Portugal e o novo Conceito Estratégico da NATO
Entrámos na etapa decisiva do debate sobre o novo Conceito Estratégico (CE) da
Aliança Atlântica, documento a aprovar em Novembro próximo na Cimeira da NATO,
a realizar em Lisboa. O interesse nacional português não reside,
exclusivamente, no sucesso organizativo da realização deste importante evento
internacional mas, também, no conteúdo do documento a aprovar pelos aliados.
Inerente ao conteúdo está o debate prévio a realizar, que Portugal terá de
aproveitar para fazer vingar os seus interesses e objectivos, no quadro da sua
visão para o que deverá ser a Aliança Atlântica do século XXI.
Portugal é um Estado experiente a funcionar em alianças, com longa história em
buscar fora as capacidades necessárias, inexistentes na nossa geografia de cada
momento, para satisfazer as suas necessidades estratégicas de cada época
1
. Portugal é, igualmente, membro fundador da Aliança Atlântica e,
contrariamente ao que alguns pensam, sempre se mostrou muito hábil e assertivo
na defesa dos interesses nacionais, em especial nos documentos base da NATO,
nomeadamente os diversos conceitos estratégicos
2
.
No capítulo da segurança e defesa, coloca-se a Portugal um conjunto variado de
desafios que será importante trazer para o debate, no sentido de identificar
factores comuns com outros aliados, na busca de soluções para a defesa dos
objectivos e interesses nacionais e da Aliança. Desses desafios alguns serão
facilmente integrados nos desafios gerais aliados, outros terão um carácter
mais nacional, e, aqui, será exigida à diplomacia portuguesa a habilidade de
explicar aos nossos aliados que os nossos problemas particulares são, também,
problemas de todos, no conceito de indivisibilidade da segurança aliada,
expresso nos dois conceitos estratégicos aliados, aprovados pós-Guerra Fria.
A crise financeira e económica que tem afectado o nosso país (e os nossos
aliados), da qual derivou uma crise social séria, irá afectar com certeza o
investimento nacional na segurança e defesa, com um impacto do qual não será
possível, de momento, ter uma ideia suficientemente clara.
Estão em debate assuntos importantes e fundamentais para o futuro da Aliança,
sendo que muitos deles irão influenciar a nossa estratégia e política externas
futuras. Todos terão interesse mas só iremos abordar, neste artigo, aqueles que
nos parecem mais importantes: a natureza e finalidade da Aliança; a NATO como
elemento fundamental da relação transatlântica; as relações NATO-UE, sendo
estas as duas organizações internacionais regionais mais importantes a que
pertencemos; e, por fim, a geopolítica e a geoestratégia da NATO e os espaços
de interesse nacional. Passaremos em revista, no final, as principais
recomendações e elementos de análise do Relatório Albright, documento que
resultou do trabalho do grupo de peritos, liderado pela ex-secretária de Estado
americana, que concluiu a primeira fase de debate do processo de revisão do
Conceito Estratégico da Aliança.
Tomaremos como referência a estratégia portuguesa actual, constante do Conceito
Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), de 2003, e da Estratégia Nacional de
Segurança e Desenvolvimento, de 2009.
Sobre a natureza da Aliança
Mais uma vez está em debate qual deverá ser a interpretação da finalidade da
Aliança, expressa no Tratado do Atlântico, adequada ao momento estratégico que
vivemos. Este debate é recorrente sempre que é exigida à NATO uma reorientação
estratégica. Foi no seu início com a adopção da estratégia de contenção da
ameaça soviética, foi na década de 1960 com a estratégia da resposta flexível,
foi no final da Guerra Fria com a necessidade de estabilização da periferia da
Europa e deveria ter sido, no pós-11 de Setembro, com uma revisão da postura
estratégica aliada para se adequar ao novo contexto estratégico, que a crise
interaliada sobre o conflito do Iraque não permitiu.
