Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0004-28032009000300015

BrBRCVHe0004-28032009000300015

National varietyBr
Year2009
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Avaliação do estado nutricional precedente ao uso de nutrição enteral ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação do estado nutricional precedente ao uso de nutrição enteral

Assessing nutritional status before introducing enteral nutrition

Vânia Aparecida Leandro-MerhiI; Juliana Luisi MoreteII; Maria Rita Marques de OliveiraIII IFaculdade de Nutrição, Pontifícia Universidade de Campinas, Campinas, SP IICurso de Nutrição, Unversidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP IIIInstituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP Correspondência

INTRODUÇÃO O estudo dos indicadores da desnutrição no âmbito hospitalar é de grande relevância, que vários trabalhos nos últimos 25 anos têm mostrado as consequências da desnutrição para os pacientes hospitalizados(14, 26). Após a internação hospitalar, cerca de 70% dos pacientes inicialmente desnutridos, sofrem uma piora gradual do seu estado nutricional(16). Este número contribui para o aumento da morbidade e mortalidade, em até 65% dos pacientes(11, 16).

Este déficit nutricional acarreta o aumento da incidência de infecções hospitalares, cicatrização de feridas mais lentas, aumentando ainda mais o tempo de internação, além de contribuir para o aumento dos custos hospitalares (11).

A terapia nutricional enteral (TNE) tem sido empregada rotineiramente como alternativa bem sucedida para melhorar as condições nutricionais nos pacientes hospitalizados(24, 28). A manutenção e até mesmo a recuperação do estado nutricional vêm sendo encontradas com frequência entre pacientes que recebem TNE(14, 27). Entretanto, a indicação da TNE deve seguir critérios bem definidos (28).

Entre os critérios está o aporte insuficiente de nutrientes, seja qual for o motivo. O aporte insuficiente de nutrientes torna-se ainda mais crítico em presença de desnutrição(28). Daí a importância do diagnóstico nutricional, que no caso do enfermo representa um desafio, pois a desnutrição aguda nem sempre se expressa pelos indicadores antropométricos(15). De outro lado, os indicadores bioquímicos do estado nutricional podem sofrer interferência do processo da doença, o que pode mascarar os resultados(15). que se considerar ainda, as dificuldades de obtenção de medidas antropométricas de pacientes acamados e as alterações da composição corporal em água, inerentes ao processo da doença.

Para minimizar essas dificuldades, vários instrumentos de avaliação têm sido desenvolvidos e utilizados na prática clínica(7, 17, 18). Esses instrumentos têm lançado mão de aspectos subjetivos de avaliação, muitas vezes considerando não o estado de desnutrição em si, mas sim os fatores de risco para que ele se instale, como por exemplo, a dificuldade de acesso ao alimento. Dessa forma, os avanços da nutrição clínica têm nos mostrado que a avaliação do estado nutricional se torna cada vez mais imprescindível e complexa, demandando sempre novos estudos.

Considerando a importância da triagem para o adequado cuidado nutricional, o presente trabalho teve por objetivo avaliar indicadores do estado nutricional em pacientes ingressantes na TNE em uma unidade hospitalar.

MÉTODOS Foi realizado estudo transversal com 100 pacientes adultos (n = 100) internados com indicação de TNE em uma unidade hospitalar, entre os meses de agosto a dezembro de 2006. Foram incluídos na pesquisa todos os pacientes que estivessem recebendo TNE exclusiva, tivessem mais que 18 anos e não mais que 3 dias de internação. A coleta de informações para fins da pesquisa, foi iniciada depois da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido por parte do paciente ou responsável, tendo obtido parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de Piracicaba, SP (processo 83/05), como parte do projeto Evolução dos Indicadores do Estado Nutricional e Alimentar de Grupos específicos da População de Piracicaba e região. Para a coleta dos dados, foi utilizado um protocolo previamente estabelecido, incluindo dados de identificação pessoal, diagnóstico, indicadores antropométricos (estatura estimada, peso estimado e desejado, índice de massa corporal (IMC), circunferência do braço (CB), prega cutânea do tríceps (PCT), circunferência muscular do braço (CMB), indicadores laboratoriais do estado metabólico e nutricional (glicemia, ureia, creatinina, hemoglobina, hematócrito e albumina).

Considerando que quase a totalidade da amostra era representada por pacientes acamados e impossibilitados de ficarem em para aferição de peso e estatura, essas medidas foram estimadas a partir de fórmulas de predição. Para a estimativa da estatura foi utilizada a medida da altura do joelho na fórmula de CHUMLEA et al.(5). A estimativa de peso foi calculada a partir da CB, panturrilha e prega cutânea subescapular, utilizando-se a fórmula de CHUMLEA et al.(5). O IMC foi obtido a partir da relação peso/estatura2 e classificado de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde(28).

