Triterpenos isolados de Eschweilera longipes miers (Lecythidaceae)
INTRODUÇÃO
A família Lecythidaceae é constituída de 25 gêneros e 400 espécies que ocorrem
na forma de árvores, com uma distribuição pantropical1.
Alguns constituintes com atividade farmacológica têm sido isolados de espécies
desta família e, por isso, devem-se desenvolver estudos fitoquímicos e
farmacológicos de espécies de Lecythidaceae. Os trabalhos relacionados com
estudo químico de espécies desta família conduziram a identificação de
triterpenos pentacíclicos, saponinas, ácido elágico e alcalóides do tipo indolo
[2,1-b]quinazolínicos2-6.
Espécies do gênero Eschweilera ocorrem frequentemente no norte e nordeste do
Brasil e são usadas na indústria madeireira, em obras, em cercas e como
combustível doméstico. Além das comunicações sobre estudo químico de E.
ovata7a, E. rabeliana7b e E. longipes7c, há apenas uma publicação relacionada
com a química deste gênero que revela a presença de triterpenos pentacíclicos
nas cascas e folhas de E. rabeliana8. O presente trabalho vem ampliar o
conhecimento sobre a composição química deste gênero e portanto da família
Lecythidaceae.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Fracionamento cromatográfico e purificação por cristalização de frações dos
extratos das cascas e folhas de E. longipes conduziram ao isolamento e a
identificação de quatorze terpenóides. As substâncias 3, 4, 7-14 estão sendo
identificadas pela primeira vez neste gênero.
A identificação das substâncias isoladas foi feita através da análise dos
espectros de IV, RMN 1H e RMN 13C envolvendo comparação com dados da
literatura. A feição dos espectros de RMN 1H permitiu identificar três classes
distintas das substâncias: 1-8, 13e14(triterpenos pentacíclicos), 9 e 10
(esteróides) e dois cromanóis (11-12). A comparação dos espectros de RMN 13C
totalmente desacoplado (PND) e RMN 13C-DEPT (q =90o e q = 135o) permitiu
identificar o número de carbonos metílicos, metilênicos e metínicos. Os sinais
restantes do espectro PND foram identificados como representantes dos carbonos
quaternários. Com base nesses dados obtidos, na aplicação da metodologia de
Olea e col.9 e na correlação dos valores das frequências dos sinais de alguns
carbonos funcionalizados (carbonos carbonílicos, metínicos carbinólicos e
olefínicos) foi possível classificar os triterpenos 1 e 2 na série fridelano,
3, 5 e 7 na série urseno e 4, 6 e 8 na série oleaneno11,12.
O triterpeno 1 apresentou sinal de estiramento de carbonila em 1715 cm-1(nC=O)
no espectro IV. O espectro de RMN 13C apresentou sinal de carbono carbonílico
em 214,50 ppm e um sinal de um grupo metila em 6,40 ppm protegido pelo efeito g
do oxigênio da carbonila. O triterpeno 2 apresentou absorção em 3500 cm-1(nO-H)
e 1100 (nC-O) no espectro IV. O espectro de RMN 13C mostrou, entre outros, um
sinal em 72,10 ppm, que corresponde ao deslocamento químico de um carbono
carbinólico, compatível com o sinal em 3,70 ppm (m) revelado no espectro de RMN
1H. A comparação dos valores de deslocamentos químicos dos carbonos de 1 e 2
(Tabela-1) com valores registrados na literatura para a fridelina e o
fridelinol10-14 permitiu identificar estes triterpenos como 3-oxo-fridelano
(fridelina) e 3b-hidroxi-fridelano (fridelinol).
