Migrações e Estratégias de Desenvolvimento dos Pequenos Estados Insulares em
Desenvolvimento: Estudos de caso: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe
Esta análise pretende aprofundar a reflexão sobre o efeito da emigração no
nível de desenvolvimento dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento que
irei designar por SIDS (Small Island Developing States). O facto de
constituírem um conjunto elevado de países determinou que, a nível
internacional, lhes fosse dada uma atenção especial.
As Nações Unidas identificaram 52 países do mundo integrados no grupo dos SIDS,
sendo 10 deles países de desenvolvimento económico baixo. Neste pequeno
conjunto viverá 23% da população dos SIDS (UN, 2013, p. 3), tendo a sua taxa de
crescimento económico sido muito baixa entre 1970 e 2011 e os níveis de pobreza
elevados. O facto de terem custos acrescidos em infraestruturas, que podem
condicionar o acesso aos mercados, aos diferentes níveis de ensino e
qualificação ou mesmo aos serviços de saúde, aumenta a sua vulnerabilidade.
Também a sua maior fragilidade ambiental e o seu importante papel no equilíbrio
ecológico mundial determinaram uma atenção especial das Nações Unidas. Houve
mesmo o reconhecimento da necessidade de assegurar a mobilização de capitais,
privados e públicos, associados à boa governação, estabilidade política,
melhores políticas macroeconómicas e construção de Capital Humano (Boto &
Biasca, 2012, p. 21) como essenciais à sustentabilidade do seu desenvolvimento.
Mas essa captação de capitais está muito dependente das estratégias de
desenvolvimento do país e da população emigrada e suas remessas que, em muitos
casos, superam a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) ou o investimento
privado. A análise destes pontos foi baseada no trabalho de campo realizado em
Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe e que será desenvolvida ao longo deste
artigo[2].
O facto de terem sido criadas taxonomias para a classificação dos SIDS,
atendendo aos aspetos citados, levou também à sua análise, questionando-se a
integração destes dois países numa ou noutra das suas categorias, o que será
analisado nos subtítulos referentes a cada um.
Também o facto de haver desenvolvimentos teóricos sobre as causas e
consequências dos movimentos migratórios, que não se podem desligar das
estratégias seguidas por cada um dos países, determinou que se lhe fizesse
referência num ponto autónomo. Isso serviu de base a uma reflexão sobre a
integração destes dois países na classificação SIDS.
Esta investigação, partindo de fontes primárias e secundárias, foi aprofundada
e atualizada através de entrevistas semiestruturadas feitas a diferentes
intervenientes. A existência de muita documentação local em Cabo Verde e a sua
grande dispersão territorial determinou que se centrassem apenas nos
representantes institucionais das duas ilhas mais populosas (Santiago e São
Vicente). Foram razões opostas que levaram a que para São Tomé e Príncipe as
entrevistas se tivessem alargado também à população dos diferentes distritos e
das duas ilhas: quase ausência de fontes documentais e maior concentração
territorial. Para a sua realização escolheu-se uma amostra da população que,
embora não se possa considerar representativa, abrangeu todos os distritos da
ilha de São Tomé e também a Região Autónoma do Príncipe. Esta dispersão
territorial e o número de entrevistados (48 entre a população das diferentes
regiões, que representavam 274 pessoas tendo em conta a dimensão média dos seus
agregados familiares) permitiram obter informação com alguma fiabilidade.
Por outro lado, estas entrevistas permitiram também fazer uma análise
qualitativa do nível de vida da população e dos efeitos da emigração na sua
alteração em termos de acesso ao consumo, à saúde e à educação ou à capacidade
de realização de investimentos.
Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento: sua vulnerabilidade e
resiliência
Este ponto procura caracterizar os SIDS e apresentar a evolução das propostas
de taxonomia em função das estratégias de desenvolvimento, olhando sempre para
os dois países objeto do estudo empírico, pontos mais aprofundados em itens
dedicados a cada um.
Embora com características distintas, todos os SIDS (pequenas ilhas ou
arquipélagos com menos de 1,5 milhão de habitantes) pelo facto de serem
territórios insulares de reduzida dimensão territorial e populacional
apresentam constrangimentos e custos acrescidos ligados ao pequeno mercado, ao
isolamento geográfico e à vulnerabilidade aos desastres naturais. Estes fatores
determinam a necessidade de maiores investimentos em infraestruturas de
comunicações, transporte e energia, reforçando-se no caso dos arquipélagos. A
dispersão territorial exige acréscimos de instalações e equipamentos com
destaque nos sectores da saúde e educação. Se houver capacidade financeira para
o fazer facilitará o acesso à saúde e potenciará a formação interna de quadros,
minorando o risco de fuga de cérebros quando completam a sua formação no
exterior. As vulnerabilidades associadas a esses fatores vêm sendo reconhecidas
pelas diversas cimeiras da ONU sobre SIDS. A Cimeira do Rio em 1992, a
Conferência de Barbados de 1994 e o seu Plano de Ação, a Estratégia das
Maurícias e a recente Conferência da Samoa (setembro de 2014) constituíram
momentos de reflexão sobre as fragilidades e o papel da comunidade
internacional na sua superação. Os resultados desta última, sintetizados no
Samoa Pathway,voltaram a destacar estes aspetos, mas enfatizaram os problemas
do desemprego jovem, feminino e das pessoas sem qualificações, o decréscimo do
investimento externo associado à crise mundial, a importância da educação e
formação e dos seus grandes recursos naturais a explorar de forma sustentável.
