Componentes voláteis do café torrado. Parte I: compostos heterocíclicos
INTRODUÇÃO
As sementes de café (café verde) e seus derivados manufaturados (cafés torrado
e solúvel) são produtos importantes na pauta de exportação brasileira. O
cultivo e a produção industrial geram empregos e divisas de tal envergadura que
as tornam uma atividade fundamental do ponto de vista econômico. A partir do
café torrado é produzida uma bebida que apresenta aroma e sabor bastante
apreciados, ao ponto de a transformarem em uma das bebidas mais populares do
planeta. Desses dois atributos fundamentais para a bebida, o aroma é sem dúvida
o mais complexo e interessante, por isso tem sido alvo de estudos sistemáticos
desde o início do século.
Os compostos voláteis que são responsáveis pelo aroma característico da bebida
são produzidos durante a torrefação do café verde. Este último contém metoxi-
pirazinas que lhe fornece o aroma característico, estas porém são geralmente
degradadas no processo de torrefação. Portanto, os compostos voláteis
característicos do café torrado normalmente não estão presentes na matriz
original, e sim, são produzidos durante o processo tecnológico. O marco inicial
para a pesquisa sistemática dos compostos do aroma do café foi o trabalho de
Reichstein & Staundinger1 que identificaram o 2-hidroximetil-furano como um
componente de impacto para o aroma do café torrado. Com o advento da
cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG/EM) na década de
60, houve um grande avanço na identificação dos compostos voláteis do café
torrado. Na atualidade cerca de mil componentes já foram detectados e alguns
especialistas da área sugerem que dezenas de componentes ainda poderão vir a
ser identificados. A partir da década de 80, o interesse maior passou a ser a
determinação do potencial odorífero dos componentes voláteis para proceder-se a
identificação daqueles que teriam maior impacto na constituição do aroma
característico do café. Para isso, costuma-se usar substâncias padrões que são,
então, submetidas a diluições sucessivas com o objetivo de se determinar o
"threshold" (limiar de detecção - concentração mínima para que haja a
percepção de algum aroma) e de se caracterizar o odor em cada diluição. Esse
processo é realizado por meio de um dispositivo para sentido do odor que é
acoplado ao CG.
Os heterocíclicos estão entre os compostos voláteis que mais têm merecido a
atenção dos especialistas. Vários compostos heterocíclicos têm sido
identificados no café torrado (Figura_1)2; alguns destes parecem ter algum
impacto positivo no aroma do café (Figura_2)3. Já outros compostos, ex. 2-
hidroximetil-furano, estão associados ao amargor e ao odor de queimado
identificados no café submetido a torrefação drástica2. Ao lado de compostos
heterocíclicos bastante estudados, ex. pirazinas, existem outros cujos dados
ainda são escassos, ex. oxazóis.
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O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão crítica dos compostos
heterocíclicos encontrados no café torrado abordando aspectos relacionados a
distribuição quantitativa no café, a seus precursores e a sua importância
sensorial.
FURANOS
Os furanos são compostos heterocíclicos encontrados em grande quantidade no
café torrado e incluem funções como aldeídos, cetonas, ésteres, alcoóis,
éteres, ácidos e tióis4. Cerca de cem furanos já foram identificados no café
torrado (Tabela_1)4. Os alquil-furanos (metil-, etil-, butil-, pentil- e
dimetil-furanos) foram identificados em vários trabalhos produzidos a partir da
década de 305-20. Já os alquenil-furanos foram identificados em menor
quantidade com predominância dos vinil-furanos13,14,16,20.Os furanos com
substituintes contendo oxigênio são comumente encontrados no café torrado. As
furil-alcanonas e os furanos com função éter, bem como os furanaldeídos são
encontrados em grande número10,12-17,19-25. Os furanos com função álcool também
são encontrados no café torrado12,13,16,17,19,26, sendo o 2-hidroximetil-furano
o principal componente desse grupo. Também foram identificados no café torrado
alguns ésteres com anel furânico, como por exemplo, o acetato de
furila17,19,26. Alguns compostos contendo uma cetona ligada diretamente ao anel
furânico (furanonas) foram descritos por vários autores10,12,13,16,17,20,25-29.
A presença de furanos condensados com pirazinas e pirróis no café torrado
também é descrita na literatura10,13-15,18,28. Alguns furanos são encontrados
em grande quantidade nocafé torrado, sendo os mais abundantes o furil-2-metanol
(90-135 mg/Kg de café torrado), 2-furfural (55-70 mg/Kg), 2-metil-tetraidro-3-
furanona (10-16 mg/Kg), 2-acetil-furano (6-12 mg/Kg), acetato de furila (3,5-
5,5 mg/Kg), 1-(2- furil)-3-propanona (2,5-4,0 mg/Kg)4. Um trabalho mais recente
foi realizado para determinação quantitativa de compostos voláteis de impacto
para o aroma dos cultivares de café arabica e robusta29. Os seguintes furanos
foram detectados: 4- hidroxi-2,5-dimetil-diidro-3-furanona (109 mg/Kg e 57 mg/
Kg para arabica e robusta, respectivamente), 3-hidroxi-4,5-dimetil-pentaidro-2-
furanona (1,47 mg/Kg e 0,63 mg/Kg), 5-etil-3-hidroxi-4-metil-diidro-2-furanona
(0,16 mg/Kg e 0,085 mg/Kg), 5-etil-4- hidroxi-2-metil-diidro-3-furanona (17,3
mg/Kg e 14,3 mg/Kg).