O espectro no IV da mistura de 3 e 4 apresentou as bandas de carbonila de éster
conjugado (1725 cm-1) e do sistema aromático (1600 e 1500 cm-1). O espectro de
RMN 1H apresentou dois dubletos em 6,44 e 7,65 ppm (J = 16,0 Hz) e dois
multipletos em 7,37 ppm (3H) e 7,52 ppm (2H). Estes dados estão compatíveis com
a unidade cinamoila que foi confirmada pelos valores de deslocamentos químicos
no espectro de RMN 13C (dC: 166,70 e 134,40; dCH: 144,20, 130,00, 128,70,
127,90 e 118,70 ppm). O multipleto em 4,65 ppm presente no espectro de RMN 1H e
o sinal em 80,60 ppm no espectro de RMN 13C foram atribuídos ao CH-3 da unidade
terpênica ligada ao grupo cinamoila. Os sinais observados no espectro de RMN
13C na região de carbono sp2(dC: 146,00 e 140,00 ppm; dCH: 124,20 e 122,20 ppm)
permitiram classificá-los nas séries: urseno (C-13: dC 140,00 ppm; C-12: dCH
124,20 ppm), que aparece em maior percentagem, e oleaneno (C-13: dC 146,00 ppm;
C-12: dCH 122,20 ppm)2,3,9-13. Os sinais em 5,13 ppm e 5,15 ppm presentes no
espectro de RMN 1H correspondem aos hidrogênios olefínicos em C-12. Após esta
análise, compararam-se os dados registrados na literatura para a a-
amirina11,15-17 e para o cinamato de b-amirina (4)18,19. Esta comparação
permitiu identificar os constituintes da mistura como cinamato de a-amirina (3)
e cinamato de b-amirina (4) (Tabela-1). Os deslocamentos químicos dos carbonos
de 3 não foram encontrados na literatura11,20.
A mistura de 5e6 apresentou absorções de nOH(3500 cm-1) e nC=C(1657 cm-1) no
espectro IV. O espectro de RMN 1H desta mistura apresentou sinais de prótons
olefínicos (5,10 ppm; m), de prótons carbinólicos (3,20 ppm; dd; J=10,0 e 6,0
Hz) e a feição dos sinais entre 1,05 e 0,77 ppm foi semelhante à da mistura de
3e4. Os sinais dos carbonos olefínicos (C-12 e C-13) no espectro de RMN 13C (d
145,20; 139,60; 124,40 e 121,60 ppm), de carbono carbinólico (C-3, 79,60 ppm) e
as observações citadas acima permitiram identificar as estruturas da a- e b-
amirina para as substâncias 5 e 6. Os deslocamentos químicos dos demais
carbonos foram semelhantes aos dados de 3+4 e aos valores registrados na
literatura11,16-18 para as substâncias não aciladas (Tabela-1).
Os triterpenos 7e8 foram identificados como constituintes de uma mistura com
base nos dados de RMN 1H [5,10 ppm (m), 2,50-2,20 ppm (m) e sinais de grupos
metílicos entre 1,11-0,76 ppm]. A principal diferença observada na comparação
dos espectros de RMN 13C de 7+8 e 5+6 deve-se à presença do sinal em dC 217,90
ppm (7+8) e na ausência do sinal 79,60 ppm. A maior intensidade do par de
sinais dC 139,70/124,20 sugere uma maior percentagem de 7 onde o C-13 encontra-
se protegido pelo efeitog exercido pelo grupo metílico ligado ao C-19. A
comparação dos deslocamentos químicos dos carbonos das substâncias desta
mistura com os valores descritos na literatura para a- e b-amirenona9,11,21,22
e com os dados obtidos para os triterpenos 5 e 6 (Tabela-1) permitiram definir
as estruturas de 7+8 como 3-oxo-ursa-12(13)-eno (7) e 3-oxo-olean-12(13)-eno
(8)22. Trabalhos publicados em revista nacional registraram os dados de RMN 13C
destas substâncias. Entretando estes dados não são citados nas revisões
publicadas recentemente sobre triterpenos pentacíclicos11 e não constam,
também, no dicionário de produtos naturais20.
