Trauma do pâncreas: fatores preditivos de morbidade e mortalidade relacionados
a índices de trauma
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Trauma do pâncreas: fatores preditivos de morbidade e mortalidade relacionados
a índices de trauma
Trauma of pancreas: predictor's factors of morbidity and mortality related to
trauma index
Henrique José Virgili Silveira; Mario Mantovani; Gustavo Pereira Fraga
Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia do Trauma, Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), Campinas, SP
Correspondência
INTRODUÇÃO
As principais causas de morte entre indivíduos com idade até 35 anos são
externas, resultantes do aumento contínuo da violência. O abdome é
frequentemente acometido tanto por lesões penetrantes quanto por traumas
fechados(14, 22, 23). O pâncreas é um órgão de localização retroperitonial, na
porção central do andar superior do abdome, medindo de 15 a 20 cm de
comprimento e com massa de 80 a 90 g. Devido a sua proximidade com outras
estruturas, tais como aorta, veia cava, veia porta, vasos mesentéricos,
estômago, cólon e sua íntima relação com o duodeno, lesões isoladas do pâncreas
são pouco frequentes, ocorrendo em apenas 2% dos traumatismos abdominais, sendo
decorrentes em dois terços das vezes de traumas penetrantes e em um terço de
traumas abdominais fechados. Em casos de trauma abdominal fechado, devido a sua
proximidade com a coluna vertebral, o pâncreas é lesado entre 3% e 12% das
vezes(17, 19, 21, 25, 26, 28,) .
Cerca de 75% das lesões pancreáticas são simples, constituindo-se apenas em
hematoma, lesão da cápsula ou lesão do parênquima, sem acometimento do ducto
pancreático principal(19).
A mortalidade das lesões pancreáticas, ao contrário de sua baixa incidência, é
elevada, atingindo acima de 50% dos casos onde há lesão complexa do órgão(19,
20, 24, 30). O óbito ocorre em até 75% das vezes nas primeiras 48 horas após o
trauma, decorrente de hemorragia. Infecção e falência de múltiplos órgãos são
responsáveis pelos demais casos de óbito(1, 3). Lesões associadas de pâncreas e
duodeno compreendem menos de 10% das lesões pancreáticas, porém estão
associadas a maior índice de complicações e mortalidade(19, 26). Devido à
íntima relação anatômica entre pâncreas e duodeno, o mesmo procedimento pode
ser utilizado para tratamento de ambas as lesões, bem como para minimizar as
complicações pós-operatórias(15, 18).
Para se avaliar a gravidade de um trauma, foram desenvolvidos diversos índices,
de modo a mensurar a gravidade anatômica das lesões, bem como sua repercussão
sistêmica no indivíduo traumatizado(11).
O escore de trauma revisado ("Revised Trauma Score" ou RTS), utiliza para seu
cálculo a escala de coma de Glasgow (ECG), a pressão arterial sistólica (PAS) e
a frequência respiratória (FR), com cada parâmetro recebendo valor de 0 a 4
aproximados, de acordo com a probabilidade de sobrevida em cada um deles. Cada
parâmetro recebeu peso diferente, compondo a fórmula: RTS = 0,9368 x ECG +
0,7326 x PAS + 0,2908 x FR. Os valores do RTS variam de 0 a 7,84 e devem ser
calculados à admissão do paciente no serviço médico(9, 10).
A escala de gravidade da lesão pancreática ("organ injury scale" ou OIS)
classifica as lesões anatômicas do órgão em graus, de forma a padronizar sua
descrição e permitir análise comparativa, conforme mostrado na Figura_1(23).
O índice de gravidade da lesão ("injury severity score" ou ISS) é utilizado
para quantificar a gravidade das lesões em pacientes politraumatizados. Este
índice divide o corpo humano em seis segmentos: cabeça e pescoço, face, tórax,
abdome e órgãos pélvicos, extremidades e ossos da pelve, e superfície externa.
Em cada segmento cada lesão recebe uma pontuação de 1 a 6, segundo os seguintes
critérios: 1, representa lesão menor, 2, lesão moderada, 3, lesão maior ou
grave, 4, lesão severa, 5, lesão crítica e 6, lesão fatal. Considera-se apenas
a lesão mais grave em cada segmento. A seguir, tomam-se os três segmentos que
apresentaram os maiores valores, excluindo-se os demais segmentos, eleva-se
cada um desses três valores ao quadrado e somam-se os três quadrados, obtendo o
valor do ISS. Os valores variam de 0 a 75, com a mortalidade sendo diretamente
proporcional ao aumento deste valor(4).