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Os furanos são oriundos principalmente da degradação de glicídios presentes no
café. Por outro lado, existem evidências de que os furanos também seriam
formados na degradação de terpenos13. Alguns terpenos de alto peso molecular
(ex. esqualeno) poderiam degradar-se para produzir furanos21. Entretanto,
devido aos baixos teores de terpenos no café, estes devem participar de forma
inexpressiva como precursores de furanos durante a torrefação.
O principal glicídio de baixa massa molecular presente no café verde é a
sacarose, apresentando valores médios de 5-8% e 3-5% para café arabica e
robusta, respectivamente30-35. Os monossacarídeos foram encontrados somente em
quantidades diminutas nessa semente30-35. A sacarose é extensivamente degradada
durante a torrefação do café. Somente foram encontrados de 3-4% do conteúdo
original de sacarose no café que sofreu torrefação leve (205oC, 7 min),
enquanto que no café submetido a torrefação média (205oC, 10 min) somente foi
achado 1%36. Sua degradação ocorre geralmente por pirólise (caramelização) e/ou
por reação de "Maillard" (condensação da carbonila de um glicídio com
um grupamento amino de um aminoácido). Recentemente, foi evidenciada a
participação de polissacarídeos como precursores de furanos no café torrado37.
Os polissacarídeos representam cerca de 40-50% dos sólidos totais do café
verde. Após algumas tentativas de identificação, foi proposta a presença de uma
arabinogalactana, relativamente solúvel em água, uma manana e celulose38-41. A
partir do isolamento de uma fração do café verde rica em polissacarídeos, a
qual foi submetida à torrefação, evidenciou-se uma perda considerável de
arabinose e uma menor perda de galactose, sendo detectados alguns furanos após
a torrefação desta fração37. Foi sugerida, então, a participação da
arabinogalactana como um polissacarídeo precursor de furanos no café37.
Os furanos contribuem consideravelmente para as características sensoriais do
café torrado. Já na década de 20, foi identificado o 2-tio-hidroximetil-furano
como um dos compostos de impacto para o aroma do café1. Foi demonstrado que
0,01-0,5 mg/l desse componente em água forneceu um aroma de café torrado
fresco, enquanto que 1-10 mg/l produziu aroma de café torrado velho42. O limiar
de detecção do 2-tio-hidroximetil-furano na água foi de 0,005 mg/l. Então,
dependendo da concentração, o 2-tio-hidroximetil-furano pode ter qualidade
sensorial boa ou ruim para o café torrado. A importância sensorial desse
componente também tem sido demonstrada por outros autores18,43,44. O 5-metil-2-
tio-hidroximetil-furano apresentou um limiar de detecção de 50 ng/l na água,
liberando um odor característico de enxofre acima de 5000 ng/l44. O conteúdo de
2-tio-hidroximetil-furano e de 5-metil-2-tio-hidroximetil-furano aumenta de 5 a
10 vezes durante a estocagem44. O 2-metil-3- oxa-8-tiabiciclo[3.3.0]-1,4-
octadieno (caveofurano) (Figura_1) também tem sido apontado como um componente
de impacto para o aroma do café torrado44. Esse composto foi responsável pelo
leve aroma de café torrado na concentração de 10-100 mg/l em água. Os alquil-
furanos também apresentam propriedades sensoriais que são importantes para a
composição do aroma do café. O 2-etil-furano foi responsável pelo aroma de
matéria queimada e pelo odor doce parecido com o aroma do café torrado45. Já o
furano e o 2-metil-furano forneceram um aroma similar ao do éter; o furfural um
aroma de grama46. As furanonas forneceram um aroma de caramelo e açúcar
queimado46. Recentemente, foi realizado um estudo para a identificação de
compostos de impacto para o aroma das bebidas produzidas com café arabica e
robusta. A percepção odorífera de caramelo foi mais intensa na bebida produzida
com café arabica47. Nesse trabalho, foi sugerido que as furanonas seriam os
compostos voláteis responsáveis por esse aroma. Como os furanos são produzidos
por pirólise de glicídios é comum a descrição do aroma de caramelo e açúcar
queimado oriundo desses componentes. O 2-hidroximetil-furano está presente em
grande quantidade no café submetido à torrefação muito forte (205oC, 19 min) e
é um dos responsáveis pelo aroma amargo e de matéria queimada característicos
desse café2.
