AVALIAÇÕES FÍSICO-QUÍMICAS EM FRUTOS DE DIFERENTES GENÓTIPOS DE ACEROLA
(MALPIGHIA PUNICIFOLIA L.)
AVALIAÇÕES FÍSICO-QUÍMICAS EM FRUTOS DE DIFERENTES GENÓTIPOS DE ACEROLA
(MALPIGHIA PUNICIFOLIA L.)1
INTRODUÇÃO
Diversas pesquisas vêm sendo realizadas, nas diferentes áreas componentes do
segmento de pós-colheita, visando à descoberta de novas fontes nutricionais e
sua utilização, a redução de perdas pós-colheita, o aproveitamento de
subprodutos e resíduos da produção agrícola para a alimentação humana e animal
e a minimização das perdas nutricionais provocadas pelo processamento de
alimentos.
As frutas e vegetais são responsáveis por 95% das fontes de ácido ascórbico da
alimentação humana, sendo este ácido um dos mais importantes nutrientes
encontrados nestes alimentos (Henshall, 1981).
A acerola destaca-se como uma fonte nutricional com elevado conteúdo de
vitamina C. O teor de ácido ascórbico em acerola tem sido reportado por vários
autores. Asenjo & Guzman (1946) relataram valores entre 1.000 e 3.300 mg de
ácido ascórbico por 100 g de polpa de acerola; Jafle et al. (1950), na
Venezuela, encontraram o valor médio de 1.130 mg; Cravioto (1951), no México,
obteve o valor de 2.520 mg; Jackson & Pennock (1958), em Porto Rico, entre
1.580 e 2.750 mg; Miller et al. (1961), no Havaí, de 2.329 mg. No Brasil, Rocha
(1988) encontrou teores ao redor de 1.500 mg por 100 g de polpa. Cavalcante
(1991) determinou o teor de vitamina C em frutos provenientes dos Estados de
Pernambuco, Ceará e São Paulo, obtendo os valores médios de 2.808, 1.949 e
1.640 mg de ácido ascórbico por 100 g de polpa, respectivamente. O mais alto
valor de ácido ascórbico reportado na literatura ¾ 4.676 mg de ácido ascórbico
por 100 g de matéria comestível - foi obtido por Mustard (1946), em frutos
verdes colhidos na Flórida.
A quantidade de vitamina C encontrada em acerola apresenta diferenças de acordo
com a variedade (aspecto genético), o estágio de maturação do fruto, a época do
ano da colheita, os métodos culturais, a fertilidade e disponibilidade de
nutrientes do solo e o clima (temperatura, precipitação pluvial, insolação) do
local de cultivo (Nakasone et al., 1966; Henshall, 1981).
Frutos verdes apresentam maior concentração de ácido ascórbico em comparação
aos parcialmente ("de vez") ou completamente maduros (Asenjo, 1946;
Mustard, 1946; Asenjo & Moscoso, 1950; Arostegui et al., 1955; Moscoso,
1956). Itoo et al. (1990) compararam os teores de ácido ascórbico de frutos de
aceroleiras cultivadas em três diferentes regiões do Japão, colhidos em três
estágios de maturação (com coloração verde- clara ¾ imaturos; vermelho-clara ¾
"de vez" e vermelho-intensa ¾ maduros). O teor de ácido ascórbico dos
frutos imaturos foi o mais alto encontrado ¾ 3200 mg / 100 g de polpa ¾
diminuindo com o amadurecimento dos frutos. A região de cultivo teve influência
na concentração de ácido ascórbico dos frutos.
O Brasil apresenta condições ideais para o cultivo da acerola, sendo um dos
maiores produtores mundiais desta fruta, com parte de sua produção
comercializada na forma de polpa. Entretanto, essa planta ainda não possui
variedades definidas, consistindo em um dos principais fatores que, associado
ao plantio de mudas obtidas por via sexuada, levam à grande desuniformidade
(quantitativa e qualitativa) da produção brasileira desta fruta.
