EDITORIAL
A já complicada questão da Saúde no Brasil vem sendo, ainda, agudizada pelas
recentes fraudes e falsificações de medicamentos, amplamente noticiadas pela
mídia. Tão assustadora e lamentável situação, determinou diversas ações
emergenciais do governo, na tentativa de atenuar sua repercussão, gravíssima em
qualquer contexto, e mormente indesejável em ano eleitoral, em que ele próprio,
governo, é um dos atores do cenário da reeleição.
Os medicamentos industrializados, comercializados no País, são em sua grande
maioria produzidos por indústrias farmacêuticas transnacionais, num mercado de
aproximadamente 10 bilhões de dólares anuais, dos quais apenas 15%, adotando um
cálculo otimista, tem a ver com o parque industrial farmacêutico brasileiro.
Logo evidencia-se ser o Brasil um atraente mercado consumidor de medicamentos ¾
hoje avaliado como o sexto do mundo ¾ não obstante ter reduzido o gasto per
capita em relação aos principais mercados devido, entre outros fatores, ao
reduzido acesso que a maior parte da população tem a estes produtos.
Considerado "bem de consumo" é adquirido pelo usuário-consumidor sem
nenhum subsídio, contrastando, assim, com países desenvolvidos em que o
medicamento, integrado à política de saúde global, é subsidiado pelos sistemas
de seguridade social, especialmente na CE. Esta triste realidade agrava-se pela
falência da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS)
que, vítima de um sucateamento ao longo do tempo, não está aparelhada, quer em
termos de recursos humanos, quer em meios técnicos, para zelar pela qualidade
dos medicamentos, utilizados no País por aqueles poucos que, ainda, tem poder
aquisitivo para tanto. Se comparada ao Federal Drug Administration (FDA), órgão
equivalente nos EUA, a SVS não passa de triste sombra. Tal situação faz do
brasileiro refém da indústria farmacêutica e da vileza de pseudo-empresários
falsificadores de medicamentos. Uma vez que a maioria dos medicamentos é de
origem sintética (cerca de 85%), cujos princípios ativos representam
substâncias orgânicas puras, a verificação da pureza, realizada por técnicas de
Química Analítica aplicadas à análise orgânica, vem evoluindo continuamente,
acompanhando assim, par e passo o desenvolvimento e descobertas da indústria
farmacêutica. Cada vez mais são identificados novos e mais seletivos fármacos,
estruturalmente mais complexos e não raro, oticamente ativos, representados por
apenas um enântiomero. Tal evolução tem implicações diretas sobre as técnicas
de controle de qualidade empregadas rotineiramente. Técnicas tais como a HLPC
são hoje, correntemente utilizadas, inclusive na detecção e dosagem do eutomêro
(enantiomêro ativo de um fármaco quiral) presente nas formulações finais
destinadas ao mercado. Desta forma, a nova realidade impóe contínua atualização
do profissional da área, aparelhamento e capacitação das instituições de ensino
e pesquisa, responsáveis pela formação profissional, bem como da própria SVS.
Cabe a SBQ - Sociedade Brasileira de Química,enquanto organização não-
governamental de perfil acadêmico-científico, cujo corpo social está direta e
indiretamente envolvido nesta questão (a relação da Química com a Saúde, em
geral, passa pelos fármacos) criar fóruns e canais de discussão visando à
instauração e ao amadurecimento de reflexões que, conseqüentemente, venham a se
constituir em uma contribuição efetiva de nossa comunidade à grave questão
abordada. Salvo melhor juízo, um ponto de partida neste processo passa,
especialmente, pela conveniência ou não de remodelação da SVS, separando-se a
parte propriamente do medicamento, a ser tratada por profissionais
qualificados, especialistas, senão pós-graduados, daquelas outras que a SVS
tem, até por razões de sua própria definição, o dever de fiscalizar.
Oswaldo L. Alves - Presidente da SBQ
Eliezer J. Barreiro - Editor da QN
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