Nova rota de preparação do 2-cloro-1,3,2-dioxofosfolana e 2-cloro-4,5-benzo-
1,3,2-dioxofosfolana e caracterização por espectroscopia de RMN multinuclear
2.1. Síntese do 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana (1)
O composto 1 pode ser considerado como sendo um glicol clorofosfito. Sua
nomenclatura é feita com base no "The Ring Index"1e nas regras de
nomenclatura da IUPAC2, porém outros nomes são encontrados na literatura tais
como etilenofosforoclorideto3,4, éster etilênico cíclico do ácido
clorofosforoso5 e etilenoclorofosfito6,7. A preparação de 1 envolve a ação do
tricloreto de fósforo sobre o etileno glicol. O 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana é
um líquido viscoso incolor, que exibe características químicas usuais dos
haletos de acila tais como fumegar em contato com o ar e reagir rapidamente com
água, álcoois e aminas (primárias e secundárias).
O átomo de cloro em 1 é facilmente substituído devido à alta reatividade desse
tipo de composto (substituicão por OH, OR e NR2).
De acordo com Lucas et al.8, são obtidos melhores resultados na sua preparação
de 1 quando as soluções dos reagentes são adicionadas na parte superior de um
funil de adição inclinado em um balão permitindo que reajam entre si antes de
entrarem por completo no balão onde a reação acontecerá. Esse procedimento
elimina largamente a principal reação lateral de formação de um polímero no
qual o átomo de fósforo age como um elo entre moléculas de glicol como o
composto 3 ou algum isômero.
Outras condições necessárias são a rápida remoção do ácido clorídrico do
sistema e o uso de reagentes purificados recentemente, em particular o
clorofórmio usado como solvente. Foi verificado que a atenção a estes detalhes
melhora o rendimento de 30 para 65%. Haake et al.9, observam o fato de obterem
melhores rendimentos conduzindo a destilação à temperaturas moderadas (70-
80oC). Entretanto a utilização desta técnica não mostrou-se satisfatória.
Observou-se a formação de um gel amarelo claro, provavelmente um material
polimérico do qual não se obtinha o produto 1 ao final da destilação.
Decidiu-se então realizar a reação na ausência de solvente. Notou-se que
durante o refluxo, quanto mais alta a temperatura, maior era a formação de um
resíduo amarelo. Portanto, manteve-se a temperatura na faixa de 60-70oC.
Após a destilação, o composto 1 deve ser guardado e manuseado sob atmosfera
inerte e mantido à temperaturas abaixo de 0oC. Estes procedimentos fazem com
que ele se mantenha estável por um período maior.
Quando 1apresentar coloração amarelada, deve ser submetido a uma destilação a
pressão reduzida na faixa de temperatura de 60-70oC. A sua utilização com
coloração amarelada como ligante, provoca o aparecimento de diversos
subprodutos.
2.2. Síntese do 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana (2)
O composto 2, assim como 1, é um glicol clorofosfito. Sua nomenclatura1,2 segue
os mesmos padrões de 1. Apesar da nomenclatura mais correta ser a utilizada,
encontram-se diversos nomes para 2 (assim como para 1) o fenilenoclorofosfito3,
pirocatecolclorofosfito10,11, pirocatecolfosforocloridito12,13 e o-
fenilenofosforocloridito14.
O 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana é preparado de maneira análoga a 1, ou
seja, em ausência de solvente. Crofts et al.14, tentaram sintetizar 2 com um
solvente orgânico usual, por exemplo éter etílico, porém houve a formação de
uma mistura com vários produtos e de difícil separação.
A reação de catecol com tricloreto de fósforo em éter etílico fornece uma
mistura de três produtos, 2, 4 e 5.
Porém, quando a reação é feita em presença de água o produto principal é o 2,
com rendimento em torno de 90-95%. A adição de água pode ser feita no começo ou
durante a reação, pois em presença de água 4 e 5 originam 2.
Na ausência de água, 4 e 5 fornecem 2 somente à temperatura de 160oC. Acredita-
se que a água catalise a reação através da ativação do tricloreto de fósforo,
formando a espécie hipotética PCl3(OH)H15,16, porém ainda não se conhece o seu
mecanismo de atuação. Metanol, etanol e propanol também catalisam a reação,
porém de maneira menos eficaz que a água. O PCl5 também deveria funcionar como
catalisador, entretanto é inativo, devido provavelmente à estabilidade do PCl5
sob as condições de reação utilizadas, não ocorrendo dissociação em PCl3e Cl2.
A reação pode ser realizada sem o auxílio catalítico de água com melhores
rendimentos que as tentativas com solventes, mas em condições consideravelmente
mais energéticas - 70% de 2 após 10 horas de refluxo à temperatura de 160oC em
6 mol de PCl3. Quando a reação tem como solvente benzeno ou xileno, o produto
principal é o 5, que em presença de água fornece 2 com 90% de rendimento.
