France
France
Henrique Raposo[*]
Nicolas Baverez, Nouveau Monde, Vielle France
Paris, Perrin, 2006, 393 pp.
Nouveau Monde, Vielle France apresenta uma tese que Nicolas Baverez já tinha
defendido em La France qui Tombe (2003): a elite francesa, diz este aroniano,
recusa enfrentar um facto empiricamente provado, um facto que só os franceses
recusam ver. Que facto é esse? Resposta: o declínio da França. Durante as
últimas décadas, Paris manteve um discurso de grande potência, mas, ao mesmo
tempo, revelou uma confrangedora incapacidade ao nível das capacidades. Ou
seja, existe um abismo entre a retórica francesa e o real poder francês no
mundo. Paris julga que ainda tem a grandeur do passado, mas é somente uma
potência média. Nos textos aqui reunidos, Baverez continua esta tese. Mais: o
autor alarga a tese a todo o espaço europeu. Nouveau Monde, Vielle France lança
um aviso aos franceses e europeus em geral: a Europa tem de compreender que a
História regressou. Os europeus não podem pensar que continuarão, sem esforço,
na liderança normativa da «comunidade internacional». Para manter essa
liderança é preciso mostrar mais poder militar. No fundo, Baverez afirma que
chegaram ao fim as ilusões do fim da história. Chegou ao fim a ideia de que o
mundo seria gerido pelo Tribunal Penal Internacional, chegou ao fim a ideia de
que todos os estados obedeceriam aos «direitos humanos», tal como eles são
concebidos em Paris ou Londres. Baverez salienta ainda outro ponto essencial:
políticos, intelectuais e eleitorados europeus convenceram-se de que a melhor
das políticas consistia em, precisamente, não fazer política; criou-se a ilusão
de que já não existiam inimigos, adversários ou rivais. Ao longo dos longos
anos 1990, os europeus perderam de vista a noção de que a paz não é uma
condição natural, mas o resultado político das estratégias dos estados. O
pensamento europeu passou a ser a-histórico e apolítico. E perante a aceleração
da história (11 de Setembro, crescimento exponencial das novas potências
asiáticas), a Europa desenvolveu a ilusão de que seria poupada aos grandes
choques do século xxi, e continuou a inventar pretextos para continuar fora da
História (Bush foi um desses pretextos). Em jeito de conclusão, Baverez declara
que essa ilusão tem um preço. Se a Europa não voltar a pensar em termos
realistas, a próxima ordem internacional será ditada pelos Estados Unidos e
pela China. Se a Europa não voltar a entrar política e estrategicamente na
história, então, estaremos perante a consumação do mundo pós-europeu:
«l'histoire du xxie siècle sera écrite par d'autres».
Isabelle Lasserre, L'Impuissance Française: 1989-2007, Une diplomatie qui a
fait son temps
Paris, Flammarion, 2007, 221 pp.
