Microcirurgia endoscópica transanal no tratamento dos tumores do reto: estudo
prospectivo em 50 pacientes
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Microcirurgia endoscópica transanal no tratamento dos tumores do reto: estudo
prospectivo em 50 pacientes
Transanal endoscopic microsurgery in the treatment of rectal tumors: a
prospective study in 50 patients
Roberto da Silveira MoraesI; Osvaldo MalafaiaI; José Ederaldo Queiroz TellesII;
Marcus Adriano TrippiaIII; Gerhard F. BuessIV; Júlio Cezar Uilli Coelho
IServiços de Cirurgia do Aparelho Digestivo da UFPR
IIServiços de Anatomia Patológica da UFPR
IIIServiços de Radiologia da UFPR
IVDepartment of General Surgery, Eberhard-Karls University, Tuebingen, Alemanha
Correspondência
INTRODUÇÃO
A polipectomia endoscópica e a excisão local para o adenoma e o carcinoma do
reto tiveram recentemente aumento crescente na sua popularidade. Entretanto, é
necessária seleção criteriosa dos doentes quando se deseja tratamento curativo.
Para se indicar o tratamento local de um carcinoma retal, sem a realização de
linfadenectomia, deve-se cotejar o risco de metástases linfonodais existentes e
também a mortalidade da ressecção radical, especialmente nos idosos(10). Outros
aspectos essenciais incluem avaliação histológica minuciosa, seguimento
rigoroso e a advertência ao paciente da possível necessidade de ressecção
radical curativa adicional.
O tratamento local do câncer retal não é recente. O primeiro acesso do reto
para esse fim da qual se tem noticia foi praticada por Lisfranc em 1826.
Entretanto, ele relatou elevada incidência de incontinência fecal, recidiva
tumoral precoce e mortalidade alta, e referiu ser tudo isso relacionado à
anatomia da pelve que dificultava a realização do tratamento local. Desde então
surgiram várias modificações nas técnicas de ressecção transanal(25).
Embora a ressecção dos pólipos pediculados com alças de polipectomia já esteja
bem definida na literatura, as lesões sésseis maiores do que 4 cm, o carcinoma
pT1 e, em casos escolhidos, o pT2 permaneciam, até o advento da microcirurgia
endoscópica transanal (TEM), necessitando de procedimentos mais invasivos(15).
Atualmente aceita-se que a ressecção local possa ser indicada em casos
selecionados de câncer retal(1, 3, 4, 5, 6, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 28, 29).
Entretanto, há discordância sobre a facilidade e a qualidade da exposição do
campo operatório com as varias técnicas descritas para esse fim. A dificuldade
de boa exposição com os retratores convencionais, a exposição ruim dos tumores
quando se afastam da linha pectínea, as altas taxas de complicações e morbidade
geral das operações de Mason, Kraske e Parks, associadas aos inconvenientes
quando da ressecção anterior e a mutilação da operação de Miles(7, 14, 17),
serviram de estímulo para o desenvolvimento de novo método cirúrgico,
combinando a boa visualização proporcionada pela endoscopia, com o avanço
tecnológico do instrumental cirúrgico para a ressecção minimamente invasiva.
Esse método foi denominado de microcirurgia endoscópica transanal (TEM) para
diferenciá-lo do procedimento endoscópico e do cirúrgico convencional(2, 3).
Passou a ser praticado a partir de 1982 na Alemanha, sendo realizado atualmente
em grandes centros. Sua introdução no Brasil deveu-se ao primeiro autor deste
trabalho em 2002 no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo no Hospital de
Clinicas da Universidade Federal do Paraná (HCUFPR) em Curitiba, PR(21).
MÉTODOS
De abril de 2002 a abril de 2006 foram operados pela mesma equipe 50 pacientes
com tumores localizados no reto (Figura_1), com idades de 25 anos a 92 anos, em
estudo prospectivo não-randômico, aprovado pela Comissão de Ética do HCUFPR e
registrado no B1NPESQ - UFPR (Banco de pesquisa da UFPR) sob número 2002012334.
Os dados de entrevista foram registrados em protocolo padrão de atendimento que
relacionava a história clínica, os antecedentes mórbidos pessoais e familiares
e aqueles possivelmente relacionados à doença. Também foram pesquisados e
registrados dados detalhados das características da lesão, dos exames e
observações de interesse do pré, bem como os do trans e pós-operatórios. Foram
candidatos a realizar a TEM os pacientes com tumores retais (adenomas sésseis
maiores do que 3 e menores do que 8 cm não-circunferenciais, as neoplasias
intra-epiteliais de alto grau, o carcinoma pT1 e, em casos escolhidos, os pT2).
