O novo populismo conservador do movimento Tea Party e as intercalares
americanas
Sobressaltos de Novembro
Nas próximas eleições intercalares de Novembro, em que o eleitorado americano é
chamado a eleger uma nova Câmara de Representantes, um terço do Senado (36) e
governadores em 38 dos 50 estados, estão em causa, como em todos os sufrágios
intercalares anteriores, não só a popularidade das medidas legislativas e do
estilo de liderança da presente administração como a capacidade evidenciada
pelos dois grandes partidos de gerirem tanto a vitória como a derrota eleitoral
de há dois anos. O acelerado ritmo do ciclo eleitoral americano que impõe a
todas as administrações e congressos um novo teste de popularidade a meio de
cada mandato presidencial, tende a favorecer o partido na oposição, que pode
capitalizar os descontentamentos acumulados durante os primeiros dois anos de
qualquer presidência. O capital de boa vontade que geralmente rodeia uma
administração recém-eleita tende a ser investido na passagem de legislação mais
controversa ou impopular nestes primeiros anos já que, depois das intercalares,
a capacidade de actuação tanto do Presidente como do Congresso é normalmente
fragilizada pela nova correlação de forças entre os ramos legislativo e
executivo, uma situação agravada pela perspectiva de novo sufrágio presidencial
no horizonte. De acordo com os princípios básicos do guião tradicional da
política americana, as intercalares são, assim, um teste à capacidade de
retenção da popularidade do Presidente e do partido que detém a maioria no
Congresso e à aptidão de recuperação de iniciativa política da oposição.
Não parece estar em dúvida que os democratas vão perder peso no ramo
legislativo, nas eleições de Dezembro, e que o Presidente Obama vai ter de
governar com um Congresso menos favorável do que o que enfrentou na primeira
fase do seu mandato. A incógnita centra-se na amplitude das perdas sofridas.
Desde 1970 que a média de lugares perdidos pelo partido maioritário na Câmara
de Representantes nas intercalares ronda os vinte e três, com duas notáveis
excepções ' os resultados de 2002 que deram mais oito representantes aos
republicanos, o que é explicado pela reacção ao 11 de Setembro que, como
qualquer acto de agressão externa sempre faz, consolidou o apoio ao Governo; e
as eleições de 1994, em que a Administração Clinton sofreu uma pesada derrota,
com uma perda de 54 lugares para o Partido Republicano e a consequente mudança
do controlo das duas câmaras do Congresso dos democratas para os republicanos.
Dada a aritmética actual da relação de forças no Congresso, uma repetição do
descalabro de 1994 não parece fácil, já que graças às perdas significativas dos
republicanos em 2008, a reconquista do Congresso implicaria um ganho de 41
lugares na Câmara de Representantes e um volte-face no Senado em que mais
lugares detidos por republicanos do que por democratas são sujeitos a eleição e
em que os primeiros teriam não só de reter todos os seus senadores como
conquistar nove mandatos aos democratas. Para um tal resultado, os democratas
teriam de somar erros sistemáticos até Novembro e os republicanos teriam de
travar uma campanha sem percalços nem embaraços, o que parece politicamente
improvável.
No entanto, todos os cálculos políticos das próximas eleições estão marcados
por um novo imponderável, relacionado com a verdadeira influência de um novo
actor no de opiniões e organizações locais que se autodenomina Movimento Tea
Party, numa clara alusão ao protesto anti-inglês de 1773 que expressou o seu
ultraje contra a tentativa inglesa de estabelecer um monopólio à Companhia das
Índias Orientais no fornecimento de chá para as colónias americanas, despejando
um carregamento das folhas ofensivas nas águas do porto de Boston.
Desde a sua erupção na cena política nacional em Fevereiro de 2009, em que
grupos dispersos organizaram um protesto simultâneo em 40 cidades contra o
Pacote de Estímulo Financeiro da Administração Obama, que comentadores e
analistas políticos têm oferecido interpretações contraditórias sobre o
significado e influência do novo movimento populista de pendor conservador;
enquanto alguns o lêem como um fenómeno efémero deliberadamente fomentado pelos
media conservadores, nomeadamente a Fox News, outros explicam-no como uma
genuína revolta basista que reflecte um profundo mal-estar antipolítico do
eleitorado, ou mesmo como a herança (se bem que politicamente conservadora) do
espírito libertário de autonomia pessoal anti-establishmentdos anos 1960.
