Estudo do polimorfismo genético no gene p53 (códon 72) em câncer colorretal
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
Alterações genéticas têm papel decisivo no aparecimento de várias neoplasias
humanas(2). Na maioria, essas alterações genéticas ocorrem em uma única célula
somática, que então se divide e continua se desenvolvendo até formar um câncer.
Mais raramente, quando a neoplasia maligna ocorre como parte de uma síndrome de
câncer hereditário, as alterações iniciais são herdadas por meio de linhagem
germinativa e, portanto estão presentes em todas as células do organismo(15).
Mutações e polimorfismos são duas alterações genéticas freqüentes. As mutações
são representadas pela substituição de bases, alterações na organização ou no
tamanho das seqüências, incorporação do DNA extracromossômico e alterações
anafásicas ou da citocinese. Essas alterações estão associadas à freqüência de
alelos heterozigotos presentes em menos de 2% da população(1). Os polimorfismos
genéticos são variações na seqüência de DNA que podem criar ou destruir sítios
de reconhecimento de enzimas de restrição e parecem estar associados a apenas
uma base. A freqüência de alelos heterozigotos para o polimorfismo genético
ocorre em mais de 2% da população. Algumas dessas alterações ocorrerão em
seqüências não codificadoras do gene, que na maioria dos casos não terão efeito
em suas funções; outras ocorrerão em seqüências codificadoras, levando à
produção de proteínas defeituosas. Deste modo, em alguns casos o polimorfismo
genético pode aumentar a suscetibilidade ao câncer(11).
Mundialmente, o câncer colorretal foi a quarta neoplasia mais incidente tanto
no sexo masculino, quanto no feminino. A sobrevida global em 5 anos é de 60% e
não são observadas diferenças significativas entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento. No Brasil, o câncer de cólon e reto é a quinta causa de morte
no sexo masculino e a terceira no sexo feminino(5), tendo-se observado aumento
consistente de suas taxas de mortalidade ao longo das últimas décadas.
O câncer colorretal divide-se basicamente em dois grandes grupos de acordo com
a história familiar: o esporádico, que corresponde a 85% do total das
neoplasias malignas colorretais, e o hereditário, que compreende
aproximadamente 15% do total(3), estando subdividido em: síndrome da polipose
adenomatosa familiar (PAF) e câncer colorretal hereditário sem polipose
(HNPCC).
Apesar de serem síndromes genéticas herdadas por várias gerações de uma
família, os mecanismos de carcinogênese envolvem a herança genética e uma
seqüência elaborada de outras alterações genéticas somáticas que se juntam ao
fator herdado para propiciar condições favoráveis à carcinogênese(12).
No câncer colorretal há duas vias genéticas da carcinogênese: via de
instabilidade cromossômica, que ocorre na PAF, onde o paciente herda uma
mutação do gene supressor tumoral APC (polipose adenomatosa colônica), e via de
hipermutabilidade do DNA, que ocorre no HNPCC em que a alteração genética
herdada é a inativação de um dos alelos dos genes envolvidos no reparo do DNA
(genes hMSH2 e hMLH1). Entretanto, outros genes estão envolvidos na
carcinogênese colorretal, como: gene K-ras, gene DCC, gene p53, etc(25).
A perda do gene p53 é crucial para a transformação do adenoma colorretal em
carcinoma(6). Freqüentemente, está inativo em grande variedade de tumores
humanos, incluindo leucemias, linfomas, tumores cerebrais e carcinomas de
muitos tecidos, como mama, pulmão e cólon(14).
Os genes supressores de tumor estão envolvidos no controle de pontos
estratégicos da cadeia de eventos que controla o crescimento e a diferenciação
celular. Esses genes precisam ter dois alelos alterados para induzir o câncer.
A perda de uma cópia do gene decorre de mutação, enquanto a segunda cópia é
perdida por deleção do outro alelo, o que se denomina perda de
heterozigosidade. A perda de um alelo pode ser herdada ou adquirida. O
indivíduo heterozigoto para um gene supressor de tumor não tem neoplasia, mas
apresenta risco maior de desenvolver um tumor(27).