A Aliança passou de uma organização de defesa colectiva regional, muito
centrada no espaço europeu e atlântico, para uma organização com interesses
globais, fruto da influência do processo de globalização, nomeadamente nas
questões estratégicas e de segurança. Esta transformação pôs a descoberto um
conjunto de vulnerabilidades da NATO de que destacamos duas: a falta de
consenso sobre a interpretação das novas realidades de segurança, nomeadamente
as novas ameaças e riscos; e uma falta de capacidade (política, de recursos e
de vontade) para gerir situações mais exigentes, de que a situação no
Afeganistão é um exemplo.
Este debate, sobre o futuro da Aliança, está muito centrado em duas visões,
distintas, sobre o papel da NATO neste novo ambiente estratégico do século XXI:
por um lado, a que defende uma organização com carácter global, muito baseada
no argumento que as ameaças e riscos aos aliados terão origem fora do espaço
euroatlântico; e, por outro, a que defende um regresso a uma Aliança regional,
de carácter essencialmente defensivo e muito centrada na defesa colectiva
militar, baseada num argumento de que uma NATO global perderá o espírito de
solidariedade e coesão, que foi um dos elementos de sucesso desta Aliança.
Claro que o consenso aliado será obtido numa solução híbrida, mais ou menos
ambígua, dentro da boa tradição da NATO. Interessa-nos aqui tentar perceber
como se deverá posicionar Portugal neste debate fundamental, que não aceita
abstenções, muito relevante para o sucesso da Aliança no futuro.
Portugal, fruto da sua geografia, da sua história e de diversas circunstâncias
políticas, tem interesses em diversas regiões do globo, materializadas nos
espaços estratégicos de interesse constantes do CEDN. A sua coincidência com os
espaços estratégicos de interesse da NATO será adiante detalhada, mas podemos
avançar que alguma coincidência parece útil no sentido de podermos contar com
os aliados na resolução de problemas estratégicos que se nos coloquem noutras
áreas, que não o espaço euroatlântico. Por outro lado, a globalização acentuou
a importância de novas ameaças transnacionais, com impacto estratégico global,
e nesse sentido a sua monitorização e neutralização exige uma vigilância
global. No entanto, a NATO não se poderá substituir a outros organismos de
segurança e defesa, correndo o risco de exaurir os seus parcos recursos em
variadas operações e missões e, desse modo, poder descredibilizar-se. Mas o
regresso puro e simples à segurança e defesa colectiva euroatlântica, num
modelo muito parecido com o da Guerra Fria, que alguns aliados exigem, também
nos parece desadequado, porque as ameaças mais prováveis e os riscos à
segurança europeia e nacional estão localizados noutros espaços. E, num
conceito alargado de segurança, será exigido à NATO uma intervenção mais
global, participando na segurança cooperativa internacional.
Neste debate em curso, nenhum aliado põe em causa que a defesa colectiva e o
artigo 5.º do tratado são o elemento central da NATO. As grandes questões
colocam-se numa nova interpretação do conceito de ataque armado, constante do
artigo 6.º, e na necessidade de uma interpretação comum sobre a importância das
ameaças e riscos que colocam em causa a segurança dos aliados. Portugal poderá
chamar a atenção dos aliados para a necessidade de reafirmar a importância do
artigo 5.º, tentando recentrar a Aliança neste seu elemento fundacional
fundamental e, ainda, actual. Mas dever-se-á, também, chamar a atenção de que é
necessário adicionar novos elementos à equação, nomeadamente: a exigência de um
novo conceito alargado de segurança, mais do que só o elemento militar de
defesa; que a aliança terá de utilizar nas suas operações outros elementos do
poder, que não só o militar; e que a segurança da área euroatlântica, para ser
efectiva, exige cooperação com a Rússia, e acções proactivas de segurança e
distância estratégica, preferencialmente num mecanismo de segurança cooperativa
que envolva parceiros, sejam eles nações ou outras organizações de segurança.
