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EuPTHUHu1645-91992009000300003

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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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O fim da Guerra Fria e a unificação alemã

O FIM DA GUERRA FRIA E O FIM DA DIVISÃO ALEMÃ O processo de negociação internacional que antecedeu a unificação alemã e moldou o fim da Guerra Fria foi crucial na construção da futura ordem de segurança pós-Guerra Fria na Europa 1 . Esta nova ordem de segurança foi o resultado da transformação da estrutura de poder, onde a Alemanha emerge como a potência central europeia 2 .

Washington esteve na primeira linha dos que apoiaram esta mudança crucial na Europa decidindo com isto o ritmo e a magnitude da dimensão internacional do processo negocial da unificação alemã. A condição prévia para a unificação foi o reforço da continuidade institucional euro-atlântica, que permitiu à Alemanha a permanência nas estruturas da NATO e da União Europeia (UE) ao mesmo tempo que fortalecia os seus relacionamentos especiais com os Estados Unidos e a França. Consequentemente, enquanto que o fim da Guerra Fria trouxe o fim da bipolaridade e a mudança estrutural pacífica na Europa na ausência de uma guerra hegemónica, a continuidade das instituições existentes como binding institutions assegurava uma transição equilibrada para o mundo do pós-Guerra Fria 3 . Por outras palavras, a fórmula para a mudança e a unificação foi a continuidade da diplomacia multilateralista da Alemanha através das estruturas institucionais das quais ela era membro e a consolidação da ordem liberal constitucional do pós-1945 na NATO e na UE, instituições que, pouco depois, iniciariam processos de alargamento 4 .

Este artigo aborda a política da unificação alemã e levanta a questão de como é que a liderança da República Federal da Alemanha (RFA) conduziu o processo negocial e geriu a recuperação do estatuto de poder da Alemanha. O artigo também analisa o papel decisivo dos Estados Unidos em apoiar a perspectiva de unificação desde o início, o que fortaleceu a determinação do chanceler Helmut Kohl em aproveitar a oportunidade, assim como porquê, após forte resistência inicial, a liderança soviética aceitou que a Alemanha unificada permanecesse na NATO. Por último, o artigo argumenta que as decisões de política externa que o Governo alemão tomou nos meses cruciais antes de Outubro de 1990 foram escolhas que ainda condicionam a política externa alemã vinte anos depois e que ajudam a explicar a posição da Alemanha na presente ordem euro-atlântica.

Existem várias interpretações de como a Guerra Fria acabou na Europa e de como a unificação alemã aconteceu de forma célere e sem sobressaltos 5 . Em primeiro lugar, da perspectiva estruturalista autores que defendem o argumento de que foi a força do Ocidente, e os Estados Unidos em particular, que forçou a União Soviética a um recuo estratégico da política internacional como uma das duas superpotências da ordem bipolar. Para estes autores, maioritariamente de uma abordagem realista e neo-realista, a vitória através da força explica as fraquezas do poder soviético e em última instância a derrota da União Soviética 6 .

Para a perspectiva neo-realista as respostas para "a guerra e a paz [] encontravam-se mais na estrutura do sistema internacional do que na natureza dos Estados individuais" 7 .

Logo, a alteração da balança internacional de poder, no fim da Guerra Fria, libertaria a Alemanha unificada para se lançar numa trajectória de aumento de poder com base numa política externa mais assertiva ou mesmo mais agressiva 8 . Empiricamente, o receio de muitos líderes europeus, em 1989-1990, em aceitar uma Alemanha unificada no Centro da Europa tinha precisamente a ver com a ansiedade quanto a estas potenciais modificações. A dificuldade do neo-realismo em incluir a política interna nesta análise, "talvez a mais séria falha do neo- realismo", limita a sua capacidade em apresentar um estudo abrangente da unificação alemã, devido ao envolvimento activo de Kohl e da sua equipa governamental nas negociações 9 .

Em segundo lugar, a explicação liberal para o fim da Guerra Fria deriva da atractividade do modelo liberal democrático do Ocidente e da sua capacidade em prevalecer sobre regimes autocráticos assim como do seu objectivo de "acomodar a União Soviética e, ao mesmo tempo, integrá-la na nova ordem de segurança europeia" 10 . Estes autores identificam a continuidade da política externa com base numa orientação multilateralista e integracionista e enquadrada em instituições internacionais como os dois princípios orientadores da política externa.