O p53 é um gene supressor tumoral clássico, que age na regulação do
desenvolvimento e do crescimento celular(21). Está localizado no lócus 17p13,
codificando uma proteína de 53kDa e 393, aminoácidos que têm a característica
de ser expressa quando o DNA sofre algum tipo de dano, onde a proteína p53 se
liga ao local danificado do DNA e interrompe as células na fase G do ciclo
celular(9), ativando mecanismos de reparo do DNA ou mesmo de apoptose(20).
A proteína p53 foi primeiramente identificada em 1979 em estudo com o vírus
"simian 40 (SV40)" e o antígeno T. Esta proteína tem elevado nível de expressão
em tumores e em células transformadas(7).
A linhagem germinativa da p53 tem sido relacionada à hereditariedade para
predisposição do câncer (síndrome de Li-Fraumeri). O aumento da quantidade
dessa proteína celular tem sido associado à interrupção do ciclo celular e a
programação da morte da célula (apoptose). Na célula, cujo material genético
está danificado, a p53 ativa a produção da proteína p21, que interage com o
receptor de ciclina dependente de quinases 2 (cdk2), que estimula a divisão
celular. Quando a p21 forma complexos com cdk2, a célula é impedida de avançar
para o próximo estágio da divisão celular. Quando mutada, a p53 deixa de ativar
a produção de p21, tornando a divisão celular processo descontrolado e
induzindo a formação de tumores(26).
Além da mutação, o polimorfismo do gene supressor de tumor p53, no códon 72,
tem sido investigado extensivamente para associação com vários cânceres em todo
o mundo(8). O códon 72 codifica um aminoácido arginina (CGC; Arg72) e um
prolina (CCC; Pro72), correspondendo a arginina/prolina (Arg/Pro)(23). O
polimorfismo ocorre por simples substituição de uma base no códon que resulta
em alteração estrutural da proteína p53(24). Vários autores têm demonstrado que
a presença de Arg/Arg confere maior risco de desenvolvimento de tumores, como
em cânceres de bexiga, cérvix uterino(22), mama(16), pulmão(17), etc.
Entretanto, no câncer colorretal não há uma associação clara com este
polimorfismo e aumento do risco de câncer(10).
Objetivos
1. Determinar a prevalência de polimorfismos no códon 72 do gene p53 em
pacientes com neoplasia colorretal em relação a um grupo controle;
2. relacionar a presença desse polimorfismo com hábitos de vida, estádio,
grau de diferenciação e evolução clínica da doença.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram estudados 100 pacientes com câncer colorretal, atendidos no setor de
Oncologia da Disciplina de Gastroenterologia da Universidade Federal de São
Paulo, Escola Paulista de Medicina, com idades entre 20 e 80 anos, e com
diferentes prognósticos. Cem indivíduos sem câncer, que procuram o ambulatório
para tratamento de dispepsia foram pareados quanto ao sexo e idade (com
diferença de até 5 anos), constituíram o grupo controle. Os grupos foram
submetidos a entrevista e coleta de sangue venoso. O estudo foi aprovado pelo
Comitê de Ética da instituição e os participantes assinaram termo de
consentimento.
A entrevista foi realizada no local de internação ou de atendimento do paciente
e teve como tempo máximo 5 minutos de duração. Os dados requeridos na pesquisa
foram: registro hospitalar, nome, data de nascimento, idade, sexo, raça,
endereço, diagnóstico, estádio, história familiar e hábitos de vida (tabagismo
e etilismo) e situação no momento da investigação (sem doença ou com recidiva).
A coleta de sangue foi realizada em veia periférica em tubos a vácuo contendo
anticoagulante (EDTA). Os tubos foram centrifugados durante 15 minutos numa
velocidade de 4.000 rpm, para separação em plasma, leucócitos e hemácias. As
células nucleadas (leucócitos) foram depositadas em tubos tipo coneificados
para 1,5 µL para posterior procedimento de extração de DNA ou armazenamento em
freezer a '80ºC, até o momento da extração.
A extração de DNA foi realizada através de kit comercial específico para
extração em sangue (Genomic Blood DNA Purification Kit, Amersham Biosciences),
conforme procedimento do fabricante.
Foram utilizados dois primers distintos, descritos em estudos semelhantes(20):
um para arginina e outro para prolina (Tabela_1). Foram utilizados: 10 µL de
Master Mix (PCR Master Mix, 2.0x, Promega), 1 µL de primer de arginina ou
prolina a (10pM/ul), 9 µL de água sem nucleases (Nuclease-Free Water, Promega)
e 3 µL de DNA genômico, totalizando 25 µL por reação.
