Entre o comércio e a governação local: Fernão Gonçalves Façanha: um mercador
eborense de finais da Idade Média
Introdução
Nos finais da Idade Média, sobretudo nos núcleos urbanos economicamente mais
dinâmicos, assiste-se à presença crescente de mercadores e de homens de
negócios nos elencos camarários. Apesar das conhecidas dificuldades de
identificação social dos membros dos grupos dirigentes urbanos tardomedievais,
onde nem sempre se torna possível delimitar fronteiras entre as diferentes
categorias e os estatutos sociais daqueles que os compõem, vai sendo, ainda
assim, possível destrinçar, no seio dessa relativa amálgama social, os homens
ligados à mercancia, por via da referência à sua categoria funcional, como
mercadores. Um identificativo que escrivães, tabeliães ou notários, de um modo
geral, nunca se esquecem de referenciar, que nos remete para a possibilidade
destes homens assumirem alguma especificidade, enquanto grupo, no seio das
oligarquias concelhias.
Muito embora sob a designação de mercador se inclua uma amplíssima diversidade
de situações 1 ' e note-se que dificilmente se pode comparar um homem de
negócios de grande trato, sedeado num dos importantes núcleos urbanos do reino,
com um mercador de um lugar recôndito, cujo âmbito de atuação pouco ultrapassa
a escala local ', essa designação remete-nos sempre para a sua dedicação
profissional à atividade mercantil e, muitas vezes, financeira, que a ela surge
associada, tratando-se na generalidade dos casos de homens que, essencialmente
por via da riqueza acumulada, encetaram processos de afirmação e de
reconhecimento social no seio das respetivas comunidades.
O peso sociopolítico que vão assumindo, em cada um dos concelhos, correlaciona-
se com fatores diversos, sejam eles, por exemplo, a maior ou menor abertura do
grupo dirigente ou o grau de aristocratização da oligarquia local, para além,
naturalmente, das características socioeconómicas próprias dos respetivos
contextos2. Globalmente, o peso dos homens de negócios na administração local
tenderá a ser mais expressivo em núcleos urbanos que, por motivos geográficos,
estratégicos, políticos ou demográficos, assumem um maior pendor mercantil, do
que naqueles onde esta feição não surge de forma tão vincada. Não parece,
assim, estranho que em cidades mercantis, como Lisboa ou o Porto, verdadeiras
plataformas do comércio internacional, o peso não só numérico, mas também
político dos mercadores, no seio da administração local, seja bastante
significativo3. Basta relembrar, por exemplo, os acontecimentos que antecedem a
subida ao trono do Mestre de Avis, narrados por Fernão Lopes, e o papel que os
mercadores de Lisboa e do Porto neles assumiram, para que fique clara a
preponderância destes homens. Note-se, contudo, que mesmo nos municípios de
menor dimensão ou excêntricos face às grandes rotas comerciais, como Ponte de
Lima4, Loulé5, Vila do Conde6 e tantos outros, a presença de mercadores nos
elencos camarários não deixa, também, de ser assinalada, num claro testemunho,
quer da importância que as atividades mercantis vão assumindo na generalidade
dos núcleos urbanos, quer do crescente protagonismo daqueles que as
desenvolvem.
A inexistência de estudos de cariz sociológico para uma boa parte dos núcleos
urbanos do reino7 impede-nos de tentar percecionar de forma comparativa esta
realidade, não permitindo avaliar até que ponto se pode estabelecer uma
correlação positiva entre a estrutura socioeconómica dos contextos e a
expressão política dos homens de negócios. Para além da questão dos contextos
locais, há ainda que situar o fenómeno temporalmente, já que, ao longo dos dois
últimos séculos medievais, e acompanhando um processo global de
aristocratização e nobilitação das elites dirigentes concelhias, que vai
ocorrendo durante esse período8, a presença e o papel dos mercadores, nos
elencos governativos, não deixam de revelar linhas evolutivas, cujo sentido
importa captar e clarificar.
Note-se que quando se aborda a questão dos mercadores nas administrações
locais, não é apenas o seu peso quantitativo que se torna necessário conhecer,
sendo igualmente imprescindível percecionar o lugar que os mesmos vão ocupando
no seio das respetivas oligarquias. É que muito embora se vá assistindo, como
tem sido notado, a um progressivo nivelamento social e comportamental dos
membros que integram os grupos dirigentes, essa osmose é, em muitos casos,
apenas aparente. As análises que descem ao social concreto vão revelando que,
no seio das oligarquias, não deixam de se verificar níveis internos de
hierarquização e de diferenciação9. Um escalonamento que, apesar da fraca
abertura dos grupos que se encontram à frente do poder local, está longe de ser
imóvel, assistindo-se quer a movimentos ascensionais de reforço de posições,
quer, pelo contrário, a perdas significativas de influência local, por parte de
indivíduos e de grupos familiares e socioprofissionais.
No caso dos mercadores, e para que possamos avaliar o posicionamento relativo
que assumem nos respetivos concelhos, importa, entre outras possíveis questões,
identificar percursos individuais e de grupo no seio da administração,
estabelecer quadros de vinculações pessoais e sociais, percecionar os seus
interesses económicos, paralelos à sua atividade política, e clarificar
horizontes e comportamentos sociais. Questões, quanto a nós, da maior
relevância que, a ser respondidas, poderão contribuir para um melhor
conhecimento das dinâmicas das próprias administrações concelhias em tempos
tardomedievais. Diga-se que estas matérias estão longe de se encontrar
respondidas para a realidade portuguesa, não parecendo possível clarificá-las
de outra forma que não seja por via de estudos concretos centrados nos próprios
municípios.
O presente trabalho procura contribuir para aclarar, ou, pelo menos,
identificar, algumas questões em torno da presença de mercadores na
administração de uma das maiores cidades do reino, mais concretamente da cidade
de Évora, nos finais do século XIV. Optámos por abordar não a problemática
global dos mercadores nesta administração concelhia, e muito haveria a dizer
sobre essa questão, mas tão-somente o percurso de um destacado homem de
negócios eborense, que assumirá um considerável protagonismo na cidade. O
propósito de delinear o seu perfil biográfico, socioprofissional e político,
permitir-nos-á enunciar um conjunto de questões que a passagem destes homens de
negócios pela administração local vai suscitando.
Évora, não sendo propriamente uma cidade mercantil, não deixa de revelar, nos
finais da Idade Média, uma forte dinâmica económica e alguma pujança do sector
comercial. Um facto que se liga à própria dimensão da cidade que, como se sabe,
era uma das mais populosas do reino, constituindo um importante centro de
produção e de consumo10. Mas, esta cidade, polarizadora de uma vasta região, um
verdadeiro lugar central, como a definiu Jorge Gaspar num estudo já clássico11,
assumia-se como polo administrativo, civil, religioso, fiscal e económico,
neste caso, enquanto centro produtor e ponto de chegada e de redistribuição de
mercadorias. Na cidade e nas suas poderosas instituições, algumas das quais
detentoras de vastos patrimónios rústicos, desembocam os frutos da atividade
produtiva do seu hinterland, nomeadamente os produtos agrícolas, florestais e
pecuários, que constituíam o motor das dinâmicas económicas da região. Também a
crescente projeção da urbe no quadro político do reino, que fazia dela uma
cidade cortesã, com a presença assídua da corte e dos grandes senhores, não
deixa de se refletir no crescimento do mercado urbano e de contribuir para a
dinamização dos sectores produtivos e comerciais.
Estes fatores, em conjunto, vão conferindo à cidade transtagana um estatuto e
um lugar sui generis, sob o ponto de vista político, social e económico. O
considerável peso percentual da população urbana ligada às atividades
mercantis, no conjunto dos sectores produtivos, como notou Ângela Beirante12,
ou mesmo, por exemplo, a própria dimensão da judiaria eborense, uma das maiores
do reino, com forte dedicação das suas gentes às atividades comerciais e
financeiras, vão atestando o dinamismo dos sectores mercantis na cidade. Um
sector no qual os seus representantes mais abonados certamente se abalançariam
a um nível de negócios de escala regional ou mesmo inter-regional. Note-se,
ainda, que muito embora Évora não se encontrasse no eixo das grandes rotas do
comércio, a cidade não ficaria completamente alheia aos fluxos comerciais de
maior significado,nomeadamente os que cruzavam a atual região do Alentejo
central com destino a Castela, reino com o qual, pelo menos a crer nos indícios
documentais, seriam frequentes os contactos comerciais13. Curiosamente, não
deixam de se constatar, também, notícias relativas à possibilidade de
exportação de vinho para regiões mais distantes, concretamente da Europa
central14, facto que atesta, mais uma vez, a importância das produções
agrícolas na região e a inserção da cidade em mais vastos circuitos comerciais.
Face ao exposto, não parece estranho que uma tal dinâmica tivesse proporcionado
condições de enriquecimento a um número considerável de indivíduos que têm nas
atividades mercantis a sua principal forma de vida, alguns dos quais acabam por
integrar os elencos camarários. Muito embora os dados não abundem, o estudo de
cariz prosopográfico que temos vindo a efetuar relativo à oligarquia concelhia
eborense, num período correspondente aos reinados de D. Fernando e de D. João I
(1367-1433), permitiu-nos identificar um razoável número de mercadores nos
elencos camarários.
De facto, entre os que foram passando, nesse período, pelos elencos camarários
cuja categoria social ou socioprofissional foi possível identificar, cerca de
12,6% surgem referenciados como mercadores15, um valor distante dos
aproximadamente 24% identificados em Lisboa16, ou dos cerca de 38,5% do
Porto17, mas que não deixa, ainda assim, de ser significativo. Entre os
mercadores eborenses que foram passando pela administração, os mais conhecidos
e de maior destaque na cidade são os Arnalho e os Boto, que encetaram processos
ascensionais que os conduzirão ao exercício de importantes funções no
desembargo régio18.
Entre esses homens, conta-se também uma personagem que constitui o objeto desta
breve abordagem: Fernão Gonçalves, um mercador que vamos encontrar na
documentação eborense entre o final dos anos sessenta de trezentos e meados da
primeira década da centúria seguinte. Trata-se de um poderoso homem de negócios
que irá passar por diversos cargos, quer no concelho quer em outras
instituições urbanas, assumindo protagonismo e relevância na vida da cidade, a
diversos níveis. Apesar da crise e das conturbações que marcaram uma boa parte
do tempo em que viveu, Fernão Gonçalves irá conhecer um processo de
enriquecimento e de afirmação social, que acabará por conduzir à sua
aproximação ao núcleo dirigente concelhio. O seu percurso reveste-se de
bastante interesse historiográfico, constituindo um bom exemplo de alguém que
soube aproveitar as oportunidades de um contexto amplamente favorável à
mobilidade, para iniciar um processo ascensional, assente na riqueza material,
mas onde o quadro relacional e as opções políticas se revelaram igualmente
essenciais.
Advirta-se, desde já, que o espectro documental não permite a elaboração de
algo que se assemelhe a uma biografia, sendo apenas possível traçar um perfil e
um percurso geral do mercador, com muito de hipotético e conjetural. A
reconstituição do seu percurso de vida reveste-se de naturais óbices, que
derivam do carácter absolutamente fragmentário da informação a ele respeitante.
Note-se que entre a documentação relativa ao mercador não se encontram, por
exemplo, testamentos ou atos de instituição de aniversários ou capelas, que
normalmente são mais elucidativos sobre aspetos sóciofamiliares, patrimoniais
ou de mentalidade. Falta-nos também documentação de natureza económico-
financeira, que poderia ser esclarecedora quanto às suas atividades
profissionais enquanto homem de negócios.
Face à modéstia deste quadro documental, que é, como se sabe, comum à
generalidade dos estudos sobre oligarquias urbanas, tornou-se necessário
efetuar um aproveitamento exaustivo dos parcos dados existentes. Estes são
essencialmente compostos por referências avulsas, recolhidas, na maior parte
dos casos, nos protocolos notariais, a que se junta um ou outro dado inserto
nas crónicas de Fernão Lopes 19 e nas Chancelarias20. Refira-se que o exaustivo
levantamento documental que temos vindo a efetuar nos arquivos eborenses
permitiu, ainda assim, compulsar um número bastante razoável de elementos
relativos à sua presença ou intervenção em diversas instituições da cidade21.
Contudo, trata-se sempre de dados dispersos e fragmentários, que só foi
possível potenciar e dar coerência por via da sua organização segundo métodos
prosopográficos, com provas dadas nos estudos das oligarquias urbanas22. Mesmo
assim, a informação que recolhemos é muito lacunar, deixando de fora aspetos
que seria de fundamental importância conhecer. Mais do que certezas, a
tentativa de reconstituição do percurso do mercador deixa-nos vazios,
interrogações e dúvidas, por vezes insanáveis.
As dificuldades iniciam-se com a sua própria identificação e com os perigos que
a homonímia acarreta. Possuidor de um nome e de um patronímico relativamente
comuns ' Fernão Gonçalves ', nem sempre é fácil distingui-lo de outros
indivíduos que vamos encontrando nos documentos e que usaram os mesmos
elementos de identificação. Muito embora a indicação da sua categoria social/
funcional, como mercador, seja a esse nível um elemento facilitador ' note-se
que o epíteto de mercador é como que uma segunda pele que nunca o abandona ',
em alguns casos, sobretudo quando nos confrontamos documentalmente com a
existência de homónimos que desenvolvem atividades funcionais afins, a
identificação não pode deixar de levantar dúvidas, tornando-se, na prática, e
caso não existam outros elementos que o confirmem, impossível saber se se trata
ou não do mesmo indivíduo. É o caso, por exemplo, de um Fernão Gonçalves,
vassalo do rei, rendeiro das sisas da cidade de Évora e de Beja, a quem D. João
I, em 1396, concede carta de coutada de uma sua herdade23.