PIRRÓIS
Os pirróis foram identificados nos alimentos em meados da década de 60 sendo
compostos característicos de alimentos processados termicamente48. Cerca de
setenta pirróis já foram identificados no café torrado (Tabela_1)4. Destes,
cerca de trinta e dois componentes são alquil-pirróis. O metil-pirrol foi
identificado por vários autores8,10,12,16,17,19,21,25,49. Outros alquil-pirróis
(ex. 2-etil-pirrol, 2,5-dimetil-pirrol) também foram identificados no café
torrado13,49,50. O pirrol foi encontrado em pequena quantidade12,49. Os acetil-
pirróis (ex. N-metil-2-acetil-pirrol, 2-acetil-pirrol)10,13,20,49e dois alquil-
formil-pirróis (1-metil-2-formil-pirrol, 1-etil-2-formil-pirrol)16,20 também
foram identificados no café. Os furil-pirróis foram detectados no café torrado,
porém em menor número quando comparados aos alquil- e acil-pirróis10,13,18. Os
pirróis encontrados em maior quantidade no café torradosão4: o N-furil-2-
formil-pirrol (2,5-3,0 mg/Kg de café torrado) e o N-metil-2-acetil-pirrol (1,8-
2,1 mg/Kg).
Os pirróis podem ser formados a partir da reação de "Maillard", da
degradação de "Strecker", da pirólise de aminoácidos ou ainda da
degradação da trigonelina51. Os aminoácidos são encontrados na forma livre ou
ligados entre si formando as proteínas. A composição total de proteínas no café
verde é cerca de 9-12%52. A composição total de proteínas no café torrado varia
pouco em relação ao café verde, porém as propriedades físicas e químicas das
proteínas são alteradas, reduzindo sensivelmente a solubilidade das mesmas em
água53,54. A composição de aminoácidos totais sofre modificações em
consequência do processo de torrefação. Alguns aminoácidos (arginina, lisina,
serina e treonina) são mais susceptíveis à torrefação54,55. A quantidade de
aminoácidos livres presentes no café verde é muito baixa, em torno de 0,4-
3g%3,54. Embora os aminoácidos livres representem uma pequena proporção do
nitrogênio proteico, eles são precursores de aroma extremamente importantes,
tendo uma participação marcante na qualidade do produto final55. A trigonelina
é uma base nitrogenada fortemente polar, achada em algumas espécies de frutos e
sementes56. A estrutura química da trigonelina é mostrada na Figura_352. A
degradação da trigonelina gera uma série de compostos voláteis. Alguns
derivados do pirrol foram identificados por CG/EM após o aquecimento da
trigonelina em um tubo selado (180-230oC por 15-16 min)57. Por outro lado,
poderiam ocorrer também reações secundárias entre a trigonelina e outros
constituintes, particularmente com os glicídios que estão presentes em grandes
quantidades no café.
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Os acil-pirróis e os alquil-acil-pirróis são formados via reação de
"Maillard"49,58. Foi proposto um outro mecanismo no qual os alquil-
acil-pirróis seriam formados a partir da reação do 2-acil-furano com a-
aminoácidos58. O carbono cinco do acil-furano sofreria um ataque nucleofílico
pelo grupamento amino do a-aminoácido. Em seguida, ocorreria uma desidratação e
uma descarboxilação para formação do alquil-acil-pirrol. A pirólise da serina e
da treonina (hidroxi-aminoácidos) é uma outra via de formação de pirróis. A
partir de sistemas de reação contendo aminoácidos e glicídios ou somente
aminoácidos, verificou-se a formação de uma série de pirróis49,59. Os furil-
pirróis e os acil-pirróis foram encontrados somente no sistema de reação
contendo hidroxi-aminoácidos e sacarose49. Já o pirrol e os alquil-pirróis são
formados via pirólise de hidroxi-aminoácidos49. A formação do pirrol ocorreria
pelo ataque nucleofílico da amônia a um aldeído gerado pela degradação da
serina60. Foi relatado, também, que os pirróis poderiam ser formados pela
interação entre um aminoácido e a 3-deoxi- hexasona através da degradação de
"Strecker" seguida de desidratação e fechamento do anel61.
Recentemente, foi realizado um estudo com sistemas de reação constituídos por
glicose, glicina marcada com N15 e um outro aminoácido proveniente do grupo
formado por glutamina, ácido glutâmico, asparagina, ácido aspártico, lisina,
arginina, fenilalanina e isoleucina51. Nesse trabalho, foi demonstrado que a
glicina é superior aos demais aminoácidos estudados com relação à produção de
pirróis através da reação de "Maillard".Em um outro estudo, com
sistemas de reação contendo frações de baixa e alta massa molecular, isoladas
do café verde e submetidas à torrefação, foi evidenciado que o pirrol e os
alquil-pirróis seriam formados pela pirólise de aminoácidos ligados a proteínas
e não por aminoácidos livres22.
Os pirróis apresentam propriedades sensoriais bem características. Foi
constatado que os alquil- e acil-pirróis apresentaram um odor desagradável,
porém os alquil-pirróis, em baixas concentrações, forneceram um aroma doce e
levemente queimado62. Em outro estudo, verificou-se que os acil-pirróis foram
responsáveis por um odor semelhante ao de pão, enquanto os furil-pirróis foram
relacionados a algumas notas observadas no aroma de cogumelos63. Já o 2-acetil-
pirrol foi responsável pelo odor suave de caramelo identificado em carne bovina
cozida64. O N-furil-2-metil-pirrol foi relacionado a uma nota observada no
aroma de café torrado velho e foi considerado como um componente de impacto
para o aroma do café torrado65. Outro componente considerado de grande
importância para o café foi o N-etil-2-formil-pirrol, o qual foi responsável
por uma nota observada no aroma de café torrado45.