Sendo que provavelmente nenhuma destas leituras é completamente errada, nenhuma
parece ser completamente suficiente para explicar que cerca de um terço do
eleitorado americano tenha declarado, no final de Março passado, simpatia pelo
Tea Party e que metade dos republicanos se identifique com o movimento; a falta
de especificidade da sua agenda (para além da exigência de «menos governo»), e
o carácter heterogéneo e frequentemente contraditório dos interesses dos grupos
e opiniões que o guarda-chuva semântico alberga, que à partida poderiam
prejudicar a sua ambição política, parecem, por outro lado, facilitar a sua
função de reflector de uma panóplia de descontentamentos de sectores
diversificados do eleitorado conservador e libertário.
Alguma da retórica política mais exótica e extrema de membros do movimento
parece estar a dar algum conforto aos democratas, especialmente quando assistem
à derrota, nas primárias republicanas, de políticos veteranos e convencionais
sumariamente substituídos por outsiders apoiados pelo Tea Party, alimentando a
esperança de que, sob este impulso anti-establisment, os republicanos possam
estar a cometer um suicídio político, propondo candidatos que podem entusiasmar
os vectores do seu eleitorado mais radical, mas que serão dificilmente eleitos
pela grande maioria centrista e independente que tende a ser mais moderada. Por
outro lado, a vaga de descontentamento anti-Washington também não poupou o
eleitorado democrata que fez igualmente algumas escolhas inesperadas nas
primárias, castigando políticos veteranos e optando por outsiders. Há já muito
tempo (pelo menos desde o caso Watergate) que afirmar-se contra o aparelho
político federal parece ser uma condição sine qua nonpara se ser eleito e fazer
parte desse mesmo aparelho, como a retórica da campanha de 2008 de Obama
confirmou. O que as eleições de Novembro podem esclarecer é o grau e a direcção
dessa rebelião contra Washington e tudo o que o governo federal representa.
Os apoiantes populistas do Tea Party consideram-se representantes desse
descontentamento, mas a falta de coerência interna e as divisões do movimento
que abrange desde libertários tradicionais como Ron Paul a evangélicos piedosos
e patriotas intervencionistas musculados, podem diminuir a sua capacidade de
apresentar um discurso coerente em que se revejam todos os sectores
conservadores do Partido Republicano e do eleitorado, como se viu também
durante as primárias, em que figuras queridas do Tea Party como Sarah Palin,
apoiaram tanto candidatos propostos pelo movimento, como políticos mais
tradicionais. Para compreender se o Tea Party pode ser a salvação populista do
Partido Republicano ou se, por outro lado, pode acelerar a sua radicalização
afastando-o do eleitorado independente que decide o resultado das eleições nos
Estados Unidos é necessário compreender primeiro a sua genealogia e pedigree
político.
O efeito Ron Paul
A historiografia do Tea Party atribui a paternidade ideológica do movimento ao
Dr. Ron Paul, representante republicano de um distrito eleitoral do Texas e
candidato à presidência pelo Partido Libertário em 1988, e à nomeação
republicana das primárias presidenciais de 2008. A relação entre a longa
carreira do membro do Congresso e o movimento é, no entanto problemática, na
medida em que, se há aspectos em que as suas posições convergem, nomeadamente
no que diz respeito à limitação do papel e responsabilidades do governo
federal, a postura de Paul em áreas de política externa e política de segurança
afastam-se, substancialmente, de correntes de opinião influentes do movimento.