No caso vertente, tendo em atenção a cronologia, o contexto socioprofissional
ou até mesmo a sintonização política com a causa do monarca, a que não será
estranha a concessão do privilégio, é bastante plausível que se trate do nosso
mercador. Contudo, a impossibilidade de o confirmar obriga-nos a relativizar um
dado que se revelaria importante, mas que apenas poderemos levar em linha de
conta como possibilidade.
Para além deste aspeto, há ainda que contar com um outro obstáculo, que radica
também nas características da antroponímia medieval, caracterizada, como nos
ensinou Iria Gonçalves, por uma forte inconstância dos elementos que compõem o
nome do indivíduo. De facto, com excepção do nome próprio, que sempre se
mantém, o patronímico e outros elementos constitutivos da identificação pessoal
podem sofrer variações, sendo comum que o mesmo indivíduo surja diferentemente
nomeado ao longo da vida, consoante os contextos. No caso de Fernão Gonçalves,
esta questão coloca-se relativamente ao terceiro componente do nome, a que
podemos chamar de nome de família ou apelido. Como se sabe, em finais da Idade
Média, sobretudo nos contextos urbanos, ao nome de batismo e ao patronímico
junta-se, não raras vezes, um terceiro (em alguns casos, um quarto) elemento
nominativo, que pode ter origem numa alcunha, num local de proveniência ou de
implantação geográfica da família ou outro elemento distintivo, que
progressivamente passa a transmitir-se aos descendentes24,um fenómeno em
crescendo nos contextos urbanos de finais da Idade Média, mesmo para os grupos
não nobres, que foi claramente utilizado por famílias em fase de consolidação
da sua posição social25, como é o caso de muitos membros da oligarquia
eborense26. Contudo, esse elemento identificador do indivíduo está longe de
conhecer, neste período, uma utilização uniforme e permanente, sendo
frequentemente omitido pelos redatores dos atos que foram chegando até nós. Um
dado indiciador de que, para estes grupos urbanos, o nome de famílias se
encontra, ainda, em fase de fixação, acabando essa realidade por constituir
mais um problema para o investigador interessado na reconstituição dos grupos
dirigentes urbanos.
Um tal fenómeno verifica-se também com o nosso mercador, sendo aparentemente
esse facto que explica que, apesar de comummente ser identificado apenas como
Fernão Gonçalves, em alguns casos, muito pontuais, e num período já tardio do
seu percurso de vida, se associe ao seu nome o apelido Façanha. Muito embora
tivéssemos equacionado a possibilidade de estarmos em presença de dois
indivíduos distintos, a conjugação das informações disponíveis permitiu-nos
concluir tratar-se não de homonímia, mas antes de mais um caso de inconstância
na forma de identificação do mesmo indivíduo. Essa oscilação nominativa é
notória, por exemplo, no modo como é identificado em duas reuniões de vereação,
em que esteve presente como homem-bom. Nessas reuniões, realizadas com um curto
intervalo temporal entre si, surge identificado, ora como
Fernão Gonçalves, mercador27
, ora como
Fernão Gonçalves Façanha28
, também ele mercador. Seria excessiva coincidência que dois homens ligados à
mercancia, com forte protagonismo na cidade no mesmo período, partilhando o
mesmo nome e patronímico, pudessem corresponder a indivíduos diferenciados. Um
outro exemplo, de natureza um pouco diversa, contribui também para podermos,
com segurança, fazer corresponder o nosso mercador a Fernão Gonçalves Façanha.
Trata-se, neste caso, de uma referência recolhida em Fernão Lopes, na Crónica
de D. João I, onde o cronista identifica um Fernão Gonçalves Façanha como uma
das personagens que se destacaram, em Évora, pelo apoio concedido à causa do
mestre29. O cronista incluiu-o numa listagem de dezoito nomes, onde se contam
também homens como os Lobo, os d´Arca, Brandão ou Carvoeiro que, no contexto da
crise dinástica e da guerra civil que se lhe seguiu, constituíram a primeira
linha de defesa deste projeto político em Évora. A sua inclusão nesta listagem
é um claro testemunho do destaque que o indivíduo identificado como Fernão
Gonçalves Façanha assumiria na cidade, nesse período.
Contudo, não deixa de ser significativo que, na documentação arquivística, não
encontremos qualquer alusão a Fernão Gonçalves Façanha antes da primeira década
de quatrocentos. Um facto que causa alguma estranheza, tendo em atenção a
relevância que o cronista lhe concede. Todas as referências documentais que
possuímos, para as décadas que decorrem de sessenta a noventa, dizem respeito
ao mercador Fernão Gonçalves, que vemos envolvido em diversas instituições da
cidade, seja nas albergarias, onde assume um lugar de destaque, como alcaide,
seja no concelho no qual desempenha determinadas funções. Este sim parece
corresponder ao perfil de destaque para o qual a inclusão na listagem de Fernão
Lopes nos remete. Fernão Gonçalves e Fernão Gonçalves Façanha correspondem,
pois, a um mesmo indivíduo.
A própria documentação nos vai deixando pistas sobre as razões que justificam
aquilo que nos parece ser a progressiva colagem do mercador ao apelido Façanha.
Antes de as explicitarmos, vale a pena referir que se trata do apelido de uma
das tradicionais famílias ligadas à governação da cidade desde, pelo menos,
meados do século XIII. A ligação do mercador a esta família parece ter-se
efetuado por via das relações clientelares, já que, em diversos documentos,
surge identificado como homemou como criadodo mais destacado membro dos
Façanha, do período fernandino ' Vasco Rodrigues Façanha, um dos dez regedores
da cidade. Com este homem, como veremos, estabelecerá uma relação de grande
proximidade e cumplicidade.
A adoção deste apelido por parte do mercador é assaz curiosa e significativa,
quer do peso que as relações clientelares assumem na estruturação dos percursos
individuais, quer dos mecanismos sociais/ideológicos utilizados pelos
indivíduos em busca da consolidação das suas posições sociais.
A importância das relações clientelares
Nada se sabe sobre as origens familiares do mercador, nem sobre o contexto da
sua aproximação a Vasco Rodrigues Façanha. A documentação é, sobre este aspeto,
totalmente omissa. De qualquer forma, o seu percurso de vida parece ter sido
feito, desde cedo, a par desse homem, que conhecerá neste período um forte
ascendente na vida política local, que a sua nomeação para regedor confirmará.
É bastante significativo que a primeira referência documental relativa ao
mercador, de que temos conhecimento, diga precisamente respeito a um ato em que
participa ao lado do seu patrono. No ano de 1368, aquando da compra de uma
parcela de terra no Pigeiro, no termo da cidade, Vasco Rodrigues faz-se
acompanhar dos seus criados e homens de confiança, que testemunham o ato. Entre
eles, conta-se Fernão Gonçalves, identificado como seu homem30, que, a crer no
conjunto de referências que vamos encontrando na documentação, parece ter
acompanhado, de perto, pelo menos numa fase inicial do seu percurso de vida,
muitos outros atos de natureza administrativa ou económica levados a cabo por
Vasco Rodrigues. Como estes dados vão deixando entrever, supomos que a inserção
de Fernão Gonçalves na vida económica e social da cidade tenha, em boa parte,
sido feita sob a proteção do Regedor, sendo possível que com ele continuasse a
manter uma colaboração de natureza económica em períodos posteriores. Não é
assim de estranhar que Fernão Gonçalves, mesmo quando era já um reconhecido
homem de negócios, continuasse a ser socialmente identificado em função dessa
relação clientelar. É como mercador e criado de Vasco Rodrigues que, por
exemplo, o vemos identificado na albergaria do Corpo de Deus de Santo
Antoninho31, na qual desempenha o lugar de alcaide, por diversas vezes, na
década de oitenta.
A ligação a esta prestigiada família da oligarquia eborense parece, pois, ter
assumido uma significativa importância na estruturação do percurso do nosso
mercador, sob o ponto de vista social, político ou até mesmo económico. O
prestígio e a capacidade de influência de uma família fortemente enraizada em
Évora e com ligação a diversos polos de poder urbano terão aberto as portas ao
mercador a muitos segmentos socioinstitucionais da cidade, aos quais se
encontrava ligado e pelos quais manifestava interesses vários, neles se
incluindo os interesses materiais.
Muito embora estas questões, no que diz respeito às oligarquias urbanas, se
encontrem longe de ser cabalmente conhecidas, os indícios que vamos recolhendo
na documentação eborense revelam-nos que estes homens, ligados ao poder local,
manifestam fortes interesses por diversos segmentos económicos. Muitas vezes, é
com esse fim que se vão aproximando das poderosas instituições urbanas,
aproveitando o ascendente que sobre elas tinham. O patrono de Fernão Gonçalves
não parece ser exceção a essa realidade. Julgamos que os seus interesses
materiais não terão sido indiferentes para a aproximação à catedral eborense e,
mais concretamente, ao seu cabido. Motivos que poderão justificar o forte
envolvimento de Vasco Rodrigues nas matérias económicas desta entidade, que o
conduzirá ao desempenho do cargo de prioste do cabido, num período que antecede
a sua nomeação como Regedor da cidade. Trata-se, como se sabe, de um cargo com
amplas responsabilidades de natureza administrativa, contabilística e
financeira, que permitia o contacto com a vida económica de uma das mais ricas
instituições eborenses.
Com toda a certeza terá sido por mão do futuro regedor que Fernão Gonçalves
chega ao contacto com a instituição, acabando ele próprio por desempenhar as
funções de prioste do cabido, dando assim início a uma duradoura colaboração
que se mostrará amplamente profícua. A relação estabelecida com Vasco Rodrigues
parece, pois, ter sido de fundamental importância na aproximação do mercador à
catedral. Refira-se, ainda, que Fernão Gonçalves acabará por entrar também em
posse de alguns dos bens da instituição que o seu patrono trazia em regime de
aforamento32, o que, mais uma vez, nos remete para a possibilidade de
manutenção de uma relação de natureza económica entre estes dois homens.
Para além desta aproximação à catedral, e provavelmente a outras instituições
da cidade, a relação com os Façanha terá facilitado também, seguramente, a
inserção do mercador no círculo de relações que se movimentavam em torno da
administração concelhia, na qual aquela família se encontrava fortemente
envolvida. Note-se que é precisamente no final do período fernandino, anos que
julgamos terem sido fulcrais no lançamento das bases económicas do futuro
sucesso do mercador, que se verifica também o reforço da posição dos Façanha na
vida política eborense. Neste período, os Façanha irão adquirir uma posição de
grande destaque, que não voltará, aliás, a repetir-se para esta família até ao
final do período medieval33. É nesses anos que iremos assistir à nomeação de
Vasco Rodrigues para regedor34. Um cargo de nomeação régia que se movimenta
numa fronteira ténue entre o local e o central35, que é, por si só, o
testemunho do reconhecimento que este homem havia granjeado na cidade, e que
lhe permitirá assumir um papel muito ativo na administração local, pelo menos
até ao desencadear da crise dinástica. O peso desta família na administração é,
neste período, ainda reforçado pela presença de Lopo Rodrigues Façanha, irmão
do regedor, nos elencos camarários. Um homem que assumirá também alguma
relevância na vida da cidade, particularmente sob o ponto de vista militar, no
contexto da designada terceira guerra fernandina e, posteriormente, ao lado de
Nuno Álvares Pereira, de quem é um dos conselheiros militares36. É, pois,
natural que a aproximação do mercador à administração concelhia, onde acabará
por se ver integrado, tivesse sido facilitada pela sua ligação aos Façanha que,
como vimos, se encontravam fortemente envolvidos nos meandros do poder local.
Negócios e enriquecimento pessoal
Se os dados familiares e sociais relativos a Fernão Gonçalves não abundam, eles
são também muito escassos no que diz respeito às suas atividades profissionais
e aos seus interesses económicos. Note-se que não temos qualquer livro
contabilístico ou outra documentação relativa a negócios, que poderia ser
esclarecedora sobre as suas múltiplas atividades profissionais. Com efeito,
para além da sua identificação como mercador, que é, como se sabe, uma
referência genérica, pouco clarificadora, já que este epíteto engloba uma
enorme diversidade de situações socioeconómicas, pouco conhecemos sobre os
negócios e os interesses comerciais de Fernão Gonçalves. Que produtos
transaciona? Que outro tipo de negócios lucrativos pratica? Qual a sua
capacidade económica? Estabelece algum grau de associação com outros mercadores
ou homens de negócios? Qual o grau de colaboração mantido, a este nível, com
Vasco Rodrigues Façanha? Estas e outras possíveis questões são aspetos a que
apenas podemos responder de forma conjetural, a partir dos parcos indícios
recolhidos.
