Pervaporação: uma técnica de separação contínua não-cromatográfica
ii) membranas que se apresentam com estrutura densa não porosa; utilizadas em
processos de separação gasosa e pervaporação11,12.
Neste contexto, para o processo de pervaporação e separação gasosa, os mesmos
polímeros e a mesma morfologia da membrana podem ser empregados; a diferença
entre os dois fenômenos fica estabelecida pelo mecanismo de transporte, ou
seja, pela afinidade entre a permeação das moléculas e a membrana polimérica.
A pervaporação contínua separa, de forma seletiva, uma mistura usando
tipicamente uma membrana polimérica não porosa; a separação não é baseada na
volatilidade relativa como na destilação ou na evaporação, mas é fundamentada
na taxa relativa de permeação através da membrana11. Neste sentido, o modelo
mais aceito para o mecanismo de transporte da pervaporação é o da solução-
difusão, o qual pode ser dividido em quatro etapas: evaporação em um espaço de
ar, sorção pela membrana, difusão através da membrana e, finalmente, desorção
para a fase líquida.
A permeabilidade de um dado componente na mistura deve ser expressa como a
solubilidade (propriedade termodinâmica) e difusibilidade (propriedade
cinética) no polímero. Estes parâmetros são dependentes da concentração, e
estudos experimentais são essenciais para a determinação do rendimento da
separação e validação das variáveis do processo11.
De acordo com Hickey e colaboradores12, a eficiência do processo de
pervaporação é quantificada pelo fluxo e seletividade. Considerando uma mistura
binária de componentes A e B, o fluxo é definido como a razão da permeação e
pode ser expresso para o conjunto de permeado ou para cada componente:
Jt = fluxo total;
JA = fluxo do componente A;
JB = fluxo do componente B;
A dimensão deste parâmetro é massa/área.tempo (m/l2t, g/cm2s ou kg/m2h), e pode
ser medida conhecendo-se a massa do permeado, área da membrana e tempo de
medida. O fluxo pode também ser definido pela expressão fenomenológica:
Ji = - Li(Dmi)/G (1)
onde,
Li é o coeficiente fenomenológico, Dmi é o potencial químico atuante através da
membrana e G é a espessura da membrana.
A seletividade é a medida da eficiência de separação da membrana. É a razão da
fração de componentes A e B para o doador e o permeado:
aA,B = (gA/gB)/(cA/cB) (2)
onde,
gA e gB = fração (em massa) do componente A e B no doador;
cA e cB = fração (em massa) do componente A e B no permeado;
A equação (2) é usada para a permeação seletiva de A; valor de aA,B maior que a
unidade indica permeação seletiva de A sobre B e valor menor que a unidade
resulta em permeação seletiva de B sobre A. A seletividade é adimensional sendo
às vezes descrita como um fator de enriquecimento, b:
bA = gA/cA (3)
Os valores numéricos dos parâmetros a e b podem ser intercomparados pelas
equações 4 e 5:
a = [(1-c)/(1-bc)]b (4)
b= a/[1+ (a-1)c] (5)
Considerando o aspecto físico-químico, a é mais significativo que b. Este
último é usado quando existe a necessidade de se indicar o rendimento do
processo de pervaporação (expressa o fator de enriquecimento do processo).
Desde que o processo de pervaporação seleciona a espécie permeante em termos de
pressão de vapor, sais, açúcares e componentes com alta massa molecular, são
prontamente rejeitadas pela membrana nas condições de trabalho12. Este é um
aspecto de extrema importância nas aplicações analíticas.
Como apresentado por Huang11, é desejável em processos de pervaporação que
exista um filme polimérico que combine as características de alta permeação com
boa seletividade. Além disso, para se obter boas taxas de permeação e alto
valor de separação para uma mistura líquida, é essencial selecionar a membrana
mais apropriada assim como as melhores condições experimentais.
Características do módulo de pervaporação
Os elementos que compõem o módulo ou câmara de pervaporação estão representados
na figura_1.