Novamente aqui, a água não é essencial, porém para obtenção de 2 com o mesmo
rendimento, são necessárias 8 horas de aquecimento à 160oC em tubos selados17.
O 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana (2) também exibe características
químicas usuais dos haletos de acila, porém demonstra ser consideravelmente
menos reativo que 1. O composto possui ponto de fusão de 30oC e, por isso, pode
ser conservado à frio por um longo período em atmosfera inerte. Enquanto
sólido, forma uma massa cristalina que para ser utilizada deve ser aquecida
para fusão, tomando-se o cuidado de aquecer o instrumento que irá retirá-lo
(seringa, pipeta ou outro) para que não se solidifique no seu interior.
Assim como 1, o composto 2 também pode sofrer reações de polimerização,
formando estruturas como 8 ou 9 ou algum isômero18.
3. - ESTUDOS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA MULTINUCLEAR DE 1H, 13C{1H} E 31P{1H}
3.1. 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana (1)
3.1.1. RMN de 1H
O espectro de RMN de hidrogênio de 1 (Figura_5) apresenta um singleto largo não
resolvido em d 4,34. Este sinal é confirmado por Haake et al.9, que citam ainda
que a baixa temperatura o sinal se desdobra em dois. Fontal e Goldwhite19,
também observaram comportamento similar para derivados tetrametilados de 1.
Isto se deve a um processo fluxional envolvendo uma oscilação do átomo de cloro
entre as posições equatorial e axial resultando em uma inversão no átomo de
fósforo20.
Assumindo que dados de infravermelho de etilenosulfitos e dados conformacionais
de sulfóxidos e sulfitos podem ser aplicados aos fosfitos, Haake et al.9
concluem que 11 é a conformação mais estável. Para que as constantes de
acoplamento ficassem de acordo com os valores obtidos no espectro, é sugerida
uma nova conformação possuindo um ângulo diedro O-C-C-O da ordem de 30o, como
mostrado na figura_7.
Devido à esse ângulo diedro que facilita a ocorrência do processo fluxional, o
espectro apresenta na realidade um sistema de spin do tipo AA'BB' e não A2B2
como a princípio pensava-se.
3.1.2. RMN de 13C{1H}
O espectro de RMN de 13C (Figura_8) apresenta um dupleto (d 65,02) resultado do
acoplamento dos átomos de carbono (que são química e magneticamente
equivalentes) com o átomo de fósforo 2JP-C= 8,7 Hz. O deslocamento químico
encontrado para o carbono está de acordo com o deslocamento químico encontrado
para compostos análogos (ésteres cíclicos)21,22.
3.1.3. RMN de 31P{1H}
O espectro de RMN de fósforo (Figura_9) do 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana fornece
apenas um sinal em d167,49 referente ao único átomo de fósforo presente na
molécula. Apesar de não existirem dados sobre estudos espectroscópicos de RMN
de31P{1H} de 1 disponíveis na literatura, o deslocamento químico encontrado é
condizente com dados para compostos similares23.
3.2. - 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana (2)
3.2.1. RMN de 1H
O espectro de RMN de 1H(Figura_10)apresenta-se como dois multipletos (como
seria de se esperar para um sistema do tipo AA'BB') em d 7,21-7,26 para os
hidrogênios HA e d 7,09-7,14 para os hidrogênios HB.
Devido à complexidade apresentada pelo espectro de RMN de 1H, somente foi
possível sua total elucidação através da sua simulação utilizando o programa
PANIC versão 850501 (Figura_11). Com as informações obtidas nesta simulação
pode-se confirmar o sistema de spin da molécula como AA'BB'X (A,A',B,B'=1H;
X=31P) sendo seu espectro de RMN de 1H de segunda ordem.
Os valores para os deslocamentos químicos e constantes de acoplamento obtidos
na simulação do espectro e os encontrados por Ernst e Licoln24 também através
de simulação com o programa LAOCOON III estão listados na tabela_1.
3.2.2. RMN de 13C{1H}
O espectro de RMN de 13C{1H} (Figura_13) de 2 apresenta três sinais, um dupleto
para os carbonos CA, um singleto para os CB e outro para os CC, já que são
química e magneticamente equivalentes dois a dois (Figura_14).
Os carbonos CA estão mais desblindados e, por isso, seu deslocamento é o que
aparece em d 144,08 no espectro, dentro da região de carbonos aromáticos. Como
esperado, o sinal para CA aparece como um dupleto mostrando uma constante de
acoplamento com o fósforo 2JC-P no valor de 7,5 Hz. Já os singletos para CB e
Cc, que estão mais distantes do átomo de fósforo, não se desdobram.
Os deslocamentos químicos dos carbonos e o valor da constante2JC-P são
encontrados na tabela_2 e estão de acordo com os dados para compostos análogos.
