América Latina
América Latina
Carmen Fonseca*
Sean W. Burges, Brazilian Foreign Policy after the Cold War
Florida, University Press of Florida, 2009, 229 pp.
Embora à primeira vista o título do livro nos sugira uma mera descrição da
política externa brasileira desde o fim da Guerra Fria, esta obra é muito mais
do que isso. É uma análise e interpretação cuidada da política externa levada a
cabo na era Fernando Henrique Cardoso (de 1992 a 2002), que inclui os anos em
que ocupou a pasta das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. A estrutura do
livro é reveladora do método que está na base do trabalho aqui apresentado, o
que em certa medida se relaciona com o facto de o livro ser resultado da
dissertação de doutoramento que Sean W. Burges (professor na Universidade de
Otava e investigador do Council on Hemispheric Affairs) apresentou, em 2004, na
Universidade de Warwick. Aliás, algumas partes dos capítulos que compõem a obra
já tinham sido trazidas a público anteriormente através da sua publicação em
revistas académicas.
O ponto de partida do seu argumento reside em saber qual a estratégia de
política externa implementada pelo Brasil, entre 1992 e 2002, para preservar a
autonomia nacional, num contexto marcado por pressões e novas exigências
impostas pelo fim da Guerra Fria. Ao mesmo tempo que pretende saber como é que
um país em desenvolvimento, com uma determinada ideia quanto à sua dependência
da economia global, consegue desenvolver iniciativas económicas, como a
formação de uma sub-região (a América do Sul) ou a implementação de um programa
de integração de infra-estruturas físicas.
Para responder a estas questões, Sean Burges, além de caracterizar a política
externa brasileira desde o início do século XX, desenvolve o conceito de
«hegemonia consensual», isto é, a estratégia que orienta a política externa
brasileira permite combinar acções que aparentemente são independentes do
projecto de liderança regional. Este conceito, introduzido por Sean Burges e
baseado nas ideias de Gramsci, permite entender, em certa medida, como é que o
Itamaraty consegue convencer os outros países sul-americanos a subscreverem a
sua visão acerca da hegemonia continental sem que os custos económicos e
securitários de liderança incorram para o Brasil. A integração regional é então
apontada pelo autor como o instrumento utilizado pelo Brasil para avançar com o
projecto de liderança (regional).
Wilhelm Hofmeister, Francisco Rojas e Luis Guillermo Solís (org.), La
Percepción de Brasil en el Contexto Internacional: Perspectivas y Desafíos
(vol. 1)
Rio de Janeiro, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2007, 368 pp.
A percepção que os estados têm uns dos outros é muitas vezes diferente da forma
como se percepcionam a si próprios, sendo que por vezes discursos e atitudes
são também contraditórios. Como podemos interpretar o papel de um Estado no
contexto internacional? Neste caso, qual a percepção que os países vizinhos têm
do Brasil? Na obra organizada por Wilhelm Hofmeister (director do Centro de
Estudos da Fundação Konrad-Adenauer no Brasil), Francisco Rojas (secretário-
geral da FLASCO) e Luis Guillermo Solís (coordenador regional da FLASCO), é
apresentada, no primeiro volume, a percepção que os países latino-americanos
têm do Brasil, e, no segundo volume, a percepção tida pelos países africanos,
asiáticos e europeus.
Além dos textos que reflectem as posições de países como a Argentina, o
Uruguai, o Paraguai, a Colômbia, a Venezuela, o Peru, o Chile, a Bolívia, o
Suriname e o Equador, são ainda apresentados outros textos que caracterizam as
visões que os países vizinhos, no seu conjunto, têm do Brasil. Neste quadro,
Alcides Costa Vaz (Universidade de Brasília) analisa de forma bastante cuidada
as relações do Brasil com os seus vizinhos, concluindo que são maioritariamente
iniciativas bilaterais pontuais, fragmentadas, pouco densas e centradas em
questões políticas. O seu argumento é que a prioridade da política externa
brasileira atribuída às relações regionais, a partir do final da década de
1990, representa um esforço do Brasil para aprofundar a interdependência com os
países vizinhos, de forma a reverter o padrão tradicional. No final da década
de 1980 o Brasil reconheceu a necessidade de valorizar a sua relação com a
região, embora se apercebesse também que não tinha formulado, até então,
qualquer política coesa para a região. Todavia, os próprios contextos de
instabilidade interna que caracterizam a maior parte dos países da região
dificultam a implementação de políticas de longo prazo ' apesar da criação do
Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações.
Conforme registam os organizadores da obra, a integração económica e de infra-
estruturas, a criação de entidades de cooperação e diálogo político podem ser
apontadas como as estratégias definidas para a manutenção das boas relações com
os países fronteiriços do Brasil. Contudo, as agendas bilaterais poderão
incluir assuntos que extravasem o comércio e a segurança. A ideia transversal
aos vários artigos é a de que a cooperação sul-sul poderá consolidar-se
simultaneamente com a consolidação do conjunto de países sul-americanos
definindo interesses e acções comuns. O relacionamento do Brasil com os seus
vizinhos, e com isso a percepção que os países latino-americanos têm do Brasil,
sofreu uma evolução positiva, aprofundando-se a integração regional,
especialmente do espaço sul-americano. Se a esta evolução adicionarmos a noção
de «hegemonia consensual», introduzida por Sean Burges, percebemos parte da
cooperação existente entre o Brasil e a sua área de vizinhança.
