BURGTORF, Jochen; CRAWFORD, Paul; NICHOLSON, Helen J. (eds.): The debate on the
Trial of The Templars (1307-1314)
RECENSÃO
BURGTORF, Jochen; CRAWFORD, Paul; NICHOLSON, Helen J. (eds.) - The debate on
the Trial of The Templars (1307-1314).
Cláudio Neto*
*Cardiff University, Cardiff School of History, Archaeology and Religion /
Instituto de Estudos Medievais, CF 10 3EU, Cardiff, País de Gales. E-mail:
claudioacnneto@gmail.com
O ano de 2007 marcou o sétimo centenário do desencadear do processo que
conduziu à extinção da Ordem do Templo no ano de 1312 por meio da bula Vox in
excelso, de 22 de Março, e que, nas suas derradeiras consequências, conduziu à
fogueira o seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay, no ano de 1314. A
propósito dos setecentos anos decorridos sobre a prisão dos templários no reino
de França, foram organizados dois painéis dedicados a uma reapreciação do tema
nos congressos internacionais de Kalamazoo (Michigan, E.U.A., Maio de 2007) e
de Leeds (Reino Unido, Julho de 2007), fomentando assim a série de artigos
compilados neste volume. Trata-se de um conjunto de vinte e oito artigos que se
dedicam a aflorar questões relacionadas com os antecedentes e as consequências
do processo, assim como com a condução do mesmo nas várias regiões da
Cristandade Latina onde a milícia se implantara nos dois séculos anteriores.
Datado de 1978 e contando com actualização de 2006, o trabalho seminal de
Malcolm Barber, The Trial of the Templars1, representa ainda o ponto de partida
essencial para o estudo do processo de extinção dos Templários. Outros
trabalhos, tais como a biografia de Jacques de Molay escrita por Alain
Demurger2, ou as investigações conduzidas por Alan Forey sobre o processo no
reino de Aragão3, de Peter Edbury para o reino de Chipre4, de Helen Nicholson
para as Ilhas Britânicas5, ou ainda de Philippe Josserand para Castela6 têm
contribuido para um alargamento do âmbito geográfico e para a clarificação das
diferentes questões que o estudo da extinção da Ordem coloca. No entanto, o
tema suscita um vasto leque de questões que necessitam ainda de aprofundamento,
desde logo devido à dispersão geográfica do processo. Desencadeado em França, e
tradicionalmente abordado pela historiografia como conduzido pela vontade do
monarca francês Filipe IV, a extinção da Ordem afectou um largo espaço,
estendendo-se de Ocidente para Oriente desde a Península Ibérica até à Polónia,
e de Sul para Norte desde a Sicília até às Ilhas Britânicas. Naturalmente, tal
dispersão espacial não só alarga o espectro documental a ser tido em conta,
como também multiplica as questões relativas ao conhecimento das
especificidades historiográficas, arquivísticas e arqueológicas de cada região
envolvida neste fenómeno. Este factor tem contribuido para que a compreensão
global do processo de extinção da milícia esteja dependente de um trabalho
internacional colectivo que se tem desenvolvido a vários ritmos, o que reforça
a importância de esforços de investigação e discussão alargada e dotada de
coordenação, como é o caso do trabalho ora recenseado.
E se a geografia do julgamento da milícia é já vasta, as implicações temáticas
não o são menos. Desde logo, o estudo desta questão estende-se bastante para lá
do âmbito circunscrito dos estudos sobre a Ordem do Templo enquanto instituição
religioso-militar, envolvendo um elenco considerável de problemas
historiográficos, tão importantes como férteis. Entre eles, podem-se arrolar
problemáticas já clássicas como as clivagens relacionadas com o fortalecimento
dos poderes monárquicos e a emergência do Estado Moderno ou como as questões
decorrentes do estabelecimento do Papado de Avinhão e as implicações desta
transição nas relações entre a monarquia papal e os reinos da Cristandade
Latina. O debate historiográfico sobre o processo dos templários tem também
envolvido campos mais recentes de investigação, como o estudo de processos
inquisitoriais análogos ao da milícia, ou a compreensão dos formulários e das
técnicas de interrogatório utilizadas pelos inquisidores. Por último, é
importante sublinhar que o horizonte cruzadístico desta questão nunca pode ser
posto de parte, não sendo possível compreender os argumentos para a extinção da
milícia sem se ter em conta a evolução da ideia de Cruzada após a queda de
Acre, em 1291, e os desafios colocados pelos projectos de recuperação da Terra
Santa no início do século XIV.
