Tempo de cárcere. Um estudo sobre as significações que os Presidiários estão
construindo sobre as suas experiências educacionais na situação carcerária
Maria Gisélia Silva Fernandes
2006
Este estudo tem por objetivo desvelar as significações construídas pelos
alfabetizandos presidiários sobre suas experiências educacionais, na situação
do cárcere. Considerando os objetivos que perseguimos e os aportes teóricos
metodológicos que fundamentam o trabalho, passamos a situar as trilhas da nossa
pesquisa no contexto de um presídio, dando voz aos detentos, cujos discursos
tradicionalmente são reduzidos a patologias ou desvios. Nesta direção,
recorremos à abordagem qualitativa de pesquisa. Nossa escolha metodológica para
o trabalho investigativo utilizará a teoria que é também método das
Representações Sociais, que são marcados pela especificidade de "dar
lugar ao pensamento do Outro" na pesquisa. As histórias de vida nos
auxiliarão a municiar nosso olhar e, por meio delas e de outras formas
narrativas - como as análises de rituais e dos cenários que compõem o cotidiano
carcerário -, as representações sociais serão ordenadas de modo à
'fazerem falar o silêncio" das vozes amordaçadas dos presos da
Penitenciária Modelo Desembargador Flóscolo da Nóbrega, em João Pessoa-(PB).
Utilizamos três meios para coletar os dados; registros no diário de campo,
observações participantes, entrevistas semi-estruturadas com os selecionados
individualmente e em grupos. Para o tratamento dos dados coletados, utilizamos
a escolha de cenários do cotidiano carcerário - o que pôde nos auxiliar a dar
forma concreta às escolhas teóricas e metodológicas do processo de
investigação. A luz de Moscovici, as representações sociais é uma maneira
particular de conhecimento presente no senso comum, tendo como função a
orientação para a ação no cotidiano; ao mesmo tempo em que essa forma de
conhecimento é diretriz na interação entre os indivíduos. No espaço carcerário,
procuramos compreender as representações dos presidiários, movendo-nos junto a
silêncios, gestos, olhares, gritos, palavras e agressões. Neste lugar concreto,
escutando os encarcerados tecerem suas vozes sobre o vivido, procuramos
entender as suas significações. Essa escuta se fez a partir de tempos, lugares
e cenas específicas, que davam circunstancialidade ao dito e se expressavam
como rituais; plenos de material instituído e de material instituinte. Também,
as significações em teias nos puderam mostrar como,nas situações vividas no
cárcere pelos detentos, o sujeito que cometeu um delitopassa a viver um
percurso que vai legitimar a construção do sujeito delinqüente.A dimensão da
transcendência apareceu como lugar único onde as significações dadas ao
percurso vivido no cárcere, em sua ânsia de sentido, tocam explicações de
totalidade que devolvem a inteireza humana, mas não empanam a percepção do que
ali se vivencia como brutal e objeto. A reificação vivida no cárcere, essa
coisificação ou negação dos detentos como sujeitos históricos, humanos,
transcendentes, apontou a necessidade de uma práxis outra que se aperceba dos
"lugares, tempos e as cenas do cárcere" como espaços educacionais,
na intenção de ultrapassar-se a alienação das possibilidades do sujeito
encarcerado; mostrar como essa urdidura acontece, do ponto de vista dos
encarcerados, foi tecer a malha dos rituais do cotidiano, eivados de reprodução
e resistência, junto aos subterrâneos de uma memória em disputa, de uma
imagética violada na sua esperança de dignidade.