GOTTSCHLICH, Ralf: Das Kloster Santa Maria da Vitória in Batalha.
RECENSÃO
GOTTSCHLICH, Ralf – Das Kloster Santa Maria da Vitória in Batalha.
Virgolino Ferreira Jorge*
*Universidade de Évora, 7000-849 Évora, Portugal. E-mail: vfjorge@gmail.com
Este estudo monográfico sobre a arquitectura do Convento de Santa Maria da
Vitória na Batalha resulta de uma tese de doutoramento em História da Arte,
apresentada e defendida pelo autor na Universidade Técnica de Dresden
(Alemanha), no ano de 2002.
Com agrado, verifica-se que o importante complexo conventual batalhino –
“centro” da arquitectura sacra gótica do país – continua a merecer o empenho e
a atenção privilegiados de investigadores estrangeiros, que ampliam a
bibliografia do monumento noutras línguas e promovem a sua leitura no mundo
científico. Entre vários contributos anteriores a atestar esse sucesso,
refiram-se os trabalhos de natureza histórico-artística e arquitectónica do
inglês James Murphy, do francês Jean-Marie Guillouët e do alemão Ralf
Gottschlich, cuja obra agora é recenseada.
O interesse do livro de Gottschlich é múltiplo, devido à visão ampla e à
análise pormenorizada que oferece do monumento, descrito com uma riqueza de
informação artística e de conhecimento técnico, muito úteis e pouco comuns
entre os nossos historiadores da arte. Ao longo de 367 páginas ilustradas com
fotografias e plantas, o autor apresenta o estado actual da investigação
histórica e arquitectónica do conjunto dominicano batalhino, dá uma leitura
renovada e sistemática dos edifícios conventuais e aprofunda alguns eixos de
pesquisa acerca da nossa cultura artística de finais da Idade Média religiosa.
Perante a impossibilidade de comentar, de modo extenso, a estrutura e o
conteúdo da publicação de Ralf Gottschlich, organizada em três partes
principais, compostas por vários capítulos, assinalam-se, unicamente, alguns
dos aspectos considerados de maior importância ou pertinência e que permitem
aferir a justeza deste estudo. Ao leitor atento caberá descobrir ou avaliar
outros interesses do trabalho em apreciação, susceptíveis de conferir mais
valor e significado àquele monumento dominicano.
A realidade nacional dos séculos XIV-XVI e as condições sociopolíticas e
económicas sob as quais surgiu e evoluiu este importante conjunto
arquitectónico são retratadas e sintetizadas na parte inicial do estudo (págs.
1-53). A autoria e a responsabilidade de execução ou de condução das diversas
obras batalhinas são aqui também discutidas. Julga-se que o tratamento desta
matéria, que inclui a atribuição documentada das diferentes campanhas a onze
mestres-de-obras, seria mais lógico e pedagógico se fosse apresentado e
analisado com ulterioridade, num dos capítulos finais do livro. Com efeito, as
notícias referentes à formação ou à origem geográfica e social desses
construtores permitiriam, então, com outras achegas adicionais, interpretar ou
entender, melhor e mais adequadamente, o tempo histórico e as circunstâncias de
planificação e de laboração das várias fases da obra, o gosto e o poder régios,
a circulação de influências artísticas, as linguagens formais do monumento e as
respectivas concepções. A mesma opinião, e por motivos idênticos, vale para as
referências aos trabalhos de conservação e restauro efectuados durante os
séculos XIX e XX, cuja descrição e justificação parecem deslocadas aqui, nestes
capítulos iniciais da monografia.
A segunda parte do livro (págs. 58-285) abre com a leitura exterior e interior
da igreja, inserindo-se nesta última os factores principais da planta, seguidos
da sua análise métrica e proporcional. Este tema da medida e do número na
arquitectura ainda está muito pouco estudado entre nós, não obstante a sua
utilidade fundamental para o entendimento da construção durante a Idade Média.
A este propósito, afigura-se mais coerente que no “scanner” metodológico e
didáctico de uma obra de arquitectura a análise da organização espacial da
planta deverá preceder a descrição e a leitura morfológica dos alçados, na qual
eles radicam. Esta parte intermédia do volume inclui, igualmente, um ensaio de
cronologia relativa das obras e a explicação arquitectónica do claustro real e
dos espaços habitacionais circundantes, da Capela do Fundador e das chamadas
Capelas Imperfeitas.
A terceira e última parte da publicação (págs. 289-333) é dedicada ao
enquadramento do conjunto dominicano da Batalha na arquitectura sacra da
Península Ibérica, numa perspectiva crítica entre a tradição e a inovação
verificadas ao longo dos séculos XIII a XV. Acredita-se que, nalguns aspectos
particulares, embora comummente aceites mas nem sempre explícitos ou
justificados, talvez haja um excesso de interpretação e o contributo da
arquitectura religiosa nacional poderia ter sido mais explorado ou assumido e
valorizado, quanto à sua afinidade ou apropriação.
O exame metódico e reflexivo efectuado às construções do antigo convento
batalhino apoia-se na utilização de uma bibliografia abundante1, em muitas
notas documentadas e numa vasta iconografia de acompanhamento, objectivando um
texto esclarecedor e abalizado da arquitectura do régio conjunto dominicano. No
olhar e no discurso de Gottschlich são visíveis as preocupações e os esforços
para identificar e discutir os assuntos de pesquisa e de decifração crítica
mais sensíveis deste monumento religioso e, com capacidade hermenêutica, propor
hipóteses ou soluções explicativas acerca dessas dificuldades ou
questionamentos.
A planta desdobrável do Convento da Batalha, apresentada em apêndice, contém
informação limitada e insuficiente para o correcto julgamento bidimensional da
sexcentenária construção, mormente para o leitor-utilizador que não conheça bem
aquele magno e singular edifício.
Com esta monografia académica, o nosso autor melhorou e acrescentou saberes
para uma compreensão mais epistemológica do conjunto de Santa Maria da Vitória
na Batalha. Em simultâneo, o livro de Ralf Gottschlich convoca a atenção e
desperta o surgimento de investigadores para uma época significativa e criativa
da história e da arte nacionais, rasgando novos horizontes de estudo e
favorecendo a integração, mais alargada e reconhecida, do património
arquitectónico do nosso país no vasto contexto cultural e artístico europeu.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
JORGE, Virgolino Ferreira, “[Recensão a] GOTTSCHLICH, Ralf – Das Kloster Santa
Maria da Vitória in Batalha. Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2012. ISBN 978-3-
487-14786-4“. Medievalista [Em linha]. Nº15, (Janeiro - Junho 2014).
[Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA15/jorge1507.html.
Notas
1
Entretanto, há a acrescentar algumas publicações acerca do antigo convento
dominicano da Batalha, saídas após a investigação principal de Gottschlich e
que merecem referência: GUILLOUËT, Jean-Marie – Le portail de Santa Maria da
Vitória de Batalha et l’art européen de son temps/O portal de Santa Maria da
Vitória da Batalha e a arte do seu tempo. Leiria: Textiverso, 2011; MONTEIRO,
António de Almeida – O voto de el-rei D. João I antes da batalha real. Coimbra:
Gráfica de Coimbra, 2011; REDOL, Pedro – O Mosteiro da Batalha e o vitral em
Portugal nos sécs. XV e XVI. Batalha: Câmara Municipal da Batalha, 2003, e
SOARES, Clara Moura– O restauro do Mosteiro da Batalha.Leiria: Magno Edições,
2001.