O conjunto de artigos que compõe este volume conduz o leitor através deste
elenco de temáticas, fornecendo um bom panorama das questões levantadas pelo
processo de extinção da Ordem do Templo. Na primeira parte, cinco artigos
dedicam-se a considerar aspectos relativos aos antecedentes do processo. Só o
artigo de Alan Forey (pp. 11-19) escapa à inevitável atracção exercida pela
acção de Filipe IV de França, procurando reflectir sobre a possibilidade de uma
perpetuação de heresias dentro da milícia e expondo as fragilidades da tese
que, eventualmente, danificou a imagem da Ordem do Templo ao ponto de tornar a
sua dissolução incontornável. Os restantes quatro artigos que se dedicam a
analisar o momento precedente à acção desencadeada pelo monarca francês
gravitam em torno da busca das motivações que teriam levado Filipe IV a
proceder à prisão dos templários franceses no dia 13 de Outubro de 1307. Neste
âmbito, Anthony Luttrell, discutindo a eleição do grão-mestre Jacques de Molay
(pp. 21-31), avança com a hipótese da eleição ter resistido à influência do rei
de França, afastando o candidato preferido pelo monarca.
Esta intromissão dos monarcas nas eleições dos mestres das milícias não era nem
novidade nem práctica incomum no início do século XIV. Ora, de acordo com o
artigo de Nicholas Morton (pp. 33-43), esta exposição da milícia à ingerência
do monarca articula-se com a dependência estrutural da milícia do Templo
relativa aos poderes seculares e eclesiásticos em solo francês, em especial com
a necessidade de manutenção de boas relações com a Coroa. Conforme a exposição
de Bernard Schotte (pp. 45-56), do ponto de vista do carácter internacional da
milícia do Templo, estas relações estariam comprometidas. O autor expõe
elementos documentais que atestam o envolvimento, tanto de templários como de
hospitalários, no recrutamento de contingentes militares que combateram Filipe
IV na Flandres durante a primeira década do século XIV. Embora Schotte deixe
pendente a interrogação acerca de um verdadeiro nexo de causalidade existente
entre a participação dos cavaleiros templários na rebelião flamenga e o
desencadear do processo contra a milícia, os elementos documentais trazidos a
lume por este autor demonstram que esta participou activamente na resistência
flamenga contra o monarca francês. Outro mérito a sublinhar neste artigo é o de
trazer novos dados que permitem confirmar a proximidade entre as milícias do
Templo e do Hospital com o mundo urbano do Norte da Europa. Elementos que podem
ser aduzidos ao já desenvolvido conjunto de evidências que demonstram as
íntimas relações entre as milícias religiosas e o universo urbanístico
medieval.
Contudo, a relação entre a rebelião flamenga e o processo dos templários não se
esgota na participação activa da milícia no esforço de guerra contra o monarca
francês. Conforme Ignacio de la Torre (pp. 57-68), este conflito contribuiu
para a perseguição do Templo ao constituir uma das causas do agravamento da
situação financeira da Coroa francesa. O artigo traça-nos um panorama da
evolução das finanças do reino francês, evidenciando a crescente necessidade de
arrecadar fundos monetários que Filipe IV foi sentindo ao longo do seu reinado,
levando-o a recorrer a empréstimos, à desvalorização da moeda e à perseguição
das comunidades lombarda e judaica. Ignacio de la Torre argumenta que os cofres
da casa do Templo em Paris teriam então sido outro dos recursos encontrados
pelo Belo para restituir algum equilíbrio às suas finanças.