O índice de trauma abdominal ("abdominal trauma index" ou ATI) avalia trauma
abdominal penetrante e fechado. Cada órgão abdominal tem um fator de risco que
varia de 1 a 5 e, em cada órgão a lesão recebe pontos de acordo com sua
gravidade, também de 1 a 5. O escore de lesão de cada órgão é o produto do
fator de risco pela gravidade da lesão neste órgão e a soma dos escores de
todos os órgãos lesados representa o ATI. A vantagem deste índice é considerar
todas as lesões intra-abdominais, independente de sua gravidade, porém não
considera lesões em outros segmentos do corpo que também afetam a
morbimortalidade. Pacientes que apresentam ATI maior que 25 têm elevado risco
de desenvolver complicações e evoluir para óbito(6, 22) .
Utilizando os resultados obtidos no RTS e no ISS, a idade do paciente e o tipo
de trauma, penetrante ou fechado, pode-se calcular o TRISS que é um índice
misto, calculado a partir do ISS e do RTS, daí sua denominação. Esses valores
são aplicados a uma tabela, denominada TRISSCAN, utilizando os valores do ISS,
do RTS, a idade do paciente e o tipo de trauma (penetrante ou contuso) que,
então, determinará a probabilidade de sobrevida e sua significância(7) .
Apesar da baixa incidência do trauma de pâncreas, a dificuldade diagnóstica
associada a altas taxas de morbimortalidade evidencia a importância do
conhecimento do cirurgião a respeito das vicissitudes que envolvem pacientes
com lesão pancreática. Com isso, este estudo teve como objetivo a avaliação e
análise dos pacientes vítimas de trauma de pâncreas atendidos pela Disciplina
de Cirurgia do Trauma da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas,
SP, visando identificar as complicações gerais e as diretamente relacionadas ao
procedimento, bem como o índice de mortalidade, a fim de definir dentre as
variáveis estudadas os fatores preditivos de maior morbimortalidade
relacionados a esta lesão.
MÉTODO
Estudo coorte prospectivo de casos registrados em protocolo da Disciplina de
Cirurgia do Trauma do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) da UNICAMP. Os sujeitos da pesquisa foram os pacientes atendidos e
tratados, no período de 1994 a 2007 por lesão de pâncreas, excluindo os
pacientes com idade inferior a 14 anos, com lesão pancreática e operados em
outros serviços encaminhados posteriormente, ou pacientes com lesões
iatrogênicas. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da FCM-UNICAMP, conforme o parecer nº 627/2008.
Para cada um dos pacientes com lesão do pâncreas foi aplicado um protocolo, em
que constam as seguintes informações: idade, sexo, tipo de traumatismo, sinais
e sintomas na admissão, propedêutica complementar realizada, tempo entre trauma
e cirurgia, tempo entre admissão e cirurgia, localização da lesão, grau da
lesão, presença de sangramento na cavidade, contaminação da cavidade,
procedimento cirúrgico realizado, tipos e graus de lesões associadas, o RTS, o
ATI, o ISS e TRISS, as complicações (locais e sistêmicas), realização ou não de
relaparotomia ou outras cirurgias, dias de internação e a evolução do paciente
(alta ou óbito).
Os resultados foram analisados através do software Epi-Info versão 6.04. Foram
empregados o teste do qui ao quadrado ou teste exato de Fisher. O nível de
significância foi definido como P<0,05. O valor de corte dos índices referidos
anteriormente foi definido como aquele em que passou a haver significância
estatística entre os grupos, acima e abaixo deste valor.
As lesões pancreáticas foram classificadas conforme estabelecido pela
Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST), exposto na Figura_1. Para o
tratamento da lesão pancreática foram consideradas as seguintes condutas:
drenagem, sutura, pancreatectomia distal com ou sem esplenectomia, e
gastroduodenopancreatectomia.
RESULTADOS
No período entre janeiro de 1994 e dezembro de 2007 foram realizadas 2.778
cirurgias em vítimas de trauma, considerando-se apenas casos novos, sendo
excluídas as reoperações, pela equipe da Disciplina de Cirurgia do Trauma da
UNICAMP, das quais, 2.109 foram laparotomias exploratórias. Deste total, 131
pacientes apresentavam trauma pancreático e foram tratados cirurgicamente. Os
doentes eram do sexo masculino em 120 casos (91,6%) e a sua idade variou entre
15 e 69 anos, com média de 29,8 anos.