O «Dr. Não», como é popularmente conhecido em virtude do seu historial de votos
negativos contra iniciativas legislativas propostas por qualquer dos dois
partidos que considere não serem expressamente autorizadas pela Constituição, e
considerado o mais conservador de todos os 3320 membros do Congresso eleitos
entre 1937 e 2002
1
, compartilha parcialmente com os tea partiersuma visão sobre a política fiscal
(defende a abolição do imposto sobre os rendimentos e o desaparecimento da
Reserva Federal), sobre o papel regulamentador do Estado em áreas da vida
social (opõe-se a programas federais na área da educação e segurança social e
rejeita os programas de combate às drogas, cuja legalidade entende ser da
esfera dos estados individuais) e a política de saúde (favorece o
desaparecimento de programas federais como o MEDICARE, que garante os cuidados
de saúde gratuitos à população mais idosa, a mesma que constitui parte do
eleitorado que o Partido Republicano tradicionalmente representa), bem como
sobre os programas federais de protecção do ambiente (incluindo os Clean Air
Act e Clean Water Act que datam do início dos anos 1960). Mas noutros aspectos
da sua visão política, a coerência interna do pensamento de Paul afasta-o da
postura de largos sectores do Tea Party. O seu não intervencionismo
isolacionista traduz-se na defesa da retirada dos Estados Unidos não só da ONU
como também da NATO. O seu liberalismo económico leva-o a advogar a saída dos
Estados Unidos não só da Organização Mundial do Comércio como, paradoxalmente,
da nafta. Na área da política de segurança, votou contra o «Patriot Act»
proposto pelo seu próprio partido. Em suma, o que faz de Ron Paul uma figura
única de estimável consistência, não susceptível ao oportunismo eleitoral que
caracteriza a política real, é, simultaneamente, o seu grande handicap.
A admiração que muitos tea partierstêm pelo Grande Libertário não significa nem
uma ligação orgânica nem uma adopção entusiástica de todos os aspectos da sua
filosofia. De facto, nas primárias para seleccionar o candidato do seu distrito
eleitoral do Texas às eleições de Novembro, Ron Paul foi desafiado por mais
três candidatos, todos associados ao movimento. Nalguns casos, a percepção do
excepcionalismo de algumas das posições de Paul, nomeadamente o seu não apoio
às guerras do Iraque e do Afeganistão, parece afastar conservadores
republicanos que nelas se revêem. Por outro lado, o próprio congressista, que
sempre aliou a sua coerência na defesa de princípios conservadores ao decoro e
elegância de trato, sentiu a necessidade de se desassociar de aspectos mais
histriónicos da retórica de alguns tea partiers, nomeadamente no que diz
respeito à forma antagónica e agressiva como se referem ao Presidente e a
outros opositores domésticos. Comentando a explosão dos movimentos anti-
impostos e anti-Washington que ele próprio, indirectamente, encorajou, Paul
admitia, durante as primárias desta Primavera, alguma cautela quanto às
consequências desta vaga de contestação contra os actores políticos
tradicionais ao afirmar que «apesar de considerar que estes desenvolvimentos
são positivos, tenho de me esforçar para não ser apanhado na mesma onda e ser
afastado do meu cargo antes de termos terminado a nossa tarefa»
2
.
O Tea Party como novo actor político
O perfil dos activistas e apoiantes do Tea Party tem sido objecto de estudos e
sondagens que procuram fixar o seu espectro demográfico. De acordo com uma
sondagem CNN//New York Timesde Abril passado, os tea partierssão
maioritariamente brancos (89 por cento), do sexo masculino, casados e têm mais
de 45 anos
3
. No que diz respeito ao seu estatuto económico e educativo, uma sondagem
Gallup/New York Timesde Março deste ano indica que não se distinguem
particularmente do resto da população adulta americana ' a maioria está
empregada (49 por cento) ou reformada (24 por cento), nunca frequentou a
universidade (34 por cento), ou, fê-lo esporadicamente (34 por cento). Já
quanto a questões sociais e políticas, as suas opiniões são substancialmente
mais conservadoras do que as do resto dos americanos: 65 por cento declara-se
pró-vida, em comparação com 46 por cento dos americanos; no que diz respeito à
reforma do sistema de saúde de Obama, as diferenças são ainda mais
significativas, só 12 por cento a consideram positiva, enquanto 47 por cento
dos restantes americanos a aprovam
4
.
No entanto, o aspecto relevante é a relativa inexperiência dos activistas '
quatro em cada cinco declaram-se politicamente noviços, nunca tendo participado
em campanhas políticas anterior
5
. Este facto (que, não pode ser objectivamente verificado), alimenta a
narrativa oficial do Tea Party que o caracteriza como um movimento espontâneo,
basista, uma soma de vontades individuais sem líderes ou aparelho centralizado,
e sem ambições políticas convencionais, procurando associá-lo directamente a
duas grandes tradições políticas cívicas e políticas, endemicamente americanas
' a contestação à autoridade do governo federal e o activismo de base de cariz
local.