Partiam da premissa de que a Alemanha, voluntariamente, prosseguiria uma estratégia de autolimitação assente no multilateralismo e na integração europeia. Pondo em causa o poder da estrutura internacional como condicionante das acções do Estado, estes autores argumentavam que o forte envolvimento da Alemanha em instituições internacionais influenciava a definição dos interesses do Estado. Se durante a Guerra Fria a RFA se tinha tornado um Estado multilateralista e europeizado não havia razão plausível para que após a unificação esta postura devesse ser alterada 11 .

Em terceiro lugar, estudos de orientação construtivista sugerem que a identidade liberal que caracterizou o mundo ocidental após 1945 moldou decisivamente a forma como acabou a Guerra Fria e facilitou a aceitação da unificação alemã contra a fragilidade da estrutura social e política do regime soviético e a sua hegemonia coerciva sobre a Europa de Leste 12 .

A mudança estrutural na Europa foi a consequência do fim da rivalidade entre as duas superpotências e a bipolaridade sistémica, o início dos movimentos de democratização na Europa de Leste e dentro da antiga URSS e, finalmente, o fim da União Soviética.

Para os países da Europa Central e Oriental isto representou uma mudança estrutural fundamental, com novas instituições e novas alianças como os elementos definidores de uma nova política externa, para a Europa Ocidental isto confirmou a continuação das instituições e alianças da ordem euro- atlântica. Logo, o período de transição foi marcado por mudanças significativas, mas também por continuidade.

Os Estados Unidos, a União Soviética e a RFA foram os actores mais significativos nesta redefinição da ordem de segurança europeia. O período entre o Verão de 1989 e o Outono de 1990 demonstrou a liderança internacional das duplas Kohl e Genscher, Bush e Baker e Gorbachev e Shevardnadze no processo negocial internacional diplomático na criação da futura arquitectura de segurança europeia 13 .

APOIO AMERICANO, RETICÊNCIAS FRANCESAS O apoio europeu para a unificação das duas Alemanhas fora sempre ambíguo; enquanto que o Tratado de Paris de 1954 afirmava o compromisso das potências ocidentais presentes em território alemão em alcançar a unificação por meios pacíficos, muitos países tinham-se instalado na retórica confortável do apoio verbal a um cenário cada vez mais distante. "É evidente que sempre apoiámos a unificação alemã", confessava o antigo primeiro-ministro Edward Heath, "porque sabíamos que ela não iria acontecer" 14 .

Margaret Thatcher, então primeira-ministra britânica, opôs-se ferozmente à ideia de unificação por recear um revivalismo do nacionalismo alemão e uma política externa agressiva 15 . O Reino Unido viria a alterar a sua posição após pressão americana, passando de uma oposição directa a um reforço do seu relacionamento com Washington como forma de contrabalançar o inevitável acréscimo do poderio alemão.

Paris e Washington tinham visões quase opostas quanto à unificação alemã. A França foi o país da Comunidade Económica Europeia que mais dificuldade teve em aceitar a possibilidade da unificação. O Presidente Mitterrand não escondeu o seu desinteresse em ver a Alemanha unificada assumir um papel político mais relevante no espaço euro-atlântico que isso seria sempre feito à custa do poder da França. Os Estados Unidos adoptaram uma posição oposta que o Presidente George Bush defendeu quando sugeriu, na sua visita a Mainz, na RFA, em Maio de 1989, que a RFA deveria tornar-se o parceiro preferencial de Washington numa "Europa unida e livre", através de uma "partnership in leadership", onde a Alemanha assumisse o papel de líder europeu e consequentemente aliviasse o que seria a diminuição do esforço americano na Europa.

Não obstante, o objectivo comum francês e americano era o de reter alguma forma de controlo sobre as acções alemãs. Por isso a França, inicialmente reticente e cautelosa, transformou o objectivo da unificação europeia no principal instrumento negocial em troca da obtenção de garantias quanto ao compromisso alemão para com a integração europeia 16 . A maioria dos autores considera que a França apenas aceitou a unificação quando o Governo de Kohl concordou com o projecto de União Económica e Monetária (UEM) em Maio de 1990 17 .