Oitenta e seis foram vítimas de trauma penetrante (65,7%), em sua maioria por
projétil de arma de fogo (59 casos, 68,6%) e outros 27 (31,4%) vítimas de
ferimento por arma branca. Quarenta e cinco pacientes foram vítimas de trauma
abdominal fechado, sendo 20 por acidente automobilístico (44,4%), 9 por
atropelamento (20%), 5 por acidente com motocicleta (11,1%), 5 por espancamento
e 3 casos de trauma por animais (6,7%), 2 por quedas de altura (4,4%) e 1 por
acidente com bicicleta (2,2%).
No grupo de pacientes vítimas de trauma penetrante, 61 (70,9%) apresentaram
complicações pós-operatórias e 27 evoluíram para óbito (31,4%). Dentre os
pacientes vítimas de trauma abdominal contuso, 24 (53,3%) apresentaram
complicações pós-operatórias e 9 foram a óbito (20%). Comparando os dois grupos
entre si, não se observou diferença estatisticamente significante com relação à
mortalidade (P = 0,23), porém houve tendência a maior morbidade no grupo vítima
de trauma penetrante (P = 0,07).
Todos os pacientes vítimas de trauma penetrante foram submetidos a laparotomia.
Aqueles vítimas de trauma contuso foram submetidos a propedêutica complementar
com tomografia computadorizada realizada em 14 casos (51,9%), identificando
lesão pancreática em 11 casos (78,6%).
O intervalo entre o trauma e a cirurgia foi inferior a 6 horas em todos os
pacientes com lesão penetrante e em 47% dos casos de trauma contuso, conforme
mostrado na Tabela_1.
Cinquenta e um pacientes apresentaram lesão grau I (38,9%), 30 apresentaram
lesão grau II (22,9%), 36 lesão grau III (27,5%), 9 lesão grau IV (6,9%) e 5
lesão grau V(3,8%) (Figura_2).
Em 118 pacientes (90,1%) foram observadas lesões de outros órgãos associadas à
lesão pancreática. O órgão mais acometido foi o fígado, em 58 casos, seguido
pelo estômago em 54 e duodeno em 33. A lesão duodenal foi grau I em 1 caso,
grau II em 13, grau III em 8, grau IV em 7 e grau V em 4. Ocorreu lesão de
cólon e/ou reto em 34 pacientes e de delgado em 21. Lesão de grandes vasos
abdominais foi observada em 39 pacientes, sendo 12 de veia cava e 3 de aorta.
Todas as lesões associadas à lesão pancreática estão apresentadas na Figura_3
O período de internação variou de 3 a 68 dias, com média de 17 dias e mediana
de 12 dias, considerando-se apenas os pacientes que sobreviveram à cirurgia.
Quinze pacientes (11,5%) evoluíram a óbito nas primeiras horas após o
procedimento cirúrgico, não completando 1 dia de internação. Destes, seis foram
a óbito na sala de cirurgia, não sobrevivendo ao procedimento cirúrgico. Outros
sete (5,3%) pacientes foram a óbito nas primeiras 72 horas após a cirurgia.
A técnica cirúrgica mais utilizada foi apenas drenagem em 46 casos (35,1%),
seguida de pancreatectomia distal, que foi realizada em 39 pacientes (29,8%),
sendo 8 casos de pancreatectomia caudal e 31 de corpo-caudal. Foi realizada
preservação esplênica em 10 (25,6%) destes casos. Apenas sutura do pâncreas foi
realizada em 36 pacientes (27,5%). Quatro deles com lesão grau V foram
submetidos a gastroduodenopancreatectomia (3%). Esses procedimentos estão
apresentados na Figura_4. Todos os pacientes foram mantidos com drenagem a
vácuo após o procedimento. Seis (4,6%) foram a óbito durante o procedimento
cirúrgico, sem que este fosse concluído, devido a choque hemorrágico.
A morbidade global foi de 64,9%, envolvendo 85 pacientes e a mortalidade 27,5%,
com 36 pacientes evoluindo a óbito.
Complicações relacionadas diretamente à lesão pancreática foram observadas em
38 pacientes (29%), sendo a mais frequente fístula pancreática, encontrada em
23 casos (17,6%), sendo ainda encontrados 16 casos de pancreatite aguda
(12,2%), 7 abscessos intracavitários (5,3%) e 3 pacientes que apresentaram
ressangramento abdominal com origem no pâncreas (2,3%).
Complicações gerais não relacionadas à lesão pancreática ou ao procedimento
cirúrgico no pâncreas ocorreram em 82 pacientes (62,6%), com predomínio de
sangramento de outros sítios que não o pâncreas em 25 casos (19,1%),
complicações pulmonares em 19 casos (14,5%), sepse e falência de múltiplos
órgãos em 18 casos (13,7%). Foram ainda foram observados 10 pacientes com
fístulas do trato gastrointestinal (7,6%), 9 com insuficiência renal (6,9%), 7
com infecção de ferida operatória (5,3%), 7 com complicações neurológicas
secundárias a trauma craniencefálico (TCE) e 3 com infecção do trato urinário
(2,3%).
