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BrBRCVHe0004-28032006000300012

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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Risco nutricional em cirurgia avaliado pelo índice de massa corporal ajustado ou não para pacientes idosos ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A desnutrição é um problema de significativa importância em pacientes cirúrgicos. Relaciona-se a maiores custos hospitalares, maior tempo de internação, maior incidência de complicações e óbito pós-operatório(1). O idoso é particularmente mais susceptível a déficits nutricionais. A nutrição que ocorre nesses pacientes é de causa multifatorial: deve-se a alterações fisiológicas do envelhecimento, às condições socioeconômicas, co-morbidades e à interação entre nutrientes e medicamentos. Isso torna a avaliação nutricional no paciente idoso peculiar, devendo ser feita de maneira padronizada e criteriosa(15). Deve-se ainda ressaltar que a idade afeta muitos dos métodos comumente usados de análise do status nutricional(13). Tais fatores fazem com que seja difícil definir, com precisão, desnutrição nesses pacientes(12).

O índice de massa corporal (IMC), determinado pela relação entre o peso corporal em kg e estatura em m2 é, na prática diária, amplamente utilizado.

Além de ser de fácil execução é, especialmente em estudos populacionais, bom indicador do estado nutricional por sua boa correlação com a massa corporal (r " 0,80) e baixa correlação com a estatura(8). São considerados valores normais para o IMC entre 18,5 kg/m2 e 25 kg/m2. Valores acima ou abaixo destes limites são indicativos de risco nutricional(11). Todavia, nos idosos, esse índice classicamente têm sido considerado indicador pobre para a avaliação de riscos(14). O emprego do IMC nesse grupo apresenta dificuldades por não levar em consideração as alterações da composição e estrutura do corpo que lhes são típicas, como decréscimo da estatura, acúmulo de tecido adiposo, redução de massa corporal magra e da quantidade de água no organismo(3, 9).

Por esses motivos, nas últimas décadas surgiram estudos visando estabelecer pontos de corte mais altos para o IMC em idosos e sua correlação com outros métodos de avaliação nutricional(8). BRAY(4) classifica como desejável em pacientes acima de 65 anos o IMC entre 24-29 kg/m2. LIPSCHITZ(13) reforça que nesses pacientes, valores de IMC inferiores a 22 kg/m2 são indicativos de significante déficit de nutricional. RANHOFF et al.(16), recomendam que o IMC abaixo de 23 kg/m2 em idosos com doenças agudas, têm alta sensibilidade na detecção de desnutrição ou risco de desnutrição, devendo ser seguido por outras ferramentas de rastreamento, visando a pronta identificação e correção de déficits. Observa-se portanto, que não consenso do que seja IMC elevado ou baixo para o indivíduo idoso(19). A Organização Mundial da Saúde sugere para a avaliação do idoso a utilização dos pontos de corte propostos para o adulto jovem (IMC <18,5 kg/m2 = magreza; IMC >30 kg/m2 = obesidade), muito embora as evidências atuais estejam mostrando que o emprego de valores superiores sejam mais adequados(10).

poucos estudos na literatura mostrando a relação entre valores de IMC em idosos e morbimortalidade em pacientes cirúrgicos. Para esses doentes são escassos, em nosso meio, dados de medida de freqüência em populações hospitalares e avaliações de riscos aos quais os mesmos estão submetidos. A partir disso, o objetivo desse estudo foi avaliar em idosos internados em enfermaria de cirurgia geral de um hospital universitário na região centro- oeste do Brasil, a incidência de complicações cirúrgicas, mortalidade e o tempo de internação, comparando-se com pacientes mais jovens. Secundariamente, objetivou-se correlacionar tais variáveis com valores baixos de IMC, utilizando-se como ponto de corte, dois valores distintos: um convencional e outro adaptado para pacientes com idade avançada.

PACIENTES E MÉTODO Foram estudados prospectivamente 1 912 pacientes internados na enfermaria do Departamento de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário Júlio Muller, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, MT, dentre os anos de 2002 a 2004.

Foram divididos em dois grupos conforme a idade: menor de 65 anos (n = 1 627) e maior ou igual a 65 anos (n = 285). Estes últimos doentes foram divididos nos grupos etários de 65 a 75 anos (n = 226) e maiores de 75 anos (n = 59). Foram comparados o tempo de internação, complicações pós-operatórias e óbitos. Os dados demográficos dos pacientes estudados são vistos na Tabela_1.

Os pacientes com idade maior ou igual a 65 anos foram estratificados segundo o IMC <18,5 kg/m2 ou >18,5 kg/m2 (ponto de corte de 18,5 kg/m2) e <24 kg/m2 ou >24kg/m2 (ponto de corte de 24 kg/m2) (Tabela_2). As variáveis de resultado estudadas foram complicações pós-operatórias (infecção de sítio cirúrgico, sangramentos pós-operatório, deiscências e fístulas), reoperações, óbito e tempo de internação.

