Herdabilidade da necessidade de calor para a antese e brotação em pessegueiro
Herdabilidade da necessidade de calor para a antese e brotação em pessegueiro1
Heritability of heat requirement for blooming and leafing in peach
Idemir CitadinI; Maria do Carmo Bassols RaseiraII; Alberto Centellas QuezadaII;
João Baptista da SilvaIII
IProfessor, CEFET-PR, PR 469, Km 01, Cx. Postal 571, CEP. 85501-970, Pato
Branco, PR. Idemir@pb.cefetpr.br
IIPesquisador, Embrapa Clima Temperado, Cx. Postal 403, CEP 96001-970, Pelotas,
RS. bassols@cpact.embrapa.br
IIIProfessor Livre Docente, Departamento de Física e Matemática, Universidade
Federal de Pelotas
INTRODUÇÃO
As condições climáticas das áreas produtoras de pêssegos no Brasil são muito
variáveis, principalmente com relação à temperatura durante o período de
repouso das plantas. Em geral, estas áreas caracterizam-se por apresentar
invernos amenos com grande flutuação de temperatura, típico de regiões
subtropicais. Em muitas áreas, ocorrem geadas tardias, principalmente em agosto
e setembro. As cultivares mais adaptadas a este tipo de clima têm baixa
necessidade de frio (entre 150 a 500 horas abaixo de 7,2 ºC) durante a
endodormência (Raseira & Nakasu, 1998). Uma vez satisfeita esta
necessidade, algumas cultivares iniciam o florescimento, pois apresentam um
período de ecodormência curto, caracterizado pela baixa necessidade de calor.
Outras, porém, estendem o período de ecodormência, pois necessitam acumular
calor para completarem o desenvolvimento das gemas e iniciarem o florescimento
(Citadin et al., 2001). Estes pesquisadores demonstraram que o acúmulo
prolongado de frio (acima das reais necessidades das cultivares) caracteriza-se
por antecipar mais a brotação do que a floração, e que gemas florais e
vegetativas de uma mesma cultivar têm diferentes necessidades de calor durante
a ecodormência. Observações feitas em Byron, Georgia, indicaram que um genótipo
de floração tardia 'Pi Tao' (PI-62602) tem uma baixa necessidade de frio. Da
mesma forma, seleções provenientes de Aguascalientes, México, têm baixa
necessidade de frio, porém apresentam florescimento tardio em regiões
temperadas (Scorza & Okie, 1990). Scorza & Sherman (1996) referem-se
que os componentes genéticos envolvidos com o controle da floração não foram
completamente determinados. Isto devido à grande interação existente entre
necessidade de frio e calor para a floração, aos efeitos relativos às estações
do ano e efeitos condicionados por genes que controlam outras características
(pleiotropia). O conhecimento mais detalhado dos fatores genéticos e/ou
ambientais que controlam a floração e brotação em pessegueiro, possibilitaria a
criação de cultivares melhor adaptadas às regiões subtropicais. Genótipos com
alta necessidade de frio não se desenvolveriam bem nestas condições. Da mesma
forma, genótipos com baixa necessidade de frio durante a endodormência e baixa
necessidade de calor durante a ecodormência estão sujeitos a perdas por geadas
tardias. O objetivo deste trabalho foi estudar a herdabilidade do caráter
necessidade de calor e caracterizar os efeitos ambientais e/ou fisiológicos
relacionados a esta característica.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido em 1999 e 2000, na Embrapa Clima Temperado, Pelotas,
Rio Grande do Sul (latitude 32º45' S e longitude 52º30'W).
Foram observados 197 indivíduos pertencentes a 11 populações (Tabela_1) e os 16
genitores que as originaram, todos cultivados em condições de campo. Ramos de
um ano, entre 20 a 30 cm de comprimento, foram coletados das plantas em meados
de maio de 1999 e 2000, antes que ocorressem, a campo, temperaturas inferiores
a 7,2ºC. Cada população foi representada por 20 plantas (exceto S.95.23 e
S.96.45, representadas por nove e oito plantas, respectivamente), enquanto os
genitores foram representados por três plantas (clones), sendo retirados 10
ramos de cada uma. Nas progênies, foram retirados de 6 a 8 ramos por planta,
conforme a disponibilidade, sem comprometer a produção, sendo que as plantas
amostradas foram sorteadas, em 1999 e 2000, para populações acima de 20
indivíduos. Os ramos de cada planta foram colocados em frascos contendo 150 mL
de água destilada, volume suficiente para manter imerso em torno de 3 a 4 cm da
base. Os ramos foram, então, submetidos à temperatura de 2ºC, em câmara fria,
por um período de 500 horas, sendo a água dos frascos renovada semanalmente.