A NATO e as Relações Transatlânticas
3
O nosso entendimento das relações transatlânticas é como olhar para uma moeda
com duas faces: de um lado, a NATO e, do outro, a relação bilateral entre
Portugal e os Estados Unidos. E nesse sentido parece-nos útil que as duas andem
bem pois isso é fundamental para assegurar a nossa segurança e defesa
nacionais. A relação bilateral, que não é uma aliança e por isso não substitui
a NATO, tem bases históricas da tradi-cional ligação nacional à potência
marítima dominante, e é elemento importante da nossa política externa e de
defesa. Os Açores, fruto da posição geográfica e das nossas comunidades de
emigrantes nos Estados Unidos, que são maioritariamente oriundas deste
arquipélago, têm sido um elemento importante neste relacionamento.
Independentemente dos discursos norte-americanos sobre a importância, maior ou
menor, dos Açores para a sua estratégia, é certo que continuam a ser
importantes, seja para a projecção de forças para teatros na Europa, na Ásia
Central ou na África do Norte, seja para a defesa do Atlântico Norte e,
consequentemente, dos Estados Unidos
4
. Juntamente com a importância dos Açores, Portugal deverá alavancar junto dos
Estados Unidos as suas vantagens estratégicas, reconhecidas por pensadores
americanos, nomeadamente a experiência em assuntos africanos, a influência das
comunidades portuguesas residentes nos Estados Unidos, e o empenho nacional na
relação transatlântica, entre outras
5.
O vínculo estratégico transatlântico, entre os Estados Unidos e Canadá e a
Europa, está consagrado, institucionalmente e de forma estruturada, na NATO. E
esse vínculo continua a ser fundamental para a defesa e segurança da Europa e,
consequentemente, de Portugal. Assim, parece lógico que uma NATO forte seja do
nosso interesse, porque valoriza os Açores e o nosso poder funcional, não nos
deixando reféns de uma relação bilateral entre dois países com poderes muito
diferentes. Num cenário de NATO em declínio, em que o vínculo estratégico entre
os Estados Unidos e a Europa não se centrasse na Aliança, mas numa qualquer
outra parceria (Estados Unidos-UE por exemplo), Portugal arriscar-se-ia a não
ter a sua autonomia actual, de membro numa organização de 28 aliados iguais,
mas estar dependente de uma estrutura de 1+1 (Estados Unidos+UE), correndo-se o
risco de, no futuro, o segundo elemento poder vir a ter configurações de um
directório.
Neste quadro é importante que o contributo português para o debate do novo CE
assegure que o produto final será uma NATO mais coesa estrategicamente, e aqui
o reforço da defesa colectiva terá um papel importante. Mas é importante,
também, que os Estados Unidos reconheçam validade na Aliança para a prossecução
dos seus interesses e, nesse sentido, será importante apoiá-los nas suas
pretensões, de uma NATO mais global e interventiva, por exemplo, desde que
estas não choquem com os interesses nacionais.
As Relações NATO-UE
Este é um dos assuntos mais sensíveis para a política e estratégia nacionais,
pois num cenário de competição entre as duas organizações, o que já aconteceu
no passado, podemos vir a estar confrontados com uma decisão de opção, o que
nos deixa numa situação de decisão difícil. Só o cenário de cooperação e
complementaridade entre as duas organizações interessa a Portugal. Mas existem
diversos tipos de complementaridade, todos eles possíveis desde que se cumpra a
regra dos três dês («no Duplication», «no Decoupling», e «no Descrimination»)
6
, contida nas declarações que Madeleine Albright, a secretária de Estado da
Administração Clinton, produziu após a conferência de Saint-Malo, entre a
França e o Reino Unido em Dezembro de 1998, que revitalizou a Política Europeia
de Segurança e Defesa (PESD)
7
. O que se deverá obter será um equilíbrio político e estratégico entre as duas
organizações, bastante institucionalizado e normativo, que é o que mais
interessa a Portugal (e aos pequenos países europeus em geral), pois protege-
nos, simultaneamente, de um eventual directório europeu (o que a presença, e
interesse, dos Estados Unidos na Europa não permite) e de uma excessiva
dependência dos Estados Unidos (que aconteceria com uma Europa fraca)
8.