Para a análise dos dados obtidos, foi utilizado o pacote de programas estatísticos Epi-Info, versão 2002. A variável tempo de internação foi avaliada quanto à distribuição normal com o teste de Kolmogorov-Smirnov e homogeneidade de variâncias pelo teste de Levene, sendo expressa na forma de mediana e variação. Para comparação entre os grupos estudados foi utilizado o teste não- paramétrico de Mann-Whitney. As variáveis qualitativas (ocorrência de complicações pós-operatórias, reoperações e óbitos) foram analisadas entre os diferentes grupos utilizando-se o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, conforme o tamanho da amostra estudada. Foi adotado como índice de significância estatística o valor de P <0,05. Como medida da força de associação, foi realizado o cálculo do odds-ratio (OR), com intervalo de confiança de 95% (IC95%).

RESULTADOS Durante os anos de 2002 a 2004, 285 pacientes com idade maior ou igual a 65 anos foram internados na enfermaria de clínica cirúrgica do Hospital Universitário Júlio Muller, correspondendo a 14,9% do total de internados nesse período (n = 1 912).

O tempo de internação foi significantemente maior no grupo de pacientes com idade maior ou igual a 65 anos (6 [1-75] dias vs. 4 [1-137] dias, P <0,001).

Estes apresentaram ainda percentual de complicações pós-operatórias (37/285; 13,0% vs. 109/1627; 6,7%; OR 2,1; IC95% 1,40-3,09) e percentual de óbitos (15/ 285;5,3% vs. 34/1627;2,1%; OR 2,6; IC95% 1,40-4,84) significantemente maior (P <0,05) que os pacientes com idade inferior a 65 anos. O Gráfico_1 ilustra a razão de chances (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%) dos pacientes com idade >65 anos apresentarem complicações ou óbito no pós-operatório o ponto em destaque (¨) mostra o valor de OR para cada variável com as linhas horizontais correspondendo no eixo das abscissas aos respectivos intervalos de confiança de 95%; tais valores acima de 1, conforme destacado no gráfico, determinam que a idade >65 anos representou fator de risco (desfavorável) para morbimortalidade operatória. Calculando-se ainda o produto de riscos cruzados entre os grupos etários, estratificado pela ocorrência de neoplasia maligna, observou-se OR relacionado ao risco de complicações pós-operatórias de 3,0 (IC95% 2,40-3,80) e de óbito 3,5 (IC95% 2,70-4,53).

Analisando-se apenas pacientes idosos, quando se comparou o grupo etário de 65 a 75 anos com pacientes com idade superior a 75 anos, não houve diferenças estatísticas em relação a tempo de internação (10,42 ± 10,64 vs. 8,64 ± 10,79, P = 0,257), complicações pós-operatórias (32/226; 14,2% vs. 04/59; 6,8%, P = 0,19) e mortalidade (13/226; 5,8% vs. 02/59; 3,4%, P = 0,37). Em relação ao índice de massa corporal, 29/285 (10,2%) foram classificados como de baixo IMC quando adotado ponto de corte de 18,5 kg/m2. Todavia, com ponto de corte de 24 kg/m2, o número de pacientes classificados como tendo baixo IMC (152/285; 53,3%) foi significantemente maior (P <0,05).

Com ponto de corte de 24 kg/m2, o tempo de internação foi significantemente maior nos paciente com baixo IMC (8 [1-75] dias vs. 4 [1-43] dias, P <0,05). usando-se ponto de corte de 18,5 kg/m2, não houve diferença estatística (7 [1- 41] dias vs. 6 [1-75] dias, P = 0,28).

Com ponto de corte de 24 kg/m2, o percentual de complicações pós-operatórias (28/152; 18,4% vs. 9/133; 6,8%; OR 3,1; IC95% 1,41-6,86) e reoperações (16/152; 10,5% vs. 3/133; 2,2%; OR 5,1; IC95% 1,45-17,91) foi significantemente maior (P <0,05) em pacientes de baixo IMC. Com ponto de corte de 18,5 kg/m2, não houve diferença em relação a complicações pós-operatórias (5/29; 17,2% vs. 32/256; 12,5%; P = 0,55) e percentual de reoperações (2/29; 6,9% vs. 10/256; 3,9%; P = 0,35). O percentual de óbitos não mostrou diferença estatística relacionada ao baixo IMC, seja estratificado por 24 kg/m2 (10/152; 6,6% vs. 5/133; 3,8%; P = 0,42), ou estratificado pelo IMC de 18,5 kg/m2 (2/29; 6,9% vs. 8/256; 3,1%; P = 0,27) (Gráfico_2).

DISCUSSÃO Ao longo das últimas décadas, a população de indivíduos idosos vem apresentando crescimento progressivo. No ano 2000, 12,4% da população dos EUA (cerca de 35 000 000 de pessoas) era formada por indivíduos com idade superior a 65 anos (10). Conseqüentemente, torna-se nítido o aumento do seu número em internações hospitalares(21), acarretando aumento no número de operações. De 1980 até 1996, o percentual de operações em pacientes com idade acima de 65 anos aumentou de 19% para 36%(18).