Enquanto que a França aprofundava a integração europeia, os Estados Unidos reforçavam a Aliança Atlântica. Para o Presidente Bush a unificação poderia ocorrer se a Alemanha unificada permanecesse membro da NATO. O medo da França da ascensão da Alemanha a potência predominante na Europa estava ligado ao seu papel de potência em declínio na política internacional e enquanto média potência com pretensões a grande potência mundial e potência dominante na Europa 18 . Enquanto que na arena internacional a França actuava através do conceito de soberania, invocando interesses nacionais franceses, aceitava a limitação da soberania na política europeia, para lhe permitir um maior controlo sobre as acções alemãs 19 . Em contrapartida, o apoio dos Estados Unidos à unificação e a uma Alemanha mais forte estava associado à sua posição de potência vitoriosa na ordem pós- bipolar 20 . Washington considerava que a emergência da Alemanha como um poder estabilizador na Europa dependia da definição dos interesses alemães e dos relacionamentos e instituições que esta identificasse como mais conducentes à defesa desses interesses. Os franceses tinham dificuldade em aceitar que "quando um Estado se torna mais poderoso - como aconteceu com a Alemanha desde a unificação - não manifeste o seu poder" 21 . A França associou por isso a sua aceitação da unificação com o aprofundamento da integração europeia porque temia que a Alemanha se sentisse tentada a enveredar pela unilateralidade se o motor franco-alemão não progredisse na integração europeia. Para Paris, "a única coisa pior do que a dominação pela Alemanha dentro da CEE seria a dominação alemã fora da CEE" 22 . Contudo, deve-se concluir que o papel da França foi paradoxalmente construtivo que o que motivou a sua postura política - o receio do aumento do poder da Alemanha - acelerou o processo de integração europeia, a começar pelo Tratado de Maastricht de Fevereiro de 1992 23 .

A queda do Muro de Berlim a 9 de Novembro de 1989 apanhou todos de surpresa, mas o chanceler Kohl não vacilou perante a magnitude da mudança. Demonstrou ambição para imprimir liderança alemã ao processo. A 28 de Novembro Kohl apresentou um plano de dez pontos sobre a política alemã (Deutschlandpolitik) ao Bundestag. Neste plano, o chanceler expôs a sua visão sobre a dimensão interna de um futuro Estado unificado. Segundo Kohl, após a eleição de um governo democrático na República Democrática Alemã (RDA) as duas Alemanhas deveriam criar "estruturas confederativas entre os dois Estados na Alemanha de forma a criar uma federação" 24 . O plano de Kohl foi um plano de política interna e apesar de não ter abordado a política externa alemã ou a dimensão internacional de um futuro processo negocial com vista à unificação não deixou de referir a importância da integração europeia.

Reconhecendo que o "sucesso dos movimentos de reforma [na Polónia e na Hungria] foi uma condição prévia para o movimento reformista na RDA", Kohl aceitava que a unificação alemã teria que ser vista no contexto da integração europeia onde a unificação alemã e a unificação europeia eram os dois lados da mesma medalha.

Por outras palavras, as negociações sobre a unificação alemã teriam de ter em conta o futuro alargamento da Comunidade Europeia. "A CE não pode terminar no [rio] Elbe", afirmava Kohl; "Ela tem que permanecer aberta ao Oriente." 25 Apesar de não ter dado conhecimento prévio do seu plano de dez pontos aos seus aliados, Kohl podia contar com o apoio de Washington. O papel dos Estados Unidos foi crucial. O Presidente Bush respondeu ao plano de Kohl através de um discurso que fez na sede da NATO em Bruxelas, a 4 de Dezembro, onde afirmou que a entrada da Alemanha unificada na NATO e o reconhecimento da fronteira polaco- alemã eram condições prévias do apoio americano à unificação 26 . A unificação seria aceite por Washington se a Alemanha renunciasse a pretensões neutralistas e se se tornasse membro da NATO 27 . A estratégia da Administração Bush era tripla. Primeiro, contra a maioria dos outros estados, apoiar de facto a unificação. Segundo, dar garantias de segurança à União Soviética. Por último, assegurar que as tropas americanas permanecessem como força estabilizadora na Europa. Esta estratégia confirmava os Estados Unidos como uma potência europeia e preparou o caminho para que Moscovo aceitasse a unificação.

Devido ao seu apoio imediato à Alemanha e ao seu papel como única superpotência Washington definiu a evolução da dimensão internacional do processo negocial desde o início. Bush e Baker acalmaram ansiedades britânicas e francesas quanto à perspectiva de uma Alemanha unida no Centro da Europa e, mais decisivamente, asseguraram à liderança soviética que uma Alemanha unida membro da NATO não iria constituir uma ameaça para Moscovo 28 . A 24 de Fevereiro de 1990, Bush e Kohl reuniram-se em Camp David para acertarem posições quanto a uma posição comum face aos seus parceiros e à URSS 29 . Acordaram que era necessário atribuir ao território da RDA um "estatuto militar especial" numa Alemanha unificada 30 . Deste modo, apesar de importantes condicionantes internacionais com que o Governo da Alemanha Federal se deparou entre Novembro de 1989 e o Outono de 1990, o chanceler Kohl prosseguiu com o seu propósito de aproveitar a oportunidade para alcançar uma unificação rápida.