Couceiro (1986) mencionou trabalhos de melhoramento realizados nas
Universidades de Porto Rico, Havaí e Flórida, nos quais foram selecionadas e
produzidas variedades e clones com boas características agronômicas (porte da
planta, produtividade, tamanho do fruto) e relacionadas à qualidade dos frutos
(sabor e conteúdo de vitamina C). As variedades que apresentaram teor de ácido
ascórbico superior a 1.000 mg por 100 g de suco foram consideradas
satisfatórias. Classificaram-se as variedades em doces e ácidas com base na
avaliação sensorial (sabor) dos frutos. Dentro dos grupos ácido e doce, adotou-
se como critério de seleção, primeiramente, o teor vitamínico (Nakasone et al.,
1968; Arostegui, 1955) e, secundariamente, outras características como porte da
planta e produtividade; tamanho e teor de açúcares dos frutos (Alves, 1992).
Foram selecionadas as variedades B-17 e B-15 (grupo ácido) na Agricultural
Experiment Station ¾ University of Porto Rico; a Florida Sweet ou K-7 (grupo
doce) na Tropical Experiment Station -University of Florida; a Mamoa Sweet (4-
43), Tropical Ruby (9-68), Hawaiian Queen (8E-32) (grupo doce) e J. H. Beaumont
(3B-21), C. F. Rehnborg (22-40), F. Haley (3 a\b), Red Jumbo (3B-1), Maunawili
(8) (grupo ácido) na Hawaii Agricultural Experiment Station - University of
Hawaii. Jackson e Pennock (1958) avaliaram a variedade B-15 durante cinco anos
e encontraram médias de 2.000 mg de ácido ascórbico por 100 g de polpa.
No Brasil, existe uma carência de material genético de elite. Há poucas
variedades superiores recomendadas e informações disponíveis a este respeito.
A Embrapa Mandioca e Fruticultura apresenta cerca de 150 genótipos de acerola
em seu Banco Ativo de Germoplasma, que vêm sendo descritos quanto a
características agronômicas e físico-químicas dos frutos, por meio de análises
de pH, acidez, sólidos solúveis totais e vitamina C.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar aspectos químicos e físico-
químicos dos frutos de doze genótipos de acerola em processo de seleção pela
Embrapa Mandioca e Fruticultura,visando, principalmente, a identificar aqueles
com altos teores de vitamina C e relação Brix/acidez.
MATERIAIS E MÉTODOS
No presente estudo, foram utilizados frutos em estágio de maturação "de
vez" (frutos vermelhos com porção ¾ 30% - amarelada) colhidos na safra de
setembro a outubro dos anos de 1997 e 1998 (estando as plantas com,
respectivamente, 45/46 e 57/58 meses de plantio). A colheita foi feita ao acaso
e os frutos foram selecionados, eliminando-se os estragados e os que não se
encontravam no estágio de maturação adequado. As análises dos frutos foram
realizadas imediatamente após a colheita.
Foram utilizados frutos de genótipos de aceroleira do Banco Ativo de
Germoplasma da Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas, BA),
provenientes da cidade de Nova Soure, região noroeste da Bahia, propagados por
estaquia. A área na qual foram plantados, tem solo tipo Latossolo Amarelo. A
adubação de plantio (na cova) correspondeu a 20 L de esterco bovino, 300 g de
superfosfato simples, 70 g de cloreto de potássio e 30 g de FTE por planta e,
após seis meses, procedeu-se à aplicação de 100 g de uréia (por cobertura). A
adubação de manutenção aplicada no ano de 1997 correspondeu a 134 g de uréia,
134 g de cloreto de potássio e 800 g de superfosfato simples; a aplicada em
1998 correspondeu a 260 g de uréia e 530 g de cloreto de potássio por planta. O
cultivo foi conduzido sem irrigação. O delineamento adotado para o plantio dos
genótipos foi o inteiramente casualizado, com cinco repetições por genótipo
(uma planta representando uma repetição).
Os frutos foram analisados quanto ao pH (medida direta em potenciômetro),
acidez total titulável (método no 22.038 da A.O.A.C., 1984), sólidos solúveis
totais (leitura direta em refratômetro) e ácido ascórbico (método no 43.056 da
A.O.A.C., 1984, modificado por Benassi, 1990, que substituiu o solvente
extrator ácido metafosfórico por ácido oxálico).