No presente estudo, cerca de 15% das internações cirúrgicas foram de pacientes com idade maior ou igual a 65 anos. Os idosos apresentaram maior tempo de permanência hospitalar em relação a pacientes mais jovens, implicando em maiores custos hospitalares e maior morbimortalidade. Realmente observou-se risco duas vezes maior de complicações pós-operatórias e 2,6 vezes maior de óbitos em pacientes com idade avançada, quando comparados aos mais jovens. Tais achados estão de acordo com outros trabalhos da literatura, mostrando que, muito embora a morbidade e a mortalidade operatória em pacientes idosos venham diminuindo com o tempo(20), a idade avançada tem correlação positiva com complicações(18).

Deve-se considerar nesses resultados o aumento de co-morbidades e doenças consumptivas, em especial neoplasias que acompanham os pacientes idosos, observando-se correlatamente percentual significativamente maior de neoplasias malignas. Analisando-se a ocorrência de complicações pós-operatórias e óbitos, estratificada pela presença de neoplasia maligna nos dois grupos etários, observou-se aumento para 3 e 3,5 vezes desses riscos, respectivamente.

Outro importante aspecto diz respeito à sarcopenia no idoso. Este termo, inicialmente proposto por ROSENBERG(17), refere-se à redução da massa muscular esquelética, com perda de sua força e função, relacionada à idade avançada(22).

Achados recentes sugerem que a sarcopenia seria um processo multifatorial onde estão envolvidos a inatividade física, remodelamento de unidades motoras, decréscimo de níveis hormonais e da síntese protéica(5). Aparentemente, inicia- se na quarta década de vida e tende a se acelerar após a idade de aproximadamente 75 anos(23). Na presente casuística, pacientes com idade de 65 a 75 anos não tiveram diferenças estatísticas relacionadas ao tempo de internação, complicações pós-operatórias e óbitos em relação a pacientes com idade superior a 75 anos. Todavia, os resultados observados comparando-se doentes com idade ³65 anos aos mais jovens fazem acreditar que a sarcopenia também influencie nos resultados operatórios em idosos, o que se relaciona ao impacto da idade na performance fisiológica individual desses pacientes. Novos estudos serão necessários para explorar os reais efeitos da sarcopenia em pacientes cirúrgicos com idade avançada.

O estado nutricional mostrou ser fator relevante na morbidade operatória. A ocorrência de baixo IMC, tendo como ponto de corte o valor de 24 kg/m2 esteve relacionada com maior tempo de internação, maior risco de complicações pós- operatórias e de reoperações em pacientes com idade avançada. A precisão de tais resultados foi afetada pelo intervalo de confiança relativamente grande observado, o que demonstra a necessidade de investigações epidemiológicas que englobem populações maiores. O mesmo pode ser aplicado à variável óbito que, neste estudo, não mostrou relação com o baixo IMC.

Não obstante, os achados desta série mostram-se de acordo com a tendência atual de se adotar pontos de corte de IMC mais altos em idosos(4, 13, 19). O percentual de baixo IMC obtido com o ponto de corte convencional esteve muito abaixo do que se espera, em termos de prevalência nacional de desnutrição em pacientes cirúrgicos. os valores vistos com ponto de corte de 24 kg/m2 mostraram-se muito mais compatíveis com a realidade(6, 24). Os resultados deste estudo mostram que o ponto de corte para desnutrição proposto para adultos jovens (IMC <18,5 kg/m2), quando aplicado a pacientes idosos, não mostrou relação com nenhuma das variáveis estudadas. BECK e OVENSEN(2), após extensa revisão de literatura sobre fatores de risco nutricional e IMC em idosos internados, propõem a elevação do ponto de corte para baixo IMC nesses pacientes de 18,5-20 kg/m2 (conforme preconizado por muitos protocolos) para 24 kg/m2, o que teria maior relação com complicações decorrentes da desnutrição.

Em pacientes cirúrgicos, o IMC talvez não seja a melhor ferramenta na avaliação do estado nutricional(7). No entanto, em especial no paciente idoso, o IMC pode servir como fator de alerta, apontando para o uso de outras formas mais efetivas de avaliação do estado nutricional, identificando com maior eficácia populações sob risco, afim de que medidas de suporte sejam tomadas(19).

Conclui-se, portanto, que a incidência de complicações pós-operatórias, mortalidade e o tempo de internação são altos em pacientes cirúrgicos de idade avançada, quando comparados com pacientes mais jovens. Na população estudada, o ponto de corte do índice de massa corporal de 24 kg/m2 mostrou maior relação com a ocorrência de complicações pós-operatórias e tempo prolongado de permanência hospitalar em pacientes com idade maior ou igual a 65 anos. Isto demonstra a necessidade de uma avaliação diferenciada nos idosos para a indicação de suporte nutricional precoce quando necessário, visando minimizar os riscos inerentes a essa faixa etária.


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