Estimativa da entalpia reticular de adutos (DM Hm o ) utilizando-se formas
modificadas da equação de Kapustinskii
INTRODUÇÃO
A energia do retículo cristalino de um composto iônico, é definida como a
energia liberada quando os íons separados a uma distância infinita são
aproximados para formar um cristal1,2: M+2(g) + 2X-(g)=MX2(cr), onde M e
Xseriam um metal e um halogênio, sendo MX2 um haleto metálico.
Kapustinskii3, observou que, se as constantes de Madelung para uma série de
compostos iônicos com diferentes estruturas, são divididas pelo número de íons
em sua fórmula unitária, os valores obtidos são praticamente constantes, o que
o levou a propor que seria possível obter-se uma equação geral para a energia
reticular, que poderia ser aplicada à qualquer composto iônico,
independentemente de sua estrutura.
Assim, a energia envolvida na reação acima, pode ser estimada utilizando-se a
chamada Equação de Kapunstinkii3, que por sua vez é uma modificação das
Equações de Born-Mayer e Born-Landé4-6:
DHL = (-n.z+.z-.102/d).(1-d*/d).K (1)
onde z+ e z- são respectivamente a carga do cátion e do ânion n é o número de
íons por fórmula unitária, d é a soma do raio do cátion e do raio do ânion
(para número de coordenação 6) e d* e K são constantes com valores de 34,5 pm
(para os haletos alcalinos) e 1,21 pm MJ. mol-1 respectivamente.
No estudo termoquímico de adutos, a entalpia reticular DMHmoencontra-se
associada ao processo: MX2(g)+nL(g)=MX2. nL(cr) onde L é o ligante e n é o
número de ligantes. O valor de DMHmo costuma ser calculado através da equação:
DMHmo= -DrHmo+nDsub Hmo(L)+DsubHmo(MX2). O valor de DrHmo(entalpia de reação
ácido-base em fase condensada) é determinado calorimetricamente, utilizando-se
ciclos termodinâmicos adequados7,8e a entalpia de sublimação do haleto metálico
é geralmente encontrada na literatura. A entalpia de sublimação do ligante
porém, geralmente necessita ser estimada (utilizando-se DSC ou outra técnica),
o que faz com que, para muitos adutos, o valor calculado de DMHmo seja em
verdade uma estimativa, cuja exatidão está vinculada à exatidão da estiva do
valor deDsubHmo (L). O significado físico de DMHmo 9 talvez possa ser melhor
apreciado através da Figura_1 (adaptada à partir da referência 9):
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Neste trabalho propõe-se que a entalpia reticular de adutos pode ser estimada
de forma bastante confiável utilizando-se formas ligeiramente modificadas da
equação de Kapustinskii.
Duas formas de se modificar uma equação
Como modificações a serem introduzidas na Equação de Kapustiinki, a fim de
permitir o cálculo de DMHmo de adutos, duas abordagens foram utilizadas:
primeiramente, substituir-se na Equação original d por D, definindo D como
sendo igual à soma: raio do cátion + raio do ânion + J, onde Jnão deve ser
entendido como o raio termoquímico3 do ligante, mas como um fator de natureza
estérica a ele relacionado, e que reflete o efeito da inserção das moléculas do
ligante no retículo cristalino do haleto metálico.
Um segunda abordagem, e que também se mostrou satisfatória, foi simplesmente
multiplicar-se a equação de Kapustiinski por um fator d, que reflitiria o poder
doador do ligante, bem como as variações entalpicas que devem ocorrer como
consequência dos rearranjos de natureza estrutural que o retículo cristalino do
haleto deve sofrer, a fim de acomodar as moléculas do ligante. Assim, teríamos
duas versões ligeiramente modificadas da Equação de Kapustiinski, que
permitiriam estimar o valor de DMHmo:
DMHmo=(-n.z+.z-. 102/D). (1-d*/D).K (2)
DMHmo=(-n.z+.z-. 102/d).(1-d*/d).K.d(3)
Neste ponto, algumas considerações fazem-se necessárias:
1) Devemos lembrar que a equação de Kapustinskii, destina-se, originalmente, ao
cálculo da entalpia reticular de sais iônicos, e que portanto, ao introduzirmos
novos parâmetros (J e d) modificando-a, efetuamos sérias modificações em seu
significado físico, e que portanto, embora se assemelhem matematicamente à
equação original, as novas equações propostas, por destinarem-se à estimativa
da entalpia reticular de adutos com elevado caráter covalente, já não guardam,
com relação à equação original, uma relação tão direta em termos de
interpretação física.
