OBTENÇÃO E UTILIZAÇÃO DA ENZIMA POLIFENOLOXIDASE EXTRAÍDA DE POLPA DE PINHA
(Annona squamosa L.) MADURA NO MELHORAMENTO DO SABOR DO CACAU (Theobroma cacao
L.)
OBTENÇÃO E UTILIZAÇÃO DA ENZIMA POLIFENOLOXIDASE EXTRAÍDA DE POLPA DE PINHA
(Annona squamosa L.) MADURA NO MELHORAMENTO DO SABOR DO CACAU (Theobroma cacao
L.)1
INTRODUÇÃO
As enzimas polifenoloxidases (PPO) são amplamente distribuídas na natureza,
responsáveis pela oxidação de compostos fenólicos, as quais, na presença de
oxigênio, os transformam em quinonas coloridas que participam, posteriormente,
das reações de polimerização para dar origem às melonoidinas, caracterizadas
pelo aparecimento da coloração marrom-escura.
A presença e a atividade da enzima polifenoloxidase (PPO), durante a
fermentação e a secagem das amêndoas de cacau, são um dos fatores responsáveis
pelo desenvolvimento dos precursores do sabor, começando na fase oxidativa da
fermentação e continuando na secagem (Roelofsen, 1958; Vámos-Vigyázó, 1981;
Wong, et al., 1990).
O papel da PPO e a importância da mesma na produção do sabor característico de
chocolate não estão bem compreendidos; contudo, uma baixa atividade da enzima
ou condições que podem levar a uma redução da atividade têm sido apontadas como
os fatores responsáveis por uma queda na produção de precursores de sabor de
chocolate. A importância desta enzima é freqüentemente mencionada de forma
implícita na redução do sabor adstringente do cacau ( Reeves et al., 1988).
Mahanta et al. (1993) estudaram a atividade específica da PPO e peroxidase,
responsáveis pela formação de compostos escuros conhecidos como teoflavinas que
ocorrem em chá- preto. A maior atividade de ambas as enzimas foi observada na
laminação, resultado da injúria mecânica, levando à polimerização oxidativa
(escurecimento enzimático) do chá-preto fermentado.
Para Yoshiyama & Ito (1996), a enzima PPO de fonte microbiana de Coriolus
versicolor foi bem efetiva na diminuição da adstringência de sementes de cacau
pelos compostos fenólicos como flavonóides e proantocianidinas, bem como
diminuindo consideravelmente os compostos fenólicos totais, naturalmente
presentes no cacau.
O presente trabalho teve como objetivo estudar a aplicabilidade industrial da
enzima polifenoloxidase extraída da polpa de pinha (Annona squamosaL.) madura,
como conhecimento fundamental para estabelecer parâmetros de sua utilização na
formação de pigmentos e melhoria do sabor de cacau (Theobroma cacao L.).
MATERIAL E MÉTODOS
A enzima polifenoloxidase (PPO) foi extraída de polpa de pinha madura (Annona
squamosa L.) cultivada na região de Lins- SP, colhida com ±110 dias de
desenvolvimento após a floração. O extrato enzimático da polpa de pinha madura
foi obtido, utilizando-se 1000g de amostra em 2000 mL de solução tampão fosfato
de potássio 0,025 M (pH 7,5). A extração foi feita a 4ºC em liquidificador,
durante 3 minutos. O homogeneizado foi centrifugado a 11.000 x g durante 15
minutos a 0ºC, e o sobrenadante mantido a 4ºC, condições desenvolvidas de
acordo com Lima & Pastore (1997). Ao sobrenadante do extrato enzimático
bruto, obtido com tampão fosfato de potássio 0,025M (pH 7,5), foi adicionado
sulfato de amônio em quantidade suficiente para fornecer 80% de saturação. O
sal foi adicionado lentamente com agitação branda, e a mistura permaneceu em
repouso por 24 horas, a 4°C para precipitação da enzima. A mistura foi
centrifugada a 11.000 x g por 15 minutos, a 0°C, reservando-se o precipitado. O
precipitado foi dialisado contra água destilada em membrana de acetato de
celulose por 24 ou 48 horas, a 4°C. Após a diálise, a fração protéica foi
precipitada com álcool etílico gelado a 70%, e sua separação realizada por
centrifugação a 11.000 x g durante 15 minutos, a 0°C, sendo posteriormente seca
à temperatura entre 10 e 15°C e pulverizada. O material em pó foi denominado de
enzima parcialmente purificada obtida por Lima & Pastore (1997) e Lima
(1999).