De qualquer modo, levando em linha de conta a projeção que Fernão Gonçalves
assume na cidade, é muito provável que estejamos face a um homem com uma
capacidade de negócios que, decerto, ultrapassaria o nível local. Possuindo,
provavelmente, tendas na cidade, tal como as detinham outros mercadores
eborenses de alguma relevância, como os Arnalho ou os Boto, por exemplo, teria
certamente a capacidade de se movimentar em circuitos comerciais de nível
regional ou inter-regional. Uma dimensão de negócios que a própria relevância
da cidade acabava por favorecer.
Muito embora desconheçamos, como já referimos, as suas áreas de negócio, é
possível que as mesmas tivessem passado pelos sectores economicamente mais
dinâmicos da cidade e da região em que esta se inseria. Caso do sector
agropecuário, ligado, em parte, ao consumo alimentício, que movimentava
poderosíssimos interesses. Poderá concorrer no sentido dessa hipótese o facto
de Fernão Gonçalves ser detentor de herdades37 e de um conjunto de hortas e
ferragiais. As primeiras, situadas no termo de Évora, onde a produção extensiva
de cereais se conjugava com a pecuária e a exploração florestal; os segundos,
correspondentes a pequenas parcelas inscritas no aro periurbano, vocacionados
para o abastecimento quotidiano, que poderão indiciar o interesse do mercador
por esse segmento de mercado. Também os têxteis, altamente rendíveis no
comércio urbano medieval, constituem uma outra possibilidade. O mais provável,
contudo, até levando em consideração o fraco grau de especialização que
caracteriza a generalidade dos mercadores medievais, por motivos que se prendem
com as características dos mercados e dos padrões de consumo, era que as suas
atividades comerciais fossem marcadas pela diversidade.
Contudo, e tendo em atenção as práticas de outros mercadores eborenses,
sobretudo dos mais destacados, supomos que os interesses de Fernão Gonçalves
não deixariam de passar, também, pela participação nos negócios de natureza
financeira, particularmente nos que se estabeleciam em torno dos arrendamentos
de foros, direitos ou tributos, fossem eles régios, concelhios ou
eclesiásticos, que se encontravam generalizados no Portugal medieval38.
Os dados que possuímos para o mercador não nos permitem ajuizar da real
importância que este tipo de negócios poderá ter assumido no conjunto das suas
atividades profissionais e, por consequência, no seu processo de enriquecimento
pessoal. A impossibilidade de, com segurança, identificarmos o nosso mercador
com o Fernão Gonçalves, arrendador das sisas de Évora e Beja, que vemos
agraciado, em 1396, por D. João I, como já referimos, impede-nos de aprofundar
a questão. Contudo, e muito embora não tenhamos outros dados, é provável que,
face ao que nos parece ser o seu poder económico e a sua aparente
disponibilidade de recursos, tivesse, de facto, participado em negócios de
natureza financeira, particularmente dos que se desenvolviam em torno dos
arrendamentos. Uma vertente de negócio que a dimensão da cidade, a pujança das
suas instituições e a sua centralidade, não só como sede de almoxarifado, mas
também pelo ascendente que tinha sobre os almoxarifados vizinhos de Beja e
Portalegre, poderiam favorecer39.
Também a vinculação que Fernão Gonçalves foi criando com alguns dos centros
locais de poder e de decisão, especialmente com o concelho, poderá ter
facilitado o acesso a este, e a outros, tipo de negócios de que poderia retirar
dividendos.
Um percurso que passou pelas poderosas instituições urbanas
Face às parcas informações que possuímos, torna-se impossível, como referimos
já, traçar algo que se pareça com uma detalhada trajetória pessoal, social ou
profissional do mercador, sendo apenas possível delinear etapas de um percurso
que conhecemos, essencialmente, por via dos vestígios documentais que a sua
passagem ou contacto com as instituições da cidade foi deixando. Um quadro
documental algo limitativo, já que deixa de fora tudo o que diz respeito a
outras vertentes, digamos, particulares, dos seus negócios, e que pode conduzir
a alguma sobrevalorização da importância que a sua relação com as instituições
assumiu na sua trajetória.
De qualquer modo, apesar destas reservas, os dados conhecidos não deixam de nos
revelar algo de incontornável: que a afirmação social e profissional do
mercador passou, de forma inequívoca, pelas diversas instituições urbanas.
Sobretudo pelas mais poderosas, com as quais vai aprofundando a sua relação e
das quais poderá ter retirado partido, a diversos níveis, neles se incluindo o
económico.
Entre essas instituições ganham destaque, pela sua relevância no contexto
urbano, o Cabido da Sé de Évora e o Concelho, não sendo também despicienda a
interação que foi estabelecendo com as albergarias da cidade, propiciadoras de
solidariedades diversas, que se poderão ter mostrado relevantes na consolidação
da sua projeção social no seio da comunidade.
O mercador estabelecerá uma duradoura e profícua relação com o cabido, que se
terá principiado no que supomos ser uma fase inicial do seu percurso de homem
de negócios. Significativamente, os dados mais recuados que possuímos sobre
Fernão Gonçalves, datados da década de sessenta de trezentos, remetem-nos para
a sua relação com Vasco Rodrigues e para o relacionamento que ambos
estabeleciam com o cabido da Sé. Por esses anos, num momento ainda distante da
sua futura nomeação como regedor da cidade, Vasco Rodrigues, como já vimos,
terá desempenhado as funções de prioste do cabido 40, tendo, muito
provavelmente, contado com o apoio de Fernão Gonçalves no exercício destas
funções. Corrobora essa ideia o facto de o encontramos a testemunhar alguns
atos contratuais e aquisitivos levados a cabo por Vasco Rodrigues, durante esse
período41, sendo ainda significativo que Fernão Gonçalves tivesse acabado por
desempenhar, também ele, as funções de prioste42, provavelmente ainda nessa
mesma década. Parece, pois, ter-se verificado uma passagem de testemunho, no
desempenho destas importantes funções no cabido. Um facto que é bastante
elucidativo, quer da influência que Vasco Rodrigues teria no seio da entidade,
quer da estreita colaboração que se estabelecia entre os dois homens. É
possível que essa colaboração de natureza económica se estendesse a outros
tipos de negócios. Algo que não podemos confirmar documentalmente. De qualquer
maneira, do que não restam dúvidas é do interesse mútuo em manterem uma
estreita proximidade com o cabido.
Mais uma vez, sem queremos forçar excessivamente a tónica dos interesses
materiais, até porque a entidade, sobretudo por via da sua influente rede de
relações, assumia importância em muitas outras dimensões, esta aproximação ao
cabido não pode, obviamente, deixar de se relacionar com a relevância económica
que a entidade possuía na cidade. Por ela passam importantes recursos
financeiros, decorrentes das suas funções religiosas e do seu vastíssimo
património, urbano e rústico, que fazia dele uma das mais poderosas
instituições da região em que se inseria43.
Apesar de não ser possível avaliar objetivamente a importância que a ligação ao
cabido assumiu no percurso de Fernão Gonçalves, é de supor que tivesse sido
significativa para um homem que tem no mundo dos negócios e da mercancia as
suas atividades profissionais. No mínimo, essa passagem por um cargo de alguma
exigência sob o ponto de vista da gestão44, num momento que consideramos ainda
relativamente inicial do seu percurso como mercador, ter-lhe-á permitido
adquirir uma considerável experiência em matérias contabilísticas e
administrativas, contribuindo, ainda, para alargar contactos que lhe poderão
ter sido valiosos no seu futuro percurso profissional.
É, também, provável que a estreita relação mantida com os cónegos pudesse ter
aberto as portas para outro tipo de negócios com a entidade: fossem elas o
adiantamento de capitais, o arrendamento de direitos eclesiásticos ou outras
atividades potencialmente lucrativas. Refira-se, ainda, que Fernão Gonçalves
acaba, também, por beneficiar do património capitular, acedendo, por via dos
contratos enfitêuticos, a um conjunto de hortas e ferragiais da instituição,
situados na área periurbana, que lhe terão permitido compor ou complementar
determinadas estratégias patrimoniais.
Infelizmente, a inexistência de dados não nos permite ajuizar do impacte desta
ligação à catedral na estruturação do percurso do mercador, nem enunciar outros
negócios que terão levado ao reforço dos seus interesses materiais.
Com efeito, entre os finais de década de sessenta e os anos oitenta, não
possuímos qualquer dado relativo a Fernão Gonçalves. Esse vazio de informação,
para um lapso temporal que se terá mostrado relevante na sua afirmação como
mercador, não permite muitas ilações quanto ao seu percurso e processos de
enriquecimento. Só voltamos a ter notícias suas no decurso da década de
oitenta, num período em que parece ser já um bem-sucedido homem de negócios,
assumindo algum destaque nas instituições onde se encontra envolvido.
As informações que nos chegam, desse período, revelam-nos um homem já com uma
forte notoriedade no seio das instituições em que se insere. O papel que nessa
década irá assumir nas albergarias é de alguma forma paradigmático do
reconhecimento social que, entretanto, havia granjeado45. Note-se, desde logo,
que Fernão Gonçalves integrava uma das mais ricas e prestigiadas albergarias
eborenses, a do Corpo de Deus de Santo Antoninho46, que incluía, entre os seus
membros, influentes homens da cidade47. Nela pontificavam, como confrades,
Vasco Rodrigues Façanha, o seu irmão Lopo Rodrigues e muitos outros homens
ligados à administração local, como os D´Arca, os Lobo, os Espinho, por
exemplo, para além de alguns dos mais reputados mercadores eborenses. Fernão
Gonçalves parece ter mantido um forte envolvimento com o instituto, no qual se
regista a sua presença ao longo de mais de duas décadas48, tendo conseguido um
significativo ascendente e respeitabilidade junto dos seus pares, que decerto
justificam a sua recorrente escolha para alcaide da instituição ao longo da
década de oitenta49.
Aproximação ao concelho
É também por esses anos que o mercador parece ter aprofundado a sua relação com
o concelho e os seus homens, de quem, aliás, se encontrava já relativamente
próximo, fosse por laços de natureza clientelar ou pela partilha de
solidariedades no seio das albergarias, como vimos. A escassez de informação,
para períodos anteriores, impede-nos de historiar a relação que o mercador foi
estabelecendo com este órgão da administração local. Não é, contudo,
improvável, tendo em atenção o seu perfil de homem de negócios, que pudesse ter
estabelecido algum contacto de natureza económica com a instituição, por
exemplo, como rendeiro de determinados direitos ou rendas concelhias, já que o
sistema de gestão indireta, em vigor nos municípios, ia permitindo a
participação de homens com capacidade económica nas dinâmicas financeiras da
administração local.
De qualquer modo, as primeiras referências à sua presença no concelho datam dos
anos finais da década de oitenta, período que marca o início de uma relação de
maior proximidade com este órgão, que conhecerá, aliás, um crescente
aprofundamento nos anos seguintes.
A vinculação que Fernão Gonçalves, já nessa época, teria com o concelho e com a
elite dirigente local, poderá ter sido um facto determinante na tomada de
posição que irá assumir no contexto da crise dinástica e da guerra civil que se
segue à morte de D. Fernando, em 1383. Como se sabe, Évora viveu com particular
intensidade essa conjuntura política, tendo a cidade sido alvo de violentos
acontecimentos, que são bem o espelho da forte tensão que atravessava a
sociedade política local. Fernão Gonçalves tomou o partido do Mestre,
acompanhando nesse acto homens como os irmãos Lobo, os D´Arca e muitos outros
membros da oligarquia eborense. Com eles, assume a primeira linha de defesa dos
interesses do futuro monarca na cidade. A importância do seu papel, nesse
momento crucial, fica expressa na relevância que Fernão Lopes lhe concede, na
Crónica de D. João I, incluindo-o numa lista de dezoito nomes que, em sua
opinião, se destacaram no apoio à causa do mestre na cidade. Fernão Gonçalves
ocupa o último lugar nessa listagem, encimada por Fernão Gonçalves D´Arca o
Velho, João Fernandes D´Arca, seu filho, seguidos dos quatro irmãos Lobo '
Diogo Lopes Lobo, Fernão Lopes Lobo, Martim Lopes Lobo e Estêvão Fernandes, de
Álvaro Pires Carvoeiro, de Rodrigo Álvares Pimentel e de outros homens de forte
proeminência social e considerável ascendente no seio da administração
concelhia50. Apesar da sua posição modesta nessa listagem, não deixa, ainda
assim, de ser relevante que o cronista tenha incluído o mercador entre algumas
das principais figuras da cidade desse período.
No caso de Fernão Gonçalves, desconhecemos a forma como o apoio concedido ao
Mestre se materializou, sendo de supor, tendo em atenção os seus recursos, que
ele pudesse ter passado por alguma forma de ajuda financeira, que se revelava
crucial para fazer face às necessidades da guerra. A ser assim, Fernão
Gonçalves terá acompanhado muitos outros mercadores, sobretudo de Lisboa e do
Porto, cujo papel no financiamento das campanhas militares se revelou
significativo e de vital importância para a vitória da causa de D. João I.