Outro aspecto, a que devemos estar atentos, é a proposta sobre a criação de
mecanismos de integração progressiva da defesa europeia
9
ou de especialização sectorial dos pequenos países. Poderão existir tendências
de, em nome da racionalização e eficácia da capacidade militar europeia, tentar
configurar as forças armadas dos pequenos países em provedores de
especialização sectorial para os grandes agrupamentos tácticos, estes a
fornecer pelos países europeus mais poderosos. Qualquer solução desta natureza,
que afecte a necessária autonomia estratégica nacional mínima, deverá ser
inviabilizada desde o seu início. As contribuições das diversas nações para as
capacidades aliadas, necessárias à defesa e segurança colectiva, não deverão
ser configuradas pelas burocracias de qualquer organização (NATO ou UE), mas
sim feitas num processo de partilha de capacidades e riscos, adequados a cada
caso, e realizado em conjugação de esforços entre as organizações e as nações,
tendo estas, sempre, a última palavra na defesa dos seus interesses.
Outro aspecto a contrariar será uma possível tendência de a UE, através da
Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), falar a uma só voz dentro da NATO,
contrariando o actual mecanismo de 28 opiniões soberanas dentro da Aliança
Atlântica. Esta situação tem, a nosso ver, dois graves inconvenientes:
primeiro, cria uma divisão dentro da NATO de países UE e não UE, que será com
certeza adversária da solidariedade aliada; segundo, porque poderá tornar
reféns alguns países da UE de decisões tomadas noutros contextos, às quais se
teriam de vincular e das quais poderiam, em tese, discordar, se aplicadas num
contexto diferente. Este facto seria, igualmente, contraproducente para própria
PCSD, tornando as suas decisões mais difíceis de tomar, em assuntos que
poderiam vir a ser abordados, de forma mais ou menos simultânea, no âmbito da
NATO.
Neste processo de debate do novo Conceito Estratégico, Portugal, como nação
empenhada no processo de construção política europeia, mas simultaneamente
atlântica por geografia e estratégia, deverá contribuir com propostas concretas
para a elaboração de uma agenda de cooperação entre as duas organizações, de
que destacamos os seguintes pontos: compatibilizar as estratégias das duas
organizações, harmonizando os dois documentos base (Estratégia de Segurança
Europeia e CE); criação de um mecanismo de coordenação rápida em situações de
crise; harmonização dos processos de edificação de capacidades; sedimentar a
cooperação estratégica entre as duas organizações, criando um embrião do
mecanismo, ultimamente designado por «Comprehensive Approach», que fosse um
núcleo onde outras organizações se pudessem acoplar no futuro.
Espaços Geopolíticos e Geoestratégicos
Estão contemplados no actual CEDN, na sua parte 5, dois tipos de Espaço
Estratégico de Interesse (EEI): o Permanente (EEIP) e o Conjuntural (EEIC). O
EEIP compreende o território nacional (TN), as águas territoriais e o espaço de
circulação entre as parcelas do TN, sendo, em termos gerais, o chamado
«triângulo estratégico» português. O EEIC pode variar mas, de momento, estão
definidas áreas prioritárias que são: o espaço euroatlântico; os estados
limítrofes; o Magrebe; o Atlântico Sul, com relevo para o Brasil; a África
lusófona e Timor Leste; os países onde existem fortes comunidades portuguesas;
os países ou regiões onde exista uma presença cultural portuguesa, nomeadamente
Macau; os países de origem das comunidades emigrantes em Portugal.