Não obstante, o pretexto apresentado pela Coroa para o assalto às comendas
templárias em França foram as acusações de heresia, mais tarde confirmadas numa
leva de interrogatórios conduzidos pelos oficiais régios franceses. Abrindo a
secção dedicada ao processo em França, Thomas Kråmer questiona a fiabilidade
dos depoimentos dos templários interrogados (pp. 73-65), não só por terem sido
obtidos mediante o emprego da tortura, mas também por acusarem os
condicionalismos impostos pelas fórmulas e métodos de interrogatório dos
inquisidores. Estes métodos, aperfeiçoados desde a centúria anterior,
caracterizam-se por serem particulamente direcionados a obter confissões
positivas no tocante a prácticas de heresia, o que naturalmente inibe uma
averiguação mais pormenorizada dos quatidianos, prácticas e costumes das
preceptorias templárias. De acordo com Kråmer: "Most of the inquisitors,
like Guillelmus de S. Laurencio, were convinced that they were dealing with
guilty heretics when they were interrogating the Templars. For reasons inherent
to inquisitorial procedures, they tried to extract confessions whenever
possible" (p. 85).
Mesmo assim, apesar do voluntarismo do monarca francês, a condução de um
processo desta natureza dirigido a uma instituição religiosa directamente
dependente do sumo pontífice teria de passar forçosamente para a alçada das
autoridades papais. Procurando contrariar a corrente historiográfica que tem
encarado Filipe IV como um firme opositor da Igreja, Dale Streeter torna
evidente no seu texto (pp. 87-95) a forma como o rei de França procurou
articular a sua acção com o papado e com os bispos do seu reino, através da
criação da comissão papal para o processo em 1308 e da criação de tribunais
diocesanos para o efeito. Foi precisamente este envolvimento que ditou a
condução dos interrogatórios subsequentes. Um destes, datado de 1309, resultou
no testemunho de Ponsard de Gisy, comendador de Payns, que é alvo de uma
primeira abordagem feita por David Bryson (pp. 97-103).
Porém, como é já sabido, deste processo não sobreviveram apenas os testemunhos
dos freires interrogados, tendo também sobrevivido uma série de inventários
realizados sobre os bens do Templo, não só em França como também noutras áreas
da cristandade. É da sua utilidade para obtenção de informações acerca das
comendas da milícia nas suas últimas décadas de existência que se ocupa o
artigo de Jochen Burgtorf (pp. 105-115), que conclui afirmando: "To sum
up, the inventories of the Templar trial deserve much more attention than they
have received thus far. Procedurally, they have much to tell about the actual
arrests and seizures. They provide an insight into the daily life and material
culture of both major commanderies and minor houses, and they indicate the
value or non-value that early fourteenth century society ascribed to the
order’s various possessions. Moreover, the inventories are a gold mine for the
prosopographer and an important textual aid for the medieval
archaeologist" (p. 115).
Não só as fontes emanadas directamente do julgamento dos Templários possuem
contributos para fornecer para uma melhor compreensão do que aconteceu entre
1307 e 1314. Tanto Alain Provost (pp. 117-127) como Paul Crawford (pp. 129-143)
foram capazes de lançar luz sobre a extinção do Templo através da análise de
processos de acusação de heresia sensivelmente contemporâneos do processo da
Ordem do Templo. Analisando o processo de acusação de Guichard, bispo de
Troyes, e relacionando-o tanto com o processo de acusação dos freires
templários, como com o processo póstumo de acusação do papa Bonifácio VIII,
Provost propõe uma leitura mais lata do julgamento do Templo, enquadrando-
o numa série de processos que visaram reforçar o campo de acção do monarca
francês, alargando-a a áreas previamente exclusivas da jurisdição eclesiástica.
Parece evidente que Filipe IV procurou respaldo jurídico para a transgressão
dos limites jurisdicionais da Coroa, uma vez que o monarca requisitou à
Faculdade de Teologia da Universidade de Paris um veredicto sobre a
legitimidade da Coroa intervir sobre as alegadas prácticas de heresia da Ordem
do Templo. É sobre este veredicto, datado de 25 de Março de 1308 que Crawford
se debruça, comparando-o com o julgamento de Marguerite Porete, também
analisado pela mesma faculdade em 1310. A resposta do juri relativamente ao
caso do Templo assumiu um tom cauteloso, tendo sido negado ao monarca a
legitimidade de intervir sobre uma instituição religiosa directamente
dependente do papado. Esta resposta aparentemente positiva para a milícia
esconde, porém, o facto de uma quantidade significativa de teólogos ter-se
abstido de emitir um juízo neste caso. Através da comparação da composição do
juri que se pronunciou no caso relativo ao Templo com a composição do juri que
se pronunciaria, mais tarde, no caso de Marguerite Porete, Crawford demonstra
que a abstenção de um número significativo de membros da Faculdade de Teologia
em 1308 se deveu, sobretudo, à sua filiação como clérigos seculares e também
devido à proximidade que mantinham relativamente a Filipe IV. O autor vem
demonstrar que a actuação das autoridades eclesiásticas neste processo não se
resumiu à exclusiva apreciação da matéria de heresia, tendo o conflito de
interesses entre Seculares e Regulares e as relações entre o trono e o altar
desempenhado um papel significativo na condução do processo de extinção da
Ordem.