Não é improvável que o papel ativo que assumiu nessa causa política tivesse
reforçado, tal como se verificou para outros indivíduos e famílias, a sua
ligação à administração municipal, após a subida ao poder da nova dinastia. De
facto, em Évora, após 1385, apesar do peso das inércias locais, é bem evidente
o reforço das posições sociais e políticas de homens e famílias que claramente
estiveram ao lado do novo monarca. Deste facto, são exemplos paradigmáticos os
Lobo e os D´Arca, mas onde também se podem incluir os Carvoeiro ou Brandão, por
exemplo. Homens que foram amplamente compensados pelo monarca, com a nomeação
para determinados cargos ou com a atribuição de doações e outros privilégios,
vendo naturalmente reforçada a sua capacidade de controlo sobre a administração
local eborense51. Um processo que se faz, em alguns casos, em desfavor de
determinados indivíduos e famílias que, neste momento de viragem, perdem
claramente protagonismo e capacidade de influência na vida local. Entre eles se
inclui Vasco Rodrigues Façanha, que terá assumido no contexto da crise uma
posição diferente da seguida pelo seu homem, revelando algumas hesitações no
apoio ao projeto político consubstanciado por D. João I, que se traduzirá num
progressivo afastamento da vida política local, nos anos subsequentes52.
Fernão Gonçalves inclui-se, ao invés, no lado dos vencedores, sendo possível
que, tal como eles, tivesse visto recompensada a sua participação com a
atribuição de algumas mercês ou benefícios. Esse posicionamento político ter-
lhe-á, pelo menos, permitido uma maior e mais rápida aproximação ao poder
concelhio.
Com efeito, o mercador irá conhecer, nos anos subsequentes, um maior
envolvimento na administração local, que passará pelo desempenho de alguns
cargos, nomeadamente o de procurador53 e, mais tarde, o de Juiz do Cível54, mas
que se traduzirá também num maior acompanhamento da vida administrativa local,
testemunhada pela sua presença em diversos atos levados a cabo pelo concelho.
Note-se, contudo, até pelo que tem de esclarecedor quanto ao peso que o perfil
socioprofissional pode assumir na designação para o desempenho de determinadas
funções, que a sua passagem pela administração local se encontra muito ligada à
sua condição de abastado e prestigiado mercador. Os seus recursos financeiros,
os seus conhecimentos e a sua experiência como homem de negócios constituem
factores relevantes para a sua designação para certas funções e cargos.
É bastante elucidativo, a esse nível, o facto de um dos cargos desempenhados
pelo mercador no município (talvez o primeiro) ter sido o de procurador. Um
cargo que assume uma forte componente técnica, já que nele se inclui um
conjunto de competências de natureza contabilística e financeira, e de gestão
corrente, para o qual a experiência adquirida no mundo dos negócios se poderia
revelar uma mais-valia. Note-se que o procurador, em Évora, no intervalo de
tempo em estudo ' 1367-1433 ' assumia também as funções de tesoureiro, uma vez
que este cargo não constava per se da orgânica concelhia desse período. Era,
assim, pelo procurador que passava o controlo de toda a receita e da despesa do
concelho: recebimento de rendas, coimas e outras receitas, bem com o pagamento
de salários e de despesas desde as de maior vulto até às de natureza corrente,
delas prestando contas aos vereadores e juízes. O conjunto dessas competências,
nas quais se incluíam as que diziam respeito à gestão e conservação dos bens
concelhios, fazia do procurador uma figura central das finanças municipais55.
O conhecimento que Fernão Gonçalves teria da realidade económica local e a sua
experiência administrativa e financeira, forjada na gestão de algumas
instituições urbanas, como o cabido ou as albergarias, como já tivemos
oportunidade de verificar, não terá sido indiferente para o desempenho das
exigentes funções de procurador, como o não foram, certamente, os seus recursos
financeiros e materiais56. Note-se que este requisito era indispensável, até
por motivos legais, já que de acordo com o quadro normativo, o procurador, em
caso de má gestão que acarretasse prejuízo para o concelho, respondia com os
seus bens57. A capacidade financeira dos procuradores, responsáveis pela gestão
das finanças municipais e que por elas tinham que prestar contas no final do
mandato, poderia revelar-se, ainda, indispensável nos momentos de aperto
financeiro dos municípios, que não seriam poucos, nessas décadas
particularmente difíceis. Um período marcado pela guerra e por crises de
diversa natureza, que acabam por exaurir as já de si débeis finanças locais58.
Tendo em atenção o que se conhece para outras realidades concelhias, não era
incomum que estes homens, para cumprir as obrigações do concelho, chegassem a
emprestar dinheiro ao município ou, pelo menos, a adiantar capitais para suprir
certas necessidades momentâneas de recursos59. Operações financeiras de maior
ou menor escala de que não deixariam de receber dividendos ou compensações.
Justifica-se, assim, que homens ligados à mercancia e com disponibilidade de
capitais surjam, amiudadas vezes, nessas funções60.
Mas o seu perfil de mercador parece ter sido ainda relevante em outras tarefas
ou funções em que o vemos envolvido no município, muito particularmente, como
seria de esperar, nas questões de natureza socioeconómica e profissional.
Fernão Gonçalves irá participar, por exemplo, na definição de ordenações e de
posturas concelhias. Uma matéria na qual o município tinha uma ampla capacidade
legislativa, que o colocava no centro da vida económica local. Pelo concelho,
como se sabe, passava a definição de quase tudo o que dissesse respeito às
condições de produção e de comercialização, ao tabelamento de preços e
salários, abastecimento urbano e protecção das produções locais, entre muitas
outras matérias, que chegavam a quase todos os domínios da vida citadina.
O Livro de Posturas Antigas da cidade de Évora, que reúne essencialmente
documentação do final do século XIV61, deixa-nos testemunho da participação de
Fernão Gonçalves nesse complexo processo que era o de fixar ordenações, no caso
concreto destinadas a regular o funcionamento de certas atividades
socioprofissionais. As referências dizem respeito às ordenações relativas aos
ourives62 e aos atafoneiros63. A primeira terá ocorrido no ano de 1395, a
segunda em data não indicada, mas que indiretamente poderemos apontar como
sendo do final dos anos oitenta ou princípio da década seguinte. Acompanhando
os oficiais concelhios, que nesses anos integravam os elencos camarários,
Fernão Gonçalves, sempre identificado como mercador ' um epiteto que, aliás,
nunca o abandona ' surge, com outros homens-bons, a delinear as respetivas
ordenações. Um processo que, como a fonte em causa indicia, nem sempre se
revelaria pacífico, implicando, por vezes, complexos processos de negociação64,
nos quais a presença de um homem conhecedor da realidade económica e, decerto,
respeitado nos meios socioprofissionais, como Fernão Gonçalves o seria, poderia
constituir um indiscutível trunfo.
Para além das já referidas, a documentação vai-nos deixando outras informações
esparsas sobre a sua presença em diversas ações levadas a cabo pelo município.
Encontramo-lo, por exemplo, como testemunha de atos contratuais relativos a
bens concelhios65 ou a integrar, como homem-bom, algumas das reuniões de
vereação66. Apesar das suas atividades profissionais, o mercador parece ter,
ainda assim, acompanhado, com alguma regularidade, diversos aspetos da
administração local, sobretudo os mais diretamente relacionadas com as questões
económicas e patrimoniais.
De qualquer modo, e vale a pena realçar este aspeto, o seu envolvimento no
exercício efetivo de cargos não é muito significativo. Nas cerca de três
décadas em que se terá mantido próximo da administração local, apenas
contabilizámos duas referências à sua inclusão nos elencos camarários. Uma como
procurador e uma outra como juiz do cível, ainda assim com um amplo intervalo
temporal entre si. A efetividade de funções no município parece pois ter
assumido para o mercador um carácter pontual, patenteando um número de
presenças bem inferior ao que se verifica para muitos outros homens que, de
forma sistemática, vão passando pelos diversos cargos da orgânica concelhia.
Independentemente das razões que o justificam ' e um tal facto pode decorrer
também das características das suas atividades profissionais, e da dificuldade
de conciliação das mesmas com o exercício de funções que exigiam uma forte
disponibilidade ' o mercador, com uma participação maioritariamente cingida às
matérias de natureza económica e financeira, não parece, de facto, incluir-se
entre o núcleo duro dos que se encontram à frente da administração local e
que nela exercem funções de forma regular.
Não significa isso, naturalmente, que estivesse arredado dos meandros do poder
concelhio ou que não tivesse uma palavra a dizer nos momentos de decisão. A
forte proximidade face aos homens mais diretamente implicados na gestão
concelhia, a passagem pelos cargos, ainda que pontual, e o acompanhamento de
muitos atos administrativos, ter-lhe-ão, certamente, concedido alguma
capacidade de influência.
De qualquer modo, o seu distanciamento face aos homens mais proeminentes do
grupo oligárquico parece ser ainda significativo, quer sob o ponto de vista do
estatuto, quer no que diz respeito ao grau de implicação e de envolvimento no
próprio exercício do poder local. A este propósito, e até porque os dados que
possuímos são escassíssimos, vale a pena regressarmos à já referida listagem de
apoiantes do Mestre identificados por Fernão Lopes67. Dessa lista constam, como
vimos, dezoito nomes, que nos surgem ordenados de uma forma que nada tem de
aleatória. Relembremos que os D´Arca, pai e filho, e os quatro irmãos Lobo,
homens que conheceram, nesse período, uma elevação do seu estatuto social e que
viram confirmada a sua plena integração nos círculos nobiliárquicos, abrem essa
listagem, seguindo-se-lhe outros membros provenientes, igualmente, de linhagens
nobres, mesmo que segundogénitos. O cronista deixou para o final nomes menos
sonantes, onde se incluem os indivíduos de origem popular, lavradores e
mercadores enriquecidos, como o próprio Fernão Gonçalves. A proeminência
concedida pelo estatuto social, a vinculação ao poder concelhio e o papel
desempenhado no quadro político em causa parecem, de facto, ter contado como
critérios de ordenação destas personagens. Apesar das reservas que uma tal
análise possa merecer, até porque lhe subjaz uma leitura interpretativa dos
factos levada a cabo pelo cronista, não deixa de ser curioso que o
posicionamento que este concede ao mercador seja coincidente com os dados que
outro tipo de documentação também nos vai sugerindo. Dados que indiciam que nos
encontramos face a um homem que se movimenta na esfera de influência do
concelho e da oligarquia local, mas numa posição de segundo plano.
Talvez o posicionamento do mercador face ao poder concelhio não fosse muito
distinto do que o historiador do país vizinho José Antonio Jara Fuente, que tem
refletido sobre as questões das elites políticas e económicas locais,
convencionou designar de elite de participação68. Categoria operativa, na
qual, em sua opinião, se integram os homens de segunda linha, chamemos-lhe
assim para simplificar, que, mesmo sem pertencerem às famílias e linhagens que
controlam efetivamente o poder concelhio, acabam por retirar vantagens da
proximidade que mantêm com a administração local.
Esses benefícios, para alguém como Fernão Gonçalves, fortemente vinculado ao
comércio e às atividades financeiras, não seriam negligenciáveis. Sobretudo se
considerarmos que o concelho, para além de ser ele próprio propiciador de
negócios vários, assumia um papel central na definição da política económica
local. Para um mercador como Fernão Gonçalves, envolvido nas dinâmicas da
economia local, a possibilidade de participação nos meandros dos processos
deliberativos de um órgão com ampla capacidade de acesso e redistribuição dos
recursos não poderia deixar de proporcionar vantagens: fossem elas a
possibilidade de poder orientar em seu favor decisões económicas, em áreas
onde, direta ou indiretamente, poderia ter interesses.
Refira-se que as vantagens que a proximidade ao poder poderia conferir, sob o
ponto de vista económico, estavam longe de ser apenas válidas para homens
profissionalmente ligados à mercancia. O propósito de engrandecimento dos seus
patrimónios e de reforço das posições materiais constituía um objectivo comum à
generalidade dos membros das elites dirigentes locais, independentemente da sua
categoria ou estatuto social. Nesse sentido, e como têm demonstrado diversos
autores, a política económica dos concelhos, onde a promoção do bem comum e a
defesa dos interesses próprios do grupo dirigente se vai confundindo, não
deixava de estar ao serviço da conservação e da reprodução do próprio sistema
de poder69.
No caso do mercador, a estes possíveis benefícios, de natureza material, se
somariam outros, mais relacionados com a visibilidade e o reconhecimento
social, que a inserção num órgão prestigiante como o concelho acabaria por lhe
conferir.
A progressiva integração no seio do grupo dirigente
O conjunto de fatores a que fomos aludindo permitiu a Fernão Gonçalves reforçar
o seu poder económico e, paralelamente, pôr em prática uma estratégia tendente
à consolidação da sua posição social.
Desconhecemos quase tudo sobre a sua ambição e as suas aspirações, podendo
apenas hipoteticamente equacioná-las, a partir de algumas das suas práticas
sociais que globalmente nos vão revelando o desejo de aproximação ao grupo
dominante.
Refira-se que a sua condição de mercador e a sua ligação às atividades
económicas não constituíram impeditivo a que fosse desenvolvendo formas de vida
próximas daquelas que constatamos para os mais importantes membros da elite
local, que as fontes vão indicando como cavaleiros e escudeiros. Homens que
podemos incluir numa pequena nobreza local, que conheceram, em alguns casos, um
processo de ascensão social favorecida pelas mudanças que a crise dinástica
promoveu. Fernão Gonçalves com eles desenvolve convivências, pessoais e
relacionais, ao nível de diversas instituições urbanas, compartilha objetivos
políticos, solidariedades e interesses comuns, porventura mesmo de natureza
económica. Vale a pena notar, a propósito, que apesar de terem na terra e nas
suas produções uma das principais fontes de rendimentos, muitos destes homens
não deixavam de manifestar interesse por muitos outros segmentos da economia
urbana, surgindo ligados a atividades como os arrendamentos e muitas outras.