A NATO, embora só tenha definida uma área estratégica de interesse no Tratado
do Atlântico Norte (TAN), que é o espaço euroatlântico, tem actuado noutras
áreas como a Ásia Central, o Índico e a África Subsariana, nomeadamente o
Darfur. Se correlacionarmos as principais ameaças e riscos que se colocam à
Aliança (terrorismo transnacional, proliferação de armas de destruição maciça,
estados falhados, segurança energética, entre outros) e as prováveis áreas
geográficas onde se poderão originar, conclui-se que, no curto e médio prazo,
as áreas mais problemáticas serão o chamado Grande Médio Oriente (GMO)
10
e a África Subsariana.
A grande questão que se pode colocar é se deverá existir sobreposição entre as
áreas de interesse da NATO e o EEIC, visto que o EEIP já está coberto pelo TAN.
Dentro do princípio da segurança cooperativa que Portugal privilegia (parágrafo
2.2 do CEDN) a resposta parece ser positiva. Para isso, duas condições deverão
ser garantidas: que a Aliança olhe de forma «interessada» para o nosso EEIC e
que assuma uma postura estratégica de segurança cooperativa com as organizações
de segurança (ou as potências regionais) que já existam nesses espaços.
As ameaças e os riscos à segurança nacional portuguesa, fora da área coberta
pelo TAN
11
, poderão ser identificados e materializados: nos países onde existem fortes
comunidades de emigrantes nacionais, excluindo naturalmente as localizadas na
Europa e na América do Norte, e que se situam na África, no Brasil e na
Venezuela; nos países de onde são originários os emigrantes em Portugal (África
e Brasil, excluindo-se a Europa de Leste); e na África Subsariana lusófona e no
espaço do Atlântico Sul. Relativamente à África lusófona, num quadro mais
alargado da África Subsariana, poderá vir a existir eventual partilha de
interesses com a NATO, sendo necessário induzir o interesse na Aliança pela
outra margem do Atlântico Sul, nomeadamente o Brasil.
Existe um forte empenhamento da diplomacia portuguesa no sentido de englobar o
Atlântico Sul nas preocupações de segurança da Aliança e da UE
12
, numa perspectiva de que o Atlântico é um espaço geopolítico único, não
fazendo mais sentido a divisão entre Atlântico Norte e Sul, em termos de
segurança
13
. Não nos parece fácil que, neste debate para a revisão do CE, seja incluído o
Atlântico Sul como área geoestratégica prioritária da NATO, devido à
focalização da Aliança no GMO, em especial no Afeganistão. No entanto, a África
Subsariana, devido às ameaças e desafios que aí se podem gerar, e mais
concretamente no golfo da Guiné
14
, e a emergência do Brasil como actor global, poderá vir a chamar a atenção de
alguns aliados, em especial os Estados Unidos. O Atlantic Council, importante
organismo americano de pensamento estratégico, alerte-nos para o facto de que a
globalização não está só a acontecer no Pacífico, mas também no Atlântico,
devendo-se lançar uma iniciativa
15
, a Atlantic Basin Initiative, abarcando todo o Atlântico, inicialmente de
cariz mais económico mas que poderá, no futuro, incorporar a vertente
«segurança». Alguns autores também referem a necessidade de uma nova Aliança
Atlântica, que englobe o Atlântico Sul, e que Portugal, como criador da
primeira Aliança Atlântica, com os Descobrimentos, terá nessa dinâmica um papel
fulcral
16
. Claro que para tudo isto acontecer será necessário o envolvimento do Brasil,
envolvimento esse que, em nossa opinião, mais cedo ou mais tarde acontecerá,
fruto da sua consciencialização relativa ao poder que possui e das
responsabilidades que esse poder lhe acarreta na sua área geopolítica contígua.
Neste capítulo, Portugal poderá ter um papel importante, de facilitador da
aproximação do Brasil a mecanismos de segurança cooperativa, seja pelas
excelentes relações bilaterais, seja pelo papel da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), que tem uma vertente de segurança e que engloba
também Angola ' actor importante na segurança da África Austral e do Atlântico
Sul.
