Nota Editorial
Nota Editorial
Ana Bénard da Costa*
*Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal,
ana.benard.costa@iscte.pt
Abrimos este número dos Cadernos de Estudos Africanos com um texto de homenagem
a Patrick Chabal (29 de Abril de 1951 - 16 de Janeiro de 2014) da autoria de
Clara Carvalho, directora do Centro de Estudos Internacionais (ex-Centro de
Estudos Africanos) ao qual se segue uma entrevista realizada por Philip Havik a
Malyn Newitt sobre este mesmo autor. Tanto o texto de Clara Carvalho, como as
palavras de Malyn Newitt, que trabalhou com Patrick Chabal durante vários anos
no King's College de Londres, resumem sob pontos de vista complementares a
carreira e a obra de Patrick Chabal e a sua relevância para os estudos
africanos. Patrick Chabal, para além de todo o contributo excecional que deu
aos estudos sobre África e do profundo trabalho que desenvolveu sobre as
realidades políticas, económicas, sociais e culturais dos PALOP, honrou a
revista Cadernos de Estudos Africanos aceitando ser membro do seu Conselho
Científico. Ao solicitarmos a Clara Carvalho e a Malyn Newitt comentários sobre
Patrick Chabal prestamos-lhe aqui a nossa homenagem e esperamos contribuir para
que a sua vasta obra seja lida e relembrada por todos aqueles que hoje e nas
diferentes disciplinas das ciências sociais se dedicam a estudar temáticas
africanas. Nesta época, em que tantos e tão contraditórios desafios se colocam
aos diferentes países desse continente, mais do que nunca, a profundidade
analítica baseada em sólidos conhecimentos multidisciplinares que constituíram
os elementos marcantes da obra de Chabal, como bem realçam Clara Carvalho e
Malyn Newit, é necessária.
A seguir a esta entrevista sobre Patrick Chabal este número da Revista
apresenta um conjunto muito diversificado de artigos de autores de diversas
áreas disciplinares, países e em diferentes fases da sua carreira académica.
Esta diversidade segue a linha de orientação que esta Revista tem vindo
desenvolver e na qual nos propusemos intercalar estes números avulsos com
números temáticos, como foi o caso do último que publicámos e centrado no tema
do desporto.
Os dois artigos iniciais deste número, embora ambos abordando questões que
envolvem relações entre países diferentes, refletem sobre esta temática a
partir de ângulos muito diversos e analisando problemáticas distintas: as
relações entre o Brasil e Moçambique são o pano de fundo a partir do qual o
primeiro artigo questiona a problemática do desenvolvimento e a cooperação Sul-
Sul e, no artigo seguinte, as práticas e significados que as populações locais
atribuem às fronteiras entre Moçambique e o Zimbábue constituem o centro da
reflexão. O terceiro artigo, embora ainda centrado em Moçambique, reflete sobre
temáticas relacionadas com o desenvolvimento urbano de Maputo. Os últimos três
artigos deste número abordam temáticas que se reportam a outros contextos
africanos: através de uma análise sobre a Frente Democrática Revolucionária do
Povo Etíope (EPRDF) questiona-se a problemática do nacionalismo, a partir de
uma perspetiva de saúde analisam-se conhecimentos, atitudes e perceções de
homens do Zimbábue relativamente a práticas sexuais e, por último, são
analisadas as técnicas de construção e o papel socioeconómico dos dhow do
Zanzibar na atualidade.
Marta Zorzal, investigadora do Departamento de Ciências Sociais da Univer-
sidade Federal do Espírito Santo no Brasil, no artigo intitulado Cooperação
Sul-Sul, investimentos externos e desenvolvimento: Existem novas perspetivas a
partir do sul global?, inicia a sua reflexão descrevendo as relações e tensões
que caracterizam a temática do desenvolvimen-to, a cooperação externa e os
investimentos estrangeiros diretos nas economias ditas emergentes do eixo Sul-
Sul. Desenvolve os seus argumentos problematizando, entre outros aspetos, as
racionalidades e as ideologias impressas nos modelos de desenvolvimento que
viajam dos países industrializados para os não industrializados e conclui
indicando algumas tendências observadas nos investimentos diretos reali-zados
pela Vale S.A. na Província de Tete em Moçambique.