De qualquer modo, e apesar dessa relativa osmose que a partilha de interesses
comuns e a participação conjunta no exercício do poder vai promovendo, Fernão
Gonçalves não se incluía, como vimos, entre as famílias de primeira linha.
Patenteava um estatuto, um grau de integração na administração e mesmo um
património inferior ao dos grupos familiares dominantes da oligarquia
concelhia. Entre estes podemos incluir nomes, como os Lobo, os D´Arca ou os
Fuseiros, entre outras linhagens urbanas, de há muito instaladas na cidade e
tradicionalmente ligadas à governação local, em alguns casos oriundas da
cavalaria vilã, que nas gerações anteriores foram efetuando uma aproximação aos
escalões inferiores da nobreza. A crise dinástica acabou por constituir, para
muitos deles, uma oportunidade de consolidação da sua posição social. A estes
homens e famílias, que desde há muito dominam a administração local, se foram
juntando diversos outros membros de uma nobreza segundogénita, que procuram,
nos meios urbanos do sul, novas oportunidades de enriquecimento e de
afirmação70, como é o caso dos Pimentéis ou dos que vamos encontrar, neste
período, em Évora, no exercício de funções concelhias71. Assim se reforça uma
dinâmica social que globalmente impregna de um ideal nobilitante a vida
concelhia72.
Note-se que este fenómeno está longe de se circunscrever ao contexto eborense,
assumindo um forte significado num número muito considerável de núcleos urbanos
dos reinos peninsulares, como tem, aliás, vindo a ser notado por variadíssimos
autores73. No caso de Évora, esse cunho aristocratizante foi, de alguma forma,
acentuado pela crescente importância da cidade no quadro urbano do reino e pelo
papel que a sua elite concelhia assumiu na conjuntura política em causa.
Tendo em atenção o patamar de riqueza e o protagonismo entretanto conseguidos
pelo mercador, e mesmo o papel que havia desempenhado no contexto da crise
dinástica em favor do futuro monarca, não é improvável que tivesse acalentado o
desejo de integrar, em pleno, o grupo dominante da cidade, do qual
estrategicamente se fora já aproximando. Não é, igualmente, arriscado supor que
aspirasse a um enobrecimento. Algo que, a verificar-se, não seria estranho na
conjuntura em causa, que a tantos havia proporcionado processos de rápida e, em
alguns casos, inusitada ascensão social.
O esforço de aproximação ao grupo dominante fica patente em diversos aspetos da
sua atuação. É visível, por exemplo, em algumas das lógicas de investimentos
que foi efetuando ao longo do seu percurso de vida, nomeadamente ao nível da
aquisição de bens fundiários. Um tipo de investimentos no qual o interesse
económico se vai conjugando com a procura de prestígio social que a posse da
terra concedia. Refira-se que Fernão Gonçalves, desde cedo, revelou forte
apetência pela aquisição de imóveis rústicos. Os proventos obtidos nas
lucrativas atividades da mercancia, traduzidos numa aparentemente forte
disponibilidade de metal sonante, permitir-lhe-ão ir concretizando esse
objetivo. Nos anos de 1390, por exemplo, encontramo-lo, conjuntamente com a sua
mulher, a adquirir uma herdade, em Mal Degolados, onde já detinha outros
bens74. Muito embora as fontes não nos indiciem a posse de um património
imobiliário muito estruturado, o mercador era, ainda assim, proprietário de
algumas herdades, situadas no termo da cidade, concretamente em duas
localizações, Mal Degolados e no Xarrama75, para além de pequenas parcelas
periurbanas76, como já vimos, sendo evidente o esforço no sentido do
engrandecimento dos seus bens fundiários.
Numa região como Évora, onde o sector agro-pastoril constituía o principal
motor da atividade económica, não podemos, naturalmente, desvalorizar o
potencial de rendibilidade da terra e das suas produções. É até bastante
provável, como já fomos sugerindo, que alguns dos interesses económicos do
mercador se pudessem ligar ao abastecimento urbano de bens alimentares e à
pecuária, o que justificaria, ainda de forma mais óbvia, o seu interesse por
esse tipo de bens. Contudo, e para além dos proventos que dela pudesse retirar,
julgamos que esta lógica de investimentos, que no fundo vai conduzindo à
transferência de rendimentos adquiridos nas atividades comerciais ou
financeiras para a aquisição de propriedade fundiária, não pode também deixar
de se relacionar com o capital simbólico de que a posse da terra se revestia77.
Como sabemos, sobre ela assentava o poder, podendo ser objeto de privilégios
jurídico-económicos, concedidos pelos monarcas, que, por si só, eram
conferidores de vantagens económicas e de prestígio social.
Em Évora e de um modo geral no sul do reino, os bens fundiários mais
prestigiantes eram as grandes herdades, propriedades de produção extensiva, de
cereais e de gado, a cujos detentores os monarcas, não raras vezes, concedem
privilégio de coutada, entre outras isenções e regalias. É provável que Fernão
Gonçalves, no caso de corresponder ao rendeiro das sisas com o mesmo nome que
encontramos na documentação, contemplado por D. João I com carta de coutada de
uma sua herdade78, tivesse sido também objeto dessa distinção. Algo que a
possibilidade de homonímia não permite confirmar. Contudo, independentemente
desse facto concreto, não parece estranho que, face aos benefícios económicos e
sociais que seria expectável retirar da posse da terra, Fernão Gonçalves, à
semelhança das principais famílias oligárquicas da cidade, tivesse procurado a
ampliação do seu património fundiário.
Um outro exemplo da relativa osmose com o grupo dominante é detetável na forma
como vai consolidando o seu poder, no contexto urbano, por via da estruturação
de uma rede de relações de tipo clientelar. Um mecanismo de vinculação pessoal
e social do qual, ele próprio, era largamente beneficiário, e de que não
deixará de fazer uso. Com efeito, a riqueza e o prestígio social que alcançou
vão permitir ao mercador estruturar uma rede de relações de tipo clientelar, a
partir da qual acaba por estender a sua capacidade de controlo e de influência
a diversos segmentos da sociedade urbana. Os dados compulsados permitiram-nos
identificar cinco indivíduos como seus homens e criados: caso de Afonso Eanes
que, tendo em atenção a proximidade manifestada com o seu patrono, o deve ter
acompanhado em muitas dos seus negócios; de Lourenço Gonçalves, Afonso Vicente,
Gonçalo Mendes e de Fernando Afonso, tabelião, testemunhando-nos que a sua rede
relacional chega também ao oficialato urbano.
Não deixa de ser curioso e significativo da disseminação dos modelos
aristocráticos pelo conjunto dos grupos em ascensão que, muito embora estejamos
a acompanhar um indivíduo identificado como mercador, ele acabasse por
organizar o seu quadro de relações pessoais em lógicas muito semelhantes às
lógicas clientelares da pequena nobreza urbana79. A mimetização do grupo
dirigente parece ser também aqui evidente.
Refira-se que o processo de afirmação social do mercador acaba, também ele, por
ser enquadrado pela sua inclusão nas redes clientelares de uma das poderosas
famílias oligárquicas da cidade, os Façanha. Uma ligação que assumiu um papel
estruturante do seu próprio percurso e a partir da qual se fez a sua inserção
na sociedade urbana. Ao longo do seu percurso ascensional, Fernão Gonçalves não
deixará de reforçar, mesmo que simbolicamente, os laços de pertença a esse
grupo familiar, procurando partilhar do capital de prestígio que os Façanha
haviam acumulado na cidade. A associação do apelido desta família ao nome e ao
patronímico do mercador, que em diversos documentos vemos identificado como
Fernão Gonçalves Façanha, não pode deixar de se revestir de significado a esse
nível. Tanto mais que, neste período, a adoção de apelidos, enquanto elemento
identitário, se encontra em fase de fixação, chamemos-lhe assim, sobretudo para
os grupos familiares em processo de consolidação das suas posições sociais. Num
tal contexto, é compreensível que o mercador, na sua tentativa de socialmente
se aproximar do grupo dominante, tivesse procurado reforçar, também por via da
sua identificação, a pertença a uma das prestigiadas famílias da oligarquia
eborense.
O facto de não podermos contar, entre a documentação relativa ao mercador, com
testamentos, actos de instituição de capelas e de outras obras pias, sempre
mais ricos e esclarecedores sobre comportamentos sociais, mentais e culturais,
impede-nos de avaliar cabalmente essa estratégia. Seria importante conhecer as
formas de organização familiar e de defesa patrimonial ou, ainda, por exemplo,
identificar alguns traços das políticas matrimoniais dos seus descendentes.
Dados que se revelariam importantes, não tanto para identificar as suas
aspirações sociais, já que estas se encontram relativamente claras, mas
sobretudo para podermos identificar de forma mais clara a estratégia seguida
para os alcançar.
De qualquer modo, do que não restam dúvidas é do facto de o seu enriquecimento
material ter sido acompanhado da adoção de estilo de vida e comportamentos
sociais muito próximos dos do grupo dominante, num percurso em que a riqueza e
o prestígio lhe vão abrindo as portas para uma progressiva integração no seio
da oligarquia. No que a este aspecto diz respeito, a sua estratégia parece ter-
se revestido de um significativo sucesso. O desempenho de cargos prestigiados,
como o de juiz do cível, bem como o facto de dois dos seus descendentes, os
seus filhos Garcia Fernandes80 e Vasco Fernandes Façanha81, surgirem também no
desempenho de funções no concelho82, são o testemunho da sua capacidade de
influência e da sua aceitação no restrito círculo dos que controlavam a
administração municipal eborense.
Nota final
O percurso de Fernão Gonçalves Façanha, que acompanhámos ao longo de mais de
quatro décadas, é, em si mesmo, um testemunho da capilaridade social existente
nas sociedades urbanas tardomedievais e dos mecanismos que a tornavam possível.
No caso em análise, entre os fatores que favoreceram a mobilidade, destacam-se:
a riqueza, proporcionada pelo crescimento do mercado urbano, as relações
clientelares, elemento fulcral de estruturação do seu percurso, e a aproximação
às poderosas instituições citadinas que lhe trouxe múltiplas vantagens
materiais, sociais e simbólicas. A par destes mecanismos, relativamente comuns
a outros contextos, juntaram-se também as oportunidades criadas por uma
conjuntura política muito especial, que o nosso mercador soube aproveitar no
sentido do reforço da sua posição.
A análise (possível) da sua trajetória deixou, também, claro que a afirmação
social de Fernão Gonçalves passou mais pela procura de assimilação às formas de
vida e de comportamentos de uma média e pequena nobreza, que constituía a
primeira linha da vida social concelhia, do que propriamente pelo reforço da
sua condição de mercador ou pela assunção de formas distintivas de atuação
próprias do seu grupo socio profissional.
Um facto que também nos diz muito sobre a posição de segundo plano que os
mercadores e os homens de negócios assumiam na cidade e sobre sua incapacidade
de afirmação social e política, enquanto grupo, num contexto muito marcado
pelos referenciais nobiliárquicos.
Porém, este é um tema que exige um estudo mais alargado que não cabe no âmbito
de um trabalho centrado na análise de um caso individual. Mais do que
respostas, o estudo realizado visa essencialmente trazer à discussão as
aliciantes problemáticas relativas aos grupos sociais em ascensão, nos núcleos
urbanos do sul peninsular, de finais da Idade Média.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
SERRA, Joaquim Bastos ' Entre o comércio e a governação local. Fernão
Gonçalves Façanha: um mercador eborense de finais da Idade Média. Medievalista
[Em linha]. Nº16 (Julho - Dezembro 2014). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível
em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA16\
Data recepção do artigo: 18 de Outubro de 2013
Data aceitação do artigo: 8 de Maio de 2014
Notas
1
Veja o esboço de hierarquização do conjunto dos mercadores delineado por
BAQUERO MORENO, Humberto ' As oligarquias urbanas e as primeiras burguesias em
Portugal. in Revista da Faculdade de Letras do Porto. História. 2ª série, XI
(1994), pp. 111-112.
2
> Maria Helena da Cruz Coelho e Joaquim Romero de Magalhães, no seu estudo,
hoje clássico, sobre o poder municipal, apontam precisamente para a diversidade
do perfil social das oligarquias locais em função dos contextos
socioeconómicos; veja-se O Poder Concelhio. Das Origens às Cortes
Constituintes. Notas de história social. 2ª edição revista. Coimbra: Centro de
Estudos e Formação Autárquica, 1986, pp. 35-36.
3
Para Lisboa, e globalmente, veja-se Farelo, Mário ' A Oligarquia Camarária de
Lisboa (1325-1433). Lisboa: Dissertação de doutoramento, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2008, pp. 188-196; no que se refere ao Porto, para o
período o final do século XV princípio do seguinte, veja-se COSTA, Adelaide
Millán da ' «Vereação» e «Vereadores»: o governo do Porto em finais do Século
XV.Porto: Câmara Municipal-Arquivo Histórico, 1993. Maria Helena da Cruz
Coelho, a partir do trabalho de Adelaide Costa, identificou cerca de 38,5% dos
homens de vereação como mercadores; cf. COELHO, Maria Helena da Cruz '
Clivagens e Equilíbrios da Sociedade Portuguesa Quatrocentista. in Tempo.
Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.Vol. 3,
n.º 5 (1998), p. 127.
4
ANDRADE, Amélia Aguiar ' Composição social e gestão municipal: o exemplo de
Ponte de Lima na Baixa Idade Média. in Horizontes Urbanos Medievais.Lisboa:
Livros Horizonte, 2003, pp. 97-105.
5
As atas das vereações desta vila deixam-nos testemunho da presença de
mercadores em diversas funções concelhias. A título de exemplo, ver:Actas das
Vereações de Loulé. Séculos XIV e XV.Leitura paleográfica de João Alberto
Machado e Maria Cristina Cunha e revisão do texto de Luís Miguel Duarte. Sep.
de Al-Ulya. Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé.7 (1999-2000), pp.
47-49, 61-63; Actas das Vereações de Loulé. Século XV.Leitura paleográfica e
revisão do texto de Luís Miguel Duarte. Sep. de Al-Ulya. Revista do Arquivo
Histórico Municipal de Loulé.10 (2004), pp. 47-50, 50-53, 84-86.
6
MARQUES, José ' A administração municipal de Vila do Conde em 1466.Braga:
Editorial Correio do Minho, 1983 [sep. de Bracara Augusta.vol. 37, fasc. 83-84
(1983), p. 23].
7
Para um balanço da questão, veja-se Coelho, Maria Helena da Cruz ' O Poder
Concelhio em tempos medievais - o deve e haver historiográfico.inRevista
da Faculdade de Letras ' História.Porto. III Série, vol. 7 (2006), pp. 19-34;
COSTA, Adelaide Millán da ' Elites and oligarchies in the late medieval
Portuguese urban world. in Imago Temporis. MediumAevum. Vol. 3. Lleida:
Universidad de Lleida, 2009, pp. 67-82. Nos últimos anos, verificaram-se
progressos assinaláveis neste fecundo campo historiográfico, pelo menos para
algumas realidades concelhias, como é, por exemplo, o caso de Lisboa. Para esta
cidade, pode ver-se: FARELO, Mário ' A oligarquia camarária de Lisboa (1325-
1433). Lisboa: Tese de Doutoramento em História Medieval, Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, 2008; IDEM ' Ao serviço da Coroa no século XIV. O
percurso de uma família de Lisboa, os Nogueiras. inKRUS, Luís; OLIVEIRA, Luís
Filipe; FONTES, João Luís (eds.) ' Lisboa Medieval. Os rostos da Cidade.Lisboa:
Livros Horizonte, 2007, pp. 145-168; MARTINS, Miguel Gomes ' A família Palhavã
(1253-1357). Elementos para o estudo das elites dirigentes da Lisboa medieval.
in Revista Portuguesa de História.T. XXXII (1997-1998), pp. 35-93; IDEM
'Estêvão Vasques Filipe: O percurso de um guerreiro em finais de Trezentos.
in Cadernos do Arquivo Municipal.Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. 5 (2001),
pp. 10-47; IDEM ' a Estêvão Cibrães e João Esteves: A família Pão e Água em
Lisboa (1269-1342) . in Arqueologia e História53 (2001), pp. 67-74; IDEM ' Os
Alvernazes: Um percurso familiar e institucional entre finais de Duzentos e
inícios de Quatrocentos. in Cadernos do Arquivo Municipal.Lisboa: Câmara
Municipal de Lisboa. 6 (2002), pp. 10-43.
8
Um tal fenómeno verifica-se, também, em Évora. Sobre a evolução global da
administração concelhia desta cidade, durante a centúria de Quatrocentos, veja-
se SERRA, Joaquim Bastos ' Entre a promoção do bem comum e a defesa dos
interesses próprios. A oligarquia concelhia de Évora no século XV. in
MediaAetas. Revista de Estudos Medievais. Ponta Delgada. II Série, vol. III -
A Cidade e o Campo I, 2008/2009, pp. 69-101.
9
Esta questão foi teórica e metodologicamente equacionada por José Antonio Jara
Fuente no seu trabalho sobre a oligarquia da cidade castelhana de Cuenca. Na
proposta do autor, a distinta capacidade para aceder e controlar os recursos e
o diferente nível de participação, como dirigente ou subordinado, constituem-se
como descritores chave para identificar o lugar de cada um no seio daquilo a
que chamou o subsistema de poder concelhio. Veja-se Jara Fuente, José Antonio '
Elites urbanas y sistemas concejiles: una propuesta teórico-metodológica para
el análisis de los subsistemas de poder en los concejos castellanos de la Baja
Edad Media. in Hispania. Revista Española de Historia. vol. LXI/1, 207,
(2001), pp. 221-266; IDEM ' Las políticas comerciales y de mercado como formas
de prevención de conflictos y de legitimación del poder (La venda del vino en
Cuenca en la Baja Edad Media) in Brocar: Cuadernos de investigación histórica.
Nº 21 (1997), pp. 119-134; veja-se, também Guerrero Navarrete, Yolanda '
Elites Urbanas en el siglo XV: Burgos y Cuenca. in Revista d´Història
Medieval. València. Nº 9 ' Oligarquías políticas y elites económicas en las
Ciudades Bajomedievales (Siglos XIV-XVI).Coord. Rafael NArbona, 1998, pp. 81-
104.
10
Sobre a população eborense e a posição da cidade no quadro administrativo do
reino, veja-se Beirante, Maria Ângela ' Évora na Idade Média.Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1988, pp. 141-169 e 669-672.
11
Gaspar, Jorge ' A área de influência de Évora. Sistema de Funções e Lugares
Centrais. 2ª edição. Lisboa: Universidade de Lisboa/Centro de Estudos
Geográficos, 1981, especialmente, o ponto 4 da Introdução.
12
Beirante, Maria Ângela ' op. cit., pp. 500-502.
13
A passagem de gado para Castela, por exemplo, é uma questão recorrente, cf.
Arquivo Distrital de Évora (doravante ADE), Arquivo da Câmara Municipal
(doravante ACM), Livro 2º de Originais(n.º 72), fl. 24-25, fls. 54-54v-55. O
mesmo se diga dos cereais, cf., por exemplo, ibidem, fls. 26-26v, 176, 177.
14
Cf. ADE, ACM, Livro 2º de Originais, (n.º 72), fl. 149.
15
Concretamente 12 mercadores, num universo de 90 indivíduos identificados.
16
FARELO, Mário ' A oligarquia camarária de Lisboa (1325-1433). Lisboa: tese de
Doutoramento em História Medieval, Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2008, p. 191. O valor obtido corresponde a 96% do total de 25,1% de
indivíduos identificados por via da sua categoria funcional.
17
Este valor é meramente aproximativo, já que se trata de períodos cronológicos
algo diferenciados. Os dados relativos ao Porto dizem respeito à segunda metade
do século XV. Cálculos efetuados por Maria Helena da Cruz Coelho, a partir do
estudo prosopográfico de Adelaide Millán da Costa para o Porto: cf., COELHO,
Maria Helena da Cruz ' O Estado e as Sociedades Urbanas. inCOELHO, Maria
Helena da Cruz; HOMEM, Armando Luís de Carvalho (eds.) ' A Génese do Estado
Moderno no Portugal tardo-medievo.Lisboa: Universidade Autónoma, 1999, p. 28;
IDEM ' Clivagens e Equilíbrios da Sociedade Portuguesa Quatrocentista. in
Tempo. Revista do Departamento de História da Universidade Federal
Fluminense.Vol. 3, n.º 5 (1998), p. 127; COSTA, Adelaide Millán da ' «Vereação»
e «Vereadores» , pp. 121-170.
18
Sobre os Arnalho e os Boto, veja-se Beirante, Maria Ângela ' Évora na Idade
Média , pp. 542-544. Entre os membros desta última família, destaca-se o Doutor
Rui Boto (filho de Martim Esteves Boto, por diversas vezes juiz, vereador e
procurador do concelho de Évora), a quem D. Afonso V, em 1465, concede
anualmente 4000 reais brancos, para o mantimento do estudo. Rui Boto é
referenciado como estudante entre 1465-1473. Neste último ano é nomeado, por D.
Afonso V, como lente da Cadeira de Leis do Estudo Geral de Lisboa; em 1476,
surge como desembargador da Casa da Suplicação e, em 1480, Ouvidor dessa mesma
Casa: cf. SÁ, A. Moreira de (ed.) ' Chartularium Universitatis Portugalensis
(1288-1537). Vol. VI. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1974, pp. 147-148,
165-166, 192-193, 333, 386-387, 517; IANTT, Chancelaria de D. Afonso V, Lº. 2,
fl. 94; Lº. 33, fls. 73v e 149v.
19
LOPES, Fernão Lopes ' Crónica de D. João I. Vol. I. Porto: Civilização, 1991,
cap. CLIX, p. 341.
20
IANTT, Chancelaria de D. João I,Lº. 2, fl. 129v.
21
No Arquivo da Câmara Municipal de Évora, por onde andou, como membro eleito ou
como homem-bom participante das reuniões de vereação. No Arquivo do Cabido da
Sé (adiante referenciado como ACSE), entidade com a qual manteve uma duradoura
e proveitosa relação. No Arquivo da Misericórdia de Évora (ADE, Misericórdia),
mais concretamente no núcleo respeitante às albergarias, com as quais manteve
uma relação de grande proximidade. No importante espólio da Biblioteca Pública
de Évora (BPE), nos núcleos relativos aos mosteiros e às colegiadas. O conjunto
de informações assim recolhidas, muito embora não permita traçar algo que se
aproxime de uma biografia, torna, contudo, possível enunciar as linhas
estruturadoras do seu percurso.
22
Sobre os considerandos teóricos e metodológicos da utilização da prosopografia
no estudo das elites dirigentes concelhias, veja-se Costa, Adelaide Millan da '
Prosopografia das elites concelhias e análise racional: a intersecção de duas
abordagens. in Barata, Filipe Themudo (ed.) ' Elites e redes clientelares na
Idade Média: problemas metodológicos. Lisboa: Colibri/CIDEHUS-UE, 2001, pp. 63-
70. Luís Miguel Duarte, num interessante artigo, faz um balanço da utilização
deste método no nosso país: DUARTE, Luís Miguel ' Prosopografia e elites
urbanas: a investigação portuguesa. in La Prosopografía como método de
investigación sobre la Edad Media. Zaragoza: Universidad de Zaragoza, 2006, pp.
105-118. Nesta mesma obra, que reúne as actas de um seminário realizado na
Universidade de Zaragoza, precisamente sobre a aplicação do método
prospográfico no âmbito da História Medieval, contam-se diversos outros artigos
de grande interesse, especialmente o de José Ángel Sesma Muñoz, Carlos Laliena
Corbera, Germán Navarro Espinach, em que se faz um balanço da utilização da
prosopografia no estudo das elites urbanas de Aragão; cf. Prosopografia de las
sociedades urbanas de Aragón durante los siglos XIV e XV. Un balance
provisional. in ibidem, pp. 7-20.
23
IANTT, Chancelaria de D. João I,Lº. 2, fl. 129v.
24
Sobre as questões da onomástica para a realidade portuguesa medieval, vejam-se
os trabalhos de Iria Gonçalves: Amostra de antroponímia alentejana do século
XV. in Do Tempo e da História. vol. IV (1971), pp. 186-187; IDEM '
Antroponímia das terras alcobacenses nos fins da Idade Média. in ibidem. vol.
V (1972), p. 172; IDEM ' Identificação medieval: o nome dos dirigentes
concelhios em finais de trezentos. in Revista Portuguesa de História.t. XXXI,
vol. II (1996), pp. 103-127; IDEM ' Do uso do patronímico na Baixa Idade Média
Portuguesa. inBarroca, Mário Jorge (coord.) ' Carlos Alberto Ferreira de
Almeida. In memoriam.Vol. I. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, 1999, pp. 347-363; IDEM ' Entre o masculino e o feminino: sistemas de
identificação em finais do século XV. in Em louvor da linguagem. Homenagem a
Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Ed. Colibri, 2003, pp. 141-142; IDEM '
Notas sobre a Identificação Social Feminina nos finais da Idade Média.
Medievalista on-line. Ano 4, n.º 5 (2008). Disponível em: http://
www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA5/medievalista-iria.htm.
25
Sobre esta questão, veja-se o interessante artigo de Sánchez Saus, Rafael '
De armerías, apellidos y estructuras de linaje. in En la Espana medieval. 17
(1994), pp. 9-16. Para o autor, a questão dos apelidos deve integrar-se num
fenómeno mais lato de adoção, por parte das oligarquias urbanas, de modelos e
formas de organização familiar próprias dos grupos nobiliárquicos, com os quais
se procuram identificar. Considera que adoção de nomes de família e de emblemas
heráldicos, enquanto forma de reforço da identidade e da coesão interna dos
grupos familiares, é um testemunho do processo de aristocratização da vida
concelhia, que se verifica, sobretudo, a partir de finais do século XIV, na
generalidade dos núcleos urbanos castelhanos. María Asenjo González, em artigo
mais recente, estabelece alguns matizes neste quadro, quer em termos
geográficos, apresentando ritmos e tendências diferenciadas entre núcleos
urbanos, quer evidenciando distinções entre as estruturas linhagísticas urbanas
e as linhagens nobiliárquicas. Veja-se Asenjo González, María ' Acerca de los
linajes urbanos y su conflictividad en las ciudades castellanas a fines de la
Edad Media. in Clio & Crimen. N. º 6 (2009), pp. 52-84.