A atividade da PPO foi determinada através da mistura de reação constituída de
0,1 mL da solução de enzima parcialmente purificada, 1,2 mL de substrato
catecol 15 mM em tampão fosfato de potássio 0,025M (pH 7,0) e 1,7 mL do mesmo
tampão fosfato de potássio 0,025M (pH 7,0), perfazendo um total de 3,0 mL. Para
o branco, foi usada a mistura de solução tampão mais solução do substrato. A
atividade da enzima foi calculada pela inclinação linear da curva. Uma unidade
de atividade de PPO foi definida como a quantidade da enzima que ocasiona um
aumento na absorbância de 0,001/min/mL (Oktay et al.,1995).
Foi estudada a redução de substâncias polifenólicas, utilizando a
polifenoloxidase parcialmente purificada em pó, extraída de polpa de pinha
madura (Annona squamosa L.) com atividade inicial de 7.000 U/min/mL, para o
preparo da solução de enzima com 200 U/min/mL, apresentando pH e temperatura de
estabilidade de 6,0 a 7,5 e de 10 a 30 °C, respectivamente (Lima & Pastore,
1997; Lima, 1999). O efeito do pH na estabilidade da atividade da PPO foi
estudado na faixa de pH 3,0 a 10,0. A solução enzimática foi misturada com
tampão de diferentes pH incubada na temperatura ótima (20°C) por 20 horas, de
acordo com Fujita et al. (1988) e Fujita et al. (1991). Foram utilizados os
sistemas tampões citrato-fosfato 0,1M (pH 3,0 a 5,5), fosfato de potássio 0,05M
(pH 6,0 a 8,0) e Tris-HCl 0,1M (pH 8,5 a 10,0). A atividade enzimática residual
de PPO foi determinada de acordo como descrito anteriormente. Para o estudo da
estabilidade térmica da PPO parcialmente purificada, tratou-se uma solução de
enzima 1%, colocando-se alíquotas em tubos de ensaio com tampas e pré-incubando
a temperaturas de 10; 15; 20; 30; 40; 50; 60; 70 e 80°C por 30 minutos, de
acordo com Fujita et al. (1988). Após o tempo de tratamento, as soluções foram
resfriadas imediatamente e a atividade enzimática residual determinada.O
tratamento com polifenoloxidase foi realizado em "nibs" autoclavados
(121 °C durante 15 minutos) e em "nibs" não autoclavados. Para cada
tratamento enzimático, 50g de "nibs", para cada replicata, foram de
amêndoas cruas insuficientemente fermentadas e secas, da mesma origem, sendo
embebidas em 25 mL de uma solução da enzima contendo 200 U/min/mL, durante 30;
60; 90; 210 e 360 minutos, a 23°C e pH 6,0. Os "nibs" foram
homogeneizados com a solução de enzima a cada 15 minutos, secos, moídos e
desengordurados.
A extração dos fenóis foi realizada segundo a metodologia modificada, descrita
por Bartolomé et al. (1995), dos "nibs" finamente moídos e
desengordurados com hexano. Do pó desengordurado e seco, foram pesadas
alíquotas de 1g para extração com 15 mL de uma solução de acetona/água (70:30)
em refrigeração a 4°C, com agitação durante 20 minutos, e finalmente
centrifugadas por 10 minutos, a 2.942 x g. Alíquotas de 0,5 mL do sobrenadante
foram completadas com 0,5 mL de água destilada e submetidas à determinação. A
quantificação de fenóis totais foi realizada de acordo com metodologia descrita
por Price & Butler (1977).