A relevância dos SIDS no equilíbrio ambiental global e na manutenção da
biodiversidade determinou o apelo à comunidade internacional no estabelecimento
de parcerias com este grupo de países, mas pouco acrescentou sobre o
financiamento do seu desenvolvimento.
A estratégia de cada país ou território, condicionante do seu desenvolvimento,
determinou a sua inserção num primeiro modelo classificativo (MIRAB[3], TOURAB
[4] ou BD[5]).
Após a II Guerra Mundial houve alterações de soberania de muitos territórios.
Alguns SIDS preferiram manter-se como territórios ultramarinos de países
europeus. Outros optaram pela independência política e definiram uma estratégia
de desenvolvimento centrada no sector público, dependendo também fortemente das
remessas dos seus emigrantes e da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD).
Inseriam-se no modelo MIRAB. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram aqui
integrados. No entanto, o desenvolvimento do turismo e a diminuição do peso da
APD, no caso de Cabo Verde, e as reduzidas remessas, no caso de São Tomé e
Príncipe, parecem não permitir a inclusão inequívoca neste grupo.
Outros SIDS, de que são exemplo as Maldivas e as Seychelles, conseguiram
diversificar a sua atividade para sectores industriais, não descurando também a
agricultura e o turismo, integrando o grupo BD. Outros ainda relevaram o
turismo como fator estratégico complementarmente às remessas e à APD, atingindo
maior nível de desenvolvimento económico e social. Constituíam o grupo TOURAB,
de que faria parte a Reunião.
Estudos mais recentes, fundamentados em dados empíricos, colocam em causa estas
classificações. A investigação realizada, já no início deste século XXI, por
McElroy e Mahoney (2000), Baldacchino e Milne (2000), Armstrong e Read (2000),
Bertram (2006), Baldacchino (2006, 2010) ou McElroy (2006) conduziu a uma nova
proposta de taxonomia para caracterizar as ilhas segundo as suas estratégias de
desenvolvimento. Embora ainda não completamente estabilizada, agrupa as
pequenas ilhas em três categorias:
* MIRAB (Migration, Remittances, Aid and Bureaucracy)
* PROFIT Island (People, Resource management, Overseas Engagement/
Diplomacy, Finance and Transportation);
* SITE (Small Island Tourism Economies).
As ilhas PROFIT, conceito desenvolvido por Baldacchino e Milne, em 2000,
seguiriam estratégias de desenvolvimento focadas na população, incluindo os
movimentos migratórios, gestão dos recursos locais (minerais, naturais,
políticos e de carácter imaterial) e compromissos internacionais conseguidos
pela diplomacia ou para-diplomacia, incluindo vantagens fiscais, visando atrair
Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Paralelamente criaram zonas offshore
destinadas a atividades financeiras, registo de navios e bases militares, com
impostos reduzidos (paraísos fiscais). A APD e as remessas passaram a recursos
secundários. Esta estratégia de desenvolvimento multissectorial tem permitido
tornarem-se não só economicamente mais ricas mas também socialmente mais
desenvolvidas e demograficamente mais maduras. Apresentam taxas de mortalidade
e fecundidade baixas, população estabilizada, esperança de vida alta, e ambos
os membros do casal estão no mercado de trabalho, permitindo níveis de
rendimento relativamente elevados. São exemplos Bahamas, Malta ou Madeira
(Bertram, 2006, p. 7).
Em 2006, McElroy introduziu o termo SITE para explicar a estratégia das
pequenas ilhas de águas quentes (exemplificando com ilhas das Caraíbas, mas
cujo grupo incluirá ilhas de outras regiões geográficas), que ultrapassaram as
suas desvantagens decorrentes da monoprodução da era colonial para acederem a
um crescimento mais sustentável, optando pela atividade turística como
impulsionadora do seu desenvolvimento com o apoio do IDE na construção de
infraestruturas necessárias ao sector. São exemplos as Maldivas, Curaçau, Bali
ou Aruba (Bertram, 2006, p. 7). O facto de muitas vezes as suas estratégias de
desenvolvimento incluírem plataformas bancárias offshore,como Caimão e Bermudas
(ibid.), faz com que as suas características se cruzem com as do grupo PROFIT.
Esta situação levou a que Ashley Oberst e Jerome McElroy (2007) propusessem
apenas duas categorias (MIRAB e PROFIT-SITE, em que as ilhas SITE seriam uma
subdivisão das PROFIT.
Armstrong e Read identificaram outro conjunto de ilhas, as Sub-national Island
Jurisdictions (SNIJ) definidas por McElroy e Mahoney (2000) como territórios
ultramarinos insulares de pequenas dimensões, que apresentam melhores
resultados que os seus homólogos de maiores dimensões e com independência
política[6]. No entanto, estas sub-regiões não seriam um grupo autónomo mas
integrar-se-iam nas tipologias anteriores, atendendo às suas estratégias e ao
seu desenvolvimento sectorial.
Considerando esta nova tipologia (MIRAB ou PROFIT-SITE) a maioria dos estudos
continua a integrar Cabo Verde e São Tomé e Príncipe no grupo MIRAB (Oberst
& McElroy, 2007, p. 175). A apresentação de dados, em itens dedicados a
cada um dos países, permitirá uma maior reflexão sobre a adequação desta
integração.