26
A precocidade da adoção de apelidos em Évora foi já assinalada por BEIRANTE,
Maria Ângela ' op. cit., p. 171.
27
1407, Dezembro, 25 ' Fernão Gonçalves, mercador, está presente em reunião de
vereação; cf. ADE, CME, Livro Primeiro de Pergaminho(n.º 67), fls. XLV, XLVv;
XLVI, nºs. 45-47.
28
1408, Janeiro, 20 ' Um indivíduo identificado como Fernão Gonçalves Façanha,
mercador, está presente em reunião de vereação; cf. ADE, CME, Livro Primeiro de
Pergaminho(n.º 67), fls. XLVIv; XLVII, nºs. 47v-48.
29
LOPES, Fernão ' op. cit., ed. cit., vol. I, cap. CLIX, p. 341.
30
1368, Junho, 06: num instrumento de posse de uma herdade no Pigeiro, comprada
por Vasco Rodrigues Façanha, entre as testemunhas, encontra-se Fernão
Gonçalves, homem de Vasco Rodrigues Façanha: cf. ACSE, CEC 3 ' VII a), fls.
108-123.
31
ADE, Misericórdia, Pergaminhos do Hospital do Corpo de Deus de Santo Antoninho
(n.º 61), fls. 6 Lápis /280.
32
Cf. ACSE, CEC 4 ' XV, fl. 78.
33
Sobre os irmãos Vasco e Lopo Rodrigues Façanha, veja-se Serra, Joaquim Bastos
' Os Façanha. Uma família da oligarquia eborense nos finais de trezentos.
in Vilar, Hermínia Vasconcelos; Barros, Maria Filomena Lopes de (eds.) '
Categorias sociais e mobilidade na Baixa idade Média. Entre o islão e a
cristandade. Lisboa: Colibri, 2012, pp. 163-186.
34
Nomeadamente a partir de 1378. Note-se que as primeiras referências a
regedores em Évora de que temos conhecimento datam desse ano; cf. Pereira,
Gabriel (ed.) ' Documentos Históricos da Cidade de Évora. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1998, p. 146. O cargo terá existido na cidade até 1431,
quando nos chegam as últimas notícias a ele respeitante; cf. Arquivo Distrital
de Évora (ADE), CME, Livro Primeiro de Pergaminho (Nº. 67), fls. LXXXVII-
LXXXVIIv. Face à escassez de informações, torna-se difícil ajuizar da
regularidade da existência do cargo ao longo dos anos do intervalo (1377-1431).
35
Como o designou Maria Helena da Cruz Coelho, em O Poder Concelhio em tempos
medievais ' o deve e haver historiográfico. inRevista da Faculdade de
Letras. História.Porto. III Série, vol. 7 (2006), p. 26.
36
Lopes, Fernão ' op. cit., Vol. I, cap. XCI, p. 173.
37
BPE, Pergaminhos Avulsos, pasta 4, doc. 11; ADE, Misericórdia, Pergaminhos do
Hospital de Jerusalém (n.º 62), fls. 49, 49v; ACSE, CEC 4 ' XV, fl. 78; ACSE,
CEC 3 VII a),fls. 160-165.
38
Um mecanismo que permitia ao senhor eximir-se da responsabilidade e dos custos
inerentes à recolha direta. Em vez dela, optava-se pelo arrendamento do
conjunto dos direitos a receber, mediante a contratualização de uma quantia
global estimada à partida, ficando as vantagens para o arrendador na
possibilidade de conseguir recolher um valor superior ao acordado. Trata-se de
um sistema complexo, cujos procedimentos nem sempre são, para nós, muito
claros, não isento de riscos para os contraentes, mas que permitia a um
conjunto alargado de homens de negócios, isolados ou em grupo, participarem de
forma lucrativa na gestão dos importantíssimos fluxos financeiros que a
fiscalidadee a perceção de direitos movimentavam. As questões em torno da
fiscalidade conheceram nos últimos anos uma profunda renovação historiográfica.
Aos temas mais tradicionais, que privilegiavam uma leitura global de cariz
institucional, em torno, por exemplo, da tipologia das imposições fiscais, dos
mecanismos de perceção ou do seu papel na formação do Estado moderno, foram-se
sobrepondo novas problemáticas em que fiscalidade surge associada ao exercício
concreto do poder, equacionando-se uma multiplicidade de variáveis sociais e
políticas com ele correlacionada. A participação das elites e das oligarquias
urbanas nesse processo, e as consequências que tal assume sob o ponto de vista
do reforço das suas posições, económicas e políticas, constitui-se atualmente
como um frutífero campo de investigação. Tendo em atenção os objetivos do
presente trabalho, não é este o momento para traçarmos um quadro completo do
estado da investigação sobre esta matéria, nem de referenciarmos a vasta
bibliografia existente sobre o tema. Optámos, apenas, por indicar algumas obras
de síntese sobre o tema e por referir um ou outro estudo mais diretamente
relacionado com as oligarquias urbanas e com o papel dos homens de negócio nos
arrendamentos. Assim, no que se refere aos trabalhos de síntese, pode ver-se:
Ladero Quesada, M. A. ' «Estado. Hacienda, Fiscalidad y Finanzas». inEl
medievalismo español en los últimos treinta años. 1968-1998. XXV Semana de
Estudios Medievales de Estella.Pamplona: Gobierno de Navarra, 1999, pp. 457-
504; ALONSO GARCÍA, David ' Poder y finanzas en Castilla en el tránsito a la
modernidad (un apunte historiográfico). in Hispania, Revista Española de
Historia. LXVI-222 (2006), pp. 157-198; GARNIER, Florent ' Fiscalité et
finance médiévales: un état de la recherche. in Revue historique de droit
français et étranger 3 (2008), pp. 443-452. Mais directamente relacionado com
os municípios e as oligarquías, pode ver-se: GUERRERO NAVARRETE, Yolanda '
Fiscalidad regia y poder municipal en Burgos (1453-1476). in En la España
medieval 5 (1986), pp. 481-499; Guerrero Navarrete, Yolanda; Sánchez Benito, J.
m. ' Fiscalidad municipal y políticas regias. El caso de Burgos y Cuenca.
inMENJOT, Denis; SÁNCHEZ MARTÍNEZ, Manuel (dir.) ' Fiscalidad de Estado e
fiscalidad municipal en los reinos hispânicos medievales. Madrid: Casa de
Velázquez, 2006, pp. 21-51; García Fernández, Ernesto ' Gobernar la ciudad en
la Edad Media: oligarquias y elites urbanas en el País Vasco. Vitoria:
Diputación Foral de Álava, 2004, especialmente, o capítulo 2, Poder y
fiscalidad: la gestión hacendística de los concejos urbanos, pp. 173-210;
Menjot, Denis ' Politiques et stratégies fiscales des élites urbaines
castillanes (fin XIIIe siècle-1474). inMENJOT, Denis; SANCHEZ MARTÍNEZ, Manuel
(dir.) ' L'impôt dans les villes de l'Occident Méditerranéen XIIIe-XVe
siècle.Colloque tenu à Bercy les 3, 4, et 5 octobre 2001. Paris: Comité pour
l'Histoire Économique et Financière de la France, 2005, pp. 123-152; Terán
Sánchez, Antonio Collantes de ' La Élite financiera en la Sevilla
Bajomedieval: los mayordomos del concejo. in Revista d'Historia Medieval. Nº
11 (2000), pp. 13-40; IDEM ' Fiscalidad de Estado y concejos en el reino de
Sevilla durante el reinado de los Reyes Católicos (1474-1504). inMENJOT,
Denis; SÁNCHEZ MARTÍNEZ, Manuel (dir.) ' Fiscalidad de Estado e fiscalidad
municipal en los reinos hispânicos medievales. Madrid: Casa de Velázquez, 2006,
pp. 21-51; Ortega Cera, Ágata ' Arrendar el Dinero del rey. Fraude y
estrategias financieras en el estrado de las rentas en la Castilla del siglo
XV. in Anuario de Estudios Medievales 40/1 (enero-junio de 2010), pp. 223-249;
Diago Hernando, Máximo ' Arrendadores arandinos al servicio de los Reyes
Católicos. in Historia, instituciones, documentos. Nº 18 (1991), pp. 71-96;
IDEM ' El perfil socioeconómico de los grupos gobernantes en las ciudades
bajomedievales análisis comparativo de los ejemplos castellano y alemán. in En
la España medieval.Nº 18 (1995), pp. 85-134; IDEM ' Los hombres de negocios
bearneses en la Corona de Aragón durante la segunda mitad del siglo XIV: el
ejemplo de Juan Mercer. in Aragón en la Edad Media. Nº 17 (2003), pp. 131-166;
IDEM ' Mercaderes y hombres de negocios en la Rioja a fines de la Edad Media.
in Brocar: Cuadernos de investigación histórica. Nº 31 - Historia Medieval de
La Rioja, coord. por F. J. Goicolea Julián, 2007, pp. 369-410; JARA FUENTE,
José Antonio ' Elites y grupos financieros en las ciudades castellanas de la
Baja Edad Media. in En la España Medieval. Nº 27 (2004), pp. 105-130.
39
Beirante, Maria Ângela ' op. cit., p. 672.
40
ACSE, CEC3.VII a), fl.121; idem, Pergaminhos dos Bacharéis, Pasta 1, doc. 63.
41
ACSE, CEC 3 ' VII a), fls. 108-123.
42
ACSE, CEC 4 ' XV, fl. 33 e CEC 4 ' XVII, fl. 19.
43
Sobre a relevância económica do cabido, veja-se Lavajo, Joaquim Chorão '
Situação económica do Cabido da Sé de Évora na Idade Média. in Eborensia. Ano
XX (2007), n.º 39-40, pp. 53-102.
44
Pouco sabemos sobre os contornos deste cargo e, ainda menos, sobre a forma
como o mesmo terá sido exercido pelo mercador eborense. De qualquer modo, a
crer nas informações contida no único livro contabilístico do priostado da
época medieval que chegou até nós, o Livro de Despesa do prioste do cabido da
sé de Évora, do ano de 1340-1341 ' de um período, portanto, não muito distante
daquele que temos vindo a abordar ' ficamos a saber que sobre o prioste recaía
um vasto leque de funções. Cabia-lhe, para além do recebimento de rendas, o
pagamento de salários aos que exerciam tarefas, a redistribuição de rendimentos
de benefícios eclesiásticos, a aquisição de géneros necessários ao exercício
das funções religiosas e outros. A elas acresceriam, ainda, as funções
inerentes à atividade de procuração e de representação externa do cabido, em
questões relativas ao património, bem como a supervisão e acompanhamento de
obras, entre diversas outras funções. O registo contabilístico que nos ficou
daquele ano económico, apesar de lacunar, acaba, ainda assim, por se revelar
bastante elucidativo quanto ao volume e à diferente natureza das tarefas que se
encontravam na esfera de ação do prioste. A aparente complexidade da gestão
corrente desta entidade tornaria quase obrigatório que aquele que exercesse as
funções detivesse conhecimentos em matéria contabilística e administrativa.
Veja-se Monteiro, Nuno; Silva, Fernando Vieira da; Sousa, Bernardo de
Vasconcelos; Zilhão, João ' O "Livro das despesas do Prioste" do Cabido da Sé
de Évora (1340-1341). in Revista de História Económica e Social. Nº 9 (1982),
pp. 91-143.
45
O papel que o controlo das albergarias assumia nas estratégias de afirmação
dos grupos oligárquicos na cidade, bem como a circulação de dirigentes entre o
concelho e esses institutos foram analisados por Cláudio, Ana Sofia ' São as
confrarias refúgio dos humildes? Contributo para o estudo das elites eborenses
no final da Idade Média. Évora: Dissertação de Mestrado em Estudos Históricos
Europeus, apresentada à Universidade de Évora, 2002.
46
Sobre a localização da albergaria e o perfil do seu património, veja-se Sousa,
Bernardo Vasconcelos e ' A propriedade das Albergarias de Évora nos Finais da
Idade Média. Lisboa: INIC ' Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova
de Lisboa, 1990, p. 26 e passim.
47
Beirante, Maria Ângela ' op. cit., pp. 582-583.
48
Mais concretamente entre 1380 e 1409. ADE, Misericórdia, Pergaminhos do
Hospital do Corpo de Deus de Santo Antoninho (n.º 61),fls. 6 Lápis /280, fls. 7
Lápis /281, fls. 9 Lápis /283, fls.11, 12 Lápis /284, 285, fls. 13, 13v Lápis /
286, 286v, fls. 14 Lápis /287, fls. 17, 17v Lápis /290, 290v, fls. 15, 15v
Lápis /288, 288v, fls. 16 Lápis /289, fls. 18v, 19 Lápis /291v, 292, fls. 19,
19v Lápis /292, 292v, fls.84, 84v Lápis /356, 356v.
49
Alcaide em 1380, 1381, 1383, 1389 (ADE, Misericórdia, Pergaminhos do Hospital
do Corpo de Deus de Santo Antoninho (n.º 61), fls. 6 Lápis /280, fls. 7 Lápis /
281, fls. 9 Lápis /283, fls. 14 Lápis / 287).