As negociações "Dois mais Quatro", o processo diplomático que constituiu a dimensão internacional da unificação entre os dois estados alemães e as quatro potências aliadas, iniciaram-se a 13 de Fevereiro na sequência de uma conferência internacional entre a NATO e o Pacto de Varsóvia quando os ministros dos Negócios Estrangeiros das duas Alemanhas, Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha e França anunciaram que em breve iriam discutir "os aspectos externos do estabelecimento da unidade alemã, incluindo questões de segurança dos Estados vizinhos" 31 .

Internamente, na RFA, a possibilidade de uma unificação alemã rápida não foi uma questão consensual. O Partido Social-Democrata (SPD), o segundo maior partido da RFA, mostrou-se relutante em apoiar o Governo. O candidato a chanceler, Oskar Lafontaine, opôs-se à unificação e à ideia de uma Alemanha unificada na NATO. Karsten Voigt e Egon Bahr, especialistas de política externa e de segurança alemãs, foram as vozes mais críticas no seio do SPD quanto à integração alemã na NATO como condição sine qua non para a unificação. Contudo, personalidades históricas dentro do partido, como o antigo chanceler Willy Brandt, insistiam na necessidade de uma Alemanha unificada permanecer membro da NATO. No congresso partidário do SPD em Berlim, entre 18 e 20 de Dezembro de 1989, Brandt e o presidente do SPD, Jochen Vogel, pronunciaram-se a favor de uma "confederação em breve" dos dois estados alemães.

A ALEMANHA UNIFICADA COMO MEMBRO DA NATO A questão central quanto aos aspectos internacionais da unificação alemã foi como ligar a unificação à permanência da Alemanha na Aliança Atlântica. Tornar-se-ia a Alemanha unificada um membro de pleno direito da NATO, ou seria atribuído um estatuto militar especial ao antigo território da RDA? 32 Kohl e Genscher não defendiam inicialmente os mesmos objectivos quanto às modalidades de negociação da Alemanha unificada dentro da NATO. Segundo Elbe e Kiessler, para Genscher a questão da permanência da Alemanha unificada na NATO poderia ser melhor abordada através de uma base negocial ampla, num contexto negocial abrangente que incluísse as preocupações legítimas soviéticas e dos países vizinhos. Garantir a segurança através da cooperação seria a melhor forma de assegurar a transformação de ambas as alianças militares. Genscher defendia por isso o reforço das estruturas de segurança entre a NATO e o Pacto de Varsóvia nas suas transições para uma "aliança de segurança colectiva comum". O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão tornou a sua posição conhecida no discurso que proferiu na Academia Protestante de Tutzing, a 31 de Janeiro, onde argumentou a favor de uma Alemanha unificada dentro da NATO 33 .

Mas reconhecendo que os interesses soviéticos de segurança não deveriam ser comprometidos, Genscher considerou que "não haverá extensão do território da NATO para leste, i.e., próximo das fronteiras da União Soviética" 34 . Genscher opunha-se assim a que "a RDA deveria ser incluída nas estruturas militares da NATO" 35 . Segundo Elbe e Kiessler, "a fórmula de Genscher era a de que a Alemanha unificada se tornaria um membro da NATO mas que as tropas em território da RDA não ficariam sob a alçada das estruturas de comando da NATO" 36 .

Kohl e Genscher concordavam que uma Alemanha unificada neutra no Centro da Europa constituiria um potencial de instabilidade maior do que uma Alemanha unificada institucionalmente integrada nas estruturas de segurança na ordem do pós-Guerra Fria.

A posição do chanceler foi mais directa. Num discurso perante o Bundestag a 15 de Fevereiro de 1990 Kohl afirmou que uma Alemanha unificada "deveria permanecer no seio da Aliança Ocidental" 37 . Contudo, "nenhuma unidade nem equipamento da Aliança seriam atribuídos ao presente território da RDA" 38 . Para Kohl, o futuro estatuto de segurança da RDA seria negociado apenas depois das eleições legislativas na RDA, a 18 de Março, e através de consulta com os quatro poderes presentes na Alemanha. Segundo Elbe e Kiessler, existiram planos tanto na chancelaria como no Ministério da Defesa para que a RDA fosse integrada nas estruturas militares da NATO 39 .