Os doentes participantes do protocolo foram orientados, através de um termo de
consentimento livre e esclarecido, sobre as características do procedimento a
que seriam submetidos, das suas vantagens, desvantagens, benefícios e riscos.
No pré-operatório, todos os pacientes foram submetidos a toque retal com o
objetivo, nos tocáveis, de verificar extensão mobilidade e localização na
circunferência retal; retossigmoidoscopia rígida com objetivo de se realizar
macrobiopsias e, fundamentalmente, de se determinar a distância do tumor da
linha pectínea e da margem anal e a sua localização na parede do reto, se
anterior, posterior, lateral esquerda ou lateral direita. Os limites de
ressecção estabelecidos foram de 12 cm na parede anterior, 15 cm nas paredes
laterais e 20 cm na parede posterior. A ressecção total da parede era realizada
em todos os adenomas sésseis maiores do que 4 cm e naqueles com diagnóstico
pré-operatório de carcinomas localizados no reto extraperitonial.
Também, realizava-se colonoscopia e/ou enema opaco para verificação de lesões
associadas e doenças concomitantes, ultra-sonografia endorretal, ultra-
sonografia abdominal, avaliação tomográfica abdominal, dosagem de CEA e estudo
radiográfico de tórax. A comprovação da inexistência de envolvimento além da
submucosa indicava a TEM. Além disso, a avaliação histológica pré-operatória
incluiu: 1) definição da natureza da lesão neoplásica conforme os critérios da
OMS e UICC-TNM(30); 2) critérios histomorfológicos de estimativa de risco de
metástases angiolinfáticas associada à profundidade da invasão do tumor
primário (uT), ao grau de diferenciação celular histológica conforme a OMS, à
presença ou ausência de linfangiose carcinomatosa (baseado na constatação de
células tumorais no interior de cavidades revestidas por endotélio e sem
elementos musculares na parede(30)).
O estádio uTNM era feito no pré-operatório baseado nos critérios ultra-
sonográficos de HILDEBRANDT et al.(11), sendo a) uTo, lesão restrita à mucosa;
b) uT1, lesão restrita à submucosa; c) uT2, lesão restrita à muscular própria;
d) uT3, lesão restrita à gordura perirretal; e) uT4, lesão invadindo órgãos
adjacentes; e) No, sem invasão linfonodal; f) N1, com invasão linfonodal.
O procedimento operatório (TEM)
O preparo do colo era feito com lavagem anterógrada de 2000 mL de manitol a
10%, 6 a 8 horas antes da operação. O procedimento anestésico era realizado com
anestesia peridural ou geral, na dependência da gravidade clínica e da melhor
indicação para o doente, pelo Serviço de Anestesiologia. Antibioticoprofilaxia
com cefoxitina na dose de 2 g intravenosa era administrada na indução
anestésica.
O doente era posicionado na mesa operatória de modo variado, na dependência da
localização do tumor que deveria estar, sempre que possível, com a maior área
localizada posteriormente, às 6 horas. Esta posição era definida no pré-
operatório.
O procedimento cirúrgico começava pela localização exata do tumor. Através do
retoscópio de Buess (Richard Wolf Co., Knittlingen, Germany), com 40 mm de
diâmetro e comprimento variável entre 12 e 20 cm, introduzido no reto com um
mandril próprio do equipamento, o tumor era visualizado, inicialmente através
de um diafragma de vidro. Para que se pudesse ter plena observação, realizava-
se insuflação manual para distensão do reto.
Após ser obtida a visualização adequada do tumor, o retoscópio era fixado em
suporte apropriado (Martin). O diafragma de vidro, que serviu para acesso à
visualização, era substituído pelo portal de trabalho. Este portal era composto
de: a) eletrocautério de alta freqüência que regulava automaticamente o arco de
voltagem e a intensidade elétrica, para proporcionar controle eletrônico
instantâneo de corte (Erboton ICC 350M; Erbe Elektromedizin, Alemanha); b)
telescópio binocular rígido de visão tridimensional estereoscópica; c) uma
ótica de documentação acoplada ao equipamento para que a equipe cirúrgica
acompanhasse o procedimento. A imagem produzida é bidimensional, como a da
videolaparoscopia, diferente daquela do cirurgião da TEM, que é tridimensional
(Figura_2).