A CB foi aferida com o auxílio de uma fita métrica plástica graduada em centímetros, com precisão para milímetros, a PCT foi obtida a partir do paquímetro da marca Lange Skinfold Caliper® e a CMB foi calculada utilizando-se a seguinte fórmula: CMB = CB -(PCT x 0,314). Para os valores de referência de PCT foi adotado o critério estabelecido por FRISANCHO(12). Quanto aos dados laboratoriais de glicemia, ureia, creatinina, hemoglobina e hematócrito utilizaram-se como ponto de corte os valores esperados preconizados por FLEURY MEDICINA e SAÚDE(10). Para efeito de comparação, as variáveis quantitativas foram dicotomizadas de acordo com os pontos de corte estabelecidos. O ponto de corte adotado para a albumina foi de 3,2 g/dL(15), para a PCT foi de 16 mm para mulheres e 12 mm para os homens(12), o ponto de corte para hematócrito foi de 40% para os homens e 35% para as mulheres, e para a hemoglobina foi de 13,5 e 12 g/dL, respectivamente(10).

Os dados foram processados pelo programa Excel, sendo expressos por meio de estatística descritiva. As diferenças entre as médias de variáveis numéricas foram testadas pelo teste t de Student, adotando-se o nível de significância de 5% (P<0,05). As diferenças entre as distribuições percentuais das variáveis nominais foram analisadas pelo teste qui ao quadrado, agrupando-se os valores quando necessário. Assim, para efeito de comparação, a frequência percentual dos indivíduos com valores de exames bioquímicos críticos ou não, foi determinada pelas categorias do estado nutricional. Em seguida, foram construídas tabelas de contigência(20), cruzando as frequências percentuais das principais variáveis ilustrativas com as variáveis ativas, e utilizado o teste de qui ao quadrado de Pearson para avaliar o grau de independência entre as variáveis:

onde eij = frequência esperada de ocorrências do cruzamento das variáveis na amostra, se estas fossem independentes. Essa estatística tem distribuição deχ2 com (I-1) (J-1) graus de liberdade (I = número de níveis da variável X e J = número de níveis da variável Z), ou seja, o valor deχ2 observado foi comparado com valor tabelado a nível P de erro e os graus de liberdade associados às duas categorizações. Assim, se (P£0,05), rejeitou- se a hipótese de independência (ou de relação) entre as variáveis a nível de 5%.

RESULTADOS As Tabelas_1 e 2 apresentam o perfil geral da amostra estudada, dividida conforme o sexo. O grupo foi composto por 50% dos pacientes do sexo masculino e 50% do feminino, com situações clínicas como doença do sistema nervoso central, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, desnutrição, nefropatias, neoplasias, sepse, traumatismo crânio-encefálico e outras. Observou-se maior prevalência das doenças cardiovasculares (31%), seguidas pelas pulmonares (21%) sem diferença estatística na distribuição proporcional entre os sexos. Nos indicadores do estado nutricional e metabólico (Tabela_2), observa-se que as mulheres apresentam IMC e PCT mais elevados que os homens. A amostra como um todo apresentou valores médios de glicemia e ureia acima dos esperados. Os valores de albumina apresentaram-se abaixo do esperado (Tabela_2).

As Tabelas_3, 4 e 5 são referentes aos indicadores do estado nutricional. Na Tabela_3 verifica-se que não houve diferença na distribuição do diagnóstico entre os pacientes divididos conforme o estado nutricional classificado pelo IMC. Nesta classificação 29% dos pacientes apresentaram-se desnutridos, 53% eutróficos e 18% obesos (Tabela_3). A distribuição da albumina sérica não foi diferente entre os grupos classificados tanto pelo IMC, quanto pelo diagnóstico do registro de internação (Tabela_4). Os valores de concentração de albumina abaixo do ponto de corte de 3,2 g/dL foram identificados em 80% dos pacientes.

Apenas 22% dos pacientes apresentaram PCT em valores abaixo do ponto de corte adotado. A Tabela_5 mostra a distribuição do hematócrito e hemoglobina entre os pacientes divididos por sexo, estado nutricional classificado pelo IMC e pelo diagnóstico. Houve diferença na distribuição dos valores hematológicos e estado nutricional em ambos os sexos, com maior prevalência de adequação entre os pacientes com menor peso (Tabela_5).

