Indução de alterações morfológicas e anatômicas em folhas de abacaxizeiro
'Pérola' pelo ácido 2-(3-clorofenoxi) propiônico
BOTÂNICA E FISIOLOGIA
Indução de alterações morfológicas e anatômicas em folhas de abacaxizeiro
'Pérola' pelo ácido 2-(3-clorofenoxi) propiônico1
Induction of leaf morphological and anatomical alterations on 'Pérola'
pineapple leaves by the 2-(3-chlorophenoxy) propionic acid
Nathália Maria Laranjeira BarbosaI; Getúlio Augusto Pinto da CunhaII; Domingo
Haroldo ReinhardtII, Péricles Gabriel BarrosIII; Ana Rita Leandro dos SantosIV
IEngo. Agro., M. Sc., HIDROS- Formoso A, Rod. BR 349, 47.600-000, Bom Jesus da
Lapa/BA, nathalia@pollynet.com.br
IIEngo. Agro., D. Sc., Pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura, C. P.
007, 44.380-000, Cruz das Almas/BA, tels. (75) 621-8142 e 8061,
getulio@cnpmf.embrapa.br / dharoldo@cnpmf.embrapa.br
IIIEngo. Agro., M. Sc., EPEAL, Rua 17 de Agosto, 125, 57.120-000, Satuba/AL,
pgb@epeal.al.gov.br
IVEngo. Agro., M. Sc., CEFET, Rod. BR 235, Km 22, N4, Projeto Nilo Coelho,
56.300-000 Petrolina/PE, anaritaleandro@ig.com.br
INTRODUÇÃO
A indução artificial da floração na cultura do abacaxi por meio de reguladores
de crescimento vegetal tem sido amplamente empregada há bastante tempo, com a
finalidade de antecipar a colheita. O uso de fitohormônios para induzir a
floração, em combinação com a época de plantio e tamanho de muda, ajuda o
produtor a programar a colheita, evitando a superprodução no período de safra
normal ou ampliar o período de colheita, de acordo com a conveniência do
mercado.
A indução da floração é apenas um dos possíveis usos de fitorreguladores na
cultura do abacaxizeiro. Os vários tipos de substâncias, seus diferentes
efeitos sobre a planta e as distintas respostas desta, a depender do tempo de
aplicação e concentração, são empregados na expectativa de obter-se um maior
controle do desenvolvimento da planta e do fruto (Cunha et al., 1994).
Entretanto, a inibição da floração é, também, uma técnica praticada em outras
culturas, a exemplo de algumas plantas floríferas, a fim de fazer coincidir a
colheita com datas festivas, quando os preços de venda são mais compensadores
(Nickell, 1982). Atualmente, tal tecnologia tem sido cogitada para uso na
cultura do abacaxi.
Sabe-se que o florescimento natural do abacaxizeiro é desuniforme, dificultando
o manejo da cultura, principalmente quando ocorre precocemente, refletindo
negativamente na comercialização dos frutos, que geralmente tornam-se menores e
menos pesados. Esse florescimento está se tornando cada vez mais freqüente nas
várias regiões produtoras de abacaxi do mundo, motivando a realização de
pesquisas, com vistas a reduzir sua ocorrência. Diversos estudos envolvendo a
avaliação de efeitos de diferentes fitorreguladores sobre a diferenciação
floral, mostraram que alguns deles, quando usados em concentrações elevadas,
retardaram a diferenciação floral. Scott (1993), na Austrália, e Rebolledo-
Martínez et al. (1997), no México, usando o ácido 2-(3-clorofenoxi) propiônico
(ACP) para inibir a floração natural do abacaxizeiro, obtiveram resultados
satisfatórios, que demonstraram a eficiência desse produto com a referida
finalidade. O ACP é um regulador de crescimento usado para promover o aumento
do tamanho e massa do fruto, atraso na maturação e redução do crescimento da
coroa do abacaxizeiro.
