Pancreatectomia distal videolaparoscópica em pacientes com cistadenoma de
pâncreas
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A videolaparoscopia foi um dos avanços mais importantes da cirurgia do aparelho
digestivo nos últimos anos. O desenvolvimento do instrumental laparoscópico e o
aprimoramento técnico obtido com o acúmulo de experiência, possibilitaram a
realização de cirurgias consideradas de alta complexidade pela técnica
minimamente invasiva no mundo todo e também no nosso meio(5, 7, 8).
O uso da laparoscopia para afecções do pâncreas foi utilizada inicialmente para
o estadiamento de doenças neoplásicas(13), tratamento paliativo de sintomas
obstrutivos(5, 8, 13) ou drenagem de pseudocistos(13). Porém, apenas
recentemente, as ressecções pancreáticas laparoscópicas passaram a ser
realizadas em pacientes selecionados(2, 3). A dificuldade técnica, o baixo
número de pacientes elegíveis para a cirurgia, além do questionamento quanto à
radicalidade oncológica em doenças malignas, não possibilitaram o
estabelecimento da pancreatectomia laparoscópica como procedimento padrão.
Apesar disso, a pancreatectomia distal laparoscópica tem sido muito utilizada
no tratamento de tumores benignos e pseudocistos intra-parenquimatosos(10). A
anatomia local mais favorável, quando comparada às porções mais proximais do
pâncreas, e a ausência de anastomoses e da necessidade de linfadenectomia,
favorece esta abordagem(2, 3, 12, 15).
Neste estudo, apresenta-se experiência inicial com pancreatectomia distal por
videolaparoscopia, utilizada na ressecção de cistadenomas pancreáticos.
CASUÍSTICA
Todos os pacientes submetidos a ressecção pancreática por videolaparoscopia no
Hospital do Câncer de São Paulo no período de setembro de 2001 a dezembro de
2003, foram incluídos neste estudo.
Pacientes com tumores malignos de pâncreas ou tumores localizados na cabeça e
corpo proximal não eram considerados para ressecção por videolaparoscopia por
motivos oncológicos e técnicos. Pacientes com tumor de pâncreas submetidos a
laparoscopia para estadiamento ou intervenção paliativa não foram objeto do
presente estudo.
As três pacientes desta casuística apresentavam neoplasia cística do pâncreas
sem sinais de malignização e com localização distal no pâncreas (Figura_1)
sendo, desta maneira, doentes selecionados para o procedimento
videolaparoscópico.
![](/img/revistas/ag/v42n3/25970f1.jpg)
TÉCNICA
Sob anestesia geral, com a paciente em decúbito dorsal horizontal, foi
realizada incisão supra-umbilical, colocação de trocarte de 10 mm sob visão
direta(6) e instalação de pneumoperitônio. Três outros portos, em flanco
esquerdo (5 mm), pararretal esquerdo (10 mm) e epigástrico (5 mm) foram
instalados (Figura_2). Em uma das pacientes foi necessário o uso de porto
auxiliar de 5 mm em região pararretal direita. O cirurgião postou-se à direita
do paciente, com o primeiro auxiliar em frente e o segundo auxiliar (câmera) à
sua direita.