O índice de mortalidade foi de 27,5%, com 36 pacientes evoluindo a óbito. A
causa mais frequente deste foi choque hemorrágico, observada em 19 casos
(52,8%). Outros 13 pacientes foram a óbito em decorrência de sepse e falência
de múltiplos órgãos e sistemas e 4 devido a complicações neurológicas
secundárias a trauma craniencefálico.
Oito pacientes com lesão grau I (15,7%), 9 com lesão grau II (30%), 18 com
lesão grau III (50%), 2 com lesão grau IV (22,2%) e 3 com lesão grau V (60%)
apresentaram morbidade pós-operatória.
Nos pacientes com lesão grau I, houve 7 óbitos (13,7%), no grupo com lesão grau
II, 10 óbitos (33,3%), nos casos de lesão grau III também 10 óbitos (27,8%),
nos casos de lesão grau IV 6 óbitos (66,7%) e 3 nos casos de lesão grau V
(60%).
Comparando-se a incidência de morbidade e mortalidade por grau de lesão,
observou-se que as lesões grau I e II apresentaram menor morbidade e
mortalidade, quando comparadas com grau IV e V, com diferença estatisticamente
significante (P = 0,003).
Os valores de RTS variaram entre 0,29 e o máximo, valor considerado normal de
7,84, com média igual a 7,0. Este índice apresentou diferença estatisticamente
significante com todos os valores alterados, quando comparados ao grupo com
valor máximo (7,84), considerado normal. O valor de RTS foi normal em 87 casos
(66,4%) e destes, 46 (52,9%) apresentaram alguma complicação mórbida. Outros 44
casos (33,6%) apresentaram valor alterado para este índice, com 39 apresentando
complicações (88,6%). No grupo com valor de RTS normal, houve 9 óbitos (10,3%)
e no outro grupo 27 (61,4%). Houve diferença estatisticamente significante
quando comparados os grupos de valores normais e alterados de RTS, tanto para
morbidade quanto para mortalidade, com valores de P<0,0001 (Figura_5).
Observaram-se 34 pacientes (26%) admitidos no serviço com PAS inferior a 90 mm
Hg e outros 97 (74%) casos com PAS superior ou igual a 90 mm Hg.
No primeiro grupo de pacientes, considerados em choque, observaram-se 29
complicações pós-operatórias (85,3%) e no segundo grupo, 56 casos com
complicações pós-operatórias (57,7%). Houve diferença significante
estatisticamente entre os dois grupos (P = 0,007).
Com relação à mortalidade, houve 21 óbitos no grupo de pacientes com PAS
inferior a 90 mm Hg (61,8%) e 15 no grupo com PAS superior ou igual a 90 mm Hg
(15,4%). Comparando-se os dois grupos, foi encontrada diferença
estatisticamente significante entre eles (P<0,0001). A relação de morbidade e
mortalidade com a PAS no momento da admissão do paciente é mostrada na Tabela
2.
O ISS variou de 4 a 66, com média de 20,7, sendo que 95 casos (72,5%)
apresentaram valor inferior ou igual a 25. Dentre os pacientes com valor de ISS
menor ou igual a 25, 59 (92,1%) apresentaram complicações, com 19 indo a óbito
(20%). No grupo de pacientes com valor acima de 25, observaram-se 26 pacientes
com complicações pós-operatórias (72,2%) e 17 óbitos (47,2%). Não houve
diferença significante entre os dois grupos com relação à morbidade (P = 0,77),
porém com relação à mortalidade foi observada diferença estatística
significante (P = 0,003) (Figura_6).
Realizando a mesma comparação com valores de ISS inferiores ou iguais a 15 e
superiores a 15, encontraram-se 37 pacientes no primeiro grupo (28,2%) e 94
(71,8%) no segundo. Dos pacientes com valores de ISS superiores a 15, 68
(72,3%) apresentaram complicações e 35 foram a óbito (37,2%), enquanto que no
grupo de pacientes com valores de ISS iguais ou inferiores a 15 houve 17
complicações (45,9%) e apenas 1 óbito (2,7%). Houve significância estatística
quando comparados os grupos tanto com relação à morbidade (P = 0,008) quanto à
mortalidade (P<0,0001) (Figura_7).