OXAZÓIS E TIAZÓIS
Os oxazóis são compostos heterocíclicos contendo um átomo de nitrogênio e um
outro de oxigênio; já os tiazóis contém um átomo de nitrogênio e um outro de
enxofre (Figura_1). Cerca de vinte e nove oxazóis e vinte e sete tiazóis foram
identificados no café torrado (Tabela_2)4. Os alquil-oxazóis (ex. 2,4-dimetil-
oxazol e 4n-propil-2,5-dimetil-oxazol) foram detectados em maior número
2,13,66,67, enquanto somente derivados como 1 aril-, 2 acil- e 5 benzo-oxazóis
foram encontrados no café torrado4. Cerca de vinte e três alquil-tiazóis (ex.
4-etil-tiazol e 2,4,5-trimetil-tiazol) foram detectados no café torrado2,67. Já
os acil-tiazóis foram encontrados em menor número4. Até o momento, não existe
qualquer referência na literatura sobre a quantidade de cada oxazol e tiazol no
café torrado .
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Apesar dos oxazóis serem formados exclusivamente por tratamento térmico, o
mecanismo exato de formação desses compostos ainda não é conhecido51.Foi
sugerido, inicialmente, que os hidroxi-aminoácidos seriam os precursores dos
oxazóis identificados no café torrado68. Hidroxi-aminoácidos sozinhos ou na
presença de sacarose foram aquecidos em condições de tempo e temperatura
similares às usadas na indústria de café66. Devido a ausência de oxazóis na
fração volátil gerada por aquecimento desses sistemas, foi sugerido, então, que
os oxazóis não seriam formados por pirólise de hidroxi-aminoácidos. De acordo
com um outro estudo, usando sistemas de reação contendo glicose e mais de um
aminoácido, os oxazóis poderiam ser formados através da reação de
"Maillard" e/ou pela degradação de "Strecker"51.Nesse
trabalho, o oxazol mais abundante foi o 4,5-dimetil-oxazol. Segundo seus
autores, existem dois possíveis caminhos para a formação desse composto (Figura
4)51: o primeiro seria a reação direta da glicina com o diacetil oriundo da
glicose para formar uma base de "Schiff" instável. Em seguida,
ocorreria uma descarboxilação com o fechamento do anel para produzir o oxazol
em questão. O segundo e mais provável caminho, segundo os autores, seria a
degradação de "Strecker" entre aminoácidos e o diacetil que renderia
a 2-amino-3-butanona. O 4,5-dimetiloxazol seria produzido pela condensação
desse último composto com o formaldeído.A identificação precisa de precursores
dos oxazóis no café torrado ainda carece de estudos sistemáticos na área. Os
tiazóis são formados via reação de "Maillard" entre metionina,
cisteína ou cistina (aminoácidos sulfurados) e açúcares redutores ou
intermediários da reação de "Maillard"69. Os tiazóis seriam formados
pela descarboxilação dos aminoácidos com fechamento do anel para formação de
tiazolidinas, seguido pela sua oxidação à acil-tiazóis.
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As propriedades sensoriais dos oxazóis e tiazóis nos alimentos são descritas na
literatura. Os oxazóis possuem um aroma doce e semelhante ao de nozes2. Embora
os oxazóis sejam compostos característicos de alimentos processados
termicamente, nenhum deles têm sido associado a percepção de queimado70. Já os
tiazóis geralmente possuem um odor semelhante ao de vegetais, de carne, de
matéria-torrada e de nozes69. A presença de substituintes de cadeias laterais
curtas na molécula do tiazol intensifica esses aromas. Até o momento, nenhum
oxazol ou tiazol foi identificado como componente de impacto para o aroma do
café.
TIOFENOS
Os tiofenos foram identificados em uma série de trabalhos publicados na
literatura13,16,17,19,20,44,50,71,72. Como exemplos desses componentes podemos
citar o 4-etil-2-metil-tiofeno, o benzo-tiofeno e o 2-acetil-tiofeno. Desse
grupo de compostos contendo enxofre, o 2-acetil-tiofeno parece ser um dos
majoritários em termos de quantidade (1,25 mg/Kg de café torrado)71. De acordo
com dados da literatura, trinta e um tiofenos já foram identificados como
componentes da fração volátil do café torrado73, sendo que onze desses foram
detectados exclusivamente nesse produto74.
A formação dos tiofenos no café provavelmente está relacionada à presença de
aminoácidos sulfurados. Esses aminoácidos sofrem degradação individual durante
a torrefação e interagem com açúcares redutores e intermediários da reação de
"Maillard", resultando na formação de uma ampla variedade de
compostos voláteis sulfurados. Um estudo demonstrou que os tiofenos surgem, por
exemplo, como um dos produtos da pirólise individual da cisteína75.
O odor característico de cebola frita é relacionado aos dimetil-tiofenos76.