DISCUSSÃO A TNE tem sido considerada sempre que possível como o método de escolha para pacientes internados, principalmente os de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pois estes não possuem condições de alimentação por via oral suficientes para atingir o mínimo de suas necessidades energéticas, normalmente aumentadas pelo estresse fisiológico(28). A TNE precoce beneficia o estado nutricional, reduz o tempo de internação hospitalar e proporciona melhor reembolso diário ao Sistema de Saúde hospitalar(27). No presente estudo, a introdução da TNE ocorreu num intervalo de até 72 horas da internação e foi indicada para um grupo de pacientes com elevada proporção de pacientes desnutridos, 29% na classificação pelo IMC estimado e 80% na classificação pela albumina. Lembrando que a albumina sérica é indicador do estado nutricional, cujos déficits se manifestam comumente no estresse catabólico, associado ao consumo deficiente de proteínas e energia(15). No presente estudo foram verificados valores médios elevados de glicose, ureia e creatinina, o que pode caracterizar o grupo como população em intenso estado catabólico. Com relação às situações clínicas mais frequentes, observaram-se as doenças cardiovasculares; outros trabalhos na mesma região do Estado de São Paulo têm encontrado as neoplasias como as doenças de maior prevalência(21).

A equipe profissional de cuidado ao paciente tem importante papel na indicação e administração adequada da TNE(24). O conhecimento do estado nutricional do paciente no momento de se iniciar a TNE possibilita a sua adequada prescrição (9), assim como as avaliações periódicas permitem as adequações da prescrição conforme a evolução do estado nutricional do paciente que está recebendo a TNE.

Nesse sentido, as proteínas viscerais, dependendo de sua meia vida, são indicadores do estado nutricional mais ou menos úteis para avaliar o estado nutricional na triagem para a TNE ou no resultado da TNE(1, 15). As proteínas viscerais de curta meio vida, como por exemplo a pré-albumina, são importantes marcadores da evolução do estado nutricional durante o período de TNE; a albumina, com meia vida de 20 dias, constitui-se num importante indicador do estado nutricional para o momento da triagem do paciente para o cuidado nutricional ou para avaliação em períodos mais longos(15). O interesse do presente trabalho foi conhecer o estado nutricional no ingresso à TNE.

A prevalência de desnutrição no ambiente hospitalar(13) tem variado em função do tipo de indicador nutricional utilizado, o tipo de hospital, a população estudada e o critério adotado. Em estudo realizado por WAITZBERG et al.(25) em hospitais brasileiros, no qual foi utilizada a Avaliação Global Subjetiva (AGS), foram encontrados 31,8% dos pacientes com desnutrição. Em uma população proveniente da mesma região geográfica daquela do presente estudo, GARCIA et al.(14) encontraram 23,1% de desnutrição entre os pacientes internados, classificados pelo IMC. Esses valores foram inferiores aos resultados do presente estudo, em que 29% dos pacientes encontraram-se desnutridos ao serem classificados pelo IMC. Entretanto, todos os pacientes desta série estavam recebendo TNE, podendo pressupor-se que sejam pacientes mais debilitados que a população geral enferma. Neste estudo, o IMC mostrou-se um indicador muito específico e pouco sensível à desnutrição pois, se comparadas às proporções, a albumina em valores abaixo de 3,2 g/dL, classifica 80% dos pacientes com desnutrição.

A albumina é um importante marcador para identificação do estado nutricional, principalmente quando utilizada conjuntamente a outros indicadores. LOPEZ et al.(19) verificaram que em 250 pacientes selecionados, 54,8% apresentaram desnutrição protéica; quando analisados somente pela antropometria, apenas 2,8% apresentaram-se desnutridos. Foi verificado, em estudo com cirurgia pancreática na idade avançada, que a perda de peso associada às baixas concentrações séricas de albumina são fatores de risco independentes para complicações pós- operatórias(3). É importante salientar que a perda de peso não é identificada com aferição pontual do IMC e que um indivíduo que tenha perdido peso não intencionalmente, pode apresentar ainda IMC dentro ou acima dos valores esperados(7). Nesse caso, a albumina pode contribuir como importante indicador do estado nutricional.

Contudo, a diminuição dos valores de albumina sérica em pacientes hospitalizados por longo período pode melhor refletir condições metabólicas ou inflamatórias do que propriamente o estado nutricional. A variabilidade da hipoalbuminemia pode ser influenciada pela desnutrição, pelo estado de hidratação do paciente, redução da síntese, estresse orgânico, inflamação, entre outras(15). A principal dificuldade de se utilizar a albumina como marcador nutricional isolado é sua relação direta com a inflamação. Pacientes bem nutridos podem apresentar baixos níveis séricos de albumina em situações de estresse orgânico, como a inflamação(8). Porém, existe uma interdependência entre os parâmetros bioquímicos e nutricionais refletidos pela albumina(8).