O seu uso da simbologia independentista, a começar pelo nome, não é acidental;
a acção directa do Tea Party de Boston, defendida embora por mestres de
propaganda política como Sam Adams, não foi apoiada por outros patriotas mais
cautelosos quanto a métodos de luta política que afectassem o direito de
propriedade e envolvessem bandos de populares desgovernados e adquire agora um
significado específico, reforçado pelo folclore retórico e estético do
movimento ' a nação está em perigo, o perigo vem do Governo, e a resposta só
pode ser dada pela acção individual directa dos patriotas americanos,
convocados por um novo espírito revolucionário.
Também não é irrelevante que o movimento tenha adoptado uma reformulação do
símbolo gráfico mais famoso da luta independentista ' o cartoonda cascavel
retalhada, em que cada parte representava uma colónia, acompanhado do apelo
«Unite or Die»; em vez desse símbolo de um desígnio colectivo, os tea
partiersexibem a bandeira que representou o desafio da incipiente Marinha
americana contra a poderosa Marinha inglesa. Nesta bandeira
6
, uma cascavel ergue a cabeça ameaçadoramente, acompanhada pelo slogan«Don't
thread on me» (não me pisem).
Esta mensagem, que não é agora dirigida contra inimigos externos, mas contra o
que os cidadãos que nessa se revêem acreditam ser o excessivo peso do Estado na
vida americana e mais especificamente o programa «socialista» da Administração
Obama
7
, gera, consequentemente uma inerente ambiguidade. Quando usada contra perigos
que ameaçam a nação, o Eu convocado é claramente a América, mas quando usado
contra o Governo parece dar voz ao ressentimento pessoal ' não me obriguem a
fazer o que não quero fazer (como pagar impostos para sustentar programas
federais) em nome do bem-estar nacional.
As primárias republicanas do estado do Missouri, no início de Agosto, ilustram
o ambíguo cruzamento da mitologia na nação em perigo com o ressentimento
individual, quando as bases do partido escolheram um «verdadeiro conservador»
contra dois senadores estaduais mais experientes (o tipo de políticos
tradicionais a quem os tea partiersgostam de chamar RINOS ' Republicans Only in
Name). O sloganque granjeou as simpatias das bases é de uma simplicidade
reveladora ' «Estão fartos?». Os cartazes e discursos do candidato Billy Long
asseguravam que ele estava, pessoalmente, farto, as bases republicanas
reconheceram que também o estavam, e assim, arrebatadas pelo desígnio de
«enviar um cidadão a Washington»
8
, colocaram na corrida à Câmara de Representantes um candidato que dificilmente
conquistará os votos independentes necessários à sua vitória.
Estar farto do Congresso, do Presidente, do IRS, dos políticos que não são
cidadãos, dos economistas, dos peritos e dos intelectuais (na famosa frase de
Sarah Palin à Convenção de Fevereiro da Tea Party Nation
9
, «precisamos de um comandante-em-chefe e não de um professor de Direito») não
tem a mesma ressonância optimista da vaga populista conservadora que levou
Ronald Reagan ao poder. O seu cariz é mais negativo, centrado na acumulação de
queixas e na defesa de interesses individuais limitados e frequentemente
contraditórios (como o desejo de cortar impostos federais e a defesa simultânea
de programas como o MEDICARE sustentado por esses mesmos impostos). Não há
evidentemente nada de ilegítimo na defesa de interesses egoístas na acção
política, mas parece mais difícil construir um momento reaganiano inspirado em
programas que não se baseiem em visões positivas de bem-estar nacional.