O ATI variou de 5 a 70, com média de 30. Observaram-se 66 pacientes (50,4%) com
valor de ATI menor ou igual a 25 e outros 65 com valores superiores a 25
(49,6%). No grupo de pacientes com ATI inferior ou igual a 25 houve 32 casos
com complicações (48,5%) e 8 óbitos (12,1%). Dentre os pacientes com valores de
ATI superiores a 25 foram encontrados 53 pacientes com complicações pós-
operatórias (81,5%) e 28 óbitos (43,1%) (Figura_8).
Comparando-se os dois grupos com relação à morbidade e mortalidade, foi
encontrada diferença significativa entre eles nos dois casos (P<0,0001).
O TRISS variou de 0,04 a 0,99, com média de 0,88, encontrando-se superior a 0,5
em 118 casos (90,1%), sendo de 0,99 em 81 pacientes (61,8%). Apenas 13 (9,9%)
pacientes apresentavam valores de TRISS inferiores a 0,5 e neste grupo todos
evoluíram com complicações pós-operatórias e óbito.
No grupo de pacientes com valores de TRISS iguais ou superiores a 0,5, 72 (61%)
apresentaram complicações pós-operatórias e 23 evoluíram a óbito (19,5%)
(Figura_9).
Comparando-se os dois grupos observou-se diferença significante entre eles
tanto com relação à morbidade (P<0,003) quanto a mortalidade (P<0,0001).
Analisando-se separadamente o grupo submetido a pancreatectomia distal e
dividindo-o em dois subgrupos, um com os casos submetidos a esplenectomia e
outro com os casos em que houve preservação esplênica, encontrou-se que o grupo
em que foi realizada esplenectomia, constituído por 29 pacientes, apresentou
ATI média de 35,6, enquanto que no grupo com preservação esplênica, constituído
por 10 pacientes, o ATI médio foi de 20,3. O período médio de internação foi de
13 dias no grupo em que foi realizada esplenectomia e de 18 dias no grupo em
que o baço foi preservado. Neste último, a morbidade foi de 70%, com sete
pacientes apresentando complicações pós-operatórias, sendo cinco casos de
fístula pancreática e dois pacientes que evoluíram para pancreatite aguda pós-
operatória. No grupo em que foi realizada esplenectomia associada foram
observadas complicações em 22 pacientes, com índice de morbidade de 75,9%.
Treze pacientes apresentaram complicações diretamente relacionadas ao
procedimento, com nove casos de fístula pancreática e quatro de pancreatite.
A mortalidade dos doentes submetidos a pancreatectomia distal foi de 28,2%, com
11 pacientes indo a óbito, sendo que 2 ocorreram no grupo onde houve
preservação esplênica e outros 9 no grupo em que foi realizada esplenectomia
associada. Portanto, a mortalidade no primeiro grupo foi de 20% e no segundo,
de 31%. Comparando-se os dois grupos com relação a morbidade e mortalidade, não
foi encontrada diferença estatisticamente significante entre eles (P = 0,69)
(Figura_10).
DISCUSSÃO
Lesões traumáticas do pâncreas apresentam evolução mais desfavorável quando
comparadas às lesões de outros órgãos. Isto ocorre porque, além das
complicações diretamente relacionadas à gravidade da lesão, como hemorragia e
evolução com formação de fístulas, ainda pode ocorrer quadro de pancreatite
aguda, com vasodilatação, choque e aumento do catabolismo, mesmo em lesões
menos extensas(27).
No presente estudo foi observado predomínio de pacientes com faixa etária na
terceira década de vida, coincidindo com dados da literatura(26), que indicam
diminuição da idade das vítimas de trauma abdominal.
Foi encontrado também predomínio do sexo masculino, não havendo relação do sexo
com a morbimortalidade.
O trauma penetrante foi encontrado em 64% dos casos, sendo o agente mais
frequente o ferimento por projétil de arma de fogo. Dentre os agentes de trauma
contuso, o predominante foi acidente automobilístico. Algumas casuísticas
corroboram o predomínio dos traumas penetrantes em jovens e do sexo masculino,
com até 94% dos mesmos apresentando este perfil(2, 21).
Nos estudos referidos anteriormente houve maior gravidade nos casos de trauma
penetrante quando comparados aos casos de trauma fechado. Nesta casuística,
embora não tenha sido encontrada diferença significante estatisticamente em
relação a estes dois grupos, observou-se tendência a maior morbidade nos
pacientes vítimas de traumas penetrantes.
Na presente série, 17 pacientes com lesões menos graves do pâncreas, graus I e
II, apresentaram complicações pós-operatórias, com índice de morbidade de 21%.
Neste mesmo grupo ocorreram 17 óbitos, com índice de mortalidade de 21%.