Encerrando a secção sobre o processo em França, o presente volume apresenta-nos
dois artigos. Jochen Schenk (pp. 145-159) analisa os laços familiares dentro da
milícia a partir dos testemunhos do processo. O seu artigo evidencia a
utilidade destas fontes para um melhor conhecimento das prácticas de
recrutamento da Ordem, podendo inclusive subsistirem indícios de favorecimento
de certos recrutas ou, até, de uma rede de nepotismo dentro de alguns sectores
templários. A atestar-se a existência destas anomalias, estes indícios poderão
trazer alguma luz sobre as orígens das acusações de desvio à norma que,
presumivelmente empoladas pelos acusadores, difamaram gravemente a milícia. Por
último, de outro prisma, Magdalena Satora (pp. 161-168) problematiza a difusão
da informação sobre o processo durante o século XIV como uma forma da
propaganda régia de Filipe IV. A autora discute os diferentes alcances da
circulação dos rumores e acusações sobre a milícia. Este factor é de suma
relevância se se tiver em consideração que a dissolução da milícia em 1312
assentou menos nas provas obtidas contra os templários relativas à matéria de
heresia, mas mais no facto de a imagem da Ordem se encontrar já fortemente
carregada com valores negativos.
A terceira secção do conjunto de artigos é dedicada ao processo na Península
Ibérica. Clive Porro (pp. 171-182) dedica o seu artigo à acção de D. Dinis
relativa ao processo do Templo em solo português. O artigo reveste-se da
utilidade de reconstituir as diferentes etapas do processo no reino portugês e
de chamar a atenção de um público mais alargado para a dimensão portuguesa do
processo de extinção da milícia. Contudo, talvez seja necessário repensar a
interpretação lançada pelo autor relativamante às trocas de propriedades
efectuadas entre o monarca português e a milícia nos primeiros anos do século
XIV. Clive Porro qualifica-as como um ataque deliberado à Ordem realizado por
D. Dinis, monarca que o autor caracteriza neste domínio como uma espécie de
Filipe IV avant la lettre: "It is arguable that, if Philip IV had not
precipitated the final crisis when he did, Dinis may well have extended his
legal challenge to other Templar estates. On this interpretation of events,
therefore, Dinis emerges not as the protector of the Templars but as one of
their earliest and more dangerous adversaries." (p. 182).
No entanto, a historiografia portuguesa deu já os seus passos no tocante à
reapreciação do processo de extinção da Ordem do Templo em Portugal e a
subsequente criação da Milícia de Cristo. A leitura do artigo de Clive Porro
deverá, portanto, ser acompanhada dos contributos de Saul António Gomes7 e de
Mário Farelo8, que põem em perspectiva algumas das afirmações de Porro e
precisam de forma mais rigorosa o contexto e o decorrer do processo no reino
português. Porém, salientem-se uma vez mais os méritos deste artigo, que
fornece uma grelha factual precisa, distinguindo os meios de acção do monarca
português dos meios empregues por Filipe IV, ao mesmo tempo que comprova o
interesse da historiografia internacional sobre o universo das milícias
religiosas no reino português.
É de referir que nesta secção não se encontram artigos dedicados ao processo do
Templo em Leão e Castela. Aragão, porém, merece uma maior atenção neste volume.
Na linha do já citado artigo de Jochen Burgtorf, Sebastián Salvadó (pp. 185-
197) debruça-se sobre as potencialidades dos inventários das comendas
templárias realizados no reino de Aragão após o ano de 1307 para o estudo da
espiritualidade da milícia. Neste caso, o conjunto de objectos litúrgicos
encontrado nas capelas das comendas do Templo sobressai como um elemento de
análise da espiritualidade militar. Noutro quadrante, analisando a questão da
extinção do Templo em Aragão e da criação da Ordem de Montesa, Luis García-
Guijarro Ramos (pp. 199-211) enquadra a criação da nova milícia aragonesa no
seio de uma estratégia régia para travar um eventual crescimento súbito da
Ordem do Hospital de São João em Aragão. Por outro lado, conforme o autor, a
criação de uma Ordem Militar de fundação aragonesa deve ser entendida à luz da
tendência territorializante da Cruzada Peninsular, que, no caso da Coroa de
Aragão, obedecia a uma estratégia de expansão mediterrânica, já materializada
desde a centúria anterior.