Isabelle Lasserre segue aqui uma pista intelectual de Nicolas Baverez. Se o
historiador fala em Velha França ou na França que tomba, esta jornalista do Le
Figaro disserta sobre a impotência francesa. De forma clara, Lasserre afirma
que os valores e a grandeur franceses não se conseguem impor na nova hierarquia
internacional. Ou seja, a França já não tem a capacidade estrutural para impor
as suas narrativas no sistema internacional. Assim, este acaba por ser mais um
livro a abordar a grande questão francesa (e europeia) do início do século xxi:
o abismo epistemológico que existe entre a auto-imagem da França e a realidade
internacional; os franceses continuam ' de forma cega ' a declarar que a França
é uma potência global, mas, na verdade, a França é uma velha potência em
declínio. Este declínio francês já é uma certeza em todas as capitais, desde
Washington a Nova Deli. Segundo Lasserre, o declínio francês é verificável em
três pontos. Em primeiro lugar, Paris perdeu influência no Médio Oriente (o fim
da era Chirac representa também o fim da era de influência francesa em algumas
capitais do Médio Oriente). Em segundo lugar, estamos a testemunhar o fim da
Françafrique. A velha França também está a perder poder na África (a China e os
Estados Unidos estão a ultrapassar a França no que diz respeito à capacidade de
influenciar os destinos africanos). Em terceiro lugar, a perda de influência
francesa é evidente, sobretudo, no interior da própria Europa. A recente crise
transatlântica retirou grande parte da influência francesa sobre os parceiros
europeus, sobretudo sobre os parceiros da nova Europa. A forma como Chirac
(mal)tratou os países do antigo Pacto de Varsóvia custou à França a
possibilidade de liderar a dimensão externa da Europa. De forma paradoxal, a
crise do Iraque conduziu a pesd para um sentido mais britânico. Os países da
Europa de Leste nunca aceitarão uma pesd autónoma em relação à nato, a velha
ambição francesa. Essa velha ambição é, hoje, uma impossibilidade (aliás,
Sarkozy já o percebeu). Em suma, Lasserre faz um apelo à elite francesa: é
preciso compreender que a França já não tem qualquer centralidade mundial. Já
não estamos no século xviii. Pior ainda: a França já nem sequer é a líder
incontestada do projecto europeu. A Alemanha renascida (nas questões internas
na União Europeia) e a Grã-Bretanha (na dimensão externa da União Europeia) são
tão líderes como a França.
Nicolas Sarkozy, Testemunho
Lisboa, Guerra & Paz, 2008, 236 pp.
No que diz respeito à política externa, este livro revela um político
intelectualmente preparado para encarar o mundo pós-europeu. Nicolas Sarkozy
anuncia aqui uma visão do mundo adequada ao nosso tempo. Perante a ascensão das
potências asiáticas, o Presidente francês percebeu duas coisas: (1) a Europa
está em declínio relativo, logo, (2) Paris deve reaproximar- se de Washington.
Sarkozy defende que a França deve repensar as suas relações económicas, no
sentido de reorientar a economia francesa para a China, a Índia, o Brasil e o
Sudeste Asiático. Mais: dado que a «geografia do crescimento económico global
foi virada ao contrário nos últimos dez anos», Sarkozy afirma que a rede
diplomática e cultural da França deve adaptar-se aos novos tempos: «não tenho a
certeza», diz Sarkozy, «de que precisemos de agências económicas estrangeiras e
consulados e sucursais da Alliance Française em todos os países da União
Europeia. Por outro lado, temos de deslocar estas agências e difundir a língua
e a cultura francesa em sítios como a Índia, a China e o Brasil». É neste
enquadramento que devemos ler o famoso pró-americanismo de Sarkozy. Quando
afirma que «a sistemática oposição aos Estados Unidos é um duplo erro», o
Presidente francês não está apenas a mostrar os seus valores; está também ' e
acima de tudo ' a ler um novo cenário estratégico no qual a França descobre que
o seu antiamericanismo gaullista é (era) um luxo de uma época eurocêntrica já
ultrapassada. Em consequência, Sarkozy matou ' de vez ' o sonho gaullista de
uma pesd anti-nato: «sempre me pareceu tolo opor a defesa europeia à nato [ ].
Precisamos de ambas, porque são complementares e reforçam-se mutuamente.» Um
dos dados mais curiosos da política externa de Sarkozy é a sua aproximação em
relação ao Reino Unido. De forma clara, Sarkozy propôs a Gordon Brown uma
aliança (a entente formidable) que permitiria ao tandem Londres-Paris liderar a
dimensão externa da União Europeia. Neste livro percebemos o porquê desta
acção. Sarkozy compreendeu que ' com o centro de gravidade da política mundial
a desviar-se para Oriente ' «nenhuma nação europeia» é «suficientemente forte
para fazer ouvir a sua voz» no século xx. No mundo pós-europeu, Paris precisa
de Londres, e vice-versa. Em suma, Sarkozy reagiu à nova realidade pós-
europeia/pós-francesa. Este livro revela que Sarkozy pretende fechar o abismo
entre a realidade (marcada pelo declínio francês) e a autopercepção francesa
(marcada pela ilusão da centralidade da França no mundo).
