Produção de mudas de videira 'Itália' através de enxertia verde em porta-
enxertos propagados por estacas herbáceas
PROPAGAÇÃO
INTRODUÇÃO
A produção de mudas de videira de boa qualidade e livres de vírus constitui-se
fator básico para o sucesso da cultura, uma vez que a formação inicial da
planta se reflete por toda sua vida produtiva (Rezende & Pereira, 2001).
No Brasil, os vinhedos são formados, em sua maioria, através do processo de
enxertia por garfagem, realizada no campo, durante o inverno. Os porta-enxertos
são obtidos por estaquia lenhosa diretamente no local definitivo do vinhedo ou
em recipientes, com posterior plantio em campo. Para a formação do vinhedo por
este processo, são necessários cerca de dois anos, existindo ainda a
possibilidade de ocorrência de falhas no pegamento das enxertias (Sousa, 1996;
Terra et al., 1998; Pires & Biasi, 2003).
Mais recententemente no Brasil, tem-se verificado também o plantio de vinhedos
comerciais através da importação de mudas enxertadas obtidas pela técnica da
enxertia de mesa. Os valores dessa prática não estão disponíveis, mas sabe-se
que ela é crescente e está estimada em mais de 1 milhão de plantas por ano no
Sul do País (Regina, 2002). Assim, a busca constante de inovações com a
finalidade da obtenção de mudas de qualidade, em um menor espaço de tempo,
justifica o estudo e o emprego de novas tecnologias no sistema produtivo
(Rezende & Pereira, 2001).
A enxertia verde, mundialmente conhecida e utilizada em alguns países
produtores, encontra-se entre os processos de formação rápida do vinhedo,
reduzindo em aproximadamente um ano a produção de mudas. A enxertia verde em
porta-enxertos propagados por estaquia herbácea pode ser um processo eficiente
para a formação rápida do vinhedo, resultando na produção de grande quantidade
de mudas e em significativa redução no tempo para sua obtenção em qualidade,
além de evitar falhas da operação de enxertia em campo, que normalmente ocorrem
no processo convencional. Entretanto, poucas informações estão disponíveis em
relação às características da produção de mudas de videira por este processo no
Brasil, o que motivou a presente pesquisa.
Tendo em vista estes aspectos, este trabalho foi conduzido, visando-se a
avaliar a viabilidade da produção comercial de mudas da videira 'Itália' (Vitis
vinifera L.) através de enxertia verde em estacas herbáceas de porta-enxertos
enraizadas em câmara de nebulização, variando-se a época de enxertia após o
transplante dos porta-enxertos.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no setor de Fruticultura do Centro de Ciências
Agrárias, Departamento de Agronomia, da Universidade Estadual de Londrina -
UEL, Paraná, a partir de dezembro de 2001.
Foi avaliada a produção de mudas da videira 'Itália' (Vitis vinifera L.)
empregando-se os porta-enxertos IAC 766 'Campinas' e IAC 572 'Jales'. Para
tanto, estacas herbáceas dos dois porta-enxertos foram retiradas de plantas-
matrizes pertencentes a uma coleção livre de vírus, a partir das porções de
ramos tenros e verdes, onde se evitaram as terminais e as em início de
lignificação. O preparo das estacas consistiu em um corte horizontal logo
abaixo de um nó, com a eliminação das folhas da parte basal, deixando-se apenas
uma folha na parte superior (Biasi et al., 1997), ficando a estaca com
aproximadamente 20 cm de comprimento e 0,5 cm de diâmetro.
Após o seu preparo, as estacas dos porta-enxertos foram dispostas em caixas
plásticas perfuradas, medindo 44 x 33 x 7 cm, contendo o substrato casca de
arroz carbonizada (CAC) e levadas em seguida para câmara de nebulização em
regime intermitente até observado enraizamento adequado, o que ocorreu quatro
semanas após a estaquia. O substrato CAC foi preparado no próprio setor de
Fruticultura da UEL, segundo as recomendações descritas por Röber (2000).
As estacas enraizadas foram então transplantadas para sacos pretos perfurados
de polietileno medindo 18 x 30 cm, contendo substrato constituído de mistura de
terra, areia, vermiculita e esterco de curral curtido, na proporção 2:1:1:1 v/
v, respectivamente.
Foram avaliadas três épocas de enxertia da videira 'Itália' após o transplante
dos porta-enxertos para os sacos plásticos: 30; 60 e 90 dias. Os ramos da
videira 'Itália' provenientes de matrizes livres de vírus, obtidos durante a
estação de crescimento, foram enrolados em jornal umedecido, acondicionados em
sacos plásticos e mantidos em câmara de nebulização até a enxertia. Todas as
enxertias foram feitas por apenas um enxertador. Os garfos foram preparados com
cerca de 7 cm de comprimento. O método de enxertia verde empregado foi o de
garfagem de fenda cheia por ser o mais efetivo (Rezende & Pereira, 2001).
Após serem enxertados nos porta-enxertos, os garfos foram protegidos com fita
plástica de enxertia na região dos cortes.
