Editorial
EDITORIAL
Editorial
José Mattoso*
*Universidade Nova de Lisboa, IEM – FCSH/NOVA, 1069-061, Lisboa, Portugal. E-
mail: iem.geral@fcsh.unl.pt
A revista Medievalista OnLine, fundada em 2005 para dar cumprimento a um
projecto vivamente acalentado pelo saudoso Prof. Luís Krus, conta já com
dezoito números e dez anos de existência, muitas dezenas de artigos originais,
algumas recensões críticas (não tantas quanto seria de desejar), muitas
informações variadas de carácter historiográfico, textos de homenagem a
reputados medievalistas portugueses e estrangeiros (alguns necrológios),
notícias de colóquios e encontros científicos, etc., etc.. Ao lado de textos de
historiadores com nome feito nos meios académicos nacionais e internacionais,
aparecem também artigos e contribuições de jovens investigadores que ousam
abrir o conhecimento da História explorando temas novos ou revisitando
problemas antigos.
Esta variedade deve-se em grande parte ao cumprimento de um objectivo muito
caro ao seu fundador, profundamente convencido de que um dos melhores caminhos
para aprofundar o estudo da História Medieval consistia em dar prioridade a
temas e questões interdisciplinares. Este caminho pode-se considerar, até certo
ponto, como resultado do alargamento, do aprofundamento e da interligação de
investigações esboçadas em Portugal ainda antes da década de 60 do século XX,
por especialistas da História literária medieval, da Filologia medieval, da
Crítica textual, da Arte medieval, etc.. Estas áreas têm-se renovado entre nós
desde os anos 80 do século passado, com a contribuição de estudos cada vez mais
especializados, como a liturgia medieval, a religiosidade, a proto-ciência
(astronomia, astrologia, magia, numerologia, etc.), a música sagrada e profana,
a arqueologia, as técnicas artesanais, a islamologia, a história militar, etc.,
etc. Por outro lado, as questões tradicionais foram também renovadas graças ao
concurso das ciências sociais, em primeiro lugar, da antropologia (disciplina
que sugeriu interrogações muito abrangentes a Marc Bloch, Duby, Jacques Le
Goff, Philippe Ariès ou Jean-Claude Schmitt), e que muitas vezes assumiu
premissas marxistas e estruturalistas. Estes contactos, como não podia deixar
de ser, exigiam o conhecimento de outras ciências sociais, isto é, a economia,
a demografia e a sociologia.
Actualmente a pluridisciplinaridade que se impõe nos estudos medievais continua
a alastrar, não tanto graças às vastas interrogações das Humanidades, como até
ao fim do milénio, mas em virtude da curiosidade suscitada pelos dados e
fenómenos micro, muitas vezes insignificantes em si mesmos, mas que requerem a
acumulação de um grande número de observações. Este tipo de recolha de dados,
praticada desde há mais tempo pela Arqueologia, inspirou as bases de dados de
todo o género, desde as prosopográficas às das variações dos preços, desde a
informação geográfica à fotografia aérea, desde as análises linguísticas às
aplicações laboratoriais da física, da química ou da biologia.
Há dez anos, quando apareceu o primeiro número da Medievalista, ainda este tipo
de métodos e pesquisas era raro entre nós. Mas a concepção interdisciplinar
proposta e estimulada por Luís Krus não tinha fronteiras. Queria abrir os
estudos medievais a todo o saber e a todos os métodos susceptíveis de alargar o
conhecimento da civilização europeia na época da sua formação. Queria
transmitir a sua insaciável curiosidade a jovens investigadores entusiasmados
pela descoberta de uma época cujos segredos parece não terem fim.
Ao proceder a um breve balanço do que a Medievalista tem realizado nestes dez
anos, para nos orientarmos face ao futuro, verificamos que o saldo positivo das
suas contribuições é já considerável. Parece-nos que a revista tem continuado a
dar corpo às ideias, intenções e originalidade que o seu fundador queria
imprimir-lhe, embora não tenha tido tempo de as explorar em todas as direcções.
Sem formalismo nem rigidez, contando mais com o entusiasmo dos que a têm
procurado do que com classificações oficiais, tem conquistado um lugar próprio
no ranking de publicações congéneres. Tem podido fazê-lo, como elemento
indispensável das actividades do Instituto de Estudos Medievais (IEM) da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e graças
ao apoio financeiro prestado pela FCT. O valor dos resultados obtidos acaba de
ser reconhecido pela FCT, ao atribuir ao IEM a classificação de « Muito Bom ».
Embora a dotação esperada nos pareça demasiado exígua para as nossas ambições,
vemos assim sancionada a orientação que seguimos.
O lugar alcançado só se poderá manter sistematizando os nossos programas,
renovando as nossas perspectivas, aprofundando as nossas investigações e
alargando o círculo dos nossos contactos. Passando o testemunho a um novo
Director, esperamos que ele e a sua equipa continuem a dar vida ao projecto que
Luís Krus concebeu mas do qual só pôde lançar as primeiras sementes.
Recordemos que a revista foi fundada em 2005, tendo como primeiro director o
Prof. Luís Krus, mas logo após a sua morte assumiu a direcção o Prof. Bernardo
Vasconcelos e Sousa até 2008. No ano seguinte o seu cargo foi-me entregue
nominalmente, mas a linha editorial manteve-se graças ao Prof. Bernardo de
Vasconcelos e Sousa, que continuou a assegurar o seu cumprimento com o título
de subdirector. Hoje, passados sete anos, já não se justifica esta solução
formal, destinada apenas a sancionar simbolicamente uma certa orientação
historiográfica que o legado de Luis Krus e as investigações em curso dos
membros do IEM implicavam. O lugar do Instituto está actualmente bem definido,
graças a um conjunto de projectos, colóquios, actividades docentes e toda a
espécie de iniciativas inovadoras no contexto português. A Medievalista insere-
se perfeitamente neste âmbito e constitui um complemento fundamental da
actividade do IEM. Tal como a própria direcção do Instituto, tem de renovar os
seus quadros, de definir as tarefas e responsabilidades dos seus membros, de
procurar novos contactos, de fazer novas experiências. Terminado o ciclo dos
seus primeiros dez anos de vida, é bom renovar os quadros directivos e assim
abrir o caminho à novidade e à diversidade, sempre fecundas e vivificantes.
Pela minha parte, só posso agradecer a empenhada e incansável colaboração que
os meus colegas sempre me ofereceram e que definiu a especial imagem de marca
da nossa revista. Quero apenas mencionar o nome que resume todas as ajudas que
recebi, e que por isso não posso deixar de referir: o Prof. Bernardo de
Vasconcelos e Sousa. Remeto-me ao silêncio, com toda a confiança na equipa que
em 2015 assume a tarefa de completar, aperfeiçoar e renovar o que com a maior
satisfação lhe entrego, convicto de que fica em boas mãos.
São Pedro do Estoril, 26 de Maio de 2015.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
MATTOSO, José – “Editorial”. Medievalista [Em linha]. Nº 18 (Julho – Dezembro
2015). [Consultado dd.mm.aa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA18/. ISSN 1646-740X.