Robert e Isabelle Tombs, That Sweet Enemy ' Britain and France: The History of
a Love-Hat e Relation ship
Nova York, Vintage Books, 2008, 782 pp.
Os elogios gravados na contracapa deste livro sao absolutamente merecidos.
Estamos na presenca de um trabalho notavel. That Sweet Enemy e fundamental para
alunos de Historia e de Relacoes Internacionais. O casal Tombs (ele britanico,
ela francesa) descreveu aqui a historia da relacao entre Londres e Paris. E a
narrativa desta irmandade conflituosa comeca em 1688 (a Gloriosa Revolucao, que
despertou a Inglaterra para um papel global e antifrances) e acaba em 2005 (o
Nao frances a Constituicao Europeia). Este livro reconfirma uma tese que ja foi
defendida por outras obras, como, por exemplo, Nelson . A Dream of Glory (John
Sudgen, 2004). E a tese ate e simples: a Gra-Bretanha precisou da Franca para
construir a sua propria identidade (a Gra-Bretanha definiu-se como
anti.Franca). E vice-versa: a Franca autodefiniu.se enquanto nemesis da Gra-
Bretanha. Nao por acaso, Chirac dizia que queria defender a Franca (e a Uniao
Europeia) da globalizacao áanglo-saxonicaâ. Ou seja, entre Londres e Paris,
nao existiu apenas uma arida luta geopolitica. Existiu tambem . e sobretudo .
um permanente combate normativo. Ao lutarem entre si, franceses e ingleses
definiram-se, e definiram grande parte da história mundial. Porque este duelo
não produziu apenas a identidade britânica e francesa. Como salientam os
autores, este duelo (geopolítico e normativo) também arquitectou o mundo
moderno tal como o conhecemos (por exemplo, os Estados Unidos são, em grande
medida, um produto da luta global entre Londres e Paris). Para o campo de
estudo das relações internacionais, este é talvez o ponto mais interessante do
livro. Porque a rivalidade entre a Grã-Bretanha e a França era uma rivalidade
entre duas mentalidades imperiais, que viam o resto do mundo como um cenário
para essa mesma rivalidade. Ora, no mundo de hoje, o mundo já não é esse palco
passivo para a acção da França e da Grã-Bretanha, dado que britânicos e
franceses já não têm a centralidade de outrora. Aliás, os autores deixam bem
claro que Londres e Paris têm mantido uma pose diplomática e estratégica sem
qualquer relação com o seu real peso. Londres finge ser um grande poder ao
apoiar todas as acções de Washington e ao desprezar a Europa. Paris finge ser
um grande poder ao manter a sua aura de independência estratégica gaullista e
ao querer construir uma pesd anti-nato. A este respeito, That Sweet Enemy deixa
um aviso: franceses e britânicos têm de esquecer estas poses ideológicas e
irrealistas, e têm de enfrentar a realidade. E a realidade é esta: num mundo
sem qualquer centralidade europeia, Paris e Londres precisam da Europa para se
projectarem ' em conjunto ' na política internacional.
[*]Investigador do IPRI-UNL. Doutorando em Relações Internacionais na FCSH-UNL.
Comentador de política internacional da Rádio Renascença, TVI24 e jornal i.
Autor de Blair, a Moral e o Poder (Guerra & Paz, 2008) Mestre em Ciência
Política pelo ICS-UL Autor do livro Um Mundo sem Europeus ' Barack Obama entre
o Declínio Europeu e a Ascensão Asiática (no prelo).
Rua Dona Estefânia, 195, 5 D
1000-155 Lisboa
Portugal
ipri@ipri.pt