Para a extração de taninos, alíquotas de 0,05 g de pó de cacau desengordurado
foram pesadas e extraídas em 4 etapas com MeOH 50%, sendo a primeira etapa da
extração conduzida com 2mL de MeOH 50% com agitação durante 8 minutos; a
segunda etapa foi realizada em um banho de água a 80-85 °C com 2 mL de MeOH 50%
sem agitação, com tempo de permanência de 8 minutos; a terceira etapa foi
idêntica à segunda; e a quarta etapa foi realizada com adição de 4mL de MeOH
50% nas mesma condições das anteriores. Ao final do processo de extração, foram
obtidos 10 mL de extrato. A quantificação foi realizada seguindo a metodologia
descrita por Hargerman & Butler (1978).
A determinação de flavan-3-ois foi conduzida seguindo a metodologia modificada,
descrita por Maillard et al. (1996). Para a quantificação, alíquotas de pó de
cacau desengordurado e seco de 0,025g foram extraídas 4 vezes, durante 10
minutos, com 10 mL de MeOH em cada extração. Todos os extratos reunidos foram
filtrados através de papel de filtro evaporado para secagem. O resíduo foi
dissolvido em 5 mL de sulfato de amônia (400g/L). Esta mistura foi acidificada
até pH 3,0 com ácido metafosfórico (200g/mL) e, com a ajuda de um funil de
separação, realizaram-se 3 extrações com 10 mL de acetato de etila em cada
extração. Os 30 mL recuperados da extração foram evaporados, obtendo-se um
resíduo seco que, posteriormente, foi dissolvido em 15 mL de MeOH. Para a
quantificação, utilizou-se de uma curva padrão com diferentes concentrações de
(+) catequina (0,2; 0,3; 0,4; 0,5; 0,6; 0,7 e 0,8 mg/mL).
A determinação de antocianidinas foi realizada seguindo a metodologia
modificada, descrita por Oszmianski & Sapis (1988), em Wilska-Jeska &
Koren (1996). Para a extração e quantificação, foi utilizado 0,05 g de pó de
cacau desengordurado e seco, sendo extraídos 4 vezes com 2,5 mL de uma solução
de HCl 1,5 N e etanol absoluto (85:15) com agitação durante 3 minutos em cada
extração e finalmente centrifugação durante 5 minutos a 3.397 x g. O total dos
sobrenadantes (10 mL) foram recolhidos num béquer e evaporados até a secura,
sendo que o resíduo foi dissolvido em 5 mL de etanol e a leitura realizada em
espectrofotômetro a 535 e 460 nm, com resultados expressos em unidades de
absorbância.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das características bioquímicas da enzima PPO, parcialmente
purificada de polpa de pinha madura em relação ao pH e temperatura de
estabilidade aplicada neste estudo, são mostrados nas Figuras_1 e 2. A Figura_1
indica que a enzima foi estável entre pH 6,0 a 7,5 e reteve ao redor de 90% de
atividade na faixa de pH 6,0 a 8,0.
A Figura_2 ilustra que a PPO foi estável nas temperaturas de 10 a 30ºC durante
1 hora, sendo inativada rapidamente em temperaturas superiores a 50ºC. Estes
resultados garantiram a aplicação da enzima no processo de melhoria dos
"nibs" do cacau.
