EFEITO DA COBERTURA VEGETAL DO SOLO SOBRE A ABUNDÂNCIA E DIVERSIDADE DE
INIMIGOS NATURAIS DE PRAGAS EM VINHEDOS
INTRODUÇÃO
A diversidade de espécies de insetos correlaciona-se positivamente com
diversidade de espécies vegetais em um local (van Emden e Williams, 1974), isto
possivelmente devido à maior diversidade de habitats (complexidade estrutural)
e à maior disponibilidade de recursos alimentares distribuídos no espaço e no
tempo (Altieri, 1984). Assim, comunidades vegetais que possuem maior número de
espécies, tendem a suportar também um maior número de espécies de insetos
(Lawton e Strong, 1981).
Este referencial teórico é aplicável ao manejo de pragas (Liss et al., 1986),
uma vez que o aumento da diversidade de espécies vegetais pode resultar na
diminuição de algumas pragas, devido ao aumento da diversidade e abundância de
artrópodes considerados inimigos naturais de pragas agrícolas (Altieri, 1991).
Como exemplo, populações de pragas da cultura da videira têm apresentado níveis
reduzidos quando em plantios onde outras espécies vegetais são manejadas
simultaneamente (Altieri, 1987). A adoção deste tipo de prática agrícola
apresenta algumas vantagens em relação aos métodos convencionais de controle de
pragas, baseados apenas no uso de produtos químicos: i) baixo custo de
implantação; ii) aumento do rendimento econômico das áreas com produção das
culturas secundárias implantadas; iii) redução dos riscos de contaminação do
ambiente e do trabalhador rural com inseticidas; iv) melhoria na qualidade dos
frutos, por reduzir o nível de resíduos de inseticidas; v) método alternativo
ao pequeno número de inseticidas registrados para o controle de pragas da
videira (Andrei, 1999).
Contudo, ainda são poucos os trabalhos que visam a incrementar o manejo de
pragas da videira através do controle biológico no Brasil (Reis e Melo, 1984;
Reis et al., 1998), devido talvez à inexistência de constatações locais de
potenciais inimigos naturais das pragas desta cultura. Alguns grupos de
inimigos naturais, entretanto, podem apresentar potencialidade de controle de
algumas pragas da cultura da videira (Hickel, 1998).
No caso específico da região Sul do Estado de Minas Gerais, o levantamento
desta informação seria de grande importância socioeconômica, uma vez que o
produtor desta região dispõe de poucos recursos financeiros para compra de
inseticidas para o controle de pragas na cultura. As pragas mais freqüentes e
severas encontradas nesta região são as marombas (Heilipus naevulus) e as
cochonilhas-do-lenho (Duplaspidiotusspp.).
Objetivou-se, neste trabalho, verificar o efeito de diferentes coberturas
vegetais (diversidade e complexidade estrutural) nas entrelinhas de plantios de
videira sobre diversidade e abundância de possíveis inimigos naturais de pragas
da videira, além de identificar grupos de inimigos naturais das pragas desta
cultura. A hipótese testada é que o uso de coberturas vegetais intercalares em
vinhedo estimula o crescimento e a manutenção de populações de inimigos
naturais nesta cultura.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido na Fazenda Experimental de Caldas - EPAMIG, região
Sul do Estado de Minas Gerais, Brasil (21º 55' S 46º 23' W; Alt. 1.150 m). O
trabalho foi realizado em parreiral com dez anos de idade da cv Ives, sinonímia
'Folha-de-Figo' (MG), Bordô (RS), Terci (PR), principal cultivar utilizada na
região de Caldas. O sistema de condução era o de espaldeira com poda em cordão
esporonado bilateral. Os diferentes tipos de cobertura vegetal foram semeados
nas entrelinhas do vinhedo, em parcelas de aproximadamente 60 m2 dispostas
inteiramente ao acaso e adjacentes, com três repetições.
Os tratamentos avaliados foram: cobertura da parcela com aveia-preta (Avena
spp.); cobertura da parcela com a mistura de aveia-preta e ervilhaca (Vicia
spp.) (1:1); cobertura da parcela com a leguminosa ervilhaca; cobertura morta
de capim-gordura (Mellinis minutiflora); parcelas mantidas limpas
constantemente por meio de aplicações periódicas de herbicida (glifosate);
parcelas mantidas limpas por meio de capinas mecânicas manuais; parcelas
mantidas com solo relvado permanente. A instalação dos tratamentos ocorreu
durante abril de 1999.
As coletas de insetos foram realizadas com intervalos de duas semanas entre os
meses de julho a setembro de 1999 e consistiram na captura de insetos sobre as
plantas de videira e sobre a cobertura vegetal das entrelinhas com redes
entomológicas em toda a extensão da parcela.