A intervenção iniciou-se com abertura da retrocavidade dos epíploons após
ligadura e secção dos vasos da grande curvatura gástrica, utilizando o bisturi
harmônico. Neste tempo, foi realizada a inspeção do pâncreas, avaliando-se a
textura, a coloração e a lesão a ser ressecada. A artéria esplênica foi
dissecada no bordo superior do pâncreas e foi realizada a ligadura perdida da
mesma meneira da aberta. Realizou-se a liberação do polo inferior e superior do
baço, seguido de introdução de afastador atraumático triangular que ajuda na
exposição do hilo esplênico(9). Uma vez liberado o baço, prossegue-se com a
dissecção do retroperitônio e liberação do pâncreas. A artéria esplênica é,
então, seccionada junto ao local da secção do pâncreas com margem de segurança
em relação ao tumor pancreático. O pâncreas é então seccionado com grampeador
linear endoscópico (Figura_3). O coto pancreático é examinado para possíveis
locais de sangramento e, se necessário, são dados pontos hemostáticos em X com
fio inabsorvível. As lojas esplênica e pancreática são drenadas por meio de
dois drenos de Penrose largos, exteriorizados pelo porto (10 mm) do flanco
esquerdo. A peça é colocada em saco plástico resistente. A boca do saco
plástico é exteriorizada através do porto umbilical. Com o saco aberto, o
pâncreas contendo o cistadenoma é separado do baço e retirado inteiro para
análise histopatológica e o baço é macerado.
[/img/revistas/ag/v42n3/25970f3.jpg]
RESULTADOS
A ressecção pancreática por videolaparoscopia foi realizada com sucesso em três
doentes, todas do sexo feminino, portadoras de cistadenoma do pâncreas. A idade
média foi de 55 anos (variação: 51 a 68). Duas pacientes apresentavam dor
abdominal não-característica e uma doente era assintomática, sendo o
cistadenoma achado incidental de exame de imagem. O tamanho do cistadenoma
variou de 2 a 4 cm. Em todas as pacientes o diagnóstico definitivo foi feito
através de tomografia computadorizada (Figura_1). Em nenhuma paciente foi
observada calcificação central, característica de cistadenoma seroso. A
indicação cirúrgica em dois casos foi a impossibilidade de diagnóstico
diferencial entre cistadenoma seroso e mucinoso. A paciente mais velha da
casuística foi submetida, em outro serviço, a ultra-sonografia endoscópica e
punção do cistadenoma que foi compatível com cistadenoma mucinoso. Em nenhum
caso o baço foi preservado pois, em todos eles, o tumor cístico estava
localizado junto ao hilo esplênico. Em uma das pacientes foi encontrado um baço
acessório que foi preservado com sucesso. Em nenhum dos casos foi realizado
auto-implante esplênico.
O tempo cirúrgico variou de 4 a 6 horas, sendo maior na primeira paciente. Em
uma das pacientes, a retirada da peça foi feita através de incisão transversa
sem maceração do baço, que era muito pequeno. O sangramento operatório foi
mínimo em todos os casos. Não houve necessidade de transfusão sangüínea em
nenhuma paciente no intra-operatório ou no período pós-operatório. Em todos os
casos houve necessidade de sutura do coto pancreático para completa hemostasia.
A aplicação do grampeador endoscópico foi difícil em uma paciente devido à
espessura do pâncreas.
O exame anatomopatológico foi cistadenoma seroso em duas e mucinoso em uma
paciente, confirmando o achado pré-operatório.
As três pacientes evoluíram bem, recebendo alta entre o 2º e 5º dia de pós-
operatório. Em todas o dreno foi deixado por período mínimo de 10 dias com
dosagem seriada de amilase. Duas pacientes apresentaram fístula pancreática com
resolução espontânea com tratamento conservador. Uma paciente (68 anos)
apresentava pâncreas atrófico e não evoluiu com fístula pancreática no pós-
operatório. O aspecto estético final foi excelente em todos os casos. Todas as
pacientes estão bem, sem complicação no período pós-operatório tardio, com
seguimento médio de 27 meses.
DISCUSSÃO
O diagnóstico de tumores císticos do pâncreas vem aumentando nos últimos anos.
Isso é conseqüência, principalmente, do aperfeiçoamento e uso mais freqüente de
exames de imagem(11). BALCOM et al.(1), em revisão da experiência com
ressecções pancreáticas do Massachusetts General Hospital, observaram aumento
no número de ressecções pancreáticas por tumores císticos no decorrer da década
de 1990.
Os tumores císticos mais freqüentes são classificados em serosos e mucinosos.