Depois de retirados da câmara fria, os ramos foram conduzidos a um fitotrom com
temperatura de 19 ± 1ºC. A água dos frascos, nestas condições, foi renovada
duas vezes por semana e a base dos ramos, cortada três vezes por semana. O
monitoramento das gemas foi feito a cada dois dias, anotando-se as gemas
floríferas abertas e em estádio de balão e vegetativas no estádio de ponta
verde aparente. As gemas florais foram analisadas em todos os ramos da amostra
(ramos com e sem a gema vegetativa apical). Já para gemas vegetativas, foram
considerados somente os ramos que não apresentassem as gemas apicais, visando,
assim, a minimizar o efeito da inibição correlativa (paradormência)
desencadeado pela gema vegetativa apical sobre as gemas vegetativas laterais.
Foram considerados, para fins de análise, quando 5% a 10% das gemas floríferas
e vegetativas laterais atingiram o estádio de balão e ponta verde,
respectivamente. Foi determinado, então, o número de GDHºC (Growing Degree
Hours Celsius) acumulado desde a saída da câmara fria até a data em que os
índices preestabelecidos fossem atingidos. O cálculo do número de GDHºC foi
feito de acordo com a metodologia descrita por Richardson et al. (1975),
utilizada e descrita por Citadin (1999).
A variância observada, quanto à necessidade de calor, entre clones de um mesmo
genótipo genitor forneceu uma medida do efeito ambiental, e a média das
variâncias dos genitores foi utilizada para fins de cálculo, como sendo a
variância ambiental média (de). A variância observada entre plantas
pertencentes a uma população foi resultante do efeito genético (dg) mais
ambiental (de), ou seja, variância fenotípica ou total (df). Considerando que a
média das variâncias ambientais representa as condições ambientais onde foi
conduzido o trabalho (especialmente àquelas relacionadas com a temperatura), a
variância genética foi obtida subtraindo-se da variância fenotípica de cada
população a variância ambiental (equação 1). O cálculo da herdabilidade no
sentido amplo (H) foi obtido dividindo-se a variância genética de cada
população pela variância fenotípica (equação 2). A média ponderada das
herdabilidades das populações expressa o valor médio da herdabilidade das gemas
florais e vegetativas nos genótipos estudados em 1999 e 2000.
Os indivíduos pertencentes à mesma população foram agrupados em classes, e
foram construídos gráficos de distribuição de freqüências, somente para
populações em que, no mínimo, 45% dos indivíduos amostrados atingiram os
índices preestabelecidos de floração e brotação. Abaixo deste valor, a amostra
não foi considerada representativa. A normalidade da distribuição de
freqüências foi calculada pelo método de Shapiro-Wilk, em nível de 5% de
probabilidade de erro, através do programa de estatística SAS (1997). As médias
dos genitores e das progênies foram comparadas através do Teste t (de Student),
com 5% de probabilidade de erro. Análise da variação (ANOVA) foi calculada para
GDHºC dos genitores, e as médias foram comparadas pelo teste de Duncan
(P<0,05).
Equação 1: (df) = (de) + (dg), Equação 2: H = (dg) / (de) + (dg).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O valor estimado da herdabilidade média para a necessidade de calor em gemas
florais, em 1999, foi de 0,45, e em 2000, foi de 0,57.
Já para gemas vegetativas, a herdabilidade foi de 0,30 em 1999 e, em 2000, não
foi possível estimá-la devido à baixa representatividade da amostra (Tabela_2).