Por outro lado, o activismo de base e a gestão descentralizada do movimento
tornam-no próximo dos hábitos cívicos americanos ' reuniões em bibliotecas e
edifícios públicos, preparação de publicidade, organização de standsem espaços
públicos ou preparação de carros alegóricos para desfiles, bem como o uso de
blogues e redes sociais fazem parte do quotidiano de milhões de cidadãos bem
mais habituados a resolver os problemas comunitários localmente, de forma
autónoma do que os cidadãos europeus. Até que ponto a narrativa ingénua da
génese e desenvolvimento do movimento é compatível com os factos, depende da
perspectiva. Trava-se uma luta semântica entre os seus apoiantes e adversários
desde que o economista Paul Krugman desmontou, no New York Times, a teoria da
geração espontânea do movimento. Em vez de grassroots(o termo usado para
designar um movimento genuinamente basista), o Tea Party foi acusado de ser um
fenómeno de astroturf
10
(ou seja, de ser manufacturado de cima para baixo, por grupos de pressão que
lhe são anteriores e que, cuidadosamente, manipularam a sua aparente origem
comunitária). Desde então, organizações conservadoras como o FreedomWorks, o
grupo de acção dirigido por Dick Armey, um dos arquitectos da vitória
republicana de 1994 e o Americans for Prosperity
11
, um grupo de pressão associado à actividade petrolífera, entre outros,
admitiram ter apoiado organizativa e materialmente o movimento, com cujos
objectivos se identificam. Não parece analiticamente muito produtivo investigar
o passado do movimento e o seu financiamento inicial, já que as duas coisas
são, hoje, evidentes e consensuais ' o apoio de largos sectores da opinião
pública mais conservadora americana ao movimento e a sua capacidade de
mobilização de vários descontentamentos a nível local, regional e nacional.
A composição difusa do movimento, que assumiu a estrutura de uma federação de
83 organizações (e indivíduos) em Abril passado pode ser, por outro lado, a
fonte da sua implosão. O caso da expulsão da Federação no passado mês de Julho,
de uma das suas mais numerosas constituintes, ilustra as contradições inerentes
à sua fórmula. O Tea Party Expressque afirma contar com 400 membros, tem sido
responsável por algum do comportamento mais escandalosamente ofensivo, racista
e homofóbico dirigido contra membros do Congresso e contra sectores da
sociedade americana; o seu líder, Mark Williams, que se referiu publicamente a
Barak Obama como um «muçulmano indonésio transformado num rufião pró-Estado
social», e tem liderado a campanha para declarar a ilegalidade da sua
presidência, alegando que o Presidente nunca provou ter nascido em território
americano, redigiu e tornou pública uma carta satírica dirigida a Lincoln,
pretensamente «assinada» por escravos, onde estes lamentam o fim da
escravatura, e se queixam de que deixarão de ter uma vida de privilégio,
subsidiada pelo trabalho de brancos, se houver cortes de impostos
12
. O tom da carta, inusitado pela virulência do seu racismo, levou a Federação,
empenhada em apresentar uma face responsável no período pré-eleitoral, a
expulsar o grupo, funcionando como se fosse uma organização política
tradicional com poder de decidir quem lhe pode pertencer
13
.
Aqui reside o âmago do dilema do Partido Republicano ' como fazer uso de um
movimento que lhe pode ser eleitoralmente favorável sem se deixar contaminar
por um discurso politicamente embaraçoso e impossível de controlar.
O que fazer com o Tea Party?
A estratégia eleitoral dos dois partidos para as eleições de Novembro parece, a
dois meses de distância, relativamente clara. Aos democratas interessa associar
o Partido Republicano ao Tea Party, sabendo que a expulsão do mais visivelmente
radical dos seus constituintes extremistas não só não diminuiu a sua influência
' o grupo continua a apoiar alguns dos candidatos republicanos menos mainstream
como Sharon Angle, candidata pelo estado do Nevada ao lugar de Harry Reid, o
dirigente dos democratas no Senado ' como não garante a respeitabilidade
política futura do discurso político dos tea partiers.
Ao Partido Republicano interessa gerir esta ligação de forma a potencializar o
entusiasmo pelos seus candidatos mais conservadores, neutralizando ao mesmo
tempo o embaraço potencialmente causado pela retórica não só de apoiantes mas
de candidatos impostos pelos tea partierscontra o establishmentdo partido. O
caso mais mediático (mas de forma alguma o único) é o de Rand Paul, o filho de
Ron Paul, seleccionado como candidato republicano pelo Kentucky, com o apoio
entusiástico do Tea Party, e contra os esforços da elite do partido que apoiava
outro candidato, tentando evitar dar um trunfo significativo aos democratas.