A mutação das estratégias de desenvolvimento determinará a alteração da
categoria taxonómica em que se incluem, sendo exemplo as ilhas Caimão. Em
apenas uma década, de uma economia MIRAB, altamente dependente das remessas, da
ajuda e do emprego no sector público, com rendimentos que faziam com que se
apresentasse como uma das ilhas mais pobres das Caraíbas, transformou-se na
terceira ilha mais rica desta região (Bertram & Poirine, 2007, p. 332).
Estes modelos estão associados às opções estratégicas dos países e à sua maior
ou menor dependência das remessas de emigrantes, da ajuda pública ao
desenvolvimento, das receitas do turismo, do desenvolvimento de atividades
industriais, agrícolas ou financeiras. A importância da emigração no
desenvolvimento dos países, de maior relevância nos SIDS, determinou algum
desenvolvimento teórico, aspeto apresentado no ponto seguinte.
As migrações como espaços de oportunidades
Explicação dos movimentos migratórios
A mobilidade internacional das pessoas tem por base diferentes fatores que
variam consoante o período histórico e o ângulo de análise.
Ravenstein (1885) foi o primeiro autor que procurou estudar com consistência o
fenómeno migratório, tendo estruturado as leis da migração baseado em dados
empíricos.
Mas foi no século XX que houve um maior desenvolvimento desses estudos e a
formulação de teorias sobre migrações. A ênfase colocada em diferentes causas,
económicas ou também sociais, no indivíduo e/ou no sistema, determinou que se
apresentasse uma sistematização em macroteorias (neoclássica, sistema-mundo,
dualidade do mercado de trabalho), microteorias (push-pull, neoclássica,
espaços sociais transnacionais) e mesoteorias (capital social, redes sociais,
novas teorias das migrações).
Até à década de 80 do século XX as análises eram essencialmente de caráter
macroeconómico e a emigração era vista como mecanismo de equilíbrio (Hagen-
Zanker, 2008, p. 8) do sistema capitalista. A partir daí as teorias focaram-se
também em aspetos microeconómicos, procurando a identificação dos fatores
individuais de emigração. Mais recentemente, procuram integrar aspetos
macroeconómicos e microeconómicos, relevando a família e a comunidade.
Quer numa análise micro quer macroeconómica a teoria neoclássica focava-se no
modelo de economias com níveis de desenvolvimento diferentes. Seriam os
movimentos de capitais e mão-de-obra entre o mundo capitalista desenvolvido e o
não desenvolvido que determinariam os equilíbrios no mercado de trabalho e nos
fluxos de capital. As migrações desempenhariam aí um papel importante. Lewis
(1954) foi um dos principais teóricos desta corrente. Wallerstein (1974), na
sua teoria do sistema-mundo, analisou a interdependência das economias e dos
processos migratórios. Seria a própria génese do sistema capitalista ao agrupar
os países em centro, periferia e semiperiferia, que criaria fluxos de capital
em direção às regiões menos desenvolvidas e fluxos de mão-de-obra das regiões
periféricas em sentido inverso.
Por sua vez, a teoria da dualidade do mercado de trabalho, desenvolvida por
Piore (1979) baseou-se na observação de que os fluxos migratórios estavam
dependentes de vários fatores de atração de mão-de-obra. Seria a segmentação do
mercado de trabalho pela deslocação dos nacionais para profissões mais bem
remuneradas ou profissionalmente mais protegidas que abriria lugar aos novos
trabalhadores dos países mais pobres.
Partindo dos pressupostos de análise de Ravenstein, Lee (1966) criou o seu
modelo push-pull para justificar os movimentos migratórios através dos
fatores repulsivos (push) e dos fatores atrativos (pull) de cada país. Para
Cabo Verde, seriam os fatores repulsivos que levariam a fluxos de emigração
permanentes (secas, fomes, pobreza).
Taylor (1986) acrescentou aos fatores atrativos a existência de redes sociais
como elemento atenuante dos custos da emigração. Foi um ponto de vista
reaproveitado pela Teoria dos Espaços Sociais Transnacionais. Pries (1999) e
Faist (2000) desenvolveram-na, justificando a intensificação do fenómeno
migratório através da existência e dinâmica das redes e laços familiares,
linguísticos ou religiosos que atravessam o mundo. Estes espaços transnacionais
e o capital social surgem como recursos do emigrante, sendo a sua intensidade
uma das justificações das dinâmicas dos processos migratórios. Sendo este um
capital menos tangível, baseado na solidariedade e na confiança, apresenta-se
como uma sinergia facilitadora da integração social e do fortalecimento das
relações económicas num mundo global.
Nas décadas de 80 e 90 surgiram as Novas Teorias da Emigração (NELM)[7].
Procuraram integrar novos elementos de análise como o papel das famílias e das
próprias comunidades nas escolhas individuais sobre a emigração. Seria a
racionalidade dos agregados familiares em termos de custos (impacto na família,
incluindo custos monetários e não-monetários), proveitos (remessas, ascensão
social, acesso a investimentos e consumos, incluindo a educação) e risco (risco
da emigração, risco de continuar na pobreza, risco de não diversificar fontes
de rendimento) que determinaria os fluxos de pessoas.
Demetrios Papademetriou e Philip Matin (1991) ao dizerem que a migração
internacional é o produto de uma complexa interação de forças económicas,
políticas, culturais, linguísticas e religiosas (p. 6), chamam a atenção para
a complexidade do fenómeno. Apontam para a necessidade de circunscrever a
análise a três aspetos que consideram fundamentais (recrutamento, remessas e
retorno) de forma que seja possível a construção de um quadro teórico que
contribua, de forma mais articulada, para a compreensão da dinâmica do
fenómeno.