Os valores estimados da herdabilidade da necessidade de calor em gemas florais,
obtidos nos dois anos de estudo, foram próximos e indicam um efeito genético
médio sobre a variação total observada. Já para as gemas vegetativas, o valor
da herdabilidade foi moderado (H=0,3), indicando que as gemas vegetativas são
pouco influenciadas pela necessidade de calor. Citadin et al. (2001) observaram
uma grande uniformidade quanto à necessidade de calor para atingir 50% de gemas
vegetativas abertas, em plantas conduzidas em vasos de sete cultivares de
pessegueiro. Já, para gemas floríferas, foi observada maior heterogeneidade
para a necessidade de calor. Basicamente, dois fatores influenciam na época de
floração do pessegueiro: o frio necessário para superar a endodormência e o
calor necessário, após a endodormência, até a plena floração (Richardson et
al., 1975; Raseira, 1986). Quezada (2000) estudou o comportamento de 24
populações de pessegueiro, cinco das quais foram estudadas também no presente
experimento, e concluiu que a herdabilidade da época de floração é extremamente
alta (H=0,98). O valor da herdabilidade da necessidade de calor em gemas
floríferas obtido neste experimento é praticamente a metade do valor da
herdabilidade da época de floração obtido por Quezada (2000). Considerando que
o caráter época de floração é influenciado basicamente pela necessidade de frio
e calor de cada genótipo, supõe-se que os genes relacionados com a necessidade
de frio e calor exercem um grau de influência muito parecido na época de
floração do pessegueiro. No entanto, para gemas vegetativas, a influência dos
genes que controlam a necessidade de frio parece ser mais determinante que
aqueles que controlam a necessidade de calor. Isto é uma indicação de que o
controle genético deste caráter é diferente para gemas florais e vegetativas em
pessegueiro. Baseado nesta hipótese e nos valores da herdabilidade (Tabela_2),
a resposta à seleção, quanto à necessidade de calor, seria maior para gemas
florais do que para gemas vegetativas. Por outro lado, a resposta à seleção
quanto à necessidade de frio seria maior para gemas vegetativas do que para
gemas florais. Isto explica o comportamento de alguns genótipos observado no
campo experimental da Embrapa Clima Temperado. Nestes genótipos, a brotação
antecipou a floração durante os dois anos de estudo, e a necessidade de calor
para a floração foi praticamente o dobro da necessidade de calor para a
brotação, observação feita no mesmo experimento em que foi calculada a
herdabilidade.
Na Tabela_3, pode-se observar a necessidade de calor dos genitores em 1999 e
2000. Não foi determinada a necessidade de calor para 'BR-1', 'Chula',
'Barbosa' e 'Taquari 80', em 1999. Houve uma diminuição da necessidade de calor
para cada genótipo em 2000 quando comparada com os mesmos genótipos em 1999,
exceto para 'Eldorado' e 'Ametista'. Estas variações são atribuídas a efeitos
fisiológicos e/ou ambientais ocorridos a campo até a coleta dos ramos.
Na Tabela_4, são apresentadas as comparações das médias da necessidade de calor
dos genitores em relação à média das progênies. Observa-se que, em 1999, as
médias das progênies foram, em geral, significativamente menores que as médias
dos genitores, exceto para as progênies oriundas dos cruzamentos entre as
cultivares Ametista x Conserva 594 e Bolinha x Maciel, as quais não
apresentaram diferenças significativas. Isto é uma indicação de que a herança
do caráter é quantitativa com alguns genes de maior efeito para mais baixa
necessidade de calor. Em 2000, a média das progênies oriundas dos cruzamentos
entre as cultivares BR-1 x Barbosa e Chula x Barbosa foi significativamente
menor que a média dos pais. Contrariamente, a média da progênie oriunda do
cruzamento entre as cultivares Chinoca x Granada foi maior que a média dos
pais. Para as demais progênies, as diferenças não foram significativas.
'Chinoca' apresentou uma elevada necessidade de calor em 1999 (13098) enquanto
em 2000 foi classificada como uma cultivar de baixa necessidade de calor
(8403). Porém deve-se considerar que, para todas as cultivares, a necessidade
de calor para atingir entre 5% e 10% de floração, em 1999, foi relativamente
superior à necessidade de calor para atingir os mesmos índices em 2000. Estas
variações são esperadas e estão relacionas principalmente com o desenvolvimento
fisiológico das plantas durante o verão/outono (paradormência) e à interação
entre necessidade de frio e calor das cultivares, que varia de ano para ano.
Na Tabela_5, são apresentados os percentuais de indivíduos que excedem os
limites da necessidade de calor dos progenitores. Do ponto de vista prático,
observa-se que, de maneira geral, há uma tendência favorável à obtenção de
indivíduos de menor necessidade de calor que o pai de menor necessidade, mesmo
quando estão envolvidos nos cruzamentos pais de alta necessidade de calor. A
maior freqüência de indivíduos cuja necessidade de calor foi menor que o
progenitor de menor necessidade, foi obtida nos cruzamentos envolvendo
indivíduos de alta necessidade de calor. Ao considerar valores maiores ou
iguais a 10.000 GDHºC como parâmetro de seleção, então o maior percentual de
indivíduos é encontrado nos cruzamentos 'Chinoca' x 'Granada', 'Taquari 80' x
'Barbosa', 'Chula' x 'Barbosa', 'BR-1' x 'Barbosa' e 'Conserva 672' x
'Eldorado'.