Na amplificação dos primers para detecção do alelo arginina foram determinadas
as seguintes condições de temperaturas e tempos: 94°C durante 3 minutos para
denaturação, 94°C, 60ºC e 72°C durante 30 segundos cada, com 35 ciclos, para
anelamento e extensão da fita, e 72°C durante 5 minutos para o término da
reação. Para detecção do alelo prolina foram determinadas as mesmas condições
de tempos e temperaturas, com exceção da temperatura de anelamento adaptada a
57ºC.
Os produtos amplificados foram submetidos a separação por eletroforese em gel
de agarose (Agarose NA, Amersham Biosciences) a 2%, com marcador de peso
molecular de 100pb (DNA Ladder, Promega), sob 103 volts e foram
fotodocumentados através do sistema "Kodak Digital Science 1D".
Análise estatística
Para estudar a associação entre a doença e as variáveis categóricas analisadas,
empregou-se o teste de qui-quadrado de Pearson. Para a variável idade, foi
usado o teste t de Student para amostras independentes. Para estudar a
associação entre o intervalo livre de doença e as demais variáveis consideradas
no estudo, empregou-se o modelo de riscos proporcionais de Cox.
RESULTADOS
Entre os indivíduos do grupo controle e do grupo caso, 53 eram do sexo
masculino. A média de idades foi de 60,8 anos no grupo controle e de 62,8 no
grupo caso. Quanto à raça, os hábitos de vida como etilismo e tabagismo, a
presença de história familiar de câncer entre grupo controle e do grupo caso,
estão referidos na Tabela_2. Não se observou diferença estatística entre os
dois grupos quanto à idade, etilismo e tabagismo.
O fragmento amplificado com primer para o alelo arginina, observado no gel de
agarose representa a presença desse aminoácido no códon 72 do cromossomo 17. Da
mesma maneira, a presença do fragmento amplificado com o primer do alelo
prolina, também observado em gel de agarose, representa a presença desse
aminoácido na mesma região cromossômica.
A amostra que amplificou para os dois alelos é considerada heterozigota
arginina/prolina (Figura_1). A amostra que amplificou apenas para o alelo
arginina é considerada homozigota arginina (Figura_2) e a que amplificou apenas
para prolina é considerada homozigota prolina (Figura_3).
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O genótipo homozigoto arginina, no gene 53, códon 72, foi observado em 56
pacientes com câncer colorretal, homozigoto prolina em 6 e o genótipo
heterozigoto em 38. Entre os indivíduos do grupo controle, a variação genética
foi de 58 indivíduos com genótipo homozigoto arginina, 36 heterozigoto e 6
homozigoto prolina (Tabela_2).
A freqüência de variações genéticas correlacionadas ao sexo, raça, estádio
clínico, grau de diferenciação, tabagismo e etilismo está representada na
Tabela_3 para o grupo com câncer colorretal e na Tabela_4 para o grupo
controle. Não se observaram diferenças estatísticas entre as variações
genéticas e a raça, os hábitos de vida, o grau de diferenciação (Tabelas_3, 4),
ou recurrência da doença (Figura_4).
Embora o número de doentes estádio I e IV seja pequeno, observou-se no estádio
I maior número de doentes com genótipo arg/pro (71,4%) e no estádio IV o
inverso, maior número arg/arg (80%).
DISCUSSÃO
Grande variedade de alterações celulares que podem culminar no desenvolvimento
de um tumor, vem sendo estudada em todo o mundo. A cada ano, inúmeras pesquisas
são publicadas com o objetivo principal de elucidar as possíveis variações de
cada componente celular (genes, proteínas, aminoácidos, enzimas etc), que podem
atuar na transformação de uma célula normal em célula neoplásica e na sua
progressão em diferentes tipos de tecidos. As alterações genéticas, como as
diferentes formas de mutações e alguns polimorfismos genéticos, podem acometer
qualquer região da seqüência de DNA e são os principais alvos destes estudos.