Adotou-se o delineamento inteiramente casualizado em esquema fatorial 2 x 3,
dois porta-enxertos e três épocas de enxertia após o transplante dos porta-
enxertos, em um total de seis tratamentos, com cinco repetições, sendo cada
parcela composta por 10 plantas.
O desenvolvimento e a formação das mudas, nas três épocas de enxertia, após o
transplante dos porta-enxertos, foi avaliado aos 80 dias após cada enxertia,
através das seguintes variáveis: i) porcentagem de enxertos brotados; ii)
comprimento dos brotos (cm), e iii) diâmetro dos brotos (mm) (Biasi et al.,
1997). Aos 80 dias após cada época de enxertia, foram avaliados também os pesos
da matéria seca e fresca (g) das raízes das plantas, bem como quantificou-se o
sistema radicular das mudas por imagem. As imagens foram obtidas em escâner de
mesa, sendo armazenadas em formato JPEG para, posteriormente, serem
quantificadas e comparadas no aplicativo SIARCS®, sendo analisadas as seguintes
variáveis: i) área do sistema de raízes por muda (cm2), e ii) comprimento total
das raízes por muda (cm). Os procedimentos utilizados pelo programa SIARCS®
para a análise destas variáveis estão descritos em Jorge et al. (1997).
A partir destes dados, analisou-se o efeito dos fatores, porta-enxertos e
épocas de enxertia após o tranplante dos porta-enxertos, para cada variável na
produção das mudas de videira 'Itália', através da análise de variância, e a
separação das médias realizada pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para todas as variáveis analisadas na produção de mudas da videira 'Itália', a
interação entre porta-enxertos e épocas de enxertia após o transplante não foi
significativa, indicando que estes fatores agem de forma independente em
relação a estas variáveis (Tabela_1).
A porcentagem de enxertos brotados da videira 'Itália' analisada aos 80 dias
após a enxertia foi semelhante para os dois porta-enxertos, não sendo
constatadas diferenças estatísticas significativas entre eles (Tabela_1).
Entretanto, verificou-se que, quanto mais tardia a época de enxertia após o
transplante das estacas herbáceas dos porta-enxertos enraizados em câmara de
nebulização, maior foi a porcentagem de enxertos brotados. A maior porcentagem
média de enxertos vivos observada foi quando se realizou a enxertia aos 90 dias
após o transplante dos porta-enxertos, 77,50%, diferindo significativamente das
enxertias realizadas aos 30 e 60 dias após o transplante, 12,50 e 30,00%,
respectivamente.
Não foram observadas diferenças significativas entre os porta-enxertos em
relação ao comprimento dos brotos da videira 'Itália' (Tabela_1). Entretanto,
verifica-se que as enxertias realizadas aos 60 e 90 dias após o transplante dos
porta-enxertos apresentaram as maiores médias de comprimento da brotação dos
enxertos nas três datas de avaliações, diferindo significativamente da época de
realização da enxertia aos 30 dias.
Observações semelhantes foram obtidas quando avaliado o diâmetro dos brotos,
para o qual os porta-enxertos apresentaram comportamento semelhante (Tabela_1).
Para esta variável, nas três avaliações realizadas, as maiores médias foram
obtidas quando se realizou a enxertia aos 90 dias após o transplante dos porta-
enxertos, não diferindo, entretanto, da enxertia realizada aos 60 dias, que,
por sua vez, não diferiu da época de enxertia realizada aos 30 dias após o
transplante.
Esta influência exercida pelas épocas de enxertia mais tardia após o
transplante dos porta-enxertos sobre o comprimento e o diâmetro dos enxertos da
videira 'Itália' deve estar relacionada com o maior pegamento dos enxertos que
estes tratamentos proporcionaram, conferindo, assim, melhores condições de
desenvolvimento vegetativo para a brotação das gemas dos enxertos.
Em relação aos pesos da matéria fresca e seca das raízes das mudas, não foram
observadas diferenças entre os porta-enxertos (Tabela_2). Entretanto,
verificou-se que, quanto mais tardia a época de enxertia após o transplante,
maior foi a média do peso da matéria fresca das raízes por muda, sendo que a
maior média foi obtida quando esta foi realizada aos 90 dias após o transplante
(38,95 g), diferindo significativamente dos demais tratamentos. Resultados
semelhantes foram obtidos quanto ao peso da matéria seca das raízes por muda,
onde as maiores médias foram observadas quando as enxertias foram realizadas
aos 90 e 60 dias após o transplante, 7,69 e 6,69 g, respectivamente, sendo que
este último tratamento não diferiu significativamente da época mais precoce,
6,06 g. Este menor peso do sistema radicular das mudas, observado no tratamento
com a realização da enxertia aos 30 dias após o transplante, deve-se ao menor
período de tempo em que estas plantas permaneceram na casa de vegetação, o que
não propiciou um desenvolvimento do sistema radicular mais adequado dos porta-
enxertos para o pegamento e desenvolvimento dos enxertos.
Rezende & Pereira (2001) constataram um baixo índice de sobrevivência de
enxertos da videira 'Rubi' sobre o porta-enxerto IAC 313 'Tropical' realizado
15 dias após o transplante das estacas herbáceas enraizadas para sacos
plásticos. Esta observação deve-se, provavelmente, ao curto período de tempo
entre o transplante e a enxertia, o que acarreta em um sistema radicular menos
desenvolvido dos porta-enxertos.