Pouco tempo depois da sua selecção, o candidato condenava publicamente as
críticas do Presidente Obama à BP na sequência do derrame de petróleo no Golfo
do México dizendo-as «não americanas», e expressava dúvidas constitucionais
sobre o «Civil Rights Act» de 1964 que ilegalizou a segregação racial nos
estados do Sul, colocando-se assim claramente fora do mainstream do eleitorado
americano.
As dificuldades dos republicanos em gerir o Tea Party resultam da necessidade
de equilibrar dois impulsos potencialmente contraditórios, relacionados com o
maior bloco do eleitorado americano, os independentes (cerca de 30 por cento) '
canalizar o seu descontentamento sem o assustar com um discurso político
claramente excessivo e radical. Sondagens indicam que muitos eleitores
independentes cujos votos foram fundamentais para a vitória de Obama têm
manifestado desapontamento com a Administração nomeadamente no que diz respeito
às suas prioridades (saúde aparentemente privilegiada em relação a empregos),
ao aparente insucesso na gestão da crise económica, e ao agravamento do défice.
Quando apenas 30 por cento dos eleitores se dizem convencidos de que o país vai
na direcção certa e apenas 46 por cento aprovam a política da presente
administração, o partido da oposição parece ter uma oportunidade significativa,
complicada, no entanto, pelo facto de ser igualmente atingido pela extrema
impopularidade do Congresso, cuja actuação é aprovada por apenas 19 por cento
dos eleitores
14
. De acordo com dados da Gallup, uma comparação de todas as eleições
intercalares desde 1964, sempre que a taxa de aprovação de um Presidente se
situou abaixo dos 50 por cento, no fim do segundo ano do seu mandato, o seu
partido perdeu em média 36 lugares na Câmara de Representantes, comparado com
uma perda de 14 por cento quando a taxa de aprovação era superior a 50 por
cento. Se nada mudar até Novembro na percepção do público, um tal resultado,
embora muito embaraçoso para os democratas, não constituiria uma derrota
devastadora, já que manteriam, se bem que com uma margem reduzidíssima, o
controlo da Câmara. Por outro lado, a popularidade de um Presidente é uma
dimensão extremamente volátil e plástica; dos três presidentes que apresentavam
no seu segundo ano de mandato taxas de aprovação significativamente abaixo dos
50 por cento ' Carter, Reagan e Clinton ' os dois últimos recuperaram
suficientemente o seu crédito político e venceram um segundo mandato, enquanto
George H. Bush, que 75 por cento dos americanos consideravam um bom Presidente
antes das intercalares de 1991 veria o eleitorado negar--lhe um segundo
mandato.
Os democratas ' que vão certamente ser abalados pelos inquéritos da Comissão de
Ética a dois veteranos da Câmara, Charles Rangel, de Nova Iorque, e Maxine
Waters, de Los Angeles, agendados para antes de Novembro ' parecem ter decidido
que o seu melhor trunfo estratégico é a associação dos republicanos ao Tea
Party. Os dirigentes do movimento, por outro lado, não parecem inclinados a
facilitar as escolhas da liderança republicana, forçando uma escolha que esta
certamente desejaria não ter de enfrentar publicamente. No início de Agosto,
emitiram um programa em 10 pontos a que chamaram «Contract from America»,
pedindo a todos os candidatos republicanos que o assinassem ou repudiassem.
Esse minimanifesto inclui pontos queridos ao movimento ' rejeição do programa
de troca de emissões, reforma do sistema fiscal, restauração do «governo
limitado», rejeição do plano de reforma da saúde aprovado este ano, fim dos
«gastos excessivos» do Governo. Pressionados pelos apoiantes do movimento, 50
representantes republicanos assinaram o compromisso, apesar de dirigentes
destacados da Câmara, como John Boehner e Eric Cantor terem anunciado que não
fazem intenção de o assinar. O Partido Democrata não perdeu naturalmente esta
oportunidade de acentuar as «ligações perigosas» dos republicanos, a sua ideia
chave para a campanha, emitindo uma tradução dos 10 pontos do Tea Party onde as
consequências dos compromissos do «Contract from America» são desmontadas.