O papel da União Soviética foi o de uma potência em declínio, cuja liderança tinha a consciência da fraqueza negocial e da debilidade estrutural que afectava a sua posição internacional ao mesmo tempo que mantinha a ilusão de que poderia ainda determinar o curso das revoluções democráticas em curso na Europa Central e Oriental e que poderia condicionar o resultado do processo negocial da unificação alemã. Sob a liderança de Mikhail Gorbachev a URSS tinha adoptado o "novo pensamento" na política externa segundo o qual cada nação tinha direito à autodeterminação quanto ao seu sistema político 40 . Este princípio foi proclamado em Junho de 1989 quando Gorbachev visitou Kohl em Bona e, numa declaração conjunta, ambos reconheciam a todos os estados na Europa o direito de escolherem livremente o seu sistema político.

A aceitação de liberdade interna, contudo, não significava a possibilidade de alteração das alianças militares: o Pacto de Varsóvia continuaria a ser o principal instrumento da política externa soviética. Na prática, contudo, o comunicado final da reunião dos países membros do Pacto de Varsóvia em Bucareste, a 7 de Julho, ao estipular que "qualquer ingerência nos assuntos internos e qualquer tentativa de limitar a soberania dos Estados é inaceitável", representava o fim da doutrina Brejnev 41 . Isto galvanizou os movimentos de reforma na Europa Central e Oriental na sua luta pela liberdade.

Quanto à possibilidade de unificação alemã a União Soviética encontrava-se numa posição mais desconfortável porque tinha mais a perder. Por isso a estratégia foi adiar o processo o mais possível para garantir um resultado favorável a Moscovo. Após a cimeira americano-soviética em Malta, em Dezembro de 1989, Gorbachev declarou que o fim da existência de dois estados alemães levaria à desestabilização da Europa. Contudo, a margem de manobra era muito reduzida.

A visita de Kohl e Genscher a Moscovo a 10 de Fevereiro produziu o "resultado histórico", nas palavras de Kohl, do consentimento soviético quanto à unificação. Para Gorbachev "os próprios alemães devem fazer a sua escolha. Os alemães da RFA e da RDA têm que saber qual é o caminho que querem seguir" 42 .

Gorbachev e Shevardnadze estavam dispostos a negociar todos os aspectos da unificação com uma excepção crucial: a permanência da Alemanha na NATO não poderia ser estendida a todo o território unificado. Em primeiro lugar, uma adesão plena representaria uma derrota estrutural para Moscovo e uma alteração considerável da balança de poder europeia. Em segundo lugar, uma NATO alargada à Alemanha unificada impulsionaria o alargamento da NATO na Europa Central e Oriental, ao qual Moscovo se opunha veemente. Por último, tendo em conta as alterações que isto acarretaria na estrutura de segurança europeia, a liderança soviética carecia de apoio doméstico 43 .

Quando Gorbachev se encontrou com o secretário de Estado americano, James Baker, em Moscovo, entre 7 e 10 de Fevereiro, o objectivo foi o de assegurar um estatuto militar neutral para as duas Alemanhas. Quando três meses depois foi novamente a Moscovo, entre 16 e 19 de Maio, Baker apresentou "nove garantias" a Gorbachev 44 . Uma dessas garantias era a de que forças da NATO não seriam colocadas no antigo território da RDA durante um período de transição e enquanto houvesse tropas soviéticas nesse território. Nesses nove pontos não houve qualquer referência a um futuro alargamento da NATO para países da Europa Central e Oriental. Houve meramente a sugestão da parte de Baker de atribuir à URSS um papel importante na CSCE, instituição que seria revitalizada e cuja estrutura seria negociada numa conferência até finais de 1990 45 . Para além disso foi sugerido a assinatura de um tratado CFE sobre a limitação de forças convencionais na Europa.

Em finais da Primavera de 1990 a margem de manobra política da liderança soviética tinha diminuído consideravelmente. Em vez de forçarem o Governo alemão a escolher entre a unidade e a permanência na NATO, no final de Junho, Gorbachev e Shevardnadze deixaram de exercer pressão sobre o Governo de Kohl.

Nas semanas que antecederam a importante reunião no Cáucaso, onde os soviéticos finalmente aceitaram a Alemanha unificada como membro da NATO, Washington indicou que poderia vir a concordar com a soberania plena alemã juntamente com os seus aliados ocidentais caso Moscovo decidisse não cooperar 46 . Isto teria implicado o fim dos direitos das potências aliadas na Alemanha, assim como o falhanço diplomático das negociações entre Moscovo e o Ocidente.

Na cimeira da NATO em Londres, em 5 e 6 de Julho, os membros da NATO apresentaram a sua posição quanto a uma rápida unificação alemã e a inclusão do país na Aliança como não sendo uma posição negociável 47 .