Para efeito de tabulação de dados, foi considerado inimigo natural potencial,
espécies das famílias Vespidae, Formicidae (exceto Attini), Coccinellidae,
Araneae, Chrysopidae, Syrphidae, amplamente referenciados na literatura como
agentes de controle biológico (Van Driesche e Bellows, 1996). A identificação
das espécies foi realizada com base na morfologia dos indivíduos coletados,
sendo a diversidade de inimigos naturais o número de morfoespécies encontrado.
Também foi registrada a abundância de inimigos naturais, considerada a contagem
direta dos indivíduos por morfoespécies encontradas.
As análises estatísticas constaram de análise de variância, teste de médias
(Tukey, 5%) e análise de resíduos para verificar se o modelo estatístico
escolhido explicava totalmente a variação sistemática do experimento.
RESULTADOS
A cobertura vegetal do solo influenciou tanto a abundância (P<0,001) (Figura
1A) quanto a diversidade (P<0,001) (Figura_1B) de inimigos naturais no vinhedo
avaliado. Dentre os tratamentos utilizados, a ervilhaca em cultivo solteiro e a
ervilhaca consorciada com aveia-preta foram as coberturas vegetais que
proporcionaram maior diversidade e abundância de inimigos naturais. Os menores
valores, tanto para diversidade quanto para abundância de inimigos naturais,
foram encontrados nos tratamentos de capina com herbicida, capina mecânica e
cobertura morta. Assim, a diversidade e abundância de inimigos naturais
correlacionaram-se positivamente com a diversidade vegetal nas entrelinhas dos
vinhedos.
As famílias Vespidae, Formicidae (exceto Attini) e Coccinellidae foram as que
apresentaram o maior número de indivíduos coletados. Também Araneae,
Chrysopidae e Syrphidae foram coletadas, contudo em menor número.
A família Vespidade, dentre as registradas neste trabalho, seria a de maior
potencial no controle das pragas da cultura da videira, devido aos espécimens
ocorrerem em maior número e também por serem exímios predadores de lagartas
(Hickel, 1998).
DISCUSSÃO
A manutenção da diversidade vegetal, tanto dentro das áreas de cultivo da
videira quanto em áreas adjacentes a esta, aparentemente estimula a manutenção
de populações de inimigos naturais das pragas. Este padrão de diversidade é
identificado, também, em outras culturas (Altieri e Letournaeu, 1984). Este
fato deve-se provavelmente ao aumento e distribuição de alimento e à melhoria
das condições para crescimento, reprodução e refúgio destas populações.
Neste trabalho, foi identificada uma relação positiva entre a diversidade e a
abundância de inimigos naturais de pragas e a cobertura vegetal nas entrelinhas
de vinhedos. Os maiores valores médios de diversidade e abundância de inimigos
naturais foram encontrados nos tratamentos onde se encontravam duas espécies
vegetais cultivadas simultaneamente: neste caso, ervilhaca e aveia-preta,
enquanto os menores valores médios foram encontrados nos tratamentos onde a
cobertura vegetal do solo foi totalmente retirada: neste caso, onde foi feita a
capina mecânica total das parcelas ou onde foi aplicado herbicida, demonstrando
que o manejo da cobertura vegetal do solo influencia as populações de inimigos
naturais de pragas da videira.
As famílias Formicidae (exceto Attini) e Vespidae foram as que apresentaram
maior número médio de indivíduos ao longo das coletas, devido, provavelmente,
ao fato de serem insetos sociais. Estas famílias são importantes inimigos
naturais, agindo como predadores (Auad et al., 1997) e, ao que parece, poderiam
potencialmente ser utilizadas em programas de manejo integrado ou controle
biológico de pragas da videira.
Algumas restrições, contudo, devem ser mencionadas para que a utilização de
culturas intercalares como método de manutenção de inimigos naturais em
vinhedos possa ser usada de forma eficiente: i) após a poda de inverno, devem-
se realizar capinas nas linhas de plantio para que não haja competição por
umidade e nutrientes no solo entre as videiras e as culturas intercalares; ii)
em locais onde a pérola-da-terra é uma praga freqüente, as culturas
intercalares podem ser hospedeiras desta praga; iii) e vespas, em situações de
escassez de recursos alimentares, também podem provocar injúrias a bagas
maduras (Hickel e Schuck, 1995).
Assim, a manutenção da cobertura vegetal do solo pode vir a ser um componente
em um programa de manejo integrado de pragas da videira, justificando a
aplicação desta técnica. Contudo, é importante ressaltar que não foi registrada
a influência dos inimigos naturais coletados neste trabalho sobre as populações
de pragas da videira na região. Este seria o passo seguinte, para se comprovar
a potencialidade dos agentes de controle biológico presentes na cobertura
vegetal no controle de pragas da videira.
CONCLUSÃO
A cobertura vegetal do solo em vinhedos influencia a diversidade e abundância
de inimigos naturais de pragas em vinhedos, podendo vir a ser um componente em
programas de manejo integrado de pragas na cultura de videira.