Os cistadenomas serosos são tumores bem delimitados, que consistem de múltiplos
cistos pequenos e são, geralmente, menores que 2 cm de diâmetro. Esses tumores
não têm potencial de malignização. Já os cistadenomas mucinosos, são lesões
normalmente multi-loculares e apresentam na sua superfície interna, projeções
papilares. São tumores pré-malignos e por esse motivo, devem ser sempre
ressecados. O diagnóstico diferencial através dos exames de imagem é muitas
vezes difícil e, não raro, realizado apenas após exame anatomopatológico.
Normalmente, a realização de pancreatectomia distal convencional necessita
incisões subcostais amplas para se obter uma abordagem segura. A localização
retroperitonial do pâncreas e sua íntima relação com estruturas vasculares
importantes dificultam a sua exposição. Essas incisões ampliadas estão
associadas à dor mais intensa no pós-operatório, além de maior incidência de
infecção de ferida operatória e hérnia incisional, se comparado às técnicas
minimamente invasivas.
A videolaparoscopia representou um grande avanço para cirurgia do aparelho
digestório. Muitas mudanças ocorreram desde a experiência inicial no começo da
década de 1990 até os dias atuais. Procedimentos antes realizados através de
incisões amplas são hoje realizados pela via laparoscópica de forma segura, com
menor morbidade e menor tempo de recuperação pós-operatória. No entanto, apesar
do ímpeto de alguns profissionais, o pâncreas sempre exerceu certo temor nos
cirurgiões.
A história de ressecções pancreáticas por laparoscopia é relativamente recente.
GAGNER e POMP(3) descreveram sua experiência inicial em 1994 e desde então,
surgiram relatos de pancreatectomia distal realizadas em diferentes partes do
mundo(1, 2, 4, 14). A experiência ainda é muito limitada mas, mesmo assim,
alguns trabalhos apontam que a laparoscopia pode ter grande utilidade nas
ressecções de tumores císticos distais do pâncreas(10, 11). Os estudos
ressaltam a natureza benigna das lesões, o que dispensa a realização de
linfadenectomia e a localização distal favorável à ressecção, uma vez que não é
necessária a realização de anastomoses. Além disso, em se tratando de tumores
que acometem mais freqüentemente mulheres e na faixa etária dos 40-50 anos, a
questão estética não pode ser negligenciada.
Em trabalho recente(10) com grande número de pacientes, os autores concluíram
que essa intervenção pode ser realizada com segurança por cirurgiões
experientes, sem mortalidade e com baixa morbidade. Provavelmente, os pacientes
portadores de tumores císticos podem se beneficiar, na realização de
pancreatectomia distal, de um pós-operatório mais rápido e com menos
complicações relacionadas à incisão. Com efeito, na experiência inicial os
pacientes desta série apresentaram tempo de internação relativamente curto, bom
efeito cosmético, dor pós-operatória de fácil controle e com morbidade
equivalente à intervenção convencional.
A fístula pancreática continua sendo uma das principais complicações pós-
operatórias da pancreatectomia distal seja por via convencional, ou
laparoscópica. No entanto, sabe-se que a fístula pancreática é muito freqüente
e para o diagnóstico é necessária a dosagem da amilase do líquido do dreno, que
não é realizada em todos os grupos. O aparecimento de fístula pancreática em
duas das três pacientes operadas mostra a alta freqüência desta complicação
após ressecção pancreática. O uso de grampeadores mecânicos para secção do
parênquima pancreático facilita a realização desta intervenção por via
laparoscópica.
Conclui-se que a pancreatectomia laparoscópica é factível, pode trazer
benefícios aos pacientes com neoplasia cística da porção distal do pâncreas,
com pouca dor pós-operatória, curto tempo de permanência hospitalar, baixo
índice de complicações e melhor resultado estético. Estudos controlados e com
número maior de pacientes são necessários para a confirmação dos achados do
presente trabalho.