De acordo com o que o estado actual dos estudos permite saber, a actuação do
monarca francês não foi linearmente seguida pelos seus pares nos reinos
vizinhos da cristandade. A actuação e as soluções avançadas pelos monarcas
português e aragonês constituem uma forte evidência desta tendência, que,
conforme os artigos de Jeffrey Hamilton (pp. 115-224) e de Helen Nicholson (pp.
225-235), também se detecta nas Ilhas Britânicas. Inaugurando a secção dedicada
ao processo do Templo na Grã-Bretanha e Irlanda, a investigação de Hamilton
sobre a actuação de Eduardo II relativamente ao processo desencadeado contra a
milícia do Templo revela que o monarca inglês terá procedido de forma branda.
De acordo com o autor, tudo aponta para que as acusações dirigidas aos
templários não tenham convencido o rei de Inglaterra, tendo este procurado agir
de forma a retardar a supressão da milícia. Actuação que, no fim, evitou uma
perseguição aos freires nos seus domínios.
Em última análise, de acordo com este artigo, a supressão da Ordem no reino
inglês prendeu-se mais com pressões externas do que com uma vontade da Coroa
inglesa. Esta, por fim, terá lucrado com o processo de extinção, ao fazer
reverter para si uma grande parte dos bens que pertenciam à Ordem do Templo,
demorando a respeitar a resolução papal que ordenava a transferência dos bens
templários para as mãos da Ordem do Hospital. Helen Nicholson destaca a mesma
tendência, e até um maior desinteresse relativamente ao processo, para os
territórios irlandeses. O seu texto aponta para um desinteresse generalizado
por parte das autoridades anglo-irlandesas relativamente ao processo na
Irlanda, o que se coaduna com a visão de Jeffrey Hamilton relativa a uma fraca
convicção de Eduardo II relativamente às acusações feitas contra os freires do
Templo.
Não se pode, no entanto, ilibar a Coroa inglesa de ter procedido com
pragmatismo relativamente a uma perspectiva de súbito crescimento das
possessões hospitalárias no reino. Simon Phillips demonstra-o através do
estabelecimento de uma cronologia da transferência dos bens templários para a
posse da Ordem do Hospital em Inglaterra (pp. 237-246). Apesar da colaboração
do rei para levar a cabo a mudança de mãos dos bens, esta foi marcada por
dificuldades e obstaculos colocados por particulares, sobretudo por membros da
aristocracia interessados em beneficiar com a dissolução do Templo.
Contudo, a acção do monarca inglês, mais cautelosa relativamente a emitir a
ordem de prisão dos freires templários não encontrou ecos em todas as
monarquias da Cristandade Latina. Dando início à secção dedicada ao julgamento
noutras paragens, Peter Edbury (pp. 259-258) discute o processo de captura dos
Templários no reino de Chipre. De acordo com o autor, a prisão dos freires em
Junho de 1308 deve ser vista à luz da necessidade de legitimação papal do rei
cipriota Amaury de Lusignan, que o terá compelido a alinhar com a ordem papal
de captura dos freires. Por outro lado, conforme Edbury sublinha: "The
second principal reason is that, although the Templars had supported Amaury's
rule, they were not integrated into Cypriot society. The trial documents show
that some individual Templars had been received int the order in the Latin
East, but it appears that these men were invariably from western Europe, and
that the Templars did not recruit from among the members of the Frankish
nobility. So there were no prominent families who might want to come to the
defense of the order because their relatives were Templar brothers" (pp.
257-258). Este factor, associado a uma tendência para a manutenção de relações
menos felizes entre a milícia e a coroa cipriota desde a década de ’70 do
século XIII, terá contribuido para que o rei sentisse que a milícia poderia ser
um elemento passível de ser sacrificado em nome da estabilização do seu poder.