No entanto, em algumas pesquisas efetuadas com o objetivo de inibir a floração
natural do abacaxizeiro, têm sido observados alguns efeitos colaterais, a
exemplo de anomalias e até mesmo morte de plantas, causadas pelos reguladores
de crescimento usados, principalmente, pelo ACP, conforme relatado por Min
& Bartholomew (1993), Rebolledo-Martínez et al. (1997) e Barbosa (1997).
Neste trabalho são apresentadas e discutidas, portanto, as alterações
morfológicas e anatômicas causadas pelo ácido 2-(3-clorofenoxi) propiônico em
plantas de abacaxizeiro 'Pérola', observadas em um experimento cujo objetivo
era controlar a floração natural da referida planta.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento, plantado em novembro de 1995, foi realizado na Embrapa Mandioca
e Fruticultura, em Cruz das Almas/BA, cujas localização geográfica e médias
climáticas anuais são as seguintes: 12o 40' 39" S; 39o 06' 23" W; altitude 225
m; pluviosidade 1.224 mm; temperatura 24oC; umidade relativa do ar 80%.
O delineamento experimental foi de blocos ao acaso, esquema fatorial de 4x2+1
(produtos x concentrações + testemunha), com cinco repetições. As parcelas
foram constituídas de 36 plantas úteis, da cultivar Pérola, usando-se mudas do
tipo filhote, com 25-35 cm de comprimento e peso de 250-300 g. As soluções com
os produtos foram aplicadas três vezes (50 mL planta-1), com intervalos de 15
dias, nos meses de junho e julho de 1996, período crítico para a floração
natural na região. As concentrações (i. a.) dos tratamentos foram as seguintes:
ácido 2-(3-clorofenoxi) propiônico ACP (50 e 100 mg L-1); paclobutrazol PCB
(50 e 100 mg L-1); cloreto de mepiquat CM (80 e 160 mg L-1); uréia U
(líquida, 5% e sólida, 1,5 g planta-1); testemunha (água fria).
As avaliações, referentes à inibição da floração, foram realizadas
semanalmente, a partir de 12 de julho, para a primeira época, e de 12 de
agosto, para a segunda época, ou seja, 42 dias após a primeira aplicação dos
produtos nos referidos períodos. Além disso, foram efetuadas observações
visuais sobre a ocorrência de anomalias induzidas nas plantas pelos
fitorreguladores, em ambas as épocas, e coletadas folhas que apresentaram
modificações em sua morfologia e anatomia, para avaliação em microscópio óptico
de 40X, no Laboratório de Fitopatologia, da Embrapa Mandioca e Fruticultura
Tropical.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste trabalho são discutidos somente os resultados relacionados às
modificações morfológicas e anatômicas causadas pelo ácido 2-(3-clorofenoxi)
propiônico ACP (50 e 100 mg L-1 x 3 aplicações), em folhas e plantas de
abacaxi 'Pérola'. Com relação à floração natural, houve apenas uma pequena
tendência de inibição/retardamento, mas não foram observadas diferenças entre
as concentrações do produto nem em comparação com a testemunha.
Em geral, nos diferentes tratamentos usados, os abacaxizeiros apresentaram
características morfológicas normais para a espécie, com exceção das plantas
tratadas com o ACP. A partir de 15 dias após a primeira pulverização dos
tratamentos, foram verificadas alterações morfológicas externas e internas nas
folhas, igualmente nas duas concentrações e épocas estudadas, as quais
mantiveram-se no decorrer do trabalho, e cujos aspectos são descritos a seguir:
1- Morfologia das folhas: o limbo foliar apresentou ligeiro estrangulamento na
porção mediana das folhas 'E' e 'F' (as mais jovens e centrais da roseta
foliar) e na região mais próxima ao ponto de inserção no caule das folhas 'C' e
'D' (as mais velhas e longas produzidas após o plantio); as plantas
apresentaram torção da roseta foliar (Figura_1), semelhante ao sintoma de
"crook neck" (pescoço torto), causado pela deficiência de Zn, ocorrendo, ainda,
em certos pontos, a formação de estruturas parecidas com calos, de onde
originaram-se raízes adventícias nas folhas 'C' e 'D' (Figura_2); esse aspecto
foi observado entre 510 cm da inserção da folha no caule; além disso, as
folhas centrais da roseta tornaram-se mais curtas, largas e espessas (Figura
3). Notou-se, ainda, a formação de raízes adventícias que não se originaram de
calos aparentes, como descrito anteriormente. Nos demais aspectos morfológicos,
as folhas mostraram-se semelhantes às da testemunha e não ocorreu morte de
plantas, ao contrário do que foi observado por Rebolledo-Martínez et al.