O polimorfismo no códon 72, prolina (pro) ou arginina (arg) está envolvido na
habilidade do p53 em interagir com as proteínas celulares. Possivelmente este
polimorfismo altera a conformação da proteína p53 alterada que se une a uma
proteína denominada p73, impedindo a sua atividade em induzir a apoptose(13). A
p53 mutada teria maior ação sobre a p73 quando o polimorfismo no códon 72
codifica arginina ao invés de prolina(13). Portanto, este polimorfismo arginina
pode alterar o comportamento da p53 mutada. Esta diferença na atividade da p53
mutada fez com que a freqüência do polimorfismo genético no códon 72 do gene
p53 fosse estudada por diversos pesquisadores nos últimos anos(4, 10, 13, 17,
19, 22).
SOULIZTIS et al.(22), realizaram um estudo para determinar a associação desse
polimorfismo em pacientes com câncer de bexiga. A investigação foi realizada em
50 amostras de sangue e de tumor comparada a 50 amostras de sangue de pacientes
controles. Esses autores observaram que 60% dos pacientes com câncer de bexiga
apresentaram genótipo homozigoto arginina, enquanto se observou este fato em
apenas 24% da população controle. Ao contrário, a freqüência do genótipo
heterozigoto (arginina/prolina) foi de 36% nos pacientes e de 64,7% no grupo
controle, demonstrando que a presença do genótipo Arg/Arg pode estar associada
ao desenvolvimento do tumor de bexiga.
PAPADAKIS et al.(17) também realizaram estudo para avaliar a associação deste
polimorfismo no câncer de pulmão avançado. Em 54 pacientes com câncer de pulmão
e 99 indivíduos do grupo controle, submetidos a coleta de lavado brônquico e
sangue periférico, os pesquisadores encontraram freqüência do genótipo
homozigoto arginina em 50% dos pacientes com câncer de pulmão avançado e 24% da
população controle. No entanto, o genótipo arg/pro foi semelhante entre os dois
grupos, sendo de 50% nos pacientes e 64% na população controle.
SAYHAN et al.(18) estudaram essas variações genéticas em câncer colorretal e
associaram os resultados à infecção por papiloma herpes vírus. Esses
pesquisadores utilizaram 67 amostras de ressecção cirúrgica de pacientes com
câncer e 76 indivíduos sem evidências de câncer ou doenças gastrointestinais.
Entre os pacientes com câncer, 38,8% apresentaram genótipo homozigoto arginina,
44,8% genótipo heterozigoto e 16,4% homozigoto prolina. No grupo controle os
resultados foram 27,6%, 56,5% e 15,85%, respectivamente. Essas diferenças não
foram estatisticamente significantes.
Estudo recentemente publicado, realizado por GEMIGNANI et al.(4), também
analisou o risco de desenvolvimento do câncer colorretal e o polimorfismo no
referido gene. Em 374 casos e 322 controles, os autores observaram homozigose
arginina em 54%, heterozigose em 36% e homozigose para prolina em 5% dos
doentes com câncer. Não encontraram diferenças entre a freqüência do genótipo
homozigoto arginina e heterozigoto entre os grupos.
A freqüência de homozigose descrita neste estudo foi semelhante à que se
observou (56% arginina e 6% prolina), sendo que também não se observou
diferença entre os grupos. Em ambos os grupos houve maior prevalência do
genótipo homozigoto para arginina. No estádio IV este genótipo foi freqüente em
80% dos casos, ao contrário do estádio I que foi 14,3%. Este maior percentual
de arg/arg em doentes avançados também foi descrito por SCHNEIDER-STOCK et al.
(19).
A correlação entre sexo, grau de diferenciação e evolução não mostrou diferença
estatística significante. Não se encontrou relato entre associação de fumo ou
álcool e alterações do genótipo arg/pro. Neste estudo não se observou variação
entre estes hábitos e este polimorfismo.
Ao contrário do observado para outros tumores, no câncer colorretal
provavelmente não existe diferença entre o risco de desenvolvê-lo e a presença
do genótipo homozigoto arginina ou heterozigoto.
Pode-se concluir que: a prevalência de genótipo homozigoto arginina foi
observada em pouco mais da metade dos indivíduos, independente da presença ou
não de câncer, sendo portanto, o genótipo mais freqüente. O polimorfismo do
gene p53 (códon 72) não se associou com maior risco de desenvolvimento de
câncer colorretal na população estudada. Embora o número de doentes tenha sido
pequeno, observou-se nos com estádio IV, maior freqüência do genótipo arg/arg
quando comparado aos com estádio I. Não se observou correlação entre este
polimorfismo e fumo, álcool, grau de diferenciação e risco de recurrência.