![](/img/revistas/ag/v45n4/03f2.jpg)
O campo operatório, a seguir, era ampliado pela insuflação de dióxido de
carbono, por acesso a ele destinado no equipamento, mantido eletronicamente em
pressão constante e uniforme de 15 mm Hg para permitir bom controle visual do
campo cirúrgico e segurança quanto aos limites de ressecção. Sistemas de
irrigação e aspiração eram, então, adicionados ao portal e interligados a
insuflador por uma bomba de circulação. O bisturi eletrônico era próprio do
sistema TEM e usado no procedimento com múltiplas funções, que eram comandadas
por uma bomba pneumática. Esta era controlada por pedal que ordenava o corte, a
coagulação, a aspiração e a irrigação, de acordo com a necessidade do
cirurgião.
A incisão cirúrgica, diferentemente das ressecções endoscópicas, era feita
interessando às camadas mucosa, submucosa, muscular e gordura perirretal
(ressecção total da parede), com margem cirúrgica radial mínima de 5 mm para os
adenomas e 10 mm para os carcinomas. A área cruenta remanescente era fechada
com fio monofilamentado 2-0, agulha de 2 cm e clipes de prata.
Revisão minuciosa do sangramento e perfeito fechamento da área ressecada,
finalizava o procedimento.
Preparacão dos espécimes e estudo anatomopatológico
O tecido excisado era imediatamente fotografado, distendido em uma superfície
lisa e fixado em solução de formalina a 10%.
Após 48h de fixação, o espécime era refotografado, pintado com tinta nankin com
duas cores que permitiam a identificacão, no exame histológico, das margens ou
limites de ressecção radial e perimetral, sendo realizado desenho esquemático
com registro detalhado das amostras colhidas, que eram numeradas e, a seguir, o
espécime era totalmente incluído (Figuras_3 e 4). Para garantir informações
relevantes ao patologista, utilizava-se formulário padrão que mencionava
sistematicamente a localização, o tipo macroscópico (plano, pediculado ou
ulcerado), o número de lesões excisadas e a impressão do uTNM(11).
[/img/revistas/ag/v45n4/03f3.jpg]
[/img/revistas/ag/v45n4/03f4.jpg]
Os cortes histológicos foram corados com hematoxilina-eosina (H-E) (Figura_5).
Para se estimar o risco de metástase linfogênica foi usado o termo de baixo
risco, para os adenocarcinomas de graus G1 e G2 sem linfangiose carcinomatosa.
Os tumores G3 e G4 e aqueles com evidência de linfangiose carcinomatosa eram
classificados como de alto risco (coloracão em H-E). Naqueles onde havia vários
graus de diferenciação associados, o grau menos diferenciado era utilizado.
Para melhor se visualizar blocos epiteliais diminutos e infiltrativos e para
confirmar o fenômeno de invasão vascular linfática, foi realizado estudo
imunoistoquímico com anticorpos tipo CD34 e citoqueratinas. O laudo
anatomopatológico dos espécimes da TEM continham: a) quantidade de camadas
envolvidas; b) natureza da lesão; c) profundidade da invasão; d) tipo
histológico e graduação; e) avaliação de invasão vascular; f) avaliação da
margem radial e perimetral. Esses critérios foram baseados na proposta de
HERMANECK(8, 9, 10). O registro eventual da categoria tumor residual foi feito
nos casos tratados por TEM que apresentaram recidivas e foram documentados no
protocolo dos submetidos a re-operacão da seguinte forma: residual ausente =
R0, residual microscópico = R1; residual macroscópico = R2. A classificação R
refere-se ao tumor primário, linfonodos regionais e metástases à distância(30).
[/img/revistas/ag/v45n4/03f5.jpg]
Cuidados pós-operatórios e de seguimento
Retoscopia flexível era feita no 5º e no 21º dia pós-operatório para se
verificar a permeabilidade da anastomose.
O seguimento endoscópico pós-operatório era feito nos adenomas, no 3º mês e de
6 em 6 meses, nos primeiros 2 anos. Se não houvesse a presença de novos
pólipos, era preconizado de 5 em 5 anos. Nos carcinomas, de 3 em 3 meses nos 2
primeiros anos, e de 6 em 6 meses nos 3 anos subseqüentes e consistia de
múltiplas biopsias na área anastomótica. Passado o período de risco de
recidiva, adotou-se o rastreamento feito para a população em geral, isto é, de
5 em 5 anos. O controle do CEA era feito de 6 em 6 meses durante 5 anos,
somente nos carcinomas.
