreta profundas implicações em termos da distribuição dos recursos,
rendimentos, consumo, poupança, assim como do bem-estar dos sobreviventes. As
famílias empobrecem com a morte dos membros adultos, o que obriga as crianças a
trabalharem desde muito cedo. Em termos comunitários, verifica-se a perda de
emprego e trabalhadores qualificados, com consequente impacto na qualidade dos
serviços prestados, aumento da pobreza e aumento das necessidades (Floriano,
2006).
Relativamente aos partos assistidos por técnicos de saúde, a nível nacional o
valor é de 44% em 2004 (PNUD, 2004), e de 48% em 2010 (PNUD, 2010). Na Ilha, o
valor para este indicador é de 88%, o que mais uma vez revela um panorama local
mais favorável do que o nacional.
Em relação aos indicadores de água e saneamento, os indicadores na Ilha estão
muito abaixo dos nacionais. Em 2000, a percentagem de acesso sustentável a
saneamento básico melhorado em Moçambique era de 43% (PNUD, 2004), e de acesso
a fonte de água melhorada de 57%. Em 2010, os dados apresentados são de 83% ao
nível do saneamento e de 53% ao nível da água (PNUD, 2010). Na Ilha de
Moçambique, em 2004, os valores eram de 4% e 3%, respectivamente. Ou seja, são
dados largamente inferiores aos nacionais, em qualquer uma das épocas
analisadas.
Ainda no que se refere a alguns indicadores de saúde da Ilha, foi possível
observar aspectos positivos, nomeadamente o facto de grande parte da população
(55%) proceder de forma devida em relação ao lixo/resíduos domésticos, ao
colocá-los no local determinado para o efeito pelo Conselho Municipal da Ilha.
Esta atitude é muito favorável em termos de saúde, na medida em que sugere
existir um sentido de responsabilidade ambiental e de saúde comunitária. Por
outro lado, e num plano mais desfavorável em termos de saúde, observa-se que a
maioria da população (59%) faz uma única refeição por dia, o que poderá
traduzir-se numa fonte de explicação ou agravamento dos casos de subnutrição da
população e, consequentemente, nos baixos níveis de diversos indicadores de
saúde.
No que se refere às diferenças entre os bairros da Ilha, foi possível constatar
que aquele cujos dados são mais animadores em termos de indicadores de saúde
(ex.: maior número de refeições diárias, maior prevalência de contracepção e
vacinação, maior número de habitações providas de água canalizada e saneamento
básico, maior número de casos de recolha de lixo doméstico, etc.) é o bairro do
Museu. Isto pode dever-se ao facto de ser o bairro onde as condições físicas e
de higiene se encontram mais salvaguardadas. Este é o único bairro da Ilha que
se insere na parte da cidade de pedra; todos os outros estão na cidade de
macuti (chamada desta forma por as casas serem palhotas cobertas por macuti/
capim).
Relativamente às diferenças entre os sexos, observou-se que, em termos de
vacinação, as mulheres encontram-se mais favorecidas. Por outro lado,
constatou-se que, em relação ao número de refeições diárias, os dados relativos
aos homens são mais favoráveis do que os observados nas mulheres. No que se
refere à questão das refeições, esta diferença entre os sexos pode dever-se ao
facto de serem os homens aqueles que, normalmente, exercem uma profissão e por
isso precisam de melhor se alimentar para terem energia. Nos restantes itens,
de uma forma genérica, os valores estão, sensivelmente, semelhantes entre os
sexos.
Adicionalmente, também pudemos verificar, a esperança média de vida é muito
baixa, o que não é de admirar num país onde existem tantas fragilidades ao
nível da saúde e onde as doenças infecto-contagiosas continuam a ser as mais
prevalentes (Ministério do Plano e Finanças & Ministério da Saúde de
Moçambique, 2005).
Conclusão
O objectivo do presente estudo passou por comparar alguns indicadores de
desenvolvimento humano (ao nível da saúde) entre a Ilha de Moçambique e
Moçambique em geral. Perante os resultados e análise e discussão dos mesmos,
conclui-se que a Ilha de Moçambique e Moçambique efectivamente possuem uma área
da saúde ainda muito frágil, o que contribui para o seu baixo nível do
desenvolvimento humano. Este estudo demonstrou que existem diferenças em alguns
indicadores na Ilha de Moçambique em relação aos dados nacionais. Foi possível
constatar que, em alguns aspectos, os valores da Ilha são mais elevados que os
nacionais (terapia de reidratação oral, prevalência de utilização de
contraceptivos e partos assistidos por técnicos de saúde). No entanto, noutros,
nomeadamente no acesso à água e saneamento melhorados e vacinas, os indicadores
apresentam valores mais desfavoráveis. Além disso, ainda que alguns indicadores
de saúde tenham valores mais elevados que os nacionais, estes continuam muito
aquém dos valores internacionais e, como tal, não podemos dizer que esta cidade
se encontre em melhores condições do que o resto do país ou que o seu nível de
desenvolvimento humano seja mais favorável.
Partindo do princípio que o desenvolvimento humano tem a ver, primeiro e acima
de tudo, com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que
escolheram e com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem
as suas escolhas (PNUD, 2004), conclui-se que, de facto, a Ilha de Moçambique
não possui um nível de desenvolvimento humano alto. Isto ficou bem patente
através da apresentação dos dados ao nível da saúde (que é apenas uma área da
sociedade entre muitas outras), onde se viu que as pessoas não acedem
facilmente às oportunidades nem aos instrumentos que as ajudariam a melhorar as
suas vidas. Será legítimo considerar que tão importante ou mais do que apostar
nas condições físicas e ao nível de equipamentos, Moçambique e a Ilha
necessitam de uma aposta no enriquecimento das populações, de forma a que as
pessoas se tornem mais pró-activas face à sua saúde pessoal e comunitária. Esta
ideia é preconizada por vários autores, tais como Souza e Grundy (2004), assim
como Dutta-Bergman (2004). Ou seja, é extremamente importante apostar nas
próprias pessoas, mais (ou em simultâneo) que nas condições estruturais. A
mudança comportamental em saúde, sobretudo comunitária, passa por aumentar o
nível de capacitação e compreensão das pessoas, para que sejam capazes de se
comprometer com comportamentos cívicos. Só assim as pessoas conseguem não só
aceder, mas também procurar o tipo de vida que querem viver, em termos de
qualidade de saúde.
Conclui-se assim que, quer local, quer nacionalmente, ainda muito há a fazer
quer ao nível da saúde, quer em qualquer outra área, para que o nível de
desenvolvimento humano de Moçambique aumente. Acredita-se que isto passa por
uma melhoria das condições de higiene e salubridade, das condições das
instituições e equipamentos de saúde, mas também por uma maior educação e
consciencialização das populações em questões de educação e promoção de saúde
pessoal e comunitária. Espera-se que a presente investigação sirva de fonte de
referência no que se refere ao estado de saúde da Ilha ao nível da saúde e
possa assim iluminar intervenções práticas e investigações posteriores.