O acordo com a URSS quanto aos aspectos externos da unificação, incluindo a permanência da Alemanha na NATO, foi finalmente assinado aquando da visita de Kohl e de Genscher ao Cáucaso entre 14 e 17 de Julho de 1990 48 .

A mudança da posição soviética explica-se, primeiro, pelas despesas militares exorbitantes e pela sobreextensão imperial que marcou o império soviético em finais da década de 1980. Em segundo lugar, um contínuo veto à adesão da Alemanha unificada à NATO corresponderia a um bloqueio de Moscovo à unificação alemã, o que danificaria o clima negocial internacional pacífico necessário para que Gorbachev prosseguisse com a sua nova política externa e o seu objectivo de reformar o socialismo soviético. Em terceiro lugar, a União Soviética esperava que o Governo alemão contribuísse financeiramente para a retirada das tropas soviéticas do solo da RDA; logo, sairia prejudicada financeiramente se não pudesse aceitar o crédito e a assistência financeira que Bona estava disposta a conceder. Por último, o papel dos Estados Unidos foi mais uma vez decisivo em forçar a concordância soviética para mudanças na arquitectura de segurança europeia. Na perspectiva de Kohl o apoio soviético era necessário, mas a pressão americana foi decisiva. A Alemanha seria unificada e tornar-se-ia um membro soberano da NATO; em troca, renunciaria ao direito de possuir armas nucleares, uma disposição que acalmava os soviéticos e os franceses.

O Tratado quanto ao Acordo Final com respeito à Alemanha foi finalmente assinado, em Moscovo, a 12 de Setembro de 1990 49 . O seu artigo 5.º estipulava que até à conclusão da retirada das forças soviéticas do antigo território da RDA, em finais de 1994, "apenas unidades de defesa territorial alemãs que não estão integradas nas estruturas da Aliança às quais as forças armadas alemãs no resto do território alemão estão atribuídas serão estacionadas nesse território como forças armadas da Alemanha unificada" 50 . Forças armadas estrangeiras e armas nucleares e os sistemas de lançamento não seriam colocados nessa parte da Alemanha. Depois da retirada das forças soviéticas do território da ex-RDA e de Berlim as forças militares alemãs integradas na estrutura de comando da NATO poderiam ser colocadas na totalidade do território alemão, mas não ser portadoras de armas nucleares. A 1 de Outubro de 1990, as quatro potências aliadas (Estados Unidos, União Soviética, França e Reino Unido), signatárias do Acordo de Potsdam de 1945 e como tal signatárias do tratado de 12 de Setembro de 1990, suspenderam os seus poderes e responsabilidades quadripartidos em relação a Berlim e à Alemanha 51 .

A CONTINUIDADE DA POLÍTICA EXTERNA NA ALEMANHA PÓS-UNIFICADA É um paradoxo da política externa alemã que a unificação e o reposicionamento da Alemanha como potência central europeia não levou, até 1998, a uma diplomacia mais assertiva, menos multilateralista e menos europeísta. Perante a potencial redefinição da política externa o Governo de Kohl optou pela continuidade dos compromissos de aliança, pelo aprofundamento da integração europeia e pelo tradicional multilateralismo 52 . Kohl promoveu o aprofundamento do núcleo duro da UE, através de uma forte relação franco-alemã, e iniciou o alargamento institucional ao Leste europeu, com os seus parceiros europeus, ao mesmo tempo que não deixava de fortalecer a relação bilateral entre a Alemanha e os Estados Unidos. Neste sentido, Kohl seguiu uma estratégia verdadeiramente euro-atlântica, interligando a integração europeia à relação transatlântica. Nesta estratégia a via europeísta era a pedra angular que Kohl acreditava que a unificação europeia era a melhor resposta à nova posição da Alemanha unificada.

Por outras palavras, a ênfase que o chanceler deu à integração europeia como uma questão de guerra ou de paz na Europa, e o seu contínuo compromisso com a parceria franco-alemã e a aliança americano-alemã serviu para deliberadamente evitar a mudança dos parâmetros da política externa do seu país. "O eixo da orientação da nossa política externa não mudou", afirmava Kohl. "Para a Alemanha unificada as parcerias atlântica e europeia continuam a ser de significado existencial. Após a unificação a Alemanha inteira é agora - como a velha República Federal - espiritual e politicamente parte do Ocidente" 53 . Isto correspondia à convicção de Kohl de que testar a robustez das alianças num novo contexto estrutural internacional danificaria a integração europeia, a Aliança Atlântica e a própria Alemanha. Por último, Kohl foi bismarckiano ao considerar que a melhor forma de garantir a mudança crucial provocada pela unificação era a de manter os eixos da política externa alemã inalteráveis e evitar assim um desequilíbrio na política europeia e transatlântica.