A mistura dos esteróides 9e10 foi identificada através dos sinais presentes no
espectro de RMN 1H em dH 0,62 (s), 1,05 (s), 0,74-0,98 (m) correspondentes a
absorção de grupos metílicos de esteróides, de um multipleto em dH 3,49 ppm (H-
3) e dos sinais em dH 5,10 (m, H-22 e H-23, 10) e dH 5,50[dl, H-6 (9+10) de
prótons olefínicos. Estes dados, aliados à análise do espectro de RMN 13C da
mistura e comparação com dados da literatura23, permitiram identificar as
estruturas do b-sitosterol (9) e do estigmasterol (10). A percentagem relativa
(1:1) entre os componentes na mistura foi deduzida através da análise da
integração dos sinais dos prótons olefínicos, da mesma forma divulgada na
literatura23.
Os espectro de RMN 1H das frações contendo a mistura de 11e12 apresentou os
sinais em 0,83 ppm (d, 6,4 Hz), 1,22ppm (s), 1,96-2,2 ppm (m) e 2,2 ppm (s).
Estes sinais são semelhantes aos espectros do a-tocoferol (11)24. Os espectros
de RMN 13C(PND e DEPT) apresentaram sinais de carbonos metílicos (dCH3: 11,7;
11,8; 12,0; 19,2; 22,7; 22,7 e 23,6 ppm), carbonos metilênicos (dCH2: 41,4;
39,3; 37,4; 31,4; 24,8; 24,5; 22,6; 21,0 e 21,0 ppm), metínicos (dCH: 27,9,
32,7, 32,8 ppm) e carbonos quaternários (dC: 145,2; 144,4; 122,4; 122,2; 121,8;
115,7; 115,3; 114,9 e 74,6 ppm) semelhantes ao espectro da amostra autêntica da
vitamina E e aos valores da literatura25. Os demais sinais presentes no
espectro de RMN 1H como os de grupos metílicos ligados aos carbonos sp2(1,56;
1,58; 1,66; s), de prótons olefínicos [5,30 e 5,07 (m)] em conjunto com outros
sinais de carbonos sp2-metínicos (124,0; 124,1) e quaternários (135,2; 131,0)
no espectro de RMN 13C (PND e DEPT) (Tabela-1) estão de acordo com os dados
espectrométricos do tocotrienol (12)25,26.
Os triterpenos 13 e 14 foram identificados através da análise dos espectros de
RMN 1H e 13C(PND e DEPT) da mistura contendo apenas os dois componentes. Os
sinais presentes no espectro de RMN 1H em 3,70 ppm(sl), 4,56(s) e 4,65(s) e
1,67 ppm(s) foram atribuídos, respectivamente, aos prótons H-3, H-29a e H-29b e
H-30 do lupeol e os sinais em 3,70 (sl), 4,35 (s) e 4,40 ppm (s) foram
atribuídos, respectivamente, aos prótons H-3, H-29a e H-29b do taraxasterol. Os
sinais presentes no espectro de RMN 13C [dCH2: 109,1 (13), 106,1 (14); dC:
153,1 (13) e 156,0 (14); dCH: 75,0 (13 e 14)] e os demais sinais foram
comparados com os valores registrados na literaturapara o lupeol, taraxasterol
e derivados destes triterpenos com configuração 3-a-hidroxi11,14. Esta
comparação permitiu verificar que o valor 75,0 ppm é compatível com grupo HO-
3 em alfa exercendo efeito g de proteção sobre os carbonos C-1 e C-5. Estas
informações permitiram propor a estrutura do 3-a-hidroxi-lupeol para 13 e 3-a-
hidroxi-taraxasterol para 14 cujos deslocamentos químicos dos átomos de
carbono-13 estão sendo registrados pela primeira vez na literatura (Tabela-1).
PARTE EXPERIMENTAL
Procedimentos experimentais gerais. Os pontos de fusão (PF) foram deteminados
em aparelho Kofler e não foram corrigidos. Os espectros na região do IV foram
obtidos em um espectrômetro Perkin-Elmer modelo 1420, em pastilha de KBr. Os
espectros de RMN foram registrados em instrumento AC-200 (1H: 200.13 MHz e 13C:
50.3 MHz) da Bruker, usando-se CDCl3 como solvente e TMS como referência
interna. Nas separações cromatográficas em coluna e camada fina analítica e
preparativa usou-se gel de sílica da Aldrich ou Merck com granulação adequada.