Estes estudos, focados nos problemas da emigração, constituem tentativas de
explicação do fenómeno migratório em cada momento histórico. Servirão como
orientação para a análise feita para cada um dos países.
Os processos migratórios recentes
Os processos migratórios mais recentes são ainda mais complexos. A criação de
espaços económicos e sociais abertos, decorrentes da globalização e da
facilitação das comunicações e dos transportes, determinou fluxos de pessoas
mais informadas e melhor formadas. Surge aqui o conceito de mobilidade como um
conjunto de competências linguísticas, técnicas ou sociais facilitadoras da
deslocação espacial dos indivíduos, dentro do país e além-fronteiras. Também os
conflitos armados motivados por causas económicas, sociais ou religiosas
impulsionam estes movimentos. Existem, no entanto, fatores restritivos: as leis
de imigração ou o desemprego nos países de destino. A análise dos movimentos
migratórios, suas causas e consequências passou a envolver uma variedade de
fatores que se interligam e se condicionam.
A maioria dos SIDS tem elevadas taxas de emigração, sendo as remessas enviadas
pelos migrantes consideradas como um recurso com crescente importância no
financiamento do desenvolvimento e do bem-estar, especialmente naqueles países
com altas taxas de emigração como os SIDS (UN, 2013, p. 14). De acordo com a
mesma fonte, as remessas globais atingiram 510 mil milhões em 2012 (ibid.),
mais do triplo da APD, sendo menos influenciadas pela crise económica. No
entanto, o seu verdadeiro valor deverá ter sido muito maior, por não serem
contemplados os fluxos informais. Os SIDS estão na dianteira das remessas em
percentagem do PIB por razões ligadas ao volume de população emigrada, laços
familiares e culturais ou perspetivas de regresso. Representavam, no período
2000-2009, em termos de média mundial, 0,63% do PIB, subindo para 1,84% do PIB
nos países menos desenvolvidos e para 7,23% nos SIDS (Feeny, Iamsiraroj &
McGillivray, 2012, p. 12). De acordo com esta fonte e com dados mais recentes
do Banco Mundial, as pequenas ilhas que estiveram na linha da frente na receção
desses fluxos foram Tonga, Haiti, Samoa, Jamaica e Guiana, com valores que
ultrapassaram os 15% do PIB (UN, 2013, p. 12), na média dos dez anos entre 2002
e 2011. Cabo Verde ter-se-á situado nos 12,67% (Feeny et al., 2012, p. 12),
apesar de os fluxos formais se situarem apenas nos 9,8% (BCV, Relatório Anual,
2012, p. 40).
A emigração surge como um espaço de oportunidade individual e familiar, mas
também com efeitos macroeconómicos na balança de pagamentos, em especial para
os que também pertencem ao grupo dos países menos desenvolvidos (LDC)[8]. Por
não terem tido crescimento nas últimas décadas são dos mais vulneráveis do
mundo, necessitando de todos os recursos externos.
A origem das remessas está, na maior parte dos casos, noutros países em
desenvolvimento, justificado pelo facto de 43% dos emigrantes dos países mais
pobres viverem noutro país em desenvolvimento, percentagem semelhante ao dos
que vivem em países de elevado rendimento da OCDE, 42,8% (World Bank, 2011, p.
12). A incapacidade económica de financiar grandes viagens, a permeabilidade
das fronteiras e as dificuldades de entrada nos países desenvolvidos explicam
estes movimentos mais próximos. São as oportunidades de emprego, as diferenças
salariais e os laços culturais a base das escolhas.
Os fluxos de IDE são também importantes no financiamento dos SIDS mas
concentraram-se em poucos. Com dívidas públicas elevadas, uma parte importante
destes pequenos estados continua dependente da ajuda pública ao desenvolvimento
(UN, 2013, p. 15).
A análise dos efeitos dos movimentos migratórios internacionais ainda não é
concludente. As transferências de tecnologia, o aumento da competitividade, as
remessas e a criação de redes sociais e económicas podem apresentar-se como
fatores positivos desta mobilidade. Mas a fuga de cérebros é, muitas vezes,
apontada como uma das consequências mais negativas. Estima-se que a diáspora
africana tenha um nível de formação três vezes superior à média da população
(Gulbenkian, 2006, p. 35).
Estudo de caso – Cabo Verde
Este ponto procura analisar as estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde e
demonstrar a importância das migrações nesse processo, tendo subjacente os
modelos taxonómicos e as teorias explicativas dos processos migratórios.
Pretende ainda perceber a alterações recentes destes movimentos e a importância
do turismo como sector dinamizador da economia e como gerador de maior
autonomia em relação à APD. Esta análise contribuirá para esclarecer as
questões: será o modelo MIRAB o que melhor traduz as estratégias de
desenvolvimento de Cabo Verde atualmente? Poder-se-á integrar este país já na
classificação PROFIT-SITE?
Os movimentos migratórios e o investimento
Como foi referido, as vulnerabilidades dos SIDS aparecem acrescidas nos
arquipélagos como Cabo Verde. A grande dispersão territorial (nove ilhas
habitadas), o clima árido com secas quase constantes e a inexistência de água
potável em algumas ilhas[9] determinaram carência alimentar crónica e níveis de
pobreza elevados, apresentando-se como fatores potenciadores dos fluxos
históricos de emigração.