Contudo, a Alemanha foi um participante activo na transformação da arquitectura de segurança na Europa, tornando-se um dos principais apoiantes da integração da Polónia, República Checa e Hungria na NATO. O ministro da Defesa alemão, Volker Rühe, promoveu o alargamento da NATO aos países de Visegrado desde a Primavera de 1993 54 .

O apoio alemão manteve-se apesar da contínua oposição por parte da Rússia 55 . Para o então ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Evgueni Primakov, o alargamento da NATO "foi possivelmente o maior erro desde o fim da Guerra Fria" 56 . Na tentativa de acomodar os interesses de todas as partes envolvidas através de relações altamente personalizadas, Kohl deu um impulso decisivo na redefinição da relação entre a NATO e a Rússia, em 1997, aquando da assinatura do Acto NATO-Rússia sobre Relações Mútuas, Cooperação e Segurança em 27 de Maio.

VINTE ANOS DEPOIS A história demonstrou que "não interesse central alemão que possa ser alcançado sem a cooperação com outros estados", como ficou demonstrado pelo caminho que levou à unificação alemã 57 . As negociações diplomáticas servem de exemplo de uma diplomacia internacional dinâmica e liderança política com visão onde as questões críticas foram quase todas clarificadas por contactos pessoais antes que os governos tomassem as decisões. O que é de sublinhar é como a liderança soviética acabou por aceitar a unificação através de um processo rápido, dentro das alianças existentes e sem receber muito em troca que da perspectiva da elite política uma Alemanha unificada no seio da NATO representava uma mudança significativa na balança de poder europeia e transatlântica, em detrimento da posição soviética. Por outro lado, a posição norte-americana foi crucial. Como afirmou recentemente Robert Hutchings,

"tendo em conta o que poderia ter corrido mal, parece evidente que os Estados Unidos estavam certos em atribuir tamanha prioridade ao seu papel de líder, certos em dar o seu apoio total à unificação, certos em opor-se às tentativas britânicas, francesas e soviéticas de descarrilar ou atrasar o processo, e certos em insistir que a Alemanha fosse soberana desde o momento da unificação, com as suas relações de aliança intactas e sem novas restrições."

E os alemães estavam certos, continua Hutchings, "não apenas em forçar uma unificação rápida internamente, mas também em acelerar o projecto europeu para que o seu país recém-unificado encontrasse um lugar seguro no seio de uma Europa mais unida e uma comunidade transatlântica continuamente forte" 58 .

Ao contrário do que se passou na primeira metade do século XX e de forma menos acentuada durante a Guerra Fria, uma Alemanha unificada no Centro da Europa não é hoje vista como ameaça à estabilidade do espaço euro-atlântico.

A unificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990 e o colapso da União Soviética a 25 de Dezembro de 1991 marcaram o fim da Guerra Fria e a transição para uma nova arquitectura de segurança na Europa e na ordem euro-atlântica. Como foi afirmado no início do artigo, o processo de negociação internacional que marcou a unificação alemã foi crucial na construção da futura ordem de segurança pós- Guerra Fria na Europa.

Para o espaço euro-atlântico representou a consolidação da ordem liberal constitucional; para a Europa, reflectiu o compromisso franco-alemão renovado para com a unificação europeia; para a Rússia pós-soviética iniciou o processo de redefinição do seu estatuto de poder.

Durante a década de 1990, marcada pela transição assim como pela continuidade, a Rússia pós-soviética entrou num período de desorientação na sua política externa, a Alemanha afirmou a sua nova posição como potência central europeia e os Estados Unidos entraram numa nova era de política pós-atlântica. A Alemanha afirmou-se como grande potência europeia através da continuidade das suas políticas multilateralistas nas instituições europeias e transatlânticas de que faz parte, e do seu poder normativo 59 .

Vinte anos depois, contudo, a Alemanha, a Rússia e os Estados Unidos permanecem as três principais potências da área euro-atlântica e a Alemanha o actor que mais teria a perder com uma mudança deste quadro de segurança institucionalizado em 1990.

NOTAS 1 Agradeço a Pierre Hassner, Vesselin Dimitrov e Carlos Gaspar, assim como aos investigadores do IPRI, os comentários a versões anteriores do artigo.

2 SCHWARZ, Hans-Peter - Die Zentralmacht Europas. Deutschlands Rückkehr auf die Weltbühne. Berlim: Siedler Verlag, 1994.

3 IKENBERRY, G. John - After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars. Princeton: Princeton University Press, 2001.