Esses compostos podem ser preparados aquecendo-se o cis/trans proprenil-propil-
dissulfito. Acredita-se que esse odor característico possa ser, na realidade,
atribuído ao 2- (propilditio)-dimetil-tiofeno, como demonstrado
recentemente77,78. Foi relatado que o limite de detecção dos dimetil-tiofenos
em água seria de 3-5 x 106 ng/l79. O limite de detecção em água estimado para o
2-(propilditio)-3,4-dimetil-tiofeno foi de 10-50 ng/l 80. Em um outro trabalho,
foi atribuído aos tiofenos um aroma de cebola, de mostarda e também um aroma
sulfuroso, porém aos seus ésteres, aldeídos e cetonas foi atribuído um aroma
doce, de mel, de caramelo69. De modo geral, é sabido que o tiofeno apresenta um
odor um tanto quanto semelhante ao do benzeno76. Uma semelhança mais
pronunciada foi observada entre o p-xileno e o 2,5-dimetil-tiofeno76. Segundo
dados da literatura, o 3-metil-2-acetil-tiofeno apresenta um aroma semelhante
ao do café, sendo considerado um dos possíveis compostos voláteis de impacto
para o aroma desse produto74.
Os compostos voláteis contendo um átomo de enxofre, como por exemplo os
tiofenos, aparentam possuir grande relevância para o aroma do café torrado2.
Infelizmente, esses compostos estão presentes em baixíssimas quantidades,
dificultando o estudo quantitativo e a avaliação de suas propriedades
sensoriais.
PIRAZINAS
As pirazinas são compostos aromáticos contendo dois átomos de nitrogênio nas
posições 1 e 4 de um anel de seis membros. Esses compostos voláteis são
característicos de alimentos submetidos a tratamento térmico, com exceção das
metoxi-pirazinas, que são encontradas geralmente nos vegetais não processados.
Isso ocorre, porque as metoxi-pirazinas são normalmente degradadas durante a
torrefação do café verde.
Uma classificação genérica das pirazinas é apresentada na Tabela_34. O conteúdo
de alquil-pirazinas é proporcional ao grau de torrefação2. Esse conteúdo
aumenta, até um certo limite, à medida que a temperatura de torrefação aumenta.
Quando essa torrefação é muito prolongada começa a ocorrer degradação dessas
pirazinas. Geralmente maiores quantidades de pirazinas devem ser encontradas em
cafés submetidos a torrefações leve e moderada. Recentemente, foi demonstrado
que as razões entre a 2-metil-/2,5-dimetil-pirazina e a 2-metil-/2,6-dimetil-
pirazina podem ser de grande utilidade para o monitoramento da torrefação do
café81. Do grupo das alquil-pirazinas, destacam-se as metil- e dimetil-
pirazinas, que segundo dados da literatura são as pirazinas majoritárias do
café torrado82. A pirazina e as alquil-pirazinas foram identificadas em uma
série de trabalhos produzidos a partir de meados da década de
609,10,16,17,19,23,27,28,43,50,82-85. As pirazinas tendo grupamento alquenila,
as ciclo-pirazinas e as furil-pirazinas também foram descritas por vários
autores 15,27,28,43,83,84,86. Atualmente, mais de oitenta pirazinas já foram
identificadas como componentes da fração volátil do café torrado73. As
pirazinas encontradas em maior quantidade no café torrado são, em ordem
decrescente71: metil-pirazina (60-80 mg/Kg de café torrado), 2,6- dimetil-
pirazina (30-35 mg/Kg), 2,5-dimetil-pirazina (25-35 mg/Kg), 2-etil-pirazina
(13,5-16,5 mg/Kg), trimetil-pirazina (8-10 mg/Kg), 2-etil-5-metil-pirazina
(7,5-8,6 mg/Kg), pirazina (3,5-6,0 mg/Kg) e 2,3-dimetil-pirazina (3,0-4,5 mg/
Kg).
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Através de estudos com sistemas de reação descobriu-se que as pirazinas podem
ser geradas diretamente por reação de "Maillard", por degradação de
"Strecker" ou ainda por pirólise de hidroxi-aminoácidos60,83,86,87.