Fluxos de emigração
Historicamente os destinos da emigração têm-se alterado. Entre 1900 e 1920
foram os EUA o país escolhido pela grande maioria dos emigrantes do país, com
62% (Estêvão, 2001). A ligação com este país no período da caça à baleia
determinou esta escolha. A crise económica de 1929, as políticas restritivas
dos EUA e a II Grande Guerra terão sido as causas da descida líquida dos fluxos
no período 1920-1950. A partir do fim deste conflito houve um novo crescimento
mas com outra orientação. A Europa, nomeadamente a Holanda, a Itália e mais
recentemente Portugal, passaram a ser os principais destinos, ficando os EUA a
alguma distância. Se relativamente a Portugal terão sido os laços culturais,
económicos e linguísticos que explicam a escolha, no caso da Holanda foram as
oportunidades de emprego no porto de Roterdão que estiveram na génese destes
fluxos. Para Itália foram essencialmente mulheres jovens para trabalho
doméstico levadas por Frades Capuchinhos presentes na ilha de S. Nicolau
(Jesus, 1986, como citado por Góis (p. 295) ou por empreiteiros que estiveram
envolvidos na construção do aeroporto do Sal. A independência e a consequente
mudança para passaporte cabo-verdiano, em substituição do português, criaram
novas dificuldades na emigração para a Europa. No período 1970-1975 as taxas
migratórias líquidas foram de (-) 19,1%º habitantes, entre 2005-2010 atingiram
(-) 5,1%º habitantes e é estimado para o período 2010-2015 um valor de (-
) 4,7%º habitantes (OIM, 2010, p. 17).
Atualmente Cabo Verde está noutra fase, com uma situação privilegiada face à
Europa: assinou uma Parceria de Mobilidade com a União Europeia que lhe dá
algumas facilidades de movimentação sob proposta dos países-membros. Também a
inserção no espaço da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), os
três primeiros como regiões de países da União Europeia, facilitará a
realização de projetos comuns e a circulação de pessoas, com destaque para
estudantes e cientistas. Como exemplos temos os projetos Investigación em
salud: el problema de la nutrición en Açores, Canárias y Cabo Verde (Pre-
NUTRIACC), coordenado pela Universidade dos Açores, ou o projeto Cooperação
Científica e Tecnológica da Rede UNAMUNO no Eixo Atlântico com Cabo Verde,
financiado pela União Europeia.
A emigração é vista como um projeto instrumental para ascender a um padrão de
vida razoável em Cabo Verde, o que é difícil com a média salarial cabo-
verdiana (Carling, 2004, p. 116). A diáspora mantém uma forte ligação ao país,
o que tem justificado o elevado peso das remessas na balança corrente e na
melhoria das condições de vida dos familiares.
Embora Cabo Verde, desde a independência, tenha investido massivamente na
educação, com a universalização do ensino básico, com a expansão do ensino
secundário e com a dispersão das escolas superiores pelas diferentes ilhas, uma
parte significativa dos emigrantes continua a ter médias ou baixas
qualificações. No entanto, na diáspora, atualmente, já há muitos quadros
qualificados. Uma percentagem elevada desses quadros (quase 70%) trabalha em
países desenvolvidos, nomeadamente em países membros da OCDE (OIM, 2010, p.
22). Para essa diáspora qualificada os países de acolhimento não têm imposto
restrições, especialmente na área da saúde: 51% dos médicos e 41% dos
enfermeiros nascidos no país terão emigrado. Relativamente aos estudantes que
deixam o país para obterem mais altas qualificações no estrangeiro, no período
1997/98 e 2000/2003, estima-se que 77% não tivesse regressado (ibid.). Para
evitar esta fuga de cérebros o país investiu fortemente no sector. Mas se o
desenvolvimento do país tem estado ligado, desde sempre, à força do seu povo e
à sua diáspora, ela pode potenciar-lhe mais-valias. Os emigrantes podem ser
elementos potenciadores da difusão cultural, com destaque para a música, do
estabelecimento de redes sociais e políticas facilitadoras da integração social
dos emigrantes e seus descendentes ou pelo estabelecimento de relações
económicas vantajosas. Muitas vezes, a ajuda bilateral a projetos de
desenvolvimento resulta da intervenção direta de emigrantes qualificados.
Carling (2004, p. 128) e Cardoso (2000) referem como exemplo a ajuda entre
Luxemburgo e a ilha de Santo Antão, como muito importante em áreas-chave do
desenvolvimento humano: saúde e educação.
As remessas, embora com decréscimo acentuado em relação ao PIB, tendo passado
de 15,9% do PIB em 1993 para 9,8% (BCV, 2012, p. 40) em 2012, representam um
valor importante para o equilíbrio das contas externas.
Apesar desse andamento, em termos absolutos e não obstante as suas flutuações,
mantém um crescimento a longo prazo (quadro_2). Em 2011 tiveram um aumento de
30% e em 2012 de 1,4%[10], enquanto a APD teve um decréscimo de 6,8% em 2010,
37% em 2011 e 3,5% em 2012 (BCV, 2012, p. 40), passando a representar neste
último ano apenas 3,8% do PIB (ibid.).