Neste contexto, de tentar focalizar as atenções da Aliança no Atlântico Sul,
parece-nos adequado utilizar uma aproximação indirecta, através de um enfoque
prévio na África Subsariana, buscando aliados para esse efeito, nomeadamente os
Estados Unidos, e, em simultâneo, cativar o Brasil para um maior envolvimento
nos problemas de segurança do Atlântico e numa maior aproximação ao Ocidente a
que pertence, por matriz cultural e política.
O Relatório Albright
O relatório produzido pela comissão de peritos constituirá, por certo, um
elemento fundamental para a primeira versão do documento, a emanar pelo
secretário-geral da NATO e a submeter à apreciação das nações aliadas, após o
Verão.
O relatório é suficientemente detalhado e contém propostas que poderemos
considerar razoáveis, na sequência do debate inicial havido e da ronda de
consultas que o grupo de peritos fez pelas capitais aliadas. No entanto, para
quem acompanhou com atenção o debate podemos considerar que poderá ter ficado
aquém do que muitos desejavam, ou seja, uma mudança mais «radical» da Aliança.
Iremos focar os aspectos contidos no documento que, em nossa opinião, poderão
não coincidir com os interesses nacionais e, nesse sentido, serem objecto de
maior atenção da diplomacia nacional. Focaremos, também, aquilo que poderão ser
consideradas oportunidades a explorar na ronda de debates que o Comité do
Atlântico Norte irá conduzir, já no início de Setembro.
A primeira observação a fazer é que o relatório propõe a aprovação, em Lisboa,
não só do novo Conceito mas, também, de um novo documento que estabeleça as
prioridades para a edificação de capacidades e de um outro que aponte para
reformas institucionais da NATO, quer ao nível do Quartel-General (processo de
decisão e organização), quer ao nível de estrutura militar integrada. Embora
seja compreensível esta proposta, de um «Pacote de Lisboa», ela corre o risco
de que um debate, sempre difícil no seio dos aliados, como é a reforma do
processo de decisão e da estrutura de comandos, possa contaminar as discussões
sobre a estratégia aliada. A reforma da estrutura de comandos tem sido um
factor perturbador para Portugal, já que, nos últimos processos de reformulação
havidos, o Comando de Oeiras tem estado sob pressão de alguns aliados, falando-
se muitas vezes de possível extinção. Este comando tem adquirido e consolidado
experiência nas operações levadas a cabo em África, o que poderá traduzir-se na
definição do continente como uma prioridade para a Aliança. Constitui, ainda,
um valor acrescentado o facto de a sua localização ser junto de uma capital de
um país aliado, que possui excelentes relações com a generalidade dos países
africanos, e com as suas principais embaixadas ali situadas, facilitando
sobremaneira o trabalho da diplomacia aliada.
Uma segunda observação tem a ver com a abordagem às áreas de interesse regional
da Aliança. E a primeira questão é a baixa (ou mesmo nula) prioridade atribuída
à cooperação com a América Latina, o que é contraditório com a prioridade
nacional atribuída à segurança no Atlântico Sul. De um modo geral, os espaços
de circulação, tais como o Índico e o próprio Atlântico Sul, fundamentais à
segurança e desenvolvimento dos aliados, não são abordados sobre o ponto de
vista da estratégia da Aliança. Acresce ainda que ao longo do documento se fala
de algumas potências emergentes, tais como a Índia, a Indonésia e a China, mas
nunca é mencionada a África do Sul e o Brasil só é referido uma vez e de forma
genérica, o que parece demonstrar uma centragem (excessiva?) da segurança
aliada na Ásia.
Uma terceira observação é sobre a cooperação entre a NATO e a UE, que não é
suficientemente desenvolvida tendo em consideração a importância que deverá
merecer. Aqui haverá espaço para aprofundar o debate sobre propostas de uma
agenda concreta de cooperação a ser inserida no texto do novo CE, no contexto
do que anteriormente referimos. Ainda no quadro da cooperação e parcerias,
parece-nos que as recomendações poderiam ser mais detalhadas e objectivas no
capítulo do Diálogo com o Mediterrâneo, em que Portugal, em conjugação com
outros aliados europeus (nomeadamente os da iniciativa 5+5), deverá acrescentar
valor ao texto que irá constar do futuro documento, no sentido de valorizar
esta importante parceria.