RESULTADOS
A maior incidência dos tumores foi observada entre 60 e 79 anos (28 pacientes).
A neoplasia intra-epitelial de alto grau (carcinoma in situ, carcinoma
intramucoso e carcinoma superficial) foi mais prevalente, ocorrendo em 26
pacientes, seguida pelos carcinomas pT1 em 9, adenomas em 6, carcinoma pT2 em 4
e carcinóide em 2. Observou-se uma recidiva (1/50) 18 meses após a TEM e dois
tumores residuais diagnosticados no 3º mês do pós-operatório.
Os tumores foram mais prevalentes na parede posterior do reto (n = 34), o que
determinou igualmente predominância da posição de litotomia no ato operatório.
As outras posições utilizadas foram o decúbito lateral esquerdo em 9 vezes,
lateral direito em 6, e ventral em 5.
As complicações observadas foram divididas em maiores e menores (Tabela_1). A
mais grave foi uma fístula retovaginal em uma re-resseccão de um carcinoma pT1.
Sangramento pós-operatório ocorreu em dois pacientes, um deles no pós-
operatório imediato e o outro no 8º dia. Nenhum deles necessitou reintervencão.
A deiscência parcial da anastomose foi observada em três, todos elas de lesões
extensas e com anastomose retoanal. O enfisema de escroto foi observado em um
paciente, em que foi realizada ressecção total da parede anterior do reto.
Incontinência temporária a gases foi relatada em três pacientes com anastomoses
retoanais e que se resolveram espontaneamente. Tromboflebite superficial
ocorreu em um paciente com predisposição, apesar dos cuidados de
tromboprofilaxia. Disúria a dificuldade urinária foi observada em dois
pacientes no pós-operatório imediato. Uma abertura inadvertida da cavidade foi
tratada por via transanal. Um paciente de 92 anos com adenocarcinoma pT2N1 foi
a óbito no 3ºdia pós-operatório (dia da alta) por embolia pulmonar maciça
(Tabela_1).
DISCUSSÃO
A TEM é um método especial utilizado no tratamento local dos tumores do reto, o
qual exige capacitação em centros de treinamento e deve ser praticado em
hospitais de referência, pois o número de doentes a ser operado não é grande, o
que torna a curva de aprendizado lenta e difícil. Envolve uma série de cuidados
abrangentes que vão além do ato operatório, incluindo na sua realização, um
grupo de especialidades médicas diferentes e que devem cumprir criteriosamente
protocolos pré-estabelecidos para esse fim. Deve ser considerada como
procedimento cirúrgico endoscópico, realizado através de um conjunto de
equipamentos sofisticados que não devem ser confundidos com insufladores e
instrumentais convencionais da videolaparoscopia. Permite ao cirurgião visão
binocular, portanto tridimensional estereoscópica ampliada. Seu equipamento
inclui sistema eletrônico de insuflação uniforme que dá controle visual
excelente do campo operatório durante todo o procedimento. O instrumental é
especialmente desenhado para ela, baseado no paralelismo dos movimentos, para
que se obtenha o maior desempenho quando se trabalha em um tubo de 40 mm. Tudo
isso permite segurança quanto aos limites de ressecção, o que se traduz por
baixas taxas de recidiva, quando comparado aos métodos convencionais de
tratamento local(1, 3).
Finalmente a TEM proporciona a ressecção em bloco de toda a parede retal e
gordura perirretal, o que a torna procedimento oncológico, especialmente
naquelas lesões sésseis maiores do que 4 cm, onde a presença de carcinoma
incidental pT1 está em torno de 20%(17, 24). O presente estudo foi prospectivo,
não-randômico e não poderia sê-lo diferente, devido aos critérios rígidos de
inclusão e exclusão. Não seria ético submeter pacientes passíveis de ressecção
local curativa com preservação do reto a um procedimento mutilador de controle,
uma vez que os dois procedimentos poderiam proporcionar a mesma chance de cura.
As complicações foram baixas em cifras percentuais. Foi observada uma fístula
retovaginal na re-ressecção de um carcinoma pT1, realizada previamente com alça
de polipectomia, cujas margens ficaram coincidentes com a neoplasia. A
cauterização excessiva do leito cruento deve ter sido a causa do seu
aparecimento. Foi instituído tratamento conservador, com conseqüente fechamento
da fístula(20).