(1997), certamente devido às concentrações mais altas usadas pelos citados
autores (até 200 mg L-1).
2- Anatomia das folhas: tendo-se verificado a formação de raízes adventícias a
partir do limbo foliar, realizou-se um estudo da organização dos tecidos que
constituíam essa estrutura e, em corte transversal, a raiz revelou anatomia
típica, apresentando corpo primário. Nesse caso, observou-se que os meristemas
formadores do xilema e do floema atuaram na formação dessas raízes, de acordo
com a seqüência a seguir:
a cortes transversais das folhas mostraram que as células do meristema
secundário, que deveriam formar apenas vasos condutores, deram origem ao
xilema, no centro, e ao floema, na parte superior do feixe (Figura_4);
b ainda na parte superior do feixe vascular, na sua porção inferior, as
células readquiriram atividade meristemática, dando origem às raízes
adventícias (Figura_5).
Nos pontos de estrangulamento do limbo foliar, não foi observada alteração das
estruturas que compõem a anatomia da planta. De acordo com observações
realizadas em microscópio óptico, com aumento de 400X, pode-se afirmar que as
transformações verificadas no limbo foliar tiveram origem nos feixes
vasculares. A característica que se destacou no órgão observado foi a presença
de parênquima assimilador no córtex da raiz (Figura_6), o que indica a
realização de fotossíntese por essa estrutura.
Segundo Damião Filho (1993), quando se utilizam técnicas de cultura de tecidos,
as raízes adventícias podem surgir de células indiferenciadas de parênquima
(calo), por ação de alguns reguladores de crescimento de efeitos enraizadores,
como os ácidos naftalenoacético, indolacético ou indolbutírico. Ainda de acordo
com esse mesmo autor, a propagação vegetativa de plantas por meio de estacas é
uma das aplicações práticas da formação de raízes adventícias que, nesse caso,
podem ter origem no calo que se forma na base do córtex.
Provavelmente, devido ao acúmulo do ACP no 'olho' da planta, atingindo folhas
de diferentes tamanhos, e agindo sobre elas de acordo com a região na qual o
produto entrou em contato com sua superfície, parece ter havido uma ação local,
promovendo o estrangulamento e torção da roseta foliar e o enraizamento no
limbo, independente da época de aplicação. Rebolledo-Martínez et al. (1997)
relataram a ocorrência de uma torção na roseta foliar e uma deformação nas
folhas de abacaxizeiros tratados com o ACP, as quais foram mais severas com
concentrações mais altas ou quando não foram fracionadas. Os referidos autores
observaram, em alguns casos, elevada mortalidade de plantas (46%), com 200 mg
L-1, a qual inibiu apenas 39% da floração. Min & Bartholomew (1993)
informaram que o ACP, na concentração de 2,5 mg planta-1, danificou o
abacaxizeiro, inibindo o alongamento das folhas, inclusive causando a morte de
algumas plantas mais jovens, mas que a concentração de 0,5 mg planta-1 provocou
apenas uma leve torção das folhas.
Apesar das anomalias descritas neste trabalho, não houve mortalidade de
plantas, todas recuperaram-se e, ao final do experimento, produziram frutos
normais, característicos da cultivar Pérola (Figura_7).
CONCLUSÕES
Esses fatos sugerem a possibilidade de uso do ácido 2-(3-clorofenoxi)
propiônico (ACP) em futuras pesquisas, especialmente aquelas relacionadas com a
indução de enraizamento na propagação vegetativa convencional e micropropagação
e na formação de calos in vitro. E servem, também, para orientar novos estudos
sobre a inibição da floração natural e seu uso prático, a fim de se evitar
danos às plantas.