Uma quarta observação, sobre a inclusão da prevenção (prevent, em inglês) nas
recomendações sobre as missões militares, juntamente com a dissuasão e a defesa
17
. O conceito de acção preventiva militar (acção contra uma ameaça que se possa
materializar a médio prazo) foi muito contestado na época da Administração
Bush, essencialmente por se considerar que não se enquadrava no conceito de
legítima defesa, inscrito na Carta das Nações Unidas, ao contrário do conceito
de acção preemptiva (acção contra uma ameaça iminente), que se enquadra no
conceito de legítima defesa. Assim, exige-se uma precisão terminológica do
termo, de modo a evitarem-se discussões antigas, que minaram a coesão
transatlântica no período pré-Guerra do Iraque. Ainda no capítulo das
capacidades militares é dada ênfase à especialização nacional o que, levado ao
extremo, implica riscos de autonomia estratégica mínima para os pequenos/médios
países, conforme já analisámos anteriormente.
Notas Finais
O debate em curso sobre o novo CE da NATO, que conduzirá à aprovação do
documento na Cimeira de Lisboa, constitui uma oportunidade única para Portugal
incorporar as suas preocupações estratégicas e de segurança nacional na
estratégia da Aliança, valorizando o seu poder funcional, fruto da sua
geografia, da língua portuguesa e das organizações multilaterais a que
pertence, e onde tem influência, nomeadamente a CPLP e a comunidade dos estados
ibero-americanos. O relatório do grupo de peritos contém alguns desafios para a
diplomacia portuguesa, nomeadamente a reforma da estrutura de comandos e o
relativo pouco interesse pela segurança no Atlântico Sul. No caso da
reestruturação da estrutura militar integrada, que parece ser necessária,
importa realçar as capacidades únicas do Comando de Oeiras, anteriormente
mencionadas, nomeadamente a sua experiência nas operações na África.
É muito importante que este novo CE dê um contributo fundamental para uma
Aliança mais forte e coesa, pois esta deverá continuar a ser o centro da
relação estratégica transatlântica e assim o principal mecanismo de defesa e
segurança colectiva de Portugal. Para a defesa dos nossos interesses, no seio
da Aliança e noutros espaços, deveremos cuidar do reforço da nossa relação
bilateral com os Estados Unidos. Devemos, ainda, contribuir para uma solução de
complementaridade entre a NATO e a UE, que não diminua o nosso peso específico
e uma autonomia mínima em ambas as organizações, evitando soluções radicais de
especialização de defesa e a existência de uma só voz comum europeia no seio da
NATO. No que respeita às áreas de interesse estratégico, devemos tentar
influenciar um maior interesse da NATO pela África e pelo Atlântico Sul. Nesta
matéria é fundamental envolver os nossos principais aliados, em especial os
Estados Unidos, assim como o Brasil, para um maior empenhamento na segurança
cooperativa do Atlântico Sul.
O debate nacional sobre o novo Conceito Estratégico da Aliança Atlântica deverá
ser o mais alargado possível à opinião pública, aproveitando-se o interesse
mediático do facto de a cimeira se realizar em Lisboa. E aqui a dinamização
caberá às elites políticas, universitárias e militares, no sentido da nossa
população melhor perceber a mais-valia de continuarmos a pertencer, de forma
integral e empenhada, a esta comunidade de defesa e segurança do espaço
transatlântico.
NOTAS
1
Moreira, Adriano ' A Circunstância do Estado Exíguo. Loures: Diário de Bordo,
2009, p. 13.