Analisando os pacientes com lesão pancreática mais grave, graus IV e V, foram
encontrados cinco com complicações pós-operatórias (35,8%) e nove óbitos
(64,3%). Este grupo de pacientes também apresentou valores maiores de ATI, ISS
e TRISS, e valores baixos de RTS, corroborando a utilização destes índices como
fatores preditivos de mortalidade.
O ATI avaliou a gravidade da lesão pancreática e das de outros órgãos
abdominais. Observou-se que valores maiores ou iguais a 25 para este índice
indicavam maior probabilidade de óbito, havendo diferença estatística
significante, sendo o mesmo observado com relação ao aparecimento de
complicações pós-operatórias.
Por se tratar de índice anatômico, avaliando a gravidade da lesão pancreática e
de outros órgãos abdominais, mesmo em casos de lesão pancreática menos extensa,
com valores menores de ATI, pode haver complicações decorrentes do quadro de
pancreatite. Estudo recente com 75 pacientes vítimas de lesão traumática do
pâncreas identificou como fator preditivo de morbidade, a acidose metabólica e
como fator preditivo de mortalidade, a instabilidade hemodinâmica e choque
hemorrágico, porém não foram analisados os índices de trauma(16).
Isto posto, pode-se concluir que o ATI é um índice adequado para indicar
probabilidade de mortalidade e sobrevida, bem como de morbidade nos casos de
traumatismos pancreáticos.
Além das lesões dos órgãos abdominais, o ISS avalia também os outros segmentos
corpóreos. Com relação a este índice observam-se resultados e valores de corte
semelhantes aos encontrados no ATI. Pacientes com valores de ISS superiores a
25 apresentam maior probabilidade de óbito, havendo diferença estatística
significante entre estes dois grupos (P = 0,003). Com relação à morbidade, este
valor de corte não a mostrou (P = 0,77).
Alterando-se o valor de corte de ISS para 15, foi observada diferença
estatística significante tanto para morbidade (P = 0,008) quanto para
mortalidade (P<0,001). Esta diferença entre os valores de corte do ISS com
relação a complicações deve-se ao fato de, em casos de lesão abdominal isolada,
como casos de trauma penetrante por arma branca ou projétil de arma de fogo,
muitas vezes ser encontrado baixo valor de ISS, porém o paciente evolui com
complicações decorrentes da lesão pancreática ou lesões de outros órgãos
associadas. Estas complicações, entretanto, nem sempre são fatais, com o
paciente apresentando sobrevida.
Analisando-se os resultados do presente trabalho, pode-se concluir que o índice
anatômico multissegmentar, ISS, em casos de trauma do pâncreas é bom preditor
de mortalidade, não se mostrando muito adequado como fator preditivo de
morbidade, pois mesmo pacientes com valores baixos, devido à lesão abdominal
isolada, podem apresentar complicações.
O grupo de pacientes que apresentou RTS com valor abaixo do máximo, ou seja,
valor alterado de RTS, apresentou diferença significativa, quando comparado com
o grupo com RTS máximo (normal) tanto para morbidade quanto para mortalidade
(P<0,0001).
Sendo o RTS um índice fisiológico, mostrou-se bom como fator preditivo de
morbidade e mortalidade. Lesões pancreáticas levam à alteração do RTS devido à
queda da pressão arterial sistólica decorrente de hemorragia e choque, bem como
da vasodilatação. A frequência respiratória também se altera em casos mais
graves devido à hemorragia, como forma de otimizar a oxigenação e também para
compensar uma acidose metabólica, com eliminação de gás carbônico (alcalose
respiratória). Outros estudos também descreveram aumento da mortalidade em
vítimas de trauma abdominal com valores de RTS menores que o valor máximo(9,
11).
Considera-se que o RTS é um índice que pode ser considerado fator preditivo
tanto de morbidade quanto de mortalidade em casos de traumatismo pancreático.
Na presente série, observou-se que o grupo de pacientes com valores de TRISS
menores ou iguais a 0,5 apresentou maior probabilidade de óbito, quando
comparado ao de pacientes com valores de TRISS acima de 0,5, havendo diferença
estatística significante (P<0,0001). A evolução com complicações também
apresentou relação com os valores do TRISS. Todos os pacientes com TRISS
inferior ou igual a 0,5 evoluíram com complicações e óbito. Este índice foi
criado para avaliar probabilidade de sobrevida em pacientes vítimas de trauma
e, na presente casuística, foram encontrados 61,8% dos doentes (81 casos) com
valor máximo de TRISS, porém a mortalidade observada neste grupo foi maior que
a esperada quando comparada ao estudo que definiu este índice(7). Este fato se
deve a que doentes jovens, com valores baixos de ISS e RTS alterado, mas com
valor alto, próximo de 7 apresentaram valores altos de TRISS, porém evoluíram
com complicações e óbito. Pode-se concluir que valores baixo de TRISS são
preditores de má evolução em casos de trauma de pâncreas, com complicações pós-
operatórias e óbito porém, valores elevados de TRISS não são suficientes para
excluir má evolução, podendo o paciente evoluir com complicações e óbito.