Outra paciente de 37 anos teve como diagnóstico carcinoma pT2 N0 de baixo
risco, tendo se recusado ao tratamento radical convencional e à radioterapia e
à quimioterapia. Encontra-se atualmente em seguimento de 24 meses, sem
recidiva. Embora a literatura mostre nesses casos recidiva de até 22.% sem
tratamento complementar, já existem relatos onde casos escolhidos de carcinoma
pT2 foram submetidos a tratamento local por TEM, com bons resultados. São
lesões bem diferenciadas menores do que 4 cm, sem invasão angiolinfática que
respondem bem à radioterapia pré-operatória. Já foi observado que, em
seguimento tardio de 10 anos, não houve diferença significativa na sobrevida,
quando comparados os pacientes submetidos a TEM aos com procedimento cirúrgico
radical convencional(16). Naquele caso a ultra-sonografia pré-operatória foi de
pT1N0, o que demonstra que, às vezes, torna-se difícil determinar com exatidão
a profundidade da invasão.
O diagnóstico definitivo muitas vezes só é feito no pós-operatório com a
retirada em bloco da peça. A literatura mostra que a ecografia endorretal tem
precisão próxima de 90%, com margem de erro de 10% para mais ou para menos.
Poderão ocorrer problemas com a ecografia endorretal quando o tumor estiver
próximo do canal anal e quando existirem úlceras conseqüentes de tratamentos
anteriores. Particularmente, cuidado especial deve-se ter quando os tumores se
encontrarem acima da reflexão peritonial e não puderem ser alcançados com o
transdutor rígido. O que não se pode admitir atualmente é que o tratamento dos
tumores do reto, ressecção local ou a operação radical convencional, seja feito
sem estádio prévio adequado(11).
Foram observadas três deiscências de anastomose, sem significância clínica em
lesões extensas próximas à linha pectínea.
Quanto maior a área cruenta e maior a proximidade da linha pectínea, maior a
probabilidade de deiscência, sendo ela mais freqüente entre 3 e 5 cm da margem
anal e menos freqüente entre 9 e 11 cm(20). Sangramento pós-operatório foi
observado em dois doentes que não necessitaram reintervenção.
A incontinência temporária foi observada em seis pacientes. Na realidade o que
se observa clinicamente é uma urgência defecatória, especialmente nas lesões
muito próximas da linha pectínea. O que parece é que esses pacientes fazem
neuropraxia do esfíncter interno, reduzindo temporariamente a sua função. Esta
lesão pode ser determinada pela insuflação prolongada e dilatação forçada na
introdução do retoscópio. A literatura mostra que não há prejuízo definitivo da
função esfincteriana e que os estudos manométricos pré e pós-operatórios
comparados não apresentaram diferenças significativas após 90 dias(4, 15). Uma
abertura inadvertida da cavidade foi tratada por sutura via transanal.
Realizou-se ressecção circunferencial do reto com anastomose retoanal em um
doente. Os tumores carcinóides foram tratados pela TEM, com a ressecção total
da parede do reto. Um deles tinha sido ressecado previamente por polipectomia
endoscópica. Era lesão séssil e as margens de ressecção ficaram coincidentes
com a lesão. Existe tendência atual em se dizer que a ressecção desses tumores
pode ser feita pela polipectomia convencional, afirmação que não deve ser
aceita porque o carcinóide já nasce pT1 na submucosa e requer ressecção
transmural. Portanto, a ressecção endoscópica com alça só se aplica às lesões
pediculadas(12, 24).
Dois pacientes apresentaram tumor residual 3 meses após a TEM, sendo um deles
submetido ao tratamento complementar com ablação por plasma de argônio e o
outro por polipectomia em alça. DEMARTINES et al.(5), em trabalho de revisão
sobre a recurrência dos adenomas após TEM, verificaram que a média é de 5,8% e
a morbidade em torno de 10%, inferior ao da ressecção anterior. Paciente de 92
anos com tumor pT2 N1, ASA 4 foi submetido a ressecção paliativa. A operação
foi minimamente invasiva, possibilitando inclusive a avaliação do linfonodo
identificado na ultra-sonografia prévia, que confirmou estar comprometido no
exame histopatológico(24). Um tumor pT1 de baixo risco apresentou recidiva 18
meses após a ressecção local, sendo submetido a ressecção anterior curativa com
diagnóstico final de pT3NO. Neste caso houve suspeita de invasão angiolinfática
na H-E que foi subestimada na primeira operação. Como um novo recorte para
estudo imunoistoquímico não foi conclusivo, evitou-se tratamento adjuvante.
Encontra-se em seguimento, após a segunda operação, há 18 meses sem recidiva.