Na reação de "Maillard" as maiores fontes de carbono para a formação
das pirazinas são os produtos da degradação de carboidratos, enquanto que os
aminoácidos funcionam basicamente como fontes de nitrogênio para esses
compostos82. Um estudo foi realizado visando analisar o conteúdo total dos
derivados de pirazina obtidos a partir de sistemas de reação contendo um
aminoácido ou cloreto de amônio e a glicose ou a sacarose82. Foi constatado que
o sistema contendo asparagina e glicose foi o que apresentou o maior
rendimento. Nesse mesmo trabalho, também foi observado que a distribuição dos
derivados de pirazina varia tanto do ponto de vista quantitativo como
qualitativo, dependendo do sistema aminoácido/glicose empregado. Em um outro
estudo, foi identificada uma série de derivados da pirazina em sistemas
contendo hidroxi-aminoácidos e sacarose83. Foi evidenciado que em sistemas de
reação contendo serina/frutose gerou-se uma maior quantidade de pirazinas do
que em sistemas contendo serina/glicose60, e, que, a quantidade e a variedade
das pirazinas formadas depende da razão entre a quantidade de aminoácido e
açúcar no sistema de reação88. De acordo com este último estudo, um excesso de
aminoácido em relação ao açúcar favorece a formação de compostos heterocíclicos
contendo átomos de nitrogênio (ex. pirazinas). Na degradação de
"Strecker" asa-dicetonas são as fontes de carbono das pirazinas e o
nitrogênio continua sendo proveniente dos aminoácidos. Uma série de pirazinas
foi identificada a partir de reações da alanina com a-dicetonas (ex. 2,3-
butanodiona) por análise com CG/EM89. Nesse estudo, foi sugerido que duas ou
mais a- dicetonas poderiam interagir com um único aminoácido para formar uma
variedade de alquil-pirazinas. A partir de uma investigação a respeito da
reatividade de aminoácidos com a-dicarbonilas, foi determinado que os
aminoácidos básicos e os hidroxi-aminoácidos são os mais reativos90. Na
pirólise, os aminoácidos atuam tanto como fonte de carbono como de nitrogênio
para a formação de pirazinas. Foi demonstrado que a pirólise individual deb-
hidroxi-aminoácidos (280oC e 360oC, em atmosfera de nitrogênio por 30 minutos),
produziu alquil-pirazinas87. Em outro estudo foram identificadas várias
pirazinas a partir da pirólise individual de hidroxi-aminoácidos a 200oC por 4
horas91. Nesse mesmo estudo a glicina, alanina, fenilalanina,b-alanina,
leucina, isoleucina, valina, metionina, cistina, tirosina, histidina, prolina,
hidroxi-prolina, triptofano, lisina, hidroxi-lisina, ácido aspártico,
asparagina, ácido glutâmico, adenina e adenosina foram aquecidas
individualmente em condições similares às usadas na pirólise de hidroxi-
aminoácidos. Dessa vez, nem a pirazina e nem os seus derivados foram
encontrados. Foi sugerido, também, que diferenças na composição das pirazinas
poderiam ser obtidas aquecendo-se o mesmo aminoácido em diferentes condições.
Com sistemas de reação contendo treonina, serina e sacarose, foi demonstrado
que as alquil-pirazinas são geradas em maior quantidade no sistema serina/
treonina (38%) do que no sistema serina/treonina/sacarose (32%)86. Nesse
trabalho, concluiu-se que muitos compostos voláteis foram oriundos da pirólise
de hidroxi-aminoácidos. Segundo esses mesmos autores, os hidroxi-aminoácidos
sofreriam descarboxilação e dimerização para formarem os compostos voláteis
(Figura_5)16. Entretanto, algumas pirazinas de massa molecular mais alta foram
encontradas na fração volátil do sistema contendo somente os hidroxi-
aminoácidos. Isso seria uma indicação de que outras reações mais complexas
poderiam estar ocorrendo. Trabalhos mais recentes realizados com frações de
baixa e alta massa molecular, isoladas do café verde e submetidas à torrefação,
tentaram esclarecer melhor as vias de formação das pirazinas nesse
produto22,25. Cerca de onze alquil-pirazinas foram encontradas na fração
torrada de alta massa molecular, a qual foi composta basicamente por
polissacarídeos e proteínas. Entretanto, nenhuma pirazina foi detectada na
fração torrada de baixa massa molecular (sacarose, aminoácidos livres, etc).
Sendo assim, foi concluido que os aminoácidos ligados a proteínas são
importantes precursores de pirazinas. Como a treonina foi o aminoácido que
sofreu maior degradação durante a torrefação, foi sugerido que as pirazinas
poderiam ser, em parte, diretamente derivadas da degradação pirolítica de
resíduos de treonina ligados a proteínas. A ausência de pirazinas na fração
torrada de baixa massa molecular pode ser atribuída ao baixo conteúdo de
hidroxi-aminoácidos livres. A pirólise dessa pequena quantidade de aminoácidos
livres não produziria quantidade detectável de pirazinas pelos métodos
empregados (CG e CG/EM),. Além disso, como a relação sacarose/aminoácidos
livres nessa fração do café é alta, a produção de pirazinas via reação de
"Maillard" ou degradação de "Strecker" estaria seriamente
prejudicada88.
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As pirazinas contribuem apreciavelmente para as características sensoriais dos
alimentos. Esses componentes apresentam propriedades sensoriais bem peculiares,
sendo considerados flavorizantes importantes para a indústria de produtos
alimentícios92. As metoxi-pirazinas são odorantes potentes e estão amplamente
distribuídas pelo reino vegetal, sendo responsáveis pelo odor peculiar de
grama, de café verde, de ervilha, de batata e de outros vegetais crus93,94,95.