Diante destes resultados, presume-se que, para a produção de mudas de videira
'Itália' enxertadas sobre porta-enxertos propagados por estaquia herbácea, é
fundamental um sistema radicular bem desenvolvido dos porta-enxertos para
obter-se um alto índice de pegamento dos enxertos, sendo necessário, com base
nos resultados obtidos neste trabalho, que os porta-enxertos enraizados sejam
mantidos por, pelo menos, 90 dias em recipientes com substrato antes da
realização das enxertias verdes. Diversos fatores, associados ou não, podem ter
sido a causa da maior eficiência do pegamento dos enxertos quando a enxertia
foi realizada mais tardiamente. Dentre eles, estão o período mais prolongado de
aclimatação e o maior desenvolvimento das raízes nas condições de viveiro, os
quais resultaram em maior vigor e, possivelmente, em maior acúmulo de reservas
das mudas. Estes fatores, segundo Hartmann & Kester (1990), são essenciais
para maior divisão celular e união dos tecidos cambiais envolvidos, produzindo
novos tecidos vasculares que permitem o fluxo normal de água e nutrientes,
estabelecendo, assim, a perfeita união entre o enxerto e o porta-enxerto.
Resultados semelhantes, porém com pessegueiros, foram relatados por Nachtigal
(1999). Objetivando reduzir o tempo de produção de mudas de pessegueiro, este
autor concluiu que os melhores índices de pegamento dos enxertos do pessegueiro
'Biuti' enxertado em estacas herbáceas do porta-enxerto 'Okinawa' ocorreram
quando a enxertia foi realizada aos 90 dias após o transplante de estacas
enraizadas do porta-enxerto.
Não foram observadas diferenças entre os porta-enxertos avaliados em relação à
área e ao comprimento total de raízes por muda através da análise digital no
programa SIARCS®, indicando que os dois porta-enxertos propagados nestas
condições apresentam comportamento semelhante em relação ao seu sistema
radicular (Tabela_2). Porém, foram constatadas diferenças significativas entre
as três épocas de enxertia onde, em relação à área de raízes por muda, a maior
média foi obtida pelo tratamento com a enxertia aos 90 dias após o transplante,
135,55 cm2, diferindo significativamente dos demais tratamentos, 120,42 e
102,93 cm2 para enxertias realizadas aos 60 e 30 dias após o transplante,
respectivamente. Em relação ao comprimento total de raízes por muda, as maiores
médias foram observadas para os tratamentos com enxertia aos 90 e 60 dias após
o transplante, 288,08 e 275,90 cm, respectivamente, os quais diferiram
significativamente da época mais precoce de enxertia, 218,37 cm. Estas
diferenças são semelhantes às obtidas em relação aos pesos da matéria seca e
fresca das raízes por muda, o que confirma a eficiência desta metodologia para
a determinação da área e do comprimento total de raízes por muda através de
imagem, podendo tornar-se uma excelente ferramenta em ensaios de propagação de
plantas frutíferas sem que haja a necessidade da destruição das mesmas.
Neste trabalho, foram obtidos resultados promissores quanto à produção de mudas
da videira 'Itália' por enxertia verde sobre os porta-enxertos IAC 766
'Campinas' e IAC 572 'Jales' propagados por estaquia herbácea em câmara de
nebulização, com altos índices médios de pegamento de enxertia quando esta foi
realizada 90 dias após o tranplante dos porta-enxertos. Assim, o tempo
necessário para a obtenção de uma muda de qualidade por este processo não
deverá ser superior a 6-7 meses, considerando todas as etapas de propagação
envolvidas.
Tendo em vista que no Brasil tem-se observado recentemente, na região Sul, a
importação de mudas enxertadas para a formação de novos vinhedos (Regina,
2002), utilizando-se deste processo de propagação, é possível a produção de
mudas de videiras e a um baixo custo operacional, o que poderá reduzir o tempo
necessário para a formação de vinhedos comerciais. Além disso, este processo
poderá permitir a economia de somas consideráveis de diversos gastos com a
importação de mudas, além de evitar o risco de importação de pragas ainda
inexistentes no País.
Por fim, nas diversas regiões produtoras de uvas no Brasil, existe atualmente
uma preocupação bastante acentuada com relação aos porta-enxertos para a
videira, principalmente quanto à diversificação em relação ao emprego de
materiais que apresentem características adequadas para cada região. Neste
trabalho, embora se tenha estudado a produção de mudas da videira 'Itália'
enxertadas somente sobre os porta-enxertos IAC 766 'Campinas' e IAC 572
'Jales', espera-se que a metodologia empregada possa ser facilmente adaptada
para outros porta-enxertos empregados na viticultura nacional.
CONCLUSÕES
É possível a obtenção de mudas de videira 'Itália' em escala comercial
realizando-se a enxertia verde 90 dias após o enraizamento dos porta-enxertos
IAC 766 'Campinas' e IAC 572 'Jales' em câmara de nebulização.