2) A manutenção dos parâmetros z+, z- e d, evidenciam que, a carga e o raio,
quer do cátion, quer do ânion, exercem influência sobre os valores de DMHmo, o
que certamente é verdadeiro, independentemente do fato dos adutos formados
terem ou não um elevado caráter covalente. Perceba-se porém, que os valores dos
raios do cátion e ânion, são bastante pequenos se comparados à J, denotando
que, para o valor de DMHmo, as dimensões da molécula do ligante é que exercem
um efeito pronunciado. Além disso, a manutenção de d* tem por finalidade
evidenciar, bem como levar em conta na estimativa efetuada, o caráter iônico
que, mesmo reduzido, os adutos formados devem apresentar, uma vez que não
existe composto 100% covalente.
Evidentemente os valores de J e ddevem ser específicos para cada ligante, e
teriam seus valores tabelados. Uma vez que todos os demais parâmetros na
Equação de Kapustiinski têm valores tabelados, abre-se então a possibilidade de
se estimar o valor de DMHmo para adutos, sem efetuar-se nenhum experimento,
utilizando-se apenas valores facilmente encontráveis na literatura. O próximo
passo então, seria encontra-se os valores deJ e d para o maior número possível
de ligantes.
Uma vez que tantoJ quanto d, incluem em seus valores contribuições de natureza
estérica, evidentemente seus valores serão função do número de ligantes.
Tendo em vista que são abundantes na literatura dados termoquímicos envolvendo
adutos com haletos do grupo do zinco, optou-se por utilizar os adutos com ZnCl2
como ponto de partida para a obtenção dos valores deJ e d para uma série de
ligantes (Tabela_1).
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Igualando-se as equações (2) e (3) ao valor experimental de DMHmo para o aduto
ZnCl2.2 dmf10, obteve-se para a dmf: J = 1931 pm e d= 0,1362 (adimensional). O
mesmo procedimento foi utilizado para o obtenção dos valores de J e d
apresentados na tabela_1 para dimetiletilenouréia (dmeu)11, uréia (u)12, e-
caprolactama (cl)7, g- butirolactama (bul)8, tioacetamida (ta)13, metiluréia
(mu)14, dimetiluréia (dmu)14, tetrametiluréia (tmu)14, N-(2-piridil) acetamida
(aaph)15, dimetilacetamida (dma)16, trietilfosfinóxido (tepo)17,
tribenzilfosfinóxido (tbpo)18, trifenilfosfinóxido (tppo)19,
hexametilfosforamida (hmpa)19, etilenouréia (eu)20 e propilenouréia (pu)20.
Uma vez obtidos os valores de J e dpara a dmf e demais ligantes, o passo
seguinte foi testar as equações propostas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Podemos verificar que, para os adutos com dois ligantes entre haletos do grupo
do zinco e dmf (Tabela_2) tanto a equação (2) quanto a equação (3) fornecem
bons resultados, isto é, diferenças entre valor experimental e calculado
inferiores a 5% na maior parte das vezes. Vale e pena notar que, enquanto a
equação (2) fornece valores calculados acima do experimental (D% positivo) a
equação (3) fornece valores abaixo do valor experimental (D% negativo). Se,
para os dutos da tabela 1 tomarmos as médias aritméticas simples dos valores
calc. (2) e calc. (3) os valores calculados passarão a ser 317, 305, 315 e 295
kJ mol-1 respectivamente, com respectivos valores de D% de 0,0%, 1,0%, -0,9% e
2,8%.
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Analisando-se os valores calculados apresentados para os adutos da Tabela_3,
podemos constatar que, para vários adutos, o mesmo fato se repete, isto é, a
equação (2) geralmente fornace valores positivos de D%, enquanto que a equação
(3) geralmente fornace valores negativos, e que, se tomarmos como valor
calculado [calc.(2) + calc.(3)] /2, o valor obtido geralmente apresenta-se mais
próximo do valor experimental.
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Assim, podemos efetuar a estimativa do valor de DMHmo utilizando quer a equação
(2) quer a equação (3), ou ainda utilizarmos as duas equações, e considerarmos
como valor calculado a média dos valores calculados através das duas equações,
o que para muitos adutos, significa uma maior exatidão. Estaríamos assim
obtendo um valor mínimo, um valor máximo, e um valor médio, que muitas vezes
encontra-se mais próximo do valor experimental.