A 2-metil-6-etoxi- pirazina, por exemplo, é utilizada como um agente
flavorizante do abacaxi96. Em estudo recente, foi estabelecido que a isobutil-
metoxi-pirazina apresenta um alto valor de odor ativo (VOA - concentração de um
odorante dividida pelo seu limiar de detecção no mesmo meio) e está presente no
café arábica torrado em uma concentração sete vezes superior ao do café
robusta47. Esse resultado é de certa forma surpreendente, já que as metoxi-
pirazinas são normalmente degradadas durante a torrefação. Com isso, foi
concluido que essa metoxi-pirazina pertence ao grupo de substâncias
consideradas de impacto para o aroma do café arábica torrado moído. As alquil-
pirazinas apresentam propriedades sensoriais bem variadas. Segundo dados da
literatura, a pirazina pode ser relacionada tanto a um aroma semelhante ao de
milho, como também a um odor doce extremamente forte97,98. Já a 2-metil-
pirazina foi relacionada a um odor de matéria queimada e de grama97,99. As
descrições odoríferas das dimetil-pirazinas variam bastante conforme a posição
dos substituintes na molécula. Atribui-se a 2,3-dimetil- pirazina um aroma
semelhante ao de óleo de linhaça99. Já a 2,5-dimetil-pirazina apresentou um
aroma semelhante ao de grama e de nozes97,100, e um odor característico de éter
foi descrito para a 2,6-dimetil-pirazina101. A 2-etil-pirazina foi responsável
por odor semelhante ao de manteiga e de matéria torrada43,99. Já a 2,3,5-
trimetil-pirazina foi caracterizada como tendo aroma semelhante ao de nozes, de
grama e de matéria torrada10,97,100,102. Da mesma forma que as dimetil-
pirazinas, as etil-metil-pirazinas apresentaram aromas diferentes conforme a
posição dos substituintes no anel da pirazina. Isso pode ser evidenciado pelos
seguintes exemplos encontrados na literatura43,97,99: a 2-etil-3-metil-pirazina
forneceu um aroma semelhante ao de nozes, a 2-etil-5-metil-pirazina um odor de
gramae a 2-etil-6-metil- pirazina foi relacionada ao odor de matéria torrada.
Esse último odor, também foi relacionado à presença da 2-etil-3,6-dimetil-
pirazina97. Através de Análise por Diluição de Extrato de Aroma (ADEA)
determinou-se que a 2-etil-3,5-dimetil-pirazina, a 2,3,5- trimetil-pirazina, a
2-vinil-5-metil-pirazina e a isopropenil-pirazina desempenham papel importante
nos aromas do café torrado e da bebida de café43,102. Nesses trabalhos, foi
atribuído o odor característico de matéria torrada a essas substâncias. Por
outro lado, a 2-etil-pirazina e a 2-etil-6-metil-pirazina não foram
consideradas substâncias relevantes para o aroma do café torrado. A técnica de
ADEA permite determinar o potencial odorífero de um determinado componente
mediante diluições sucessivas de uma solução do mesmo. A caracterização
odorífera das ciclo-pirazinas e das metil-tio- furil-pirazinas também está
descrita na literatura98,103. A 2-metil-6,7-diidro-5H- ciclopenta-pirazina e a
5-metil-6,7-diidro-5H-ciclopenta-pirazina foram responsáveis por um aroma
semelhante ao de terra e de batata103. Já a 2-metil-3-tio-furil-pirazina e a 2-
metil-5-tio-furil-pirazina foram responsáveis por um aroma semelhante ao de
café torrado e ao de carne submetida à cocção98.
PIRIDINAS
Essas substâncias são encontradas em alimentos submetidos à atividade
microbiana ou a tratamento térmico (ex.: café, bebidas alcoólicas, leite,
carne)104. Uma classificação genérica para as piridinas é apresentada na Tabela
34. Segundo dados da literatura, a quantidade de piridinas no café torrado
também depende do grau de torrefação105. Entretanto, de modo contrário às
pirazinas, as quantidades de piridinas são maiores no café submetido à
torrefação forte. Com isso, seria razoável concluir que provavelmente as
piridinas são mais resistentes à degradação térmica do que as pirazinas.
A presença da piridina na fração volátil do café torrado foi descrita em uma
série de trabalhos10,12,16,17,19,23,66,71,84.De acordo com um desses trabalhos,
a piridina está presente em uma quantidade ao redor de 20 - 50 mg por Kg de
café torrado71. Além da piridina, a presença de seis alquil-piridinas também já
foi descrita na literatura12,66,84. Um total de doze piridinas já foram
identificadas no café torrado73. As piridinas podem ser geradas por degradação
térmica da trigonelina, por pirólise de aminoácidos, por degradação de
"Strecker" ou ainda via reação de "Maillard"57,106,107,108.
O conteúdo de trigonelina no café varia conforme o método empregado para
análise e a espécie estudada. Segundo dados da literatura, o conteúdo dessa
base nitrogenada pode variar de 0,3-0,9% no café robusta e de 0,6-1,2% no café
arabica109,110,111,112, 113. A degradação térmica da trigonelina ocorre durante
o processo de torrefação do café. O grau de degradação da trigonelina varia
conforme o tempo e a temperatura de torrefação. A trigonelina foi aquecida a
210oC em tempos diferentes114. Cerca de 95% da trigonelina foi degradada no
tempo de 20 minutos. Após 60 minutos foi detectada apenas uma quantidade
residual de trigonelina. Somente 15% da trigonelina inicial permaneceu após o
processo de torrefação a 230oC por 15 minutos115. A 180oC por 15 min, a perda
observada foi muito pequena (2%), chegando a 60% com o aumento do tempo de
torrefação para 45 min115. Existem trabalhos na literatura que relatam a
possibilidade de determinação indireta do grau de torrefação de um café através
de seu conteúdo residual de trigonelina116,117. Essa correlação foi feita com
base na razão entre o conteúdo de trigonelina e de ácido nicotínico. Uma vez
que o ácido nicotínico é um dos produtos da degradação térmica da trigonelina,
essa razão diminui à medida que o grau de torrefação aumenta. A degradação da
trigonelina gera compostos não- voláteis e voláteis. Quando a trigonelina foi
aquecida em um tubo selado (180-230oC por 15-16 minutos) os principais
componentes não-voláteis oriundos da degradação da trigonelina foram a
niacinamida, o metil-nicotinato e a N- metil-nicotinamida57. Nesse mesmo
trabalho, determinou-se que a fração volátil obtida era composta
majoritariamente por compostos que apresentavam um anel correspondente ao da
piridina. De acordo com esses autores a piridina seria formada pela
descarboxilação e desmetilação da trigonelina. Já as alquil-piridinas seriam
originárias da recombinação dos intermediários formados durante a pirólise.