Mark Lilla, numa análise recente do ethos jacobino do Tea Party, descreve-os
como «um grupo de americanos furiosos que quer ser ainda mais livre ' livre das
agências governamentais que protegem a sua saúde, riqueza e bem-estar; livre de
problemas e políticas demasiado complexas para eles as perceberem; livres de
peritos que acham que sabem mais do que eles; livres de políticos que não falam
como eles»
15
. Esses americanos já deram ao país Sarah Palin e Joe, o Canalizador. Depois
das eleições de Novembro saberemos se estes cidadãos, que estão fartos e não
reconhecem as contradições das suas próprias ambições, são capazes de
influenciar, significativamente, a forma como a política é feita no seu país,
ou se serão contidos pela experiência colectiva dos políticos moderados do seu
partido e pela sensatez do eleitorado.
NOTAS
1
Esta colocação resulta do estudo de votos individuais de membros do senado e do
Congresso nesse período, usando um sistema computacional descrito em POOLE,
Keith ' «Estimating a basic space from a set of issue scales». in American
Journal of Political Science. vol. 42, n.º 3, 1998, pp. 954-993. Para a lista
completa de senadores e membros da Câmara e as suas posições relativas, cf.:
POOLE, Keith ' «Is john Kerry a liberal?». in Voteview.com, 13 de Outubro de
2004. [Consultado em: 8 de Agosto de 2010]. Disponível em: http://voteview.com/
is_john_Kerry_a_liberal.htm
2
«Even GOP conservative Ron Paul draws tea party opposition». in Dallas Morning
News, 7 de Fevereiro de 2010.
3
«Cbs/NYTimes Poll: national survey of tea party supporters». in New York Times,
12 de Abril de 2010. [Consultado em: 6 de Agosto de 2010]. Disponível em: http:
//documents.nytimes.com/new-york-timescbs-news-poll-national-survey-of-tea-
party-supporters?ref=politics
4
«Tea partiers are fairly mainstream in their demographics». in Gallup.com, 5 de
Abril de 2010. [Consultado em: 6 de Agosto de 2010]. Disponível em: http://
www.gallup.com/poll/127181/tea-partiers-fairly-mainstream-demographics.aspx
5
RABAN, Jonathan ' «At the tea party». in The New York Review of Books. vol.
LVII, n.º 3, 24 de março-7 de Abril de 2010, pp. 4-9.
6
A bandeira, geralmente denominada como a bandeira Gadsden, foi concebida em
1775 pelo general Christopher Gadsden.
7
Noventa e dois por cento dos inquiridos na sondagem Cbs/New York
Timescaracterizam desta forma o programa da administração Obama.
8
COLLINS, Gail ' «Show me your insiders». In New York Times/ International
Herald Tribune, 5 de Agosto de 2010, p. 7. Mais informações sobre a campanha de
Billy Long em http://billylongforcongress.com
9
A Tea Party Nation é uma das três maiores organizações que integram o
movimento. As outras duas são o Tea Party Express e os Tea Party Patriots.
10
O jogo semântico depende da oposição entre grassroots (que denota relva
natural) e astroturf (relva artificial).
11
Fundado pelo presidente da Koch industries, uma das mais importantes
refinadoras dos Estados Unidos.
12
«Tea Party Express leader Mark Williams kicked out over Colored People
Letter». In New York Daily News,18 de Julho de 2010. [Consultado em: 27 de
Julho de 2010]. Disponível em: http://www.nydailynews.com/news/politics/2010/
07/18/2010-07-
18_tea_party_express_leader_mark_williams_expelled_over_colored_people_letter.html
13
O grupo afirma que não reconhece à federação o direito de o expulsar. Mark
Williams afastou-se entretanto do grupo, para se dedicar a outra causa, a
oposição à construção de um centro cultural islâmico perto do Ground Zero, um
projecto defendido por Michael Bloomberg, o mayor de nova York.
14
Dados da Gallup (actualizados em 12 de Agosto). [Consultado em: 12 de Agosto
2010]. Disponível em: http://www.gallup.com/poll/politics.aspx
15
LILLA, Mark ' «The Tea Party Jacobins». In The New York Review of Books. Vol.
LVII, N.º 9, 27 de Junho de 2010, pp. 53-56.
Rua Dona Estefânia, 195, 5 D
1000-155 Lisboa
Portugal
ipri@ipri.pt