A resiliência das remessas, apesar da crise internacional, estará ligada às
perspetivas de retorno dos cabo-verdianos ou à ajuda de familiares em Cabo
Verde. Os estudos realizados por Cardoso (2007 e 2011) e por André Tolentino,
Carlos Rocha e Nancy Tolentino (2008, p. 21), levam à conclusão de que é a
família a destinatária das remessas. São as despesas de consumo, saúde,
educação e melhoria das condições de habitação as principais utilizações dos
rendimentos recebidos. Só marginalmente são usados em investimentos,
destacando-se o pequeno comércio.
Por outro lado, a crise financeira internacional, a credibilidade e
estabilidade de Cabo Verde e a legislação favorável aos depósitos de
emigrantes, com isenção de impostos, permitiram a mobilização da diáspora e o
aumento dos depósitos bancários no país. Em 2008 dois terços dos depósitos no
Banco Comercial do Atlântico, um dos maiores bancos comerciais do país, eram de
emigrantes (Carling, 2008, p. 34). Em 2011 o crescimento global dos depósitos
foi de 9% (BCV, 2013, p. 21), mas de 400% entre 1996 e 2010 (Ministério do
Turismo, Indústria e Energia de Cabo Verde, 2013, p. 52), constituindo uma
fonte importante de financiamento dos bancos comerciais.
O comportamento das receitas do turismo
Foram os investimentos no sector turístico, especialmente investimento
estrangeiro de origem espanhola e italiana, mas também alguns investimentos
portugueses e nacionais que explicam o elevado peso do sector. O Programa de
Governo para 2011-2016 dá grande ênfase à importância da alteração do tipo de
turismo, de massas para turismo de alto valor acrescentado, com impacto na
economia interna e no emprego de quadros nacionais (Governo de Cabo Verde,
2011, pp. 12-13). Em 2012, 89,8% do pessoal ao serviço nas unidades hoteleiras
já era nacional (INE-CV, 2012, p. 26).
De acordo com os dados do Banco de Cabo Verde, o turismo tem tido uma
importância significativa em relação ao PIB e no total dos serviços (quadro_4),
tendo crescido 21% em 2012 (BCV, 2012, p. 40). Contribuiu neste mesmo ano com
24,3% para o PIB e com 65,8% para o sector dos serviços (BCV, 2013, p. 36,
quadro_4), ultrapassando o valor das remessas e da ajuda.
Administração Pública
Quando se fala nas estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde e a sua
aproximação a um modelo taxonómico dos SIDS não pode deixar de se fazer uma
referência a este sector. O seu contributo para o PIB continua elevado (quadro
5), o que está muito ligado ao investimento no sector educativo e ao
recrutamento de professores, mas também a outros serviços de caráter social
(segurança social e saúde).
Conclusão
Cabo Verde já apresenta algumas características que o intercetam com os SITE:
as receitas do turismo têm uma importância significativa e crescente,
representando cerca de dois terços do total dos serviços, e a APD recebida é
decrescente. O país fez também investimentos grandes em sectores facilitadores
do turismo: aeroportos, telecomunicações, água ou energia, educação e formação.
No entanto, a administração pública mantém um peso elevado, apesar da
privatização de muitas empresas de serviços que eram da esfera pública.
Cabo Verde continua muito dependente das remessas, determinantes na capacidade
de importação e dos níveis de consumo. O turismo ainda não gera o valor
acrescentado suficiente, apesar do seu grande contributo para o sector
terciário e para o emprego nacional.
Cabo Verde tem seguido uma estratégia que o orienta para a integração no modelo
SITE mas ainda apresenta muitas características dos MIRAB. Entrecruza ambas as
tipologias, estando a fazer um percurso que permitirá a sua futura inclusão no
primeiro grupo.
Estudo de caso – São Tomé e Príncipe
Esta análise procura fazer uma reflexão mais profunda sobre as estratégias de
desenvolvimento de São Tomé e Príncipe e o papel das migrações no seu
desenvolvimento e na segurança alimentar da população. Também aqui se colocam
duas questões: como tem sido o percurso do país e que razões existem para que a
maioria dos estudos o inclua na tipologia MIRAB? Qual é a importância da
emigração e das respetivas remessas?
As migrações e o investimento em São Tomé e Príncipe
O povoamento de São Tomé e Príncipe por europeus, após a descoberta em 1470,
enfrentou dificuldades em resultado da sua pouca resistência às doenças
tropicais. O aproveitamento da ilha em termos económicos esteve na base de um
complexo sistema de recrutamento de mão-de-obra. Se inicialmente era apenas um
entreposto de escravos, ainda durante os séculos XV e XVI passou a ser também
um local de produção de açúcar. Foi a época da Primeira Colonização das ilhas,
em que a atividade económica se organizou em torno de roças, estruturas
dedicadas à monoprodução daquela mercadoria. A transferência da produção
açucareira para a América, onde era conseguido um açúcar de melhor qualidade,
levou a que o arquipélago entrasse numa fase de certa letargia, confinado ao
reabastecimento de navios e ao tráfico de escravos até 1888, ano em que este
foi oficialmente extinto pela coroa portuguesa.
No século XIX surgiu o interesse pela produção de café e cacau e o território
foi reativado em termos económicos em torno destas produções de exportação. Foi
a época da Segunda Colonização.