Não será excessivo sublinhar que um dos méritos do presente volume é a dimensão
comparativa que atribui ao estudo do processo do Templo. O alargamento do
espectro geográfico das investigações permite compreender as assimetrias que
caracterizam a actuação dos principes seculares e da Igreja relativamente à
acusação dos freires. Elena Bellomo, estudando o julgamento dos Templários no
Norte de Itália e, em particular, a actuação do arcebispo de Ravena, Rinaldo da
Concorezzo (pp. 259-272), traz a lume uma actuação diametralmente oposta à do
monarca Francês. De facto, de acordo com o artigo, o arcebispo terá procedido
de forma neutral, recusando a utilização de tortura e conduzindo o processo até
à absolvição dos freires das acusações que eram alvo.
As investigações sobre este tema demonstram, de facto, que o processo movido
contra a Ordem veio expor os diferentes níveis de implantação e relacionamento
da milícia nos diversos espaços da Cristandade Latina. No seu artigo (pp. 273-
283), Kristjan Toomaspoeg comprova a influência que as características de
implantação da Ordem do Templo tiveram na condução do processo. Partindo da
análise das redes templárias nos dois reinos da Sicília, Toomaspoeg expõe a
forma como o processo foi conduzido de forma diferente entre o reino siciliano
continental e o insular, tendo-se desencadeado algumas pequenas acções sem
grande impacto contra a Ordem do Templo na parte continental, sobretudo devido
à necessidade da Corte angevina alinhar com os seus aliados – o monarca francês
e o papado. Na Sicília insular, de acordo com a opinião de Toomaspoeg, a
popularidade e os valores positivos que constituiam a imagem da milícia, sem
dúvida associados à função cruzadística que a Ordem ainda desempenhava no
Mediterrâneo, terão servido para que esta permanecesse nas boas graças da
população e dos poderes locais, não se tendo registado nenhuma acção contra a
milícia nesta região.
Mais a Norte, na Flandres, os conflitos que a Ordem do Templo desenvolvera no
período anterior com a cidade de Ypres parecem não ter tido um grau elevado de
correlação com a forma mais dura como o processo foi desenvolvido. De acordo
com o texto de Filip Hooghe (pp. 285-299), a intensidade da actuação contra a
milícia nos territórios flamengos deveu-se sobretudo ao facto de terem sido as
autoridades francesas a conduzirem o processo neste espaço.
As assimetrias relativas ao processo ganham maior dimensão quando se toma
contacto com a investigação produzida sobre as margens orientais da Cristandade
Latina. Terminando esta secção, Maria Starnawska (pp. 300-314) analisa o
processo tardio e fragmentado de implantação da Ordem nos territórios da actual
Polónia. A autora relaciona o progressivo afastamento das elites regionais
relativamente à ideia de Cruzada com o entrosamento das comendas templárias nos
poderes locais. Justifica-se assim que, apesar de se terem verificado
transferências dos bens templários para a Ordem do Hospital, não se verificaram
julgamentos de freires do Templo nestes territórios.
O último capítulo do presente volume dedica-se a questões de âmbito mais
genérico e às consequências do processo. Christian Vogel (pp. 317-326) e Anne
Gilmour-Bryson (pp. 327-338) lançam perspectivas sobre a veracidade das
acusações feitas contra a milícia. De acordo com Vogel, o número de freires que
rompiam ilicitamente os laços com a milícia não sofrera uma grande alteração
nas últimas décadas de existência da Ordem do Templo relativamente a períodos
anteriores. Por outro lado, de acordo com o autor, não é possível estabelecer
uma correlação entre as fugas e deserções com as alegadas prácticas de heresia,
opinião que se coaduna com o texto de Gilmour-Bryson, que analisa os
testemunhos dos sacerdotes da milícia. A autora defende que todas as evidências
recolhidas destes depoimentos apontam para que todos os comportamentos da
milícia em termos espirituais se situassem dentro da ortodoxia cristã, não
havendo nenhum indício de uma corrupção generalizada da milícia.
O penúltimo artigo deste volume, da autoria de Theresa Vann (pp. 339-346),
procura fornecer uma visão mais generalizada das consequências que a integração
dos bens dos templários no património dos hospitalários acarretaram. A decisão
papal procurava perpetuar a missão que a milícia do Templo vinha a desenvolver,
mas esta transferência de bens impôs um grande desafio à Ordem de São João,
sediada à data em Rodes. Não só o papa não previra as dificuldades que a
milicia são-joanina enfrentaria para reclamar e gerir o património que ora lhe
pertencia, como agora esta se tornara o único elemento permanente na frente
mediterrânica contra os poderes muçulmanos.