3.2.3. RMN 31P{1H}
Assim como em 1, o espectro de RMN de31P{1H} de 2 (Figura_15) apresenta apenas
um singleto em d 173,46 devido ao único átomo de fósforo existente na molécula.
O valor do deslocamento químico para o fósforo em 2 está de acordo com valores
encontrados na literatura18.
4. PARTE EXPERIMENTAL
4.1. Instrumentação
Os espectros de RMN foram realizados utilizando-se os aparelhos Brucker AC 80,
AVANCE DRX 400, operando nas frequências mostradas na tabela_3.
4.2. Síntese do 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana (1)
A tricloreto de fósforo destilado recentemente (572 mmol; 78,50 g) resfriado à
0oC, foi adicionado lentamente etileno glicol destilado recentemente (143 mmol;
8,90 g) . A mistura resultante foi mantida sob agitação por 90 minutos. Após
este tempo a mistura foi deixada em refluxo (60-70oC) por 8 horas para remoção
do cloreto de hidrogênio formado. O produto amarelo foi então destilado
utilizando-se uma coluna de vigreaux na montagem. A primeira fração recolhida
(líquida, incolor e instável) demonstrou ser tricloreto de fósforo. Da mistura
restante, foi feito uma nova destilação porém à pressão reduzida, utilizando-se
a linha de vácuo, na faixa de temperatura de 60-70oC. A segunda fração
recolhida, líquida, incolor e instável, demonstrou através de rmn de31P{1H},
ser o 2-cloro-1,3,2-dioxafosfolana. O rendimento foi de 66% (8,4 mL, 11,94 g).
RMN 1H (400,1 MHz, CDCl3): d 4,34 (sl, 4H, 2CH2); RMN 13C{1H} (100,6 MHz,
CDCl3): d 65,02 (d, 2C, 2CH2), 2JPC= 8,7 Hz; RMN 31P{1H} (32,4 MHz, CDCl3): d
167,5 (s).
4.3. - Síntese do 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana (2)
Ao catecol (5,00 g; 45 mmol) foi adicionado água destilada (0,10 mL; 56 mmol) e
tricloreto de fósforo recentemente destilado (9,42 g; 69 mmol). Esta mistura
foi deixada sob agitação por 1 hora. Após este período foi adicionada uma nova
alíquota de tricloreto de fósforo (3,93 g; 29 mmol) e a agitação foi mantida
por mais 3 horas com aquecimento (60-70oC). Formou-se um óleo de coloração
amarela junto com o líquido incolor. A mistura resultante foi então transferida
para outro balão onde foi realizada uma nova destilação à pressão reduzida na
faixa de temperatura de 60-70oC. O 2-cloro-4,5-benzo-1,3,2-dioxafosfolana,
sólido e instável, foi recolhido em gelo.O rendimento foi de 89% (4,8 mL, 7,04
g)
RMN 1H (400,1 MHz, CDCl3, 25oC): dHA 7,21-7,26 (m, 2H, C6H4), dHB 7,09-7,14 (m,
2H, C6H4), 3JAB=3JA'B' = 8,13; 4JA'B=4JAB' = 1,75; 4JAP=4JA'P = 0,81; 3JBB'=
7,85; 5JAA'= 0,41; RMN 13C{1H} (100.6 MHz, CDCl3, 25oC): d CA 144,08 (s, 2C), d
CB 124,14 (s, 2C), d CC 113,90 (s, 2C), 2JC-P = 7,45 Hz; RMN 31P{1H} 32,4 MHz,
CDCl3, 25oC): d 173,5 (s).
CONCLUSÕES
A utilização desta nova técnica na síntese de 1 e 2 mostrou diversas vantagens
sobre as descritas na literatura:
1 - a técnica usada na preparação de 1 demonstrou ser muito mais fácil de se
controlar, uma das razões é sendo a não utilização de nenhum aparato especial
(vidraria);
2 - Os rendimentos foram satisfatórios sendo que o de 1 teve um considerável
aumento enquanto que o de 2 manteve-se equivalente;
3 - O tempo de reação em 1 foi aumentado devido à diminuição da temperatura do
refluxo;
4 - Ao final da síntese de 2, antes de proceder à destilação, a troca de balão
aumenta muito o rendimento na destilação.
O composto 1 possui caráter fluxional que faz com que o espectro de RMN de 1H a
temperatura ambiente apresente um singleto, e que somente à temperaturas mais
baixas pode-se observar desdobramento.
O espectro de RMN de 1H do ligante 2 apresenta um sistema de spin AA'BB'X onde
AA'BB' são núcleos de hidrogênio e X é o núcleo de fósforo. A observação desse
sistema completo nos espectros de RMN de 1H somente é possível em casos
favoráveis (devido à concentração da amostra) e sua confirmação só é possível
através de simulação do espectro25.