O delineamento experimental utilizado para as análises químicas e físico-
químicas dos frutos correspondeu ao inteiramente casualizado, considerando-se
12 genótipos (fator de variação) e três repetições por genótipo. Foram colhidos
30 frutos de cada uma das cinco plantas de cada genótipo, totalizando 150
frutos por genótipo. Deste total, foram retiradas três amostras com 30 frutos
cada. As análises estatísticas foram feitas empregando-se análise de variância,
seguida de teste Tukey para a comparação de médias.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de pH obtidos foram superiores a 3,0 (3,08 ¾ 3,57) em todos os
genótipos analisados (Tabela_1). Estes valores estão dentro da faixa
considerada normal para acerola neste estágio de maturação ("de vez")
e próximos dos valores encontrados por Asenjo & Moscoso (1950) - entre 3,1
e 3,3. Para esta variável, não houve interação entre os fatores genótipo e ano.
Os genótipos CMF019 e CMF018 apresentaram os menores valores para pH, diferindo
significativamente dos genótipos CMF016, CMF009, CMF015 e CMF010. Os valores de
pH obtidos para os genótipos CMF022 e CMF005 foram significativamente
inferiores apenas ao do genótipo CMF010, que apresentou o maior valor para esta
variável. O valor médio de pH obtido em 1997 foi significativamente inferior ao
obtido em 1998 (Tabela_1).
A acidez total titulável variou entre 0,69 e 1,65% (Tabela_1). Os genótipos
CMF022 e CMF005, que apresentaram valores baixos para pH, obtiveram
porcentagens de acidez elevadas nos dois anos do experimento (p³0,05); os
genótipos CMF019 e CMF018, que apresentaram os menores valores de pH, obtiveram
porcentagens de acidez altas nos anos de 1997 e 1998, respectivamente. A
interação entre genótipo e ano foi altamente significativa para esta variável
(Tabela_1). Em 1997, o genótipo CMF 022 apresentou a maior porcentagem de
acidez, não diferindo significativamente dos genótipos CMF005 e CMF019,
enquanto os genótipos CMF015, CMF010 e CMF020 obtiveram os menores valores para
acidez, não diferindo significativamente apenas dos genótipos CMF009 e CMF016.
Em 1998, os genótipos CMF005 e CMF022, novamente, e o genótipo CMF018
apresentaram valores de acidez superiores aos dos demais genótipos (sendo que
os genótipos CMF005 e CMF022 não diferiram significativamente dos CMF017 e
CMF019); as menores porcentagens de acidez encontradas foram as dos genótipos
CMF015, CMF009 e CMF020 que, porém, não diferiram daquelas encontradas para os
genótipos CMF010, CMF007, CMF008 e CMF016. Exceto para os genótipos CMF010 e
CMF015, cujos valores não diferiram entre anos, os valores de acidez obtidos
para os demais genótipos foram significativamente mais altos em 1997.
Os teores de ácido ascórbico encontrados variaram de 835 a 1.820 mg por 100 g
de polpa. Asenjo & Moscoso (1950), em trabalho conduzido em Porto Rico,
obtiveram valores entre 1.338 e 2.360 mg de ácido ascórbico por 100 g de polpa
para frutos "de vez"; Guadarrama (1984) relatou valores médios de
1.500 mg de ácido ascórbico por 100 g de polpa. Todos os genótipos, exceto os
CMF015, CMF008, CMF007 e CMF020 analisados em 1998, apresentaram teores acima
de 1.000 mg de ácido ascórbico por 100 g de polpa, valores satisfatórios,
segundo Couceiro (1986). Os genótipos CMF022 e CMF019 apresentaram teores de
ácido ascórbico superiores aos dos demais genótipos nos dois anos do
experimento. Em 1997, os genótipos CMF005, CMF008, CMF019 e CMF022 apresentaram
os maiores teores de vitamina C, sendo que os genótipos CMF019 e CMF022 não
diferiram significativamente dos CMF017, CMF018 e CMF010; em 1998, os genótipos
CMF018 e CMF022 apresentaram teores de vitamina C mais altos que os dos demais,
não diferindo significativamente apenas dos genótipos CMF019 e CMF017. Exceto
para os genótipos CMF009, CMF018 e CMF020, cujos teores de ácido ascórbico não
diferiram entre anos, os valores encontrados em 1997 foram superiores aos de
1998. Este resultado poderia ser explicado pelo baixo índice pluviométrico
observado nos meses de agosto a outubro do ano de 1997, em média 56,7 mm,
contra 88,5 mm para o mesmo período em 1998, e particularmente pelo observado
no mês de setembro de 1997, de apenas 9,4 mm, contra 72,3 mm em 1998 (Tabela
2). Segundo Simão (1971), em condições de baixa precipitação pluviométrica,
ocorre a formação de frutos com menor teor de umidade e, conseqüentemente,
maior concentração dos demais componentes, inclusive açúcares, ácidos orgânicos
e ácido ascórbico. Vale ressaltar que os teores de acidez e sólidos solúveis
totais também foram maiores para os frutos analisados em 1997. Reforça esta
explicação a referência de Moscoso (1956) a uma possível influência da
quantidade de água disponível para a planta sobre o teor de ácido ascórbico do
fruto. Os genótipos que apresentaram os maiores teores de vitamina C, CMF022 e
CMF019 em 1997 e 1998, CMF005 em 1997 e CMF018 em 1998, apresentaram também as
maiores porcentagens de acidez. Diversos autores (Asenjo & Guzman, 1946;
Moscoso, 1950; Nakasone et al., 1968 e Couceiro, 1986) mencionam o fato de que
variedades de acerola mais ácidas apresentam teores mais altos de vitamina C.