As placas cromatográficas foram reveladas com luz UV (254 nm) e vapores de
iodo.
Material vegetal. O espécimen de E. longipes utilizado neste estudo foi
coletado no estado do Amapá, no mês de maio de 1991, e foi identificado pelo
botânico Benedito Vitor Rabelo. Uma excicata (no 00358) encontra-se arquivada
no Herbário Amapaense do Museu Angelo Moreira da Costa Lima-IEPA, Macapá,
Amapá, Brasil.
Extração e isolamento dos constituintes químicos. As cascas (1,2 kg) e folhas
(0,7 kg) da planta foram secas, moídas e submetidas a extração com solventes
orgânicos através de maceração a frio. As soluções foram concentradas em
evaporador rotativo sob vácuo. Obtiveram-se os resíduos dos extratos hexânicos
das cascas (ELCH: 8,8 g) e das folhas (ELFH: 2,1 g). O extrato ELCH foi
cristalizado em hexano e uma porção do material sólido foi separada por
filtração sob vácuo e fracionada através de cromatografia em camada preparativa
centrífuga (chromatotron) usando hexano/acetato de etila (8:2) como eluente.
Por este procedimento obtiveram-se 1(92,0 mg), 2(65,0 mg) e uma mistura de 3+4
(150,0 mg). As frações intermediárias eram constituídas de mistura destes
componentes. A água mãe foi concentrada sob vácuo e o resíduo foi fracionado em
coluna de sílica gel, usando diclorometano como eluente inicial e alterando-se
a polaridade com metanol até metanol puro. Recolheram-se desta coluna 307
frações de 5 ml cada uma que foram analisadas através de cromatografia em
camada fina e reunidas em grupos de frações. As primeiras frações eram
constituídas de um material oleoso, amarelo alaranjado, cuja análise por RMN 1H
e 13C revelou uma mistura de 11+12(50,0 mg) e as seguintes eram constituídas
deste óleo e material cristalino. As frações que continham maior quantidade de
material foram recristalizadas em metanol e o produto cristalino foi filtrado
em gel de sílica usando diclorometano/acetato de etila (9:1) como eluente
fornecendo, além de uma mistura de ésteres de triterpenos, a mistura de b-
sitosterol e estigmasterol (9+10; PF: 134-36oC; 53,0 mg). As últimas frações da
coluna continham material cristalino e, também, foram fracionadas através de
cromatografia em coluna e camada preparativa usando como eluente diclorometano,
acetato de etila e metanol em diferentes proporções. As frações foram então
recristalizadas e os cristais analisados através de espectro de RMN 1H e 13C.
Os constituintes foram identificados como uma mistura dos epímeros do lupeol e
taraxasterol (13+14, 50.0 mg), fridelinol (2; PF: 360-62oC; 130,0 mg) e a
mistura de cinamato de a- + b-amirina (3+4; PF: 171-73oC; 130,0 mg).
O extrato hexânico das folhas (1,83 g) foi fracionado em coluna de gel de
sílica, usando-se diclorometano como eluente inicial e aumentando-se a
polariadade com acetato de etila e metanol até metanol puro. Recolheram-se 181
frações de 10 ml cada uma que foram analisadas através de cromatografia em
camada fina e reunidas em 10 grupos de frações. Estas foram submetidas a
processos de purificação através de cromatografia em camada preparativa normal
e/ou centrífuga e cristalização. As frações foram analisadas através de
espectros IV e RMN 1H e 13C. Destes processos foram identificadas misturas de
hidrocarbonetos alifáticos, álcoois alifáticos, a mistura dos triterpenos a- +
b-amirina (5+6; PF: 171-173oC, 260,0 mg) e a mistura de a- + b-amirenona (7+8;
PF: 101-103oC, 136,0 mg).