50
Lopes, Fernão ' Crónica de D. João I. Vol. I. Porto: Civilização, 1991, cap.
CLIX, p. 341.
51
Sobre este processo, veja-se Serra, Joaquim Bastos ' Os Façanha. Uma
família da oligarquia eborense nos finais de trezentos. in VILAR, Hermínia
Vasconcelos; BARROS, Maria Filomena Lopes de (ed.) ' Categorias sociais e
mobilidade na Baixa idade Média. Entre o Islão e a Cristandade. Lisboa:
Colibri, 2012, pp. 163-186.
52
Idem ' ibidem.
53
Cf. ADE, CME, nº 206 ' O Livro das Posturas Antigas da Cidade de Évora, fl.
20v. Veja-se O Livro das Posturas Antigas da Cidade de Évora.Introdução e
revisão de Maria Filomena Lopes de Barros e Maria Leonor F. O. Silva Santos,
transcrição paleográfica de Ana Sesifredo, Fátima Farrica e Miguel Meira,
Évora, CIDEHUS-UE, 2012. Consultável em http://www.cidehus.uevora.pt/textos/
fontesul/fsul_olivrodasposturasantigas.pdf.
54
ADE, CME, Livro Primeiro de Pergaminho(n.º 67), fls. LXIIv, LXIII, nºs 63v-64.
55
Sobre o cargo de procurador na cidade e as funções que lhe estão cometidas
veja-se o Regimento da Cidade de Évora, fl. 2v-3v, in Os Regimentos de Évora e
de Arraiolos do século XV.Introdução e revisão de Hermínia Vasconcelos Vilar.
Leitura e transcrição de Sandra Paulo, 2005 (consultável em http://
www.cidehus.uevora.pt/textos/fontesul/reg_arraiolos.pdf). As atribuições
contidas no Regimento de Évora não se revelam muito distintas das que constam
nas Ordenações: cf., Ordenações Afonsinas.Lº. I, tit. XXVIIII, arts. 1-10
(consultável em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l1p187.htm).
56
Sobre a importância que os meios financeiros e a riqueza assumiam para o
acesso a determinados cargos concelhios, nomeadamente o de tesoureiro ou o de
procurador, que podiam constituir uma porta de entrada na carreira político-
administrativa, pode ver-se: GONÇALVES, Iria ' As finanças municipais do Porto
na segunda metade do século XV. Porto: Câmara Municipal do Porto, 1987, pp. 15-
16.
57
Cf.Regimento da cidade de Évora fl. 3v. O procurador, enquanto responsável
executivo pelo controlo das finanças municipais, era obrigado a apresentar o
balanço das contas no final do ano correspondente ao mandato, que em Évora
acontecia pelo S. João. Sobre esta questão pode ver-se, também, Gonçalves, Iria
' op. cit., pp. 15-16.
58
No que se refere às dificuldades financeiras dos municípios, durante o século
XIV, em Portugal e na Europa assolada pelas consequências da Guerra dos cem
anos, veja-se a bibliografia citada e a realidade estudada, para Guimarães, por
Ferreira, Maria da Conceição Falcão ' Sinais de crise nas finanças concelhias,
na Guimarães fernandina: as quitações de 1371. in Revista de Guimarães. N.º
103 (1993), pp. 299-323.
59
Uma realidade constatável, por exemplo, para o município do Porto. Veja-se:
SOUSA, Armindo de ' Conflitos entre o Bispo e a Câmara do Porto nos meados do
século XV. in Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto.2ª série, 1
(1983), pp. 23-24. O recurso ao crédito, por via de diversos expedientes,
verificava-se também do lado de lá da fronteira. É o caso, por exemplo, do
concelho de Madrid: Losa Contreras,Carmen ' El Concejo de Madrid en el Tránsito
de la Edad Media a la Moderna. Madrid: Editorial Dykinson, 1999, p. 411 e
passim.
60
É possível que tivessem sido as especificidades inerentes às funções de
procurador a justificar que seja precisamente neste cargo que se encontre, no
período em estudo, o maior número de indivíduos identificados como mercadores.
É o caso, por exemplo, de Afonso Sanches (1406-1407), Álvaro Vasques (1375-
1376), João Eanes (1401-1402), Luís Martins (1402-1403), entre outros, que
foram passando pelo desempenho das funções, em período próximo daquele que
temos vindo a seguir. Não significa isso, obviamente, que todos os que foram
passando pelas funções sejam mercadores, longe disso, ou que os homens de
negócios não estejam presentes em diversos outros cargos eletivos concelhios,
por onde, de facto, também foram passando. É, contudo, neste sector que a sua
presença parece ser mais significativa. É-o, também, numa outra função ligada à
procuradoria que, em determinados anos, surge no organigrama concelhio:
referimo-nos à figura do Procurador dos Negócios do Concelho, cujas funções não
são, para nós, totalmente claras, mas que poderá ter surgido pela necessidade
de divisão ou segmentação do vasto leque de tarefas que se encontravam sob a
tutela do procurador.
61
Relativamente ao conteúdo e contexto de produção do Livro de Posturas veja-se:
O Livro das Posturas Antigas da Cidade de Évora, ed. cit.Consultável em http://
www.cidehus.uevora.pt/textos/fontesul/fsul_olivrodasposturasantigas.pdf
62
O Livro das Posturas , fl. 70v.
63
Ibidem, fls. 51-51v.
64
Veja-se, a este propósito, o referido na introdução ao Livro de Posturas, cf.
O Livro de Posturas , p. 10.
65
1412, Janeiro, 23: testemunha de contrato de bens concelhios, realizado nos
paços do concelho. ADE, CME, Livro Primeiro de Pergaminho(n.º 67), fls. LIX;
LIXv, LX, nºs. 60-61.
66
ADE, CME, Livro Primeiro de Pergaminho(n.º 67), fls. XL, XLv, nºs. 41-41v,
fls. XLV, XLVv; XLVI, nºs. 45-47, fls. XLVIv; XLVII, nºs. 47v-48.
67
Lopes, Fernão ' Crónica de D. João I. Vol. I. Porto: Civilização, 1991, cap.
CLIX, p. 341.
68
Jara Fuente, José Antonio ' Elites urbanas y sistemas concejiles: una
propuesta teórico-metodológica para el análisis de los subsistemas de poder en
los concejos castellanos de la Baja Edad Media. in Hispania. LXI/1, num. 207
(2001), pp. 256-257.
69
Por exemplo, entre muitos outros: VAL VALDIVIESO, María Isabel del ' Indicios
de la existencia de una clase en formación: el ejemplo de Medina del Campo a
fines del siglo XV. in Anales de la Universidad de Alicante. Historia
Medieval7 (1988-1989), pp. 193-224; Guerrero Navarrete, Yolanda ' op. cit., pp.
81-104; Jara Fuentes, José Antonio ' Elites Urbanas: Las políticas
comerciales , pp. 119-133; IDEM ' Concejo, poder y élites: la clase dominante
de Cuenca en el siglo XV. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 2000.
70
Veja-se Mattoso, José ' Os nobres nas cidades portuguesas da Idade Média .
inPortugal Medieval ' novas interpretações.2ª edição. Lisboa: IN-CM, 1992, pp.
273-291.
71
Caso de Rodrigo Álvares Pimentel. Sobre o posicionamento político dos
Pimentéis face à crise dinástica, incluindo o do próprio Rodrigo Álvares, veja-
se Sousa, Bernardo Vasconcelos e ' Os Pimentéis: Percursos de uma Linhagem da
Nobreza Medieval Portuguesa. Lisboa: INCM, 2000, pp. 264-268, 285 e ss.
Concretamente sobre Rodrigo Álvares, pp. 291-292.
72
Um quadro mental que vai enformando práticas e formas de vida de muitos dos
membros da oligarquia concelhia. Quer dos que se incluem já no que podemos
considerar os escalões inferiores da nobreza, quer daqueles que, oriundos dos
estratos populares, viram, por mecanismos diversos, reforçada a sua posição
social e que igualmente a ela aspiravam. Esta procura fica bem patente, e para
nos servirmos de um exemplo geral, no conjunto de instrumentos testamentários
de diversas famílias concelhias reunido sob a designação de capelas de Évora,
seja no sentido da defesa patrimonial, com a instituição do morgadio, seja na
imposição do nome da linhagem ou no controlo da memória, entre outras fórmulas
que testemunham bem a adesão a esse ideário. Veja-se Beirante, Maria Ângela '
Capelas de Évora. in A Cidade de Évora65-66 (1982-1983), pp. 22-50. Esses
traços comportamentais foram identificados, também, por Barata, Filipe Themudo;
Vilar, Hermínia Vasconcelos ' Os Protegidos de Mercúrio ' Em Torno de Famílias
e Fortunas de Mercadores no Portugal Medieval. inTavares, Maria José Ferro
(ed.) ' A Cidade. Jornadas Inter e pluridisciplinares. Actas.Vol. II. Lisboa:
Universidade Aberta, 1993, pp. 129-147.
73
A procura e a assunção de atributos e comportamentos nobilitantes por parte de
membros das elites dirigentes de origem popular/burguesa e mercantil são uma
tendência comum à generalidade dos núcleos urbanos peninsulares. Entre muitos
outros estudos, pode ver-se, Goicolea Julián, Francisco Javier ' Sociedad y
poder concejil: Una aproximación a la elite dirigente urbana de la Rioja Alta
medieval. in Studia historica.Historia Medieval. 17 (1999), pp. 87-112; IDEM '
La sociedad urbana riojana a fines del medievo: algunas consideraciones sobre
la cultura del poder de varias familias representativas de la élite (s. XV-
inicios del XVI). in Poder, pensamiento y cultura en el Antiguo Régimen. Actas
de la 1ª Semana de Estudios Históricos Noble Villa de Portugalete. Donostia-San
Sebastián: EuskoIkaskuntza, 2002, pp. 33-46; Moyano Martínez, Juan Manuel '
Familia y poder político en la Murcia Bajomedieval (siglos XIV y XV). in
Miscelánea Medieval Murciana XVII (1992), pp. 9-41; Esteban Recio, María
Socorro Asunción; Izquierdo García, María Jesús ' Familias 'burguesas'
representativas de la élite palentina a fines de la Edad Media. in Studia
historica. Historia medieval.Nº 10 (1992), pp. 101-147; Guerrero Navarrete,
Yolanda ' Elites Urbanas en el siglo XV: Burgos y Cuenca. in Revista
d´Història Medieval. València. Nº 9 - Oligarquías políticas y elites económicas
en las Ciudades Bajomedievales (Siglos XIV-XVI),coord.. Rafel NARBONA (1998),
pp. 81-104; Sánchez Saus, Rafael ' Los patriciados urbanos. in Mediavalismo.
Ano 14, 13-14 (2004), pp. 143-155; Mainé Burguete, Henrique ' Ciudadanos
honrados de Zaragoza. La oligarquía Zaragozana en la Baja Edad Media (1370-
1410). Zaragoza: Grupo CEMA ' Universidad de Zaragoza, 2006, pp. 27 e passim.
74
BPE, Pergaminhos Avulsos, Pasta 4, doc. 11i.
75
ACSE, CEC 3 VII a),fls. 160-165.
76
ADE, Misericórdia, Pergaminhos do Hospital de Jerusalém (n.º 62), fls. 49,
49v; ACSE, CEC 4 ' XV, fl. 78.
77
A aquisição sistemática de terras por parte de membros das oligarquias é um
fenómeno comum nos reinos peninsulares. Pode ver-se Casado Alonso, Hilario '
La propiedad rural de la oligarquía burgalesa en el siglo XV. inEn la España
medieval. Nº 6: La ciudad hispánica durante los siglos XIII al XVI (I)(1985),
pp. 581-596.
78
IANTT, Chancelaria de D. João I,Lº. 2, fl. 129v.
79
Sobre os comportamentos e práticas sociais dos ricos mercadores portugueses,
veja-se, globalmente, Coelho, Maria Helena da Cruz ' Clivagens e Equilíbrios
da Sociedade Portuguesa Quatrocentista. in Tempo. Revista do Departamento de
História da Universidade Federal Fluminense.Vol. 3, n.º 5 (1998), pp. 125-126.
A mimetização dos grupos nobiliárquicos é também patente entre os poderosos
mercadores Portuenses; veja-se Barros, Amândio Jorge Morais ' Oligarquia
Política e Elite económica no Porto dos séculos XV e XVI. in Estudos em
homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias. Vol. I. Porto: Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 49-70.
80
ADE, Misericórdia, Pergaminhos do Hospital de Jerusalém (n.º 62), fl. 98.
81
ADE, Misericórdia, Pergaminhos do Hospital de Jerusalém (n.º 62), fls. 52v,
53.
82
Garcia Fernandes Façanha: ADE, CME, Livro Primeiro de Pergaminho (n.º 67),
fls. LXXI; LXXIv; LXXII, nºs. 72-73, fls. LXXXIVv; LXXXV, nºs. 85v-86., fls.
LXXXVII, LXXXVIIv, n.º 88, 88v; Vasco Fernandes Façanha: ibidem, fls. LXIV,
LXIVv, nºs. 65-65v, 70-70v; fls. LXXV, LXXVv, LXXVI, LXXVIv, nºs. 76-77v.