A imigração, embora com caráter forçado, esteve na base de todo o processo de
desenvolvimento das ilhas desde o seu descobrimento (na 1ª fase como
escravatura, na 2ª fase como contratação em termos mais ou menos formais). Com
a independência, houve a nacionalização das roças e a criação de grandes
empresas agrícolas geridas pelo Estado. A incapacidade de gestão dessas
unidades e o seu abandono após a liberalização económica, na década de 90,
levou a um declínio da produção, quer de culturas de exportação quer da
agricultura como base da sustentabilidade económica do arquipélago. Este
processo, apesar da implementação de vários programas e projetos, ainda não foi
revertido. A indefinição de novas estratégias de desenvolvimento e a gestão
pouco eficiente dos dinheiros da APD destinados ao sector produtivo são razões
justificativas desta situação. A instabilidade governativa, que tem
caraterizado esta II República, também tem potenciado a desestruturação da
economia por descontinuidade e incoerência das políticas económicas,
determinando escasso investimento e poucas oportunidades de trabalho. Esta
difícil situação económica, associada à pouca coesão desta sociedade de
imigrantes forçados, provenientes de regiões com diferentes culturas, serão
fatores que poderão ajudar a explicar a emigração. Mas esses fluxos não têm
contribuído para o desenvolvimento do país ao não se refletirem na melhoria dos
processos produtivos através de transferência tecnológica, no envio de remessas
(gráfico_3) que ajudassem os familiares a superar a situação de pobreza ou no
contributo para o equilíbrio das contas externas. Têm constituído mais uma
oportunidade individual que coletiva, um voltar de costas pela maioria dos que
partem.
De acordo com as estimativas do Banco Mundial (World Bank, 2011, p. 4) 21,9% da
população de São Tomé e Príncipe estaria emigrada em 2010. De acordo com a
mesma publicação a taxa de emigração da população com educação ter-ciária teria
sido, em 2000, de 22%, com um agravamento para os trabalhadores da saúde: 61%
dos médicos e 46,4% dos enfermeiros teriam emigrado (ibid., p. 215).
Os são-tomenses estarão espalhados por muitos países (quadro_6) mas a sua
quantificação apenas foi possível para Cabo Verde e para Portugal. De acordo
com o Censo de 2010 de Cabo Verde só haveria no país 772 indivíduos dessa
origem. Por sua vez, em Portugal em 2011 foram identificados pelo Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (SEF, p. 17) 10 518 indivíduos
originários de São Tomé e Príncipe. Estes valores em conjunto corresponderiam a
menos de 1/3 do total de emigrantes tendo em conta a população do país e a taxa
de emigração: a população total seria de 187 356 indivíduos em 2012 (INE-STP,
2012) e a taxa de emigração de 21,9% em 2010 (World Bank, 2011, p. 215).
Relativamente ao valor das remessas, as estatísticas divergem consoante a
fonte. No gráfico_3 apresentam-se as do Banco Mundial (World Bank, 2011, p.
215) por serem mais coerentes com os resultados da investigação.
Os fluxos das remessas foram reduzidos em ambos os sentidos, mas no caso das
remessas recebidas não refletem o fluxo de emigrantes. Percecionou-se, pelo
trabalho de campo, que a sua escassa relevância poderia ter várias causas,
diferentes consoante o grau de qualificação. No caso dos não qualificados, os
baixos rendimentos que auferem no estrangeiro daria pouca margem para o envio
de remessas a familiares. Mas a própria estrutura familiar não tem uma coesão
suficientemente forte que torne quase obrigatório' esse envio, esmorecendo os
laços familiares com os que permanecem no país. No caso dos emigrantes
qualificados as razões serão um pouco diferentes: quando saem do país para
obter formação superior, se conseguem trabalho, ficam no país de acolhimento.
Estes técnicos sabem que o seu país não tem um nível de desenvolvimento e de
crescimento que lhes permita a sua inserção profissional e a obtenção de
rendimentos similares. Procuram antes o reagrupamento familiar e estabelecem-se
definitivamente no estrangeiro. Esta foi a perceção transmitida pelos
responsáveis governamentais entrevistados e pelas pessoas inquiridas em São
Tomé e Príncipe.
Se se comparar o peso das remessas recebidas, que não chega a 1% do PIB[11],
com o da APD, também em percentagem do PIB, nota-se a relevância desta última,
traduzindo uma forte dependência.
Os dados resultantes do inquérito realizado permitem conclusões na mesma
direção. Dos entrevistados que constituíram a amostra um pouco mais de 33%
(quadro_8) disse ter familiares emigrantes.
No entanto, do total de agregados familiares da amostra, apenas 4,1% deles
tinha recebido com regularidade remessas, 22,9% nunca tinha recebido e 6,3%
apenas de forma esporádica e, neste último caso, em espécie. Ou seja, dos
agregados familiares objeto de estudo apenas 10,4% (quadro_9) afirmou alguma
vez ter beneficiado das remessas dos familiares, apresentando-se estas como
fonte principal de rendimentos apenas em 2% dos casos[12].
Esta análise permite inferir a escassa ligação dos entrevistados e seus
agregados familiares aos benefícios das remessas: 66,7% não tinha qualquer
familiar emigrado e dos que tinham (33,3%) pouco mais de 1/3 disse ter recebido
algum benefício dessa ligação[13]. A importância das remessas era, por isso,
muito pequena.