Peter R. Kingstone e Timothy J. Power (eds.), Democratic Brazil Revisited
Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2008, 342 pp.
DemocraticBrazil Revisited poderá apresentar-se como o segundo volume de
DemocraticBrazil, Actors, Processes and Institutions editado pelos mesmos
autores e publicado em 2000. O primeiro volume resultou maioritariamente da
reunião de textos de investigadores que, na década de 1990, terminaram as suas
teses de doutoramento ' incluindo os editores, Peter R. Kingstone e Timothy J.
Power ' e onde avaliavam a evolução da democracia brasileira.
Apresentado dez anos depois, DemocraticBrazil Revisited explora acima de tudo o
primeiro ano de governo de Lula da Silva e, nalgumas situações, fá-lo
comparativamente com os anos de Fernando Henrique Cardoso. Peter R. Kingstone
(Universidade de Connecticut) e Timothy J. Power (Universidade de Oxford) não
procuraram apenas caracterizar os sistemas político e partidário do Brasil,
como haviam feito em 2000, e por isso este livro compila um conjunto abrangente
de textos que permite compreender o Brasil contemporâneo nas suas mais variadas
dimensões.
A primeira parte do livro analisa o papel do Partido dos Trabalhadores no
quadro da estrutura partidária brasileira mas também enquanto forma
organizacional da sociedade civil. A segunda parte centra-se no debate
institucional do Brasil analisando as instituições, a classe política e a
qualidade das eleições. Segue-se depois um conjunto de textos que estudam os
desafios políticos com que uma sociedade marcada pela desigualdade tende a
confrontar-se. É feita uma análise às reformas económicas implementadas, às
políticas sociais de Cardoso e de Lula, à segurança pública e é ainda traçada
uma evolução das políticas afro-brasileiras que têm sido implementadas.
Por fim, a última parte engloba dois textos que analisam a democracia a partir
de baixo: por um lado, averiguam se os valores democráticos existem para lá da
esfera política e como contrastam com a visão das elites; por outro, através de
uma perspectiva antropológica, e também com o objectivo de recolher as opiniões
de outras facções da sociedade, são apresentadas conclusões de uma investigação
que teve como foco de estudo os habitantes das favelas do Rio de Janeiro.
Kingstone e Power recuperam o método utilizado anteriormente, e conseguem, mais
uma vez, fornecer um conjunto de análises que nos permite conhecer outras
facetas de um país cada vez mais estudado.
Larry Diamond, Marc F. Plattner e Diego Abente Brun (eds.), Latin America
Struggle for Democracy
Baltimore, The John Hopkins University Press, 2008, 301 pp.
O tema da democratização da América Latina é atractivo e tem sido objecto de
estudo de vários investigadores ' exemplo disso é o conjunto de artigos
reunidos por Larry Diamond, Marc F. Plattner e Diego Abente Brun na obra
LatinAmerica Struggle for Democracy. Este livro, o primeiro dedicado
exclusivamente à América Latina desde que o Journalof Democracy começou a
editar em livro os artigos ali escritos, apresenta-nos um conjunto de artigos
publicados naquela revista entre 2004 e 2008.
Os artigos foram agrupados em três partes. A primeira engloba sete textos que
caracterizam globalmente a região latinoamericana, tendo em conta a
instauração, as nuances e transformações da democracia. As duas partes
seguintes dizem respeito a estudos de caso ' na segunda parte reúnem-se artigos
que se centram nos países da América do Sul; e, na última parte, os artigos que
avaliam o México, a América Central e o Caribe.
O texto de Arturo Valenzuela, que inaugura a terceira parte do livro, traça uma
evolução das presidências que foram interrompidas, entre 1985 e 2004, nos
vários países da América Latina. Com o levantamento desta informação o autor
regista a fragilidade da democracia, especialmente do sistema presidencial tão
característico das democracias latino-americanas, mas que tem contribuído pouco
(sendo o Brasil a excepção mais emblemática) para o sucesso democrático da
região.
O último capítulo, embora contenha um artigo sobre a América Central e outro
sobre o Caribe, concentra-se no caso do México, nomeadamente nas eleições de
2006. Depois da avaliação do contexto político interno e partidário que
caracterizou aquelas eleições, segue-se um artigo de Jorge Castañeda e Marco A.
Morales. Os autores propõem um conjunto de reformas ao sistema eleitoral e
institucional mexicano com base no balanço das últimas eleições.
A grande mais-valia desta obra é a reunião, num único volume, de análises em
torno do continente latino-americano em geral, e sobre cada um dos países, em
particular, tendo a democracia como pano de fundo.
* Investigadora no IPRI – UNL e assistente convidada no Departamento de Estudos
Políticos da FCSH – UNL. Doutoranda em Relações Internacionais na FCSH – UNL,
onde prepara uma tese sobre política externa brasileira.
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