Divergindo da investigação sobre o processo em si e as suas consequências
directas para o mundo medieval, o artigo de John Walker sobre o envolvimento
dos Templários e do seu processo de extinção nas redes contemporâneas do
esoterismo e da pseudo-história (pp. 347-357) fornece o mote para o
encerramento do conjunto de artigos e para uma reflexão mais profunda acerca da
forma como a história da milícia e do seu abrupto fim tem sido recebida pelo
público em geral, susceptível a acolher tanto as opiniões dos académicos como
de outros apaixonados pela Ordem do Templo.
Em jeito de remate, saúda-se a edição do presente volume e a iniciativa de
aprofundar o debate em torno dos momentos derradeiros da existência da Ordem do
Templo. Uma leitura atenta de cada artigo presente nesta obra poderá levar os
especialistas de diferentes geografias e temas a tecer críticas e a fornecer
dados mais rigorosos, dado o vasto alcance dos estudos neste volume reunidos.
Ainda assim, esta obra fornece uma pertinente actualização deste tema, a juntar
aos trabalhos clássicos já citados. Para além de constituir um marco na
investigação aprofundada sobre a extinção da Ordem do Templo, espera-se que,
como para o caso português, cada um dos artigos presentes forneça um estímulo
para o prosseguimento dos estudos sobre este fenómeno único na Idade Média.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
NETO, Cláudio – “Recensão: BURGTORF, Jochen; CRAWFORD, Paul; NICHOLSON, Helen
J. (eds.) – The debate on the Trial of The Templars (1307-1314). Farnham/
Burlington: Ashgate, 2010. ISBN: 9780754665700 (hbk); 9781409410096 (ebk)”.
Medievalista [Em linha]. Nº15, (Janeiro - Junho 2014). [Consultado dd.mm.aaaa].
Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA15/
neto1508.html.
Notas
1
BARBER, Malcolm - The Trial of the Templars. 2nd ed.. Cambridge: Cambridge
University Press, 2006. ISBN-10: 0521856396; ISBN-13: 978-0521856393
2
DEMURGER, Alain - Jacques de Molay. Le crépuscule des templiers. Paris: Payot,
2002. ISBN: 2-228-89628-4
3
FOREY, Alan – The fall of the Templars in the Crown of Aragon. Aldershot:
Ashgate, 2001. ISBN-10: 0754605191; ISBN-13: 978-0754605195
4
EDBURY, Peter – “The Suppression of the Templars in Cyprus”. St. John
Historical Society Proceedings, London. (2003), pp. 24-39
5
NICHOLSON, Helen - The Knights Templar on Trial: 1308-1311. Stroud: The
History Press, 2009. ISBN-10: 0750946814; ISBN-13: 978-0750946810
6
JOSSERAND, Philippe – “O processo da Ordem do Templo em Castela”. In
CARREIRAS, José Alberto; ROSSI VAIRO, Giulia (eds.) – I Colóquio Internacional.
Cister, os Templários e a Ordem de Cristo. Da Ordem do Templo à Ordem de
Cristo. Os Anos da transição. Actas. Tomar: Instituto Politécnico de Tomar,
2012. ISBN: 9789729473593. pp. 141-157
7
GOMES, Saul António – “A Extinção da Ordem do Templo em Portugal”. Revista de
História da Sociedade e da Cultura. Coimbra. ISSN: 1645-2259. n.º 11 (2011).
pp. 75-116; idem – “O Mosteiro de Alcobaça ao tempo do processo contra os
templários”. In CARREIRAS, José Alberto; ROSSI VAIRO, Giulia (eds.) – I
Colóquio Internacional. Cister, os Templários e a Ordem de Cristo... pp. 159-
170.
8
FARELO, Mário – “Pro defensione iuris regis. Les relations entre la Couronne
portugaise et le pape Clément V à la lumière du procès des Templiers”. In
CARREIRAS, José Alberto (ed.) – A Extinção da Ordem do Templo, Tomar: Instituto
Politécnico de Tomar, 2012, pp. 63-109.