Marta Patrício, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Instituto
Universitário de Lisboa, no artigo intitulado A fronteira Moçambique-Zimbabué
e os ndau: Práticas e representações transfronteiriças no distrito moçambicano
de Mossurize (de 1975 à actualidade) procura demonstrar as implicações que as
políticas dos Estados têm na forma como os grupos fronteiriços se relacionam
com a fronteira e com os membros do mesmo grupo étnico que vivem do outro
lado.
O terceiro artigo, da autoria de Sílvia Jorge e Vanessa Melo, investigadoras do
Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-
IUL), centra-se em Maputo e analisa os processos e dinâmicas de intervenção no
espaço peri-urbano desta capital africana. As autoras refletem sobre a forma
como atualmente se reconfiguram as desigualdades sócio-espaciais entre o centro
urbanizado e a área peri-urbana que marcam a cidade de Maputo desde a sua
génese.
Jean-Nicolas Bach do Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux é o autor do
artigo A EPRDF e a construção da nação: Ajustes nas convicções e pragmatismo.
O autor argumenta que o nacionalismo pan-etíope e étnico coexistiu no
nacionalismo da TPLF-EPRDF antes da guerra de 1998-2000 contrariamente ao que
tem sido defendido e defende que o nacionalismo multifacetado da EPRDF foi
adaptado e ajustado às novas circunstâncias e que tal explica a fácil
reativação e reinven-ção do pan-etiopianismo a partir de 1998.
No artigo intitulado Tem tudo a ver com sexo: O que os homens zimbabueanos
sabem do alonga-mento dos pequenos lábios vaginais, Guillermo Martínez Pérez,
Concepción Tomás Aznar e Harriet Namulondo da Facultade de Ciências da Saúde da
Universidade de Zaragoza, desenvolvem uma reflexão a partir de um estudo
qualitativo sobre os conhecimentos, as atitudes e as perceções de homens
residentes em meios urbanos no Zimbábue relativamente a esta prática. Embora
refiram que o alonga-mento dos pequenos lábios vaginais é apreciado no Zimbábue
como forma de aumentar o prazer sexual para ambos os parceiros, os autores
referem que esta conclusão necessita de mais pesquisas de forma a poderem-se
compreender melhor as implicações desta prática ao nível da saúde.
Por último, este número da Revista apresenta o artigo Os dhow do Zanzibar: A
técnica de construção de uma antiga embarcação de origem árabe e o seu papel
socioeconómico na actualidade. O autor, Fernando da Piedade Carvalho do
Instituto Tecnológico e Nuclear, do Instituto Superior Técnico da Universidade
de Lisboa, analisa a persistência e a utilidade atual deste tipo de embarcações
milenares, apesar da escassez de matérias-primas e da utilização de
instrumentos de trabalho manuais na sua construção.
Mais uma vez nos orgulhamos de através desta Revista podermos contribuir para o
diálogo entre investigadores oriundos das mais diferentes áreas disciplinares.
Este diálogo, e o rigor das análises que o sustenta, constituem a essência da
multidisciplinariedade que cada vez mais se afirma como imprescindível na
elucidação dos complexos processos contemporâneos que atravessam os diferentes
países africanos.
A todos aqueles que aceitaram em regime de anonimato comentar os artigos,
elevando com os seus comentários os níveis de qualidade deste número da
Revista, queremos aqui expressar os nossos maiores agradecimentos. Igualmente,
e nunca é de mais realçar, não podemos deixar de elogiar o esforço conjunto de
toda a equipa editorial, de secretariado e de revisão e edição, bem como o
apoio de diversos membros da comissão científica e que possibilitaram a
realização deste número.
Uma nota relativa aos diferentes modos de escrever português parece-nos também
necessária. A política para este número, como para os anteriores, foi a de
deixar ao critério dos autores a opção de escrever utilizando ou não as regras
do último acordo ortográfico.