Lesões de outros órgãos abdominais associadas ocorreram em 118 pacientes,
havendo 39 casos de lesão de grandes vasos abdominais, dos quais 12 de veia
cava inferior e 3 de aorta. Estes pacientes apresentavam-se instáveis
hemodinamicamente e seis deles foram a óbito durante a cirurgia.
Todos os pacientes vítimas de trauma penetrante foram submetidos a cirurgia
precocemente, porém 26, vítimas de trauma contuso, aguardaram mais de 6 horas
para a mesma, sendo que em 9 casos ela foi realizada após 12 horas e em 2 casos
após 24 horas do trauma. Estes dois pacientes com diagnóstico tardio da lesão,
acima de 24 horas após o trauma, apresentavam quadro de pancreatite aguda, com
peritonite e formação de abscesso intracavitário no momento da cirurgia e mesmo
com valores elevados de TRISS e ISS evoluíram a óbito. Nestes dois casos, o
valor de RTS era alterado e de ATI elevado. Estudos com vítimas de trauma de
pâncreas contuso e diagnóstico tardio mostram aumento da morbidade devido à
contaminação da cavidade peritonial e formação de abscesso intracavitário(1, 2,
3).
A escolha do procedimento cirúrgico a ser realizado baseou-se no grau e
características da lesão pancreática. O grupo de pacientes com lesão grau I
submetidos apenas a drenagem apresentou oito casos que evoluíram com
complicações pós-operatórias (15,7%) e sete que foram a óbito (13,7%). Nove
pacientes com lesão grau II apresentaram complicações (30%) pós-operatórias e
10 doentes (33,3%) deste grupo evoluíram a óbito, 1 deles durante a cirurgia,
decorrente de choque hipovolêmico.
Os pacientes com lesão pancreática distal foram submetidos a pancreatectomia
distal com ou sem esplenectomia associada. A mortalidade neste grupo foi de
28,2%, sendo 31% no grupo em que foi realizada esplenectomia e 20% no grupo
onde o baço foi preservado. A morbidade nestes dois grupos foi de 75,9% nos
casos em que foi realizada esplenectomia e 70% nos casos em que houve
preservação esplênica. Não houve diferença significante entre estes dois grupos
com relação à mortalidade ou à morbidade. Era esperado que os pacientes com
lesão pancreática distal não envolvendo o baço e que foram submetidos a
pancreatectomia distal com preservação esplênica, apresentassem menores índices
de complicações e óbito, uma vez que se apresentavam hemodinamicamente estáveis
e com melhores valores de índices de trauma como ISS e ATI, à admissão. O RTS
neste grupo era normal. A média do ATI foi de 20,3, enquanto que no grupo
submetido a esplenectomia havia doentes hemodinamicamente instáveis, com
valores de RTS alterados e com média do ATI neste grupo de 35,6. YADAV et al.
(29), em estudo que enfatizou a necessidade de se preservar o baço, relata seis
pacientes vítimas de lesão pancreática distal traumática submetidos a
pancreatectomia distal com preservação esplênica, com um óbito de vítima de
choque hemorrágico. O tempo de cirurgia nesta série esteve entre 4 horas e meia
e 5 horas. Na presente casuística, todas as complicações observadas no grupo de
pacientes submetidos a pancreatectomia distal com preservação esplênica, foram
relacionadas ao procedimento, com cinco casos de fístula pancreática (50%) e
dois de pancreatite aguda (20%). Atribuiu-se o fato de a morbidade e a
mortalidade ser a mesma nestes dois grupos a maior tempo cirúrgico, manipulação
excessiva do pâncreas e sangramento devido à preservação esplênica. Este
procedimento, com preservação esplênica em casos de lesão traumática do
pâncreas distal, é controverso, pois pode aumentar o tempo cirúrgico, provocar
sangramento e com isso aumentar morbidade e mortalidade. Para a realização
deste procedimento é necessário que o cirurgião tenha experiência em trauma, de
modo a minimizar estas complicações(2, 5).