BRUGLER et al.(4) comprovam a necessidade da junção de indicadores nutricionais, como modelo diagnóstico para a utilização em pacientes de risco nutricional, apontando que as características que melhor se correlacionaram com as complicações relacionadas à desnutrição, foram o baixo consumo energético, as baixas concentrações de albumina e hemoglobina e a baixa contagem de linfócitos.

Constatou-se ainda que grande parcela da população estudada (42% do sexo masculino e 35% do sexo feminino) apresentou baixos valores plasmáticos de hematócrito, bem como de hemoglobina. Os baixos valores hematológicos podem indicar deficiência por perda ou menor síntese, mas também podem ser indicadores de diluição por questões relativas ao desequilíbrio hemodinâmico (15). No presente estudo, a maior proporção de homens e mulheres com hematócrito acima do ponto de corte eram de pacientes com baixo peso, que pode ser indício de desidratação, o que se torna mais um fator a depor contra o uso isolado do IMC para identificar o estado nutricional do paciente hospitalizado.

Entretanto, o conhecimento do peso e da estatura de pacientes é de grande importância para a prática clínica, não para a avaliação do estado nutricional, mas também para a prescrição de medicamentos e estimativa da necessidade nutricional. Mas, a obtenção destas medidas em pacientes acamados nem sempre é possível nos serviços de saúde(23). Desde a década de 80 as fórmulas de predição de peso e estatura vêm sendo utilizadas como alternativas para idosos e pacientes acamados(5). As fórmulas propostas por CHUMLEA et al.

(5) para a população americana são as mais conhecidas e utilizadas. No entanto, tem se recomendado cuidado no uso indiscriminado dessas fórmulas, pois as características físicas das populações diferem de uma para outra(15). No Brasil as fórmulas de CHUMLEA et al.(5) apresentaram concordância com o peso aferido em Fortaleza(23), mas não em Ribeirão Preto(22). Neste último, o peso foi superestimado pelas fórmulas. É possível que também no presente estudo o peso tenha sido superestimado, embora o IMC médio tenha sido mais próximo do estudo de Fortaleza, em torno de 22 kg/m2.

Dada as limitações dos métodos antropométricos e bioquímicos, reforça-se a importância da combinação de vários indicadores para a identificação de pacientes de risco(2). Além disto, a triagem do enfermo acamado para o cuidado nutricional tem se beneficiado com as abordagens que levam em conta critérios subjetivos de avaliação do risco nutricional.

Num estudo multicêntrico(6), foi avaliada a prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados e a relação de diferentes indicadores nutricionais com o tempo de internação e mortalidade, sendo encontrado que, pela Mini Avaliação Nutricional (MAN), 23,9% dos pacientes estavam desnutridos e 50% apresentaram risco de desnutrição. A análise de correlação com o tempo de internação apontou associação positiva com a MAN, concluindo alta prevalência de desnutrição entre pacientes hospitalizados e declínio da mortalidade conforme o aumento do escore da MAN. Anterior a MAN, a Avaliação Global Subjetiva(7) vem sendo amplamente utilizada na prática clínica e constitui-se uma abordagem que leva em conta a perda recente de peso, a quantidade e qualidade do consumo alimentar, as condições do trato digestório, as demandas metabólicas e as condições físicas e funcionais. Essa avaliação, por ser subjetiva, depende de experiente "olho clínico" e daí a necessidade de que seja realizada por profissionais treinados a partir de protocolos bem estabelecidos. o "Nutritional Risk Screening" (NRS, 2002), proposto por KONDRUP et al.(18), foi baseado no conceito de que a terapia nutricional deve ser indicada para pacientes com a ingestão diminuída de nutrientes e perda ponderal associada às demandas energéticas aumentadas pela condição clínica. Trata-se de instrumento mais específico à indicação da TNE e de mais fácil aplicação. Nesses instrumentos de avaliação subjetiva, o IMC é levado em consideração, mas deles leva em conta as concentrações séricas de albumina, um indicador bioquímico de fácil obtenção e frequentemente associado à desnutrição em condição de estresse(15).

Concluindo, o IMC obtido do peso e estatura estimados a partir de equações de predição, foi indicador específico do estado nutricional, porém pouco sensível, enquanto a albumina mostrou-se mais sensível e pouco específica, o que reafirma a necessidade da combinação de vários indicadores para obtenção de adequado diagnóstico nutricional.


Download text