A Tabela_1 apresenta os resultados da quantificação de fenóis totais em pó de
cacau desengordurado obtido a partir de "nibs" de cacau tanto
autoclavados como não autoclavados com e sem tratamento enzimático. A
diminuição de fenóis totais no tratamento enzimático dos "nibs" não
autoclavados chegou a 15% após 210 minutos; já no caso dos "nibs"
autoclavados, esta perda chegou a 24%. Estas percentagens foram obtidas em
relação a "nibs" não autoclavados e sem tratamento enzimático. Estes
resultados são consistentes com os relatos de Yoshiyama & Ito (1996), no
sentido de que a diminuição de fenóis totais com o uso de PPO, em
"nibs" de cacau insuficientemente fermentados, atingiu valores na
ordem de 25%.
A Tabela_2 apresenta os resultados da quantificação de taninos em pó
desengordurado obtido a partir de "nibs" autoclavados e não
autoclavados tratados enzimaticamente. Pode-se observar que a diminuição de
taninos, após 210 minutos de tratamento, chegou a 15% no caso dos
"nibs" não autoclavados e a 26% nos "nibs" autoclavados.
Observa-se, na Tabela_3, que apresenta os resultados da quantificação de
flavan-3-ois em pó desengordurado obtido a partir de "nibs"
autoclavados e não autoclavados tratados enzimaticamente, que a perda de
flavan-3-ois, após 210 minutos de tratamento, chegou a 10% no caso dos
"nibs" não autoclavados e a 23% nos "nibs" autoclavados. A
autoclavagem aqui, como em todos os outros tratamentos, teve uma influência
positiva no que diz respeito à ação da enzima, aumentando consideravelmente a
diminuição dos compostos polifenólicos.
Os resultados apresentados na Tabela_3 diferem dos resultados relatados por
Yoshiyama & Ito (1996), que obtiveram uma redução na ordem de 55%. Essa
diferença, com nossos resultados, pode ser atribuída às condições de processo e
mesmo à origem da PPO utilizada.
Na Tabela_4, pode-se observar os resultados da quantificação de antocianidinas
realizada em pó desengordurado que fora obtido a partir de "nibs"
autoclavados e não autoclavados tratados enzimaticamente. Novamente a
diminuição dos compostos polifenólicos em "nibs" autoclavados foi
maior comparada com a diminuição em "nibs" não autoclavados; contudo,
a diminuição dos compostos fenólicos foi significativa nos dois tratamentos.
A diminuição de antocianidinas, após 210 minutos de tratamento, chegou, no caso
dos "nibs" não autoclavados, a 18% e a 51% nos "nibs"
autoclavados. Como aconteceu com os resultados encontrados para a redução de
fenóis totais, os resultados na diminuição de antocianidinas são próximos dos
dados relatados por Yoshiyama & Ito (1996). Estes pesquisadores
determinaram que, após o tratamento enzimático com PPO, o teor de redução das
antocianidinas, em pó de cacau pouco fermentado, ficou em torno de 55%, e que
foi o mais alto comparado com os outros polifenóis. Após observar a redução
destes compostos (antocianidinas), durante o tratamento enzimático, e baseado
no relato de Hancock (1988), que relaciona a redução de antocianidinas e
taninos com uma diminuição da adstringência no cacau, é possível sugerir que
esta diminuição tem uma relação direta com uma queda na adstringência
característica de amêndoas pouco fermentadas (violetas). Esta diminuição foi
levantada por alguns provadores durante a análise sensorial realizada com o
produto tratado enzimaticamente.
CONCLUSÕES
A partir dos resultados deste estudo, pode-se concluir que o tratamento
enzimático com a polifenoloxidase extraída da polpa de pinha madura
possibilitou melhorar o sabor dos "nibs" de cacau, pois:
1. Apresentou redução significativa dos compostos fenólicos, presentes no cacau
insuficientemente fermentado, através do uso da enzima polifenoloxidase.
2. Obteve-se uma redução significativa dos teores de antocianidinas em
"nibs" autoclavados e tratados enzimaticamente, onde,
conseqüentemente, a cor violeta característica da pigmentação destas
antocianidinas diminui, dando lugar à cor marrom característica de um cacau
fermentado.