2
O segundo ce da Aliança, aprovado em 1952, surgiu de uma proposta portuguesa de
emenda ao ce inicial de 1949 (pedlow, Gregory ' NATO Strategy Documents 1949-
1969, pp. 179-181. [Consultado em 5 de Julho de 2010]. Disponível em: http://
www.NATO.int/archives/strategy.htm
3
Os três pontos, de seguida analisados: as relações transatlânticas, as relações
NATO-UE e as áreas geopolíticas de interesse da NATO e nacionais constituem uma
versão revista do capítulo 5. o contributo de portugal no processo de
elaboração do novo Conceito estratégico, do trabalho de investigação individual
do autor, sob o título O Novo Conceito Estratégico da NATO: Uma Aliança para o
Século XXIrealizado no âmbito do Curso de promoção a oficial general 2009-2010,
no inst Instituto de Estudos Superiores Militares, em Lisboa (serronha, Coronel
Marco ' O Novo Conceito Estratégico da Organização do Tratado do Atlântico
Norte: Uma Aliança para o Século XXI. Instituto de Estudos Superiores
Militares, 2010, pp. 32-37. Acessível no Instituto de Estudos Superiores
Militares, Lisboa).
4
Santos, General Loureiro dos ' Segurança e Defesa na Viragem do Milénio:
Reflexões sobre Estratégia II. Mem Martins: Publicações Europa América, 2001,
pp. 85-86.
5
Shapiro, Jeremy, e Witney, Nick ' Towards a post-American Europe: A Power Audit
of EU-US Relations, pp. 69-70. [Consultado em 30 de Dezembro de 2009].
Disponível em: http://ecfr.3cdn.net/cdb1d0a4be418dc49c_2em6bg7a0.pdf.
6
Sem duplicação de recursos, que não permita o afastamento entre os aliados
europeus e americanos e que não haja discriminação dos aliados de uma
organização que não pertençam à outra.
7
Rodrigues, Alexandre Reis ' «A NATO e política europeia de segurança e defesa.
Em colisão ou convergência?». in Cadernos Navais. n.º 18, Setembro de 2006, p.
10.
8
Almeida, João Marques de, e Rato, Vasco ' A Encruzilhada: Portugal, a Europa e
os Estados Unidos. Lisboa: Bertrand Editora, 2004, p. 60.
9
Larabee, F. Stephen ' «The United States and the Evolution of esdp». AAVV '
What Ambitions for European Defence in 2020?, p. 60.[Consultado em 18 de
dezembro de 2009]. disponível em http://www.iss.europa.eu/uploads/media/
What_ambitions_for_european_defence_in_2020.pdf
10
Área que engloba o norte de África, o Médio Oriente e a Ásia Central até ao
Paquistão.
11
Aárea euroatlântica, o Magrebe e os estados limítrofes (Espanha) já estão
incorporados nas áreas de interesse da aliança.
12
Amado, Luís ' «Conferência de abertura do seminário portugal e a aliança
atlântica». in Revista Nação e Defesa. 4.ª série, n.º 123, 2009, p. 23.
13
Santos, General Loureiro dos ' As Guerras Que Já aí Estão e as Que nos Esperam
Se os Políticos não Mudarem: Reflexões sobre Estratégia VI. Mem Martins:
Publicações Europa América, 2 009, p. 23.
14
Escorrega, Luís Carlos Falcão ' «Estratégia Americana para África: a
importância do Golfo da Guiné». in Estratégia. vol. xix, Lisboa, 2010, pp. 345-
361.
15
Hamilton, Daniel, e Burwell, Frances ' Shoulder to Shoulder: Forging a
Strategic US-EU Partnership, pp. 65-69. [Consultado em 30 de Dezembro de 2009].
Disponível em: http://www.acus.org/files/publication_pdfs/65/us-
eupartnership.pdf.
16
Bates, Scott ' «The New Atlantic Alliance». in Negócios Estrangeiros. n.º 12,
2008, p. 216.
17
Albright, madeleine et al.' NATO 2020: Assured Security; Dynamic Engagement, p.
38. [Consultado em 29 de junho de 2009]. disponível em: http://www.NATO.int/
strategic-concept/expertsreport.pdf.
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1000-155 Lisboa
Portugal
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