Grande parte das remessas para os países de rendimentos mais baixos é enviada
por via informal em resultado das elevadas taxas de transferência que, em 2009,
atingiram em média 12% (UNCTAD, 2012, p. VIII). Essas remessas são canalizadas
essencialmente para alimentação e habitação, educação e saúde, segundo a
investigação realizada durante este estudo de campo, dados confirmados com
outros desta organização (ibid., p. 66). Em São Tomé e Príncipe sentia-se, em
2012, um esforço muito grande dos agregados familiares no acesso à educação,
contrariamente à perceção de 2008, quando os agregados familiares ainda não lhe
davam tanta importância. Se, por um lado, os governos, apoiados pela APD,
conseguiram criar infraestruturas escolares dispersas, as famílias têm
conseguido custear as demais despesas. Apenas 7% dos agregados familiares
disse, segundo o INE-PNUD (2010, p. 75), ter dificuldade em que os filhos
renovem as matrículas.
Comportamento das receitas do turismo
São Tomé e Príncipe tem vindo a dar uma atenção especial ao sector turístico.
Houve investimentos privados importantes em algumas unidades hoteleiras e há
voos charter semanais, o que se tem refletido no aumento do seu contributo para
o PIB. A escassez de infraestruturas aeroportuárias tem constituído um entrave
mas também um benefício em termos ambientais. A pequenez e a fragilidade dos
ecossistemas das duas ilhas não são compatíveis com turismo de massas. A ilha
do Príncipe, apenas com 139 km2 e com o estatuto de Reserva Mundial da
Biosfera, exige uma atenção muito especial. A construção do aeroporto
internacional do Príncipe e de novas unidades hoteleiras de luxo pode ser
indutora do emprego de nacionais e de aumento de rendimentos. No entanto, a
interdição de acesso da população a algumas praias pode vir a criar enclaves
turísticos pouco desejáveis.
Administração Pública
A referência a este sector liga-se com as características dos modelos
taxonómicos.
A importância da administração pública é reduzida, contribuindo em 2010 com
apenas 3,7% para o PIB (AfDB, OECD, UNDP & UNECA , 2012, p. 4). A
justificação poderá estar na escassez de serviços de caráter social e não na
sua eficiência.
Conclusão
Do estudo realizado pode inferir-se o reduzido impacto das remessas na melhoria
do nível de vida da população, beneficiando delas uma percentagem diminuta da
população. A administração pública tem também um peso reduzido no PIB. Pelo
contrário, a ajuda assume valores significativos (quadro_7). Por estas razões
questiona-se a inclusão de São Tomé e Príncipe no modelo MIRAB. No entanto, os
estudos internacionais têm integrado o país neste modelo.
Conclusões finais
As migrações podem constituir ou não espaços de oportunidade para os pequenos
países insulares. Tudo depende da existência de políticas económicas coerentes
e estáveis, da capacidade de os estados de origem e recetores criarem políticas
de integração conjuntas, da maior ou menor identidade nacional dos emigrantes,
da manutenção de elos com familiares que permaneçam no país, das remessas ou
mesmo da criação de redes facilitadoras da sua integração. A capacidade de a
diáspora criar redes sociais e políticas pode também ser potenciadora do
investimento no país.
Os dois países objeto deste estudo, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
apresentam características distintas em termos de movimentos migratórios,
remessas e APD.
Cabo Verde está na dianteira nas remessas entre os países africanos estudados
por Ratha, Mohapatra, Shimeles, Ozden, Plaza & Shaw (2011, p. 7). Embora os
emigrantes não sejam os grandes impulsionadores da economia pela via do
investimento, são os garantes do financiamento dos bancos e do bem-estar dos
familiares e, por isso, determinantes do nível de consumo. A sua forte
identidade nacional, a estabilidade política, a boa governação e a existência
de uma política sustentada de desenvolvimento, que já permitiram que o país se
afastasse dos países menos desenvolvidos, são fatores justificativos da
sustentabilidade das remessas. Pelo contrário, São Tomé e Príncipe continua
pouco ligado aos seus emigrantes, apesar de a população emigrada ultrapassar os
20%. As remessas são exíguas, sendo o seu contributo para a melhoria do bem-
estar das famílias e para o equilíbrio das contas externas muito reduzido. A
emigração tem sido mais uma oportunidade individual do que coletiva.
Por outro lado, a ajuda pública ao desenvolvimento começa a ter, em Cabo Verde,
um peso reduzido enquanto em São Tomé e Príncipe ela é expressiva e crescente.
A frágil economia do país tem criado uma crescente dependência da ajuda
externa, gerando algumas turbulências pelo aumento das assimetrias sociais
resultantes da sua utilização pouco criteriosa.
Os dois países são também diferentes no contributo da administração pública
para o PIB. É elevada em Cabo Verde e reduzida em São Tomé e Príncipe.
O desenvolvimento do sector turístico já apresenta um peso significativo em
Cabo Verde, fazendo com que essas receitas substituam o decréscimo da ajuda. Em
São Tomé e Príncipe o seu peso é muito menor.
Esta análise permite colocar a questão: com diferenças tão marcantes poderão
ambos estar integrados no modelo MIRAB? Cabo Verde parece estar num processo de
afastamento deste modelo e de aproximação ao SITE: diminuição da ajuda e
aumento das receitas do turismo, já com peso importante no PIB. Continua, no
entanto, a ter forte peso da administração pública e das elevadas remessas,
aspetos que caracterizam os MIRAB.
São Tomé e Príncipe apresenta algumas características desse grupo: forte ajuda
e emigração. No entanto, outros dos seus pressupostos não se encontram neste
país. O valor das remessas é escasso e o sector público tem um peso pouco
significativo. A sua integração neste grupo parece basear-se apenas na
impossibilidade de inclusão noutro qualquer desta tipologia.