4 G. John Ikenberry desenvolveu o conceito de "ordem constitucional" no seu livro After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars. Ikenberry define ordens constitucionais como "ordens políticas organizadas em redor de instituições legais e políticas que operam para atribuir direitos e limitar o exercício do poder. [] Os riscos da competição política são reduzidos pela criação de processos de participação e decisão institucionalizados que especificam regras, direitos e limites aos governantes" (p. 29).

5 BOZO, Frédéric, REY, Marie-Pierre, LUDLOW, N. Piers, e NUTI, Leopoldo (eds.) - Europe and the End of the Cold War: A Reappraisal. Routledge, 2008; BROOKS, Stephen, e WOHLFORTH William C. - "Clarifying the end of Cold War debate". In Cold War History. Vol. 7, N.º 3, 2007, pp. 447-454; DAVIS, James W., e WOHLFORTH William C. - "German unification". In HERRMANN, Richard K., e LEBOW, Richard Ned (eds.) - Ending the Cold War: Interpretations, Causation, and the Study of International Relations. Nova York: Palgrave Macmillan, 2004; GADDIS, John Lewis - The United States and the End of the Cold War. Oxford: Oxford University Press, 1992; HOGAN, Michael J. (ed.) - The End of the Cold War: Its Meaning and Implications. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1992; LEBOW, Richard N., e RISSE-KAPPEN, Thomas (eds.) - International Relations Theory and the End of the Cold War. Nova York: Columbia University Press, 1995; WOHLFORTH, William C. - "Realism and the end of the Cold War". In International Security. Vol. 19, N.º 3, 1994, pp. 91-129; BROOKS, Stephen Brooks, e WOHLFORTH William C. - "Power, globalization and the end of the Cold War". In International Security. Vol. 25, N.º 3, 2000-2001, pp. 5-53; ENGLISH, Robert - "Power, ideas and new evidence on the Cold War's end: a reply to Brooks and Wohlforth". In International Security. Vol. 26, N.º 4, 2002, pp. 70-92.

6 WALTZ, Kenneth - "The emerging structure of international politic". In International Security. Vol. 18, N.º 2, 1993, pp. 44-79; BARING, Arnulf (ed.) - Germany's New Position in Europe: Problems and Perspectives. Oxford: Berg, 1994; HACKE, Christian - Weltmacht wider Willen: Die Aussenpolitik der Bundesrepublik Deutschland. Frankfurt am Main: Ullstein, 1993; SCHWARZ, Hans- Peter - Die Zentralmacht Europas. Deutschlands Rückkehr auf die Weltbühne.

7 MEARSHEIMER, John - "Back to the future: instability in Europe after the Cold War". In International Security. Vol. 5, N.º 56, 1990, p. 9.

8 HYDE-PRICE, Adrian - "'Normative' power Europe: a realist critique". In Journal of European Public Policy. Vol. 13, N.º 2, Março de 2006, pp. 217-234.

9 HOFFMANN, Stanley - The European Sisyphus. São Francisco: Westview Press, 1995, p. 283.

10 RISSE, Thomas - "The Cold War's endgame and German unification". In International Security. Vol. 21, 4, Primavera de 1997. pp. 159-185.

11 IKENBERRY; G. John - After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and the Rebuilding of Order after Major Wars; LEBOW, Richard Ned - "The long peace, the end of the Cold War, and the failure of realism". In International Organization. Vol. 48, N.º 2, 1994, pp. 249-277; JANNING, Josef - "A German Europe - a european Germany? On the debate over Germany's foreign policy". In International Affairs. Vol. 72, N.º 1, 1996, 33-41; MAULL, Hanns - "Germany and Japan: the new civilian powers". In Foreign Affairs. Vol. 69, N.º 5, 1990, pp.

91-106; RISSE, Thomas - "The Cold War's endgame and German unification", pp.

159-185.

12 KATZENSTEIN, Peter (ed.) - The Culture of National Security. Norms and Identity in World Politics. Nova York: Columbia University Press, 1996. RUGGIE, John G. - Constructing the World Polity. Essays on International Institutionalization. Londres: Routledge, 1998; WENDT, Alexander - "Identity and structural change in international politics". In LAPID, Yosef, e KRATOCHWIL, Friedrich (eds.) - The Return of Culture and Identity in IR Theory.

Boulder: Lynne Rienner, 1996; FORSBERG, Thomas - "Economic incentives, ideas, and the end of the Cold War: Gorbachev and German unification". In Journal of Cold War Studies. Vol. 7, N.º 2, 2005, pp. 142-164.

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