O compartimento superior ou da solução receptora, refere-se à seção da câmara
onde o fluxo coletor é circulado. A espécie gasosa, contendo o analito, pode
ser transportada diretamente à detecção, por meio de um fluxo transportador
gasoso adequado ou pode ser absorvida pelo fluxo da solução receptora em fase
líquida. Durante o transporte, esta pode ser conduzida com ou sem uma reação de
derivatização. A presença de um reagente na solução receptora contribui tanto
para a melhoria da seletividade quanto para o incremento da sensibilidade,
através da criação de condições cinéticas mais favoráveis para a transferência
de massa.
O suporte da membrana, com espessura em geral igual a 1 mm, é o elemento
responsável pela sustentação do filme de separação; dependendo da necessidade,
pode também ser empregada uma rede de "nylon".
Os separadores de diferentes espessuras (2 a 10 mm) são posicionados entre o
suporte da membrana e o compartimento da solução doadora. Por meio destes,
pode-se promover e controlar diferentes níveis de diluição da amostra dentro da
câmara de pervaporação: para maior diluição, aumenta-se a distância entre o
suporte da membrana e o compartimento de amostra. Portanto, estes componentes
promovem a utilização de amostras sem diluições prévias (in natura).
No compartimento inferior ou da solução doadora, soluções de amostra in natura
são circuladas. Como o módulo de pervaporação está inserido em um banho
termostatizado, o incremento da temperatura auxilia no processo de evaporação e
difusão das espécies voláteis presentes nesta. Dependendo do processo químico
envolvido no sistema de separação gás-líquido, tem-se:
i) o analito sendo transformado em uma espécie volátil através de uma
reação química adequada antes da separação; como exemplo, citam-se o
dióxido de carbono, o dióxido de enxofre, o ácido cianídrico, o ácido
sulfídrico, entre outros;
ii) o analito é suficientemente volátil para ser separado da fase
líquida sob temperatura (sem reação). Neste caso, podem ser citados o
etanol, o ozônio e o gás cloro.
Reações enzimáticas podem, também, contribuir para a obtenção de espécies
voláteis; como exemplo, cita-se a determinação de uréia através da urease. Esta
pode ser imobilizada em microcápsulas, dentro do compartimento de amostra, ou
em reatores enzimáticos localizados antes da entrada do compartimento.
Hastes de alumínio e fixadores são empregados para auxiliar no posicionamento
dos diferentes elementos do módulo, bem como nas suas fixações (para evitar a
perda de espécies voláteis nos diversos pontos de "sanduíche", é
fundamental a utilização de graxa de silicone).
Os conectores são empregados para entrada e saída dos fluxos da solução
receptora e doadora, respectivamente.
A eficiência do processo de pervaporação pode ser incrementada a partir da
fixação das melhores condições experimentais (volume de amostra, característica
da membrana, temperatura, natureza e vazão da solução receptora, espessura dos
separadores, etc). A definição destas variáveis vai depender de cada situação
em particular, e vai contribuir para melhoria da seletividade e sensibilidade
do método analítico em questão.
Sistema de separação
A figura_2 apresenta o diagrama de um sistema FIA utilizado para separação pelo
processo de pervaporação.
Um volume definido de amostra (A) é injetado no fluxo da solução carregadora
(C2) que quando necessário, recebe o fluxo confluente de um reagente (R), para
transformar o analito em uma espécie volátil. A solução resultante é
transportada através de um reator helicoidal com o objetivo de promover melhor
homogeneização e tempo de reação. A partir daí, a espécie volátil é evaporada,
por algumas vezes, através do incremento da temperatura, sendo difundida pela
membrana de separação. A morfologia desta vai ser responsável, entre outras,
pelo grau de seletividade. A escolha da membrana mais apropriada é definida
pela espécie volátil que se deseja separar. A princípio, qualquer membrana
(politetrafluoretileno, polipropileno, silicone, celulose, etc.) pode ser usada
como unidade de separação.
O fluxo receptor (C1) pode ou não conter reagentes, isto vai depender do
analito e do sistema de detecção; esta definição deve contribuir, entre outras,
para a melhoria da sensibilidade do método.