Como já foi mencionado anteriormente, a pirólise de aminoácidos é uma outra via
de formação das piridinas. Foi realizado um estudo com a valina, leucina,
isoleucina e a alanina para avaliar a formação das piridinas pela decomposição
térmica desses aminoácidos (220oC - 1h)106,107,108. Os derivados da piridina
foram detectados somente após a pirólise individual da alanina. A formação, por
exemplo, da 2-metil-5-etil-piridina a partir da pirólise desse aminoácido é
mostrada na Figura_649. Segundo esses autores, a pirólise da alanina gera o
etanal e a condensação aldólica de duas moléculas dessa substância gera o
crotonaldeído. A dimerização de duas moléculas de crotonaldeído em presença de
amônia produz a 2-metil-5-etil-piridina (Figura_6a). Uma outra via de formação
dessa alquil-piridina seria a formação de uma imina a partir da reação da
amônia com o acetaldeído, seguida da trimerização dessa imina e fechamento do
anel com perda simultânea da amônia (Figura_6b). A ausência de derivados de
piridina após a pirólise dos demais aminoácidos mencionados, pode estar
relacionada à estrutura ramificada da cadeia desses aminoácidos, o que tornaria
difícil a condensação do tipo aldólica118. A pirólise de hidroxi-aminoácidos
também seria responsável pela formação de piridinas no café torrado86.
Entretanto, os autores desse estudo não descreveram o caminho de formação das
piridinas através da pirólise desse grupo de aminoácidos.
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Os intermediários da degradação de "Strecker" são um aldeído de
"Strecker" e uma aminocetona. A partir desses intermediários uma
série de compostos voláteis são formados, inclusive algumas piridinas. Os
produtos obtidos da reação entre a fenilalanina e a glicose, sob temperatura
elevada, foram estudados (220oC, 10 minutos)15. Através desse estudo, os
autores demonstraram que o principal produto de reação foi o aldeído
fenilacético (aldeído de "Strecker"). Esse composto seria o principal
precursor dos componentes voláteis característicos do sistema fenilalanina/
glicose. No conjunto dos compostos voláteis oriundos desse sistema foram
detectadas algumas piridinas (ex.:3-fenil-piridina). A 2- hidroxi-piridina foi
encontrada entre os compostos voláteis identificados por CG/EM, provenientes da
reação entre a asparagina e a glicose em autoclave a 150oC88. Esses autores
propuseram que essa piridina seria formada através da condensação do etanal com
a formil-acetamida. Esse mesmo trabalho sugere ainda que as piridinas também
poderiam ser formadas via reação de "Maillard". De acordo com os
autores, ocorreria inicialmente uma condensação entre aldeídos com perda de
moléculas de água e formação de carbonila a, b- insaturada. Em seguida, essas
carbonilas sofreriam um ataque nucleofílico pela amônia, gerando derivados
nitrogenados. Esses produtos seriam, então, submetidos a reações de
desidratação e oxidação para formar alquil-piridinas. Foi sugerido que a
disponibilidade de amônia seria o fator determinante para a formação das
piridinas via reação de "Maillard"119. Entretanto, segundo um outro
trabalho, os grupos a-amino dos aminoácidos apresentaram maior tendência para
condensarem com compostos contendo carbonila através de uma única etapa do que
sofrerem degradação formando amônia que mais tarde seria incorporada ao anel de
piridina51.Vários derivados da piridina foram detectados em sistemas de reação
contendo hidroxi-aminoácidos e sacarose66. As acetil-piridinas foram
consideradas os produtos característicos da torrefação nesse tipo de sistema.
As piridinas apresentam propriedades sensoriais peculiares, sendo associadas a
um odor desagradável característico presente nos alimentos104. Segundo dados da
literatura, a piridina foi uma das responsáveis pelo odor desagradável do café
torrado velho105. Já a 2-metil-piridina foi responsável por uma sensação
adstringente semelhante a de avelã e a 2,3-dimetil-piridina por um odor
relacionado ao de borracha e de matéria queimada104. As piridinas encontradas
na fração volátil do café torrado têm recebido pouca atenção dos estudiosos da
área de aroma e, sendo assim, há pouca informação disponível referente à
contribuição das piridinas para o aroma final do café torrado.