Pacientes submetidos a procedimentos mais complexos, como
gastroduodenopancreatectomias, apresentaram maior morbidade e maior mortalidade
quando comparados a pacientes submetidos apenas a pancreatectomia distal ou
procedimentos de sutura, desbridamento e drenagem, de acordo com outros autores
que também relatam maior morbidade e mortalidade em procedimentos complexos(13,
18, 19, 20). Pode-se atribuir a isso o fato de que pacientes submetidos a
cirurgias mais complexas apresentarem lesão pancreática mais grave e também
associação com lesão duodenal, exigindo correção de ambas. Um grupo de
pacientes submetidos apenas a drenagem ou sutura da lesão pancreática
apresentou evolução desfavorável com complicações e óbito. Deve-se observar
que, conforme já descrito, estes pacientes apresentavam piores valores de RTS,
ISS e TRISS. Assim, conclui-se que o procedimento cirúrgico realizado, se
analisado isoladamente, não é um bom fator preditivo de mortalidade, devendo
ser analisado conjuntamente aos índices de trauma.
As complicações pós-operatórias relacionadas diretamente à lesão pancreática e
tipo de cirurgia realizada, ocorreram em 38 pacientes e incluíram fístula
pancreática, pancreatite aguda, formação de abscesso intracavitário e
ressangramento do sítio pancreático, com índice de morbidade de 29%. Estudos
referem até 45% de complicações pós-operatórias diretamente relacionadas à
lesão pancreática, tais como fístula pancreática, formação de pseudocistos e
necrose tecidual com infecção(1, 8, 16). Em estudo com 193 pacientes vítimas de
trauma pancreático, KAO et al.(20) apresentam maiores índices de complicações
relacionadas à lesão em pacientes submetidos a pancreatectomia distal, com
lesão grau III do pâncreas, predominando as fístulas pancreáticas. Nesse mesmo
trabalho, o ISS, único índice analisado, não apresenta relação com morbidade ou
mortalidade, porém 135 doentes apresentavam lesão grau I ou II.
A causa de óbito mais frequente foi choque hemorrágico, decorrente da lesão
pancreática e de lesões associadas, e falência de múltiplos órgãos e sistemas,
secundária a quadro de reação inflamatória sistêmica, com má perfusão tecidual,
insuficiência renal, edema de alças intestinais e dificuldade de troca gasosa
pulmonar(3, 20). Este quadro clínico, composto pelos fatores descritos
anteriormente, corresponde a quadro de pancreatite aguda grave, de etiologia
traumática, já descrito para casos de etiologia não-traumática(12).
Coincidentemente com o observado por outros autores(8, 30), complicações
diretamente relacionadas à lesão pancreática como sangramento, foi a principal
causa de óbito e a principal complicação relacionada à lesão pancreática e à
cirurgia, foi formação de fístula pancreática. Observou-se também parcela
significativa de óbitos em decorrência de sepse e falência de múltiplos órgãos
e sistemas. Pode-se atribuir isso ao fato de que na lesão pancreática,
diferentemente da de outros órgãos, ocorre a liberação de diversas enzimas,
peptídios e outros mediadores de vasodilatação e resposta inflamatória, de
forma que lesões teciduais pancreáticas acarretam reações sistêmicas de difícil
controle, mesmo com a correção cirúrgica da lesão e dos fatores locais(24, 25).
Desta forma, menor manipulação e ressecção pancreática associada à hemostasia
adequada permite minimizar as complicações e melhorar a sobrevida.
Uma vez conhecidos os fatores preditivos de morbidade e mortalidade no trauma
pancreático, bem como as particularidades deste tipo de lesão, o cirurgião pode
avaliar a probabilidade de o paciente evoluir com complicações pós-operatórias
e até mesmo para óbito e assim optar pelo procedimento cirúrgico mais adequado,
de modo a minimizar morbidade e mortalidade.
CONCLUSÃO
A análise dos resultados do presente estudo permite concluir que, no trauma do
pâncreas, a morbidade está relacionada a fatores como:
grau da lesão pancreática, sendo maior em lesões graus IV e V;
parâmetros fisiológicos como pressão arterial sistêmica e RTS,
sendo maior em casos de PAS inferior a 90 mm Hg e em casos onde o RTS
encontra-se alterado;
ATI, sendo maior quando o valor do ATI é superior a 25;
ISS, sendo maior quando o valor do ISS é superior a 15.
A mortalidade está relacionada diretamente com todos os índices de trauma
estudados, sendo de pior prognóstico quando:
a lesão pancreática apresenta graus IV ou V;
a pressão arterial sistêmica é inferior a 90 mm Hg;
o RTS apresenta valor alterado;
o valor do ISS é superior a 25;
o valor do ATI é superior a 25.
Valores de TRISS inferiores a 0,5 são preditivos de maior morbidade e
mortalidade, porém, valores elevados de TRISS não são preditores de boa
evolução.