O risco de recidiva no carcinoma pT1 de baixo risco, tratado pela TEM, deve ser
analisado, comparando-o ao da operação radical convencional curativa,
especialmente aquela realizada com dissecção romba, e com a morbimortalidade
dos procedimentos. De acordo com estudos publicados na literatura, a média da
mortalidade na ressecção anterior está em torno de 5% aos 50 anos, e aumenta
significativamente com a idade, chegando a 13% naqueles acima de 80(13).
Nestes, freqüentemente existem fatores de risco adicionais. Considerando-se que
tumores nos estádios iniciais têm período longo sem recurrência, pode-se
admitir que muitos dos idosos não viverão a tempo de experimentar recidiva.
Assim, são candidatos ótimos para o tratamento local(31).
Quando se estende esses conceitos aos pacientes jovens com pT1 de baixo risco,
estudos com seguimento longo sugerem recidiva em torno de 5%(20). Dessa forma,
para 95% dos pacientes nesta condição, a operação radical convencional é
desnecessária. Entretanto, se a recidiva ocorrer, embora esses doentes sejam
operados num estádio mais avançado, ainda haverá chance de cura maior do que
50% em segunda operação(6), o que ocorreu com um dos pacientes desta
casuística.
Em estudo prospectivo randômico realizado por WINDE et al.(32), em 1996, onde
foram comparados os resultados tardios da ressecção local por TEM versus
ressecção anterior em carcinomas pT1, observaram que a perda sangüínea
operatória, a mortalidade, o tempo de hospitalização e o uso de analgésicos e
opiáceos foram menores na TEM do que na ressecção anterior. Quando compararam a
curva de sobrevida nos dois grupos não houve diferença significativa. POLGLASE
(27), em estudo onde foi analisada a recidiva do tumor do reto após
retossigmoidectomia, especialmente com dissecção romba, verificou que ela varia
entre 3.1 e 5.3, resultado semelhante ao obtido com a TEM nos estádios
iniciais, mas com menor morbimortalidade. Por outro lado, quando se compara a
recidiva da TEM com os 23% proporcionados pela ressecção local convencional,
deve-se considerar proibitivo este método(26).
Com taxa de recidiva média de 10%, o prognóstico dos pacientes com carcinoma
pT1 de baixo risco operados por TEM e que se submeteram a segundo tratamento
cirúrgico convencional, parece ser sempre pior(1). Entretanto, isso se deve a
dois fatores: as células tumorais se espalharam ou ficou lesão residual na
primeira operação, o que só pode ser confirmado através de um estudo randômico
prospectivo.
Em 1994, SALM et al.(29) relataram experiência com a TEM na Alemanha. Foram
realizadas 1.900 operações, sendo 1.411 adenomas e 433 carcinomas. Dessas
operações 286 foram com intenção curativa e 147 com intenção paliativa. A taxa
de conversão da TEM para laparotomia variou com a experiência do cirurgião(2,
6, 27, 30). A ressecção radical do reto como segunda opção foi realizada em
5,7%, nos casos de carcinoma avançado ao exame histológico. As complicações
ocorreram em 120 pacientes (6,3%), 77 (4,0%) tratados conservadoramente e 43
(2,3%), com procedimento cirúrgico. A mortalidade foi de 0,2%.
Dois pacientes com adenomas maiores do que 4 cm, apresentaram-se, ao
diagnóstico final, com focos isolados de carcinoma pT1. A literatura mostra a
presença incidental desse carcinoma em 20% dessas lesões. Por isso, recomenda-
se que eles sejam sempre tratados com ressecção transmural(20). MORSCHEL et al.
(25), comparando o diagnóstico pré e pós-operatório das lesões ressecadas,
chamaram atenção sobre a presença de adenocarcinoma, em 23% dos pólipos menores
do que 3 cm.
A média de complicações após TEM que requer intervenção cirúrgica (2,3%) é
muito inferior àquela apresentada pela operação radical convencional(29).
A pergunta a ser respondida é: poderia a TEM ser utilizada com sucesso em
carcinomas com estádio mais avançado? A literatura já mostra resultados
animadores com sua aplicação nos carcinomas pT2NO submetidos a radioterapia e
quimioterapia pré-operatórias(3, 16, 20, 28, 29).
CONCLUSÃO
As indicações da TEM no tratamento dos adenomas sésseis, das neoplasias intra-
epiteliais de alto grau e do carcinoma pT1 de baixo risco do reto, são
precisas, além de apresentar benefícios com resultados oncológicos comparáveis
aos das operações radicais convencionais.