As equações propostas também foram testadas para adutos entre haletos de
mercúrio e os ligantes listados na tabela_1. Os resultados obtidos foram
bastante ruins (D% geralmente acima de 40%), e não foram reproduzidos aqui por
serem em verdade pouco interessantes do ponto de vista informativo, uma vez que
não se constitui em surpresa o fato das equações propostas funcionarem bem para
adutos com haletos de zinco e cádmio, e no entanto fornecerem péssimos
resultados quando aplicadas à adutos com haletos de mercúrio, se nos lembrarmos
que, a Equação de Kapustinskii destina-se ao cálculo de entalpias reticulares
de compostos iônicos, e que, enquanto os haletos de zinco e cádmio podem ser
entendidos como iônicos, os haletos de mercúrio apresentam um elevado caráter
covalente21.
Se considerarmosJcomo um fator que associa-se à dificuldade de inserção das
moléculas do ligante no retículo cristalino do haleto metálico, conseguiremos
entender o por que da diminuição nos valores de J ao aumentar-se o número de
ligantes, desde que, para efeito de raciocínio, visualizemos a formação do
aduto como ocorrendo pela entrada sucessiva de moléculas do ligante no retículo
cristalino do haleto, pois, após a ocorrência do rearranjo estrutural
necessário para a entrada do primeiro ligante, os rearranjos subsequentes
necessários para a entrada de uma segunda, terceira, quarta.... moléculas do
ligante, serão cada vez menores, o que determina que J deverá atingir um valor
constante, à medida que o número de ligantes tenda à infinito, entendendo-se
infinito nesse caso, como a saturação completa da esfera de coordenação do
metal.
Comparando-se os valores de J para adutos com dois ligantes para u, mu, dmu e
tmu, podemos verificar que, com exceção de mu, o valor de J aumenta à medida
que mais gupos metil são introduzidos, o que reforça a interpretação dada ao
valor deJ. Um aumento do valor deJ, acompanhando o aumento do volume molecular
também pode ser verificado numa dada série envolvendo ligantes similares como
tepo, tbpo e tppo, e eu, pu e dmeu.
Já o valor de d, aumenta com o aumento do número de ligantes, indicando que
este pode ser associado mais diretamente com o valor de DrHmo que também
aumenta com o número de ligantes. Devemos esperar portanto que d tenda a
atingir um valor constante, à medida que aumente o número de ligantes.
Assim, J e d tendem para um valor mínimo e máximo respectivamente, à medida em
que a esfera de coordenação do metal vai sendo "completada".
Devemos lembrar que os valores de J e d foram obtidos para adutos envolvendo
haletos do tipo MX2, tendo ambos os parâmetros valores diferentes para adutos
envolvendo haletos do tipo MX3, etc. O valor de J não pode ser interpretado
como o raio termoquímico3 da molécula justamente por variar tanto, dependendo
do número de ligantes no aduto e da carga do cátion e do ânion no haleto
metálico considerado.
Para os compostos envolvendo haletos do tipo MX2, devemos ainda levar em
consideração a possível contribuição referente à energia de estabilização do
campo ligante1,2 para o valor de DMHmo. Para os compostos do tipo [M(tu)4Cl2]
onde M=Mn, Fe, Co, Ni, Zn e Cd e tu=tiouréia, estudados por Ashcroft22, tomando
os valores da entalpia de reação em fase gasosa, e da entalpia de sublimação
dos compostos fornacidos pelo autor, podemos calcular para os respectivos
compostos os seguintes valores para DMHmo(nesse caso os valores não foram
obtidos na temperatura padrão mas na faixa entre 348-447 K) 635, 638, 645, 667,
557 e 584 k J mol-1. Tomando-se novamente o composto com ZnCl2 composto modelo,
obtemos para tu em compostos com quatro ligantes: J=1004 e d=0,2330.
Utilizando-se os valores de J e d anteriormente calculados, e levando-se em
conta as energias de estabilização do campo ligante fornecidas pelo autor22, os
valores calculados e de D% seriam para os compostos com Mn, Fe, Co, Ni e Cd:
calc. (2)=554 (-12,8%); 606 (-5,0%); 641 (-0,6%); 678 (1,6%) e 549 (-6,0%);
calc. (3)=543 (-14,5%); 607 (-4,9%); 642 (-0,2%); 698 (2,9%) e 523 (-10,4%).
Embora os valores utilizados não sejam os valores padrão, os resultados atestam
a confiabilidade das equações propostas.