Sistema de pré-concentração
A pré-concentração é uma das formas mais eficientes de se incrementar a
sensibilidade. Neste caso, podem ser citadas a utilização das minicolunas,
envolvendo uma reação química entre o analito e o trocador-iônico14,15, a
reação de precipitação com retenção da fase sólida em um filtro apropriado16 ou
ainda a formação de uma fase sólida na célula de detecção ou superfície de um
eletrodo17.
O sistema de pré-concentração fundamentado no processo de pervaporação tem
início quando o fluxo da solução receptora (C1, Fig._2) é parado por um período
pré-determinado18 ("stopped-flow"); nesta situação pode-se, também,
variar o fluxo da solução doadora (C2, Fig._2). Experimentos realizados9,
demonstram como se pode aumentar o sinal analítico alterando-se estas
variáveis.
Saliente-se que, como no processo de pervaporação, o volume injetado é da ordem
de 500 mL e 2 mL (capacidade máxima do compartimento de amostra), torna-se mais
conveniente a introdução destas alíquotas ser baseada em tempo18 ("time-
based").
Aplicações analíticas
Apesar do pequeno número de analitos que podem ser determinados através da
separação gás-líquido, o ganho em seletividade é, usualmente, tão significativo
que as técnicas relacionadas têm se desenvolvido com grande rapidez. Mesmo
considerando-se que métodos analíticos baseados no processo de pervaporação
sejam relativamente recentes9,10,18,19,20, experimentos preliminares realizados
indicaram resultados promissores para as seguintes aplicações:
a) biomédica (uréia em sangue);
b) ambiental (amônia/cianeto/tiocianato em efluentes industriais;
dióxido e óxido de nitrogênio em ar atmosférico);
c) agrícola (uréia em solos e fertilizantes);
d) petroquímica (ácido sulfídrico, dióxido de enxofre, tiocianato e
sulfato em petróleo; etanol/metanol em combustível automotivo);
e) industrial (etanol/acetona em meio fermentativo);
f) alimentícia (sulfito, dióxido de carbono, dióxido de enxofre e
etanol em vinhos de mesa9).
Acrescente-se a isto que a pervaporação já foi anteriormente empregada em
estudos de especiação de mercúrio em amostras sólidas22.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pervaporação demonstrou a viabilidade para implementar as operações
preliminares de um processo analítico, podendo ser explorada em uma variedade
de propostas. A possibilidade de acoplamento com qualquer sistema de detecção é
uma contribuição adicional à versatilidade da associação do sistema FIA/
pervaporação, permitindo adequar a metodologia à disponibilidade e/ou às
necessidades de cada caso.
A eficiência da transferência de massa da pervaporação é rápida e precisa,
apresentando-se de forma similar ou maior quando comparada àquelas conduzidas
por outras técnicas de separação baseadas em membranas (diálise ou difusão
gasosa). O rendimento do processo de pervaporação pode ser facilmente
manipulado através das alterações das condições experimentais, aumentando o
intervalo de concentração do analito no fluxo da solução receptora.
Esta técnica, representa uma alternativa para solucionar problemas inerentes à
manipulação de amostras complexas. Como não existe o contato entre a solução da
amostra e a membrana, e a espécie permeante é selecionada em termos de pressão
de vapor, a pervaporação pode ser empregada com êxito para a determinação de
espécies químicas (voláteis ou não) em amostras complexas, heterogêneas,
envolvendo fases imiscíveis, sólidos em suspensão, etc. Além disso, oferece
condições para que as análises sejam realizadas empregando-se amostras sem
diluições prévias (in natura).
Como tendência mais pronunciada, pode ser citada a imobilização de enzimas nas
membranas poliméricas, contribuindo para incrementação da seletividade. Neste
sentido, as determinações amperométricas e/ou potenciométricas (empregando-se
eletrodos tubulares) podem contribuir para aumento de sensibilidade analítica.
A pervaporação é uma proposta simples em concepção e aplicação e, sem dúvida,
aumentará a capacidade dos laboratórios de análises de rotina. Também, poderá
ser de grande utilidade na área biotecnológica com o monitoramento contínuo dos
processos industriais.