Os teores de sólidos solúveis totais obtidos variaram de 6,0 a 11,6° Brix. Os
genótipos CMF008 e CMF005 apresentaram teores altos de sólidos solúveis totais
nos dois anos do experimento, sendo significativamente superiores aos demais
genótipos no ano de 1997. O maior teor de sólidos solúveis totais encontrado em
1998 foi o do genótipo CMF018, embora este não tenha diferido
significativamente dos teores obtidos para seis outros genótipos (CMF008,
CMF009, CMF010, CMF015, CMF017 e CMF015). Não houve influência do fator ano
para vários genótipos (CMF009, CMF010, CMF015, CMF016, CMF017 e CMF022) (Tabela
1). Para os genótipos cujos teores de sólidos solúveis totais diferiram
significativamente entre anos, os valores obtidos em 1997 foram superiores aos
obtidos em 1998, exceto pelo genótipo CMF018.
Os valores encontrados para a relação Brix/acidez variaram de 4,24 a 11,59. Os
genótipos CMF022, CMF018 e CMF019 apresentaram os menores valores para a
relação Brix/acidez e os genótipos CMF015, CMF008 e CMF010 apresentaram os
maiores valores para este índice nos dois anos do experimento. A relação Brix/
acidez indica o grau de equilíbrio entre o teor de açúcares e ácidos orgânicos
do fruto (Viégas, 1991) e está diretamente relacionada à sua qualidade quanto
ao atributo sabor, sendo, portanto, um importante parâmetro a ser considerado
na seleção de "variedades de mesa", isto é, para consumo "in
natura" (Couceiro, 1986).
Observou-se, neste trabalho, que os genótipos que apresentaram boa relação
Brix/acidez continham, em contrapartida, baixos teores de vitamina C. Isto
poderia ser explicado, em parte, pelo fato de haver uma relação direta entre o
teor de ácidos totais e o teor de ácido ascórbico em frutos de acerola. Os
genótipos cujos frutos apresentam baixos teores de acidez e ácido ascórbico,
apresentaram maior relação Brix/acidez para um mesmo teor de sólidos solúveis
totais. Esta observação é um indicativo de que, dificilmente, um mesmo genótipo
somaria as características de elevada relação Brix/acidez e alto teor de
vitamina C. Se esta proposição se confirmar verdadeira, a seleção de genótipos
deverá ser direcionada para uma ou outra característica: elevada relação Brix/
acidez ou alto teor de ácido ascórbico.
CONCLUSÕES
Considerando-se todas as determinações químicas e físico-químicas realizadas,
destacaram-se os genótipos CMF022, CMF019 e CMF017, por apresentarem teores
elevados de vitamina C, e os genótipos CMF015, CMF008 e CMF010, por
apresentarem boa relação Brix/acidez, nos dois anos do experimento. Os
genótipos CMF005 e CMF008, em 1997, e CMF017 e CMF018, em 1998, obtiveram os
valores mais altos para vitamina C, e os genótipos CMF020, em 1997, e CMF009,
em 1998, os maiores valores para a relação Brix/acidez, merecendo maiores
estudos no sentido de se verificar se os elevados valores obtidos em anos
isolados se confirmam.