A Figura_1 representa a distribuição de freqüências da necessidade de calor das
progênies estudadas em 2000. Foi observada herança transgressiva em todas as
progênies, exceto para a progênie oriunda do cruzamento entre 'Ametista' x
'Conserva 594'. Observou-se herança transgressiva apenas no sentido do genitor
de maior necessidade de calor nas progênies oriundas dos cruzamentos entre
'Chinoca' x 'Granada', 'Bolinha' x 'Maciel' e 'Taquari 80' x 'Barbosa'. Por
outro lado, observou-se herança transgressiva no sentido do genitor de menor
necessidade de calor nas progênies oriundas dos cruzamentos entre 'Eldorado' x
'Aurora 1' e 'BR-1' x 'Barbosa'. Nas demais progênies, observou-se herança
transgressiva nos dois sentidos.
Citadin et al. (2001) observaram que BR-1 apresentou alta necessidade de calor.
Esta característica repetiu-se neste experimento (Tabela_3). Na progênie
resultante do cruzamento entre as cvs. BR-1 x Barbosa, duas cultivares de alta
necessidade de calor, não foi observada herança transgressiva no sentido do
genitor de maior necessidade de calor (Figura_1G), porém a maioria dos
indivíduos oriundos deste cruzamento apresentaram necessidade de calor de média
para alta. Já para outros cruzamentos envolvendo a cultivar Barbosa, como os
cruzamentos entre as cultivares Taquari 80 (média/baixa) x Barbosa (alta) e
Chula (alta) x Barbosa (Figura_1H e 1I) foi observado este tipo de herança.
Quezada (2000) observou que 'BR-1' e 'Barbosa' transmitem bem o caráter
floração tardia. Esta característica poderá estar relacionada com a maior
necessidade de calor transmitida por estas cultivares, conforme observado neste
experimento. Neste sentido, o avanço genético para a maior necessidade de calor
poderá ser maior quando a seleção de indivíduos for realizada em progênies
oriundas dos cruzamentos entre as cvs. BR-1, Barbosa, Chula, Chinoca, Eldorado
e Granada.
Conforme o teste de normalidade de Shapiro-Wilk, para o nível de significância
de 5%, nenhuma das progênies oriunda dos cruzamentos estudados em 1999
apresentou distribuição normal. No ano de 2000, verificou-se que os indivíduos
provenientes dos cruzamentos entre as cvs. Eldorado x Aurora 1 (Figura_1C),
Conserva 672 x Maciel (Figura_1E), BR-1 x Barbosa (Figura_1G) e Chula x Barbosa
(Figura_1I) tiveram distribuição normal. Observou-se desvio da curva no sentido
do genitor de maior necessidade de calor nas progênies oriundas dos cruzamentos
envolvendo as cultivares Ametista x Conserva 594 (Figura_1A), Bolinha x Maciel
(Figura_1F), e desvio no sentido do pai de menor necessidade de calor nos
cruzamentos envolvendo 'Conserva 672' x 'Eldorado' (Figura_1D) e 'Taquari 80' x
'Barbosa' (Figura_1H). Observa-se que, nas progênies oriundas dos cruzamentos
onde estavam envolvidas cultivares de alta necessidade de calor (BR-1 x Barbosa
e Chula x Barbosa), a distribuição de freqüência dos indivíduos obedeceu à
curva de distribuição normal; nesta última progênie, foi observada grande
variabilidade entre os indivíduos. A distribuição de freqüências de indivíduos
oriundos de cruzamentos envolvendo duas cultivares de baixa necessidade de
calor obedeceu à curva normal para Conserva 672 x Maciel e não obedeceu à
distribuição normal na progênie oriunda do cruzamento entre as cultivares
Chinoca x Granada.
Os registros observados suportam um modelo de herança quantitativa com genes de
maior efeito para menor necessidade de calor, isto baseado no fato de a herança
transgressiva expressar-se em ambos os sentidos, pelo comportamento da curva da
distribuição de freqüências, em alguns casos, não obedecer à curva normal e
pelo maior percentual de indivíduos de cada população, na maioria dos casos,
apresentarem uma necessidade de calor abaixo do pai de menor necessidade.
CONCLUSÕES
A herdabilidade da necessidade de calor é de valor médio para gemas florais
(H=0,45 a 0,57) e moderado para gemas vegetativas (H=0,3). 'BR-1', 'Barbosa',
'Chula', 'Chinoca' e 'Eldorado' transmitem melhor o caráter necessidade de
calor para as progênies do que os demais genótipos estudados. Os registros
observados sugerem um modelo de herança quantitativa com genes de maior efeito
para menor necessidade de calor. A seleção de indivíduos com maior necessidade
de calor para floração tende a retardar a floração sem, contudo, retardar com a
mesma intensidade a época de brotação.