Arqueologia e genealogia como opções metodológicas de pesquisa na enfermagem
REVISÃO/REVIEW/REVISÓN
Arqueologia e genealogia como opções metodológicas de pesquisa na enfermagem
1 Introdução
A pesquisa tem sido apresentada como uma conquista recente da enfermagem face
ao seu processo de evolução e afirmação como área de conhecimento. No cotidiano
de trabalho tem se dado a implantação de novos procedimentos teóricos e
técnicos, sejam eles registrados ou não, que desvelam a sua arte, os seus
saberes e as suas controvérsias, uma vez que a enfermagem, enquanto disciplina
profissional, vem incorporando ao seu corpo de conhecimento padrões que
extrapolam o empírico, incluindo os padrões estéticos, éticos, pessoais e
sócios políticos(1).
Sem o aprofundamento e/ ou revolução teórica a enfermagem corre dois riscos: o
da rotina, em que as soluções são sempre baseadas nos mesmos modelos e o da
dependência e subordinação a modelos teóricos vindos de outras áreas(2). Desta
forma, as teorias e os conhecimentos gerados a partir destas são fundamentais
para o estabelecimento de uma base científica que auxilie o planejamento e a
efetivação com qualidade da assistência de enfermagem.
A crescente produção científica da enfermagem nos níveis de graduação e pós-
graduação latu e stricto sensu refletem a preocupação da enfermagem em buscar
novos paradigmas que apontem soluções para os problemas da prática assistencial
em particular, as formas de cuidar e de se relacionar com o cliente, por meio
da implantação de modelos assistenciais fundamentados em valores filosóficos,
morais e éticos.
Nesse contexto de múltiplas possibilidades de abordagens metodológicas para a
análise dos problemas de saúde e de enfermagem, Foucault(3) nos convida a olhar
para o que se desenrola ao nosso redor, na tentativa de descobrir quais são os
problemas específicos e talvez originais que vêm construindo e sustentando o
nosso cotidiano e, quem sabe, a nossa própria existência. Pelos métodos
arqueológico e genealógico é possível buscar um novo olhar sobre a história,
não só descrevendo um determinado período histórico, mas se aproximando da
realidade pela análise e desconstrução do discurso e pela busca de
descontinuidades no percurso histórico.
2 Método Arqueológico
O método arqueológico foi descrito por Foucault em 1969, no livro Arqueologia
do Saber. O método teve como ponto de partida a história das idéias, a qual é
atribuída à tarefa de penetrar nas disciplinas existentes, tratá-las e
reinterpretá-las - é a disciplina dos começos e dos fins, da descrição das
continuidades obscuras e dos retornos, da reconstituição dos desenvolvimentos
na forma linear da história.
A descrição arqueológica, por sua vez, abandona os postulados e procedimentos
da história das idéias na tentativa de fazer uma história inteiramente
diferente daquilo que os homens disseram. Procura estabelecer a constituição
dos saberes privilegiando as interrelações discursivas e sua articulação com as
instituições, na tentativa de responder a comoos saberes apareciam e se
transformavam.
Nesta mesma obra são apresentadas quatro diferenças básicas entre a análise
arqueológica e a história das idéias, com o propósito de demarcar as
transformações(3):
- A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as
imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos;
mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem regras. Não trata o
discurso como documento; dirige-se ao discurso em seu volume próprio, na
qualidade de monumento.
- A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e insensível que
liga os discursos ao que os precede, envolve ou segue. Preocupa-se em definir
os discursos em sua especificidade; mostrar em que sentido o jogo das regras
que utilizam é irredutível a qualquer outro. Não vai a progressão lenta, do
campo de opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da
ciência; não é uma doxologia, mas uma análise diferencial das modalidades do
discurso.
- A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra, não busca
compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer
reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no
outro. Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras
individuais, às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes
escape.
- A arqueologia não procura reconstituir o que pode ser pensado, desejado,
visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que
proferiram o discurso. Não se propõe a identificar onde o autor e a obra trocam
suas identidades, ou seja, não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em
sua própria identidade, não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a
descrição sistemática de um discurso-objeto.
A arqueologia pode ser definida como uma reescrita daquilo que já foi escrito,
é a descrição sistemática de um discurso-objeto. O arqueólogo não reivindica a
constituição do fenômeno que ele está estudando através de sua atividade
significante interessada. Ele tem, antes, que compartilhar do contexto
cotidiano do discurso por ele estudado a fim de participar de sua disciplina.
Deve estar ao mesmo tempo dentro e fora dos discursos que ele analisa,
compartilhando da falta de significado enquanto em suspenso, esta é a condição
inelutável do arqueólogo(4).
As práticas discursivas, analisadas pela arqueologia, são motivadas pela
convicção do locutor de que enunciam verdades sérias sobre o homem e a
sociedade, ajudando a explicar os pensamentos implícitos daqueles que possuem
tais verdades. A análise, contudo, substitui esta convicção ingênua por um
conjunto de regras escritas sem significado com sua condição de ocorrência.
Sendo assim, o discurso arqueológico abandona a busca de uma origem, não há
origem escondida na história ou fora dela, de modo que a tentativa hermenêutica
de encontrar um fundamento anterior, por trás ou além da história, enquanto se
situa na história, pode ser rejeitada como mais um imperativo humanístico
inacabável. Entretanto, o arqueólogo aspira contribuir para uma teoria geral.
Sua tarefa é descrever, em termos teóricos, as regras que regem as práticas
discursivas, colocando a verdade e a seriedade entre parênteses. Dessa forma,
ele opera num nível que é livre das influências das teorias e das práticas que
estuda(4).
3 Método Genealógico
O método genealógico pode ser entendido como a análise do porquê dos saberes,
que pretende explicar sua existência e suas transformações situando-o como peça
de relações de poder ou incluindo-o em um dispositivo político(5).
A genealogia se opõe ao método histórico tradicional; seu objetivo é assinalar
a singularidade dos acontecimentos, fora de toda finalidade monótona. A
história genealógica trabalha com a descontinuidade, desfaz os pontos fixos,
quebra as identidades e introduz o corpo na História. Ela é meticulosa e exige,
portanto, a minúcia do saber, evitando a todo custo o que está acima da
história, suas significações ideais. Exige paciência, pois "atrás das coisas há
algo inteiramente diferente: não seu segredo essencial e sem data, mas o
segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por
peça a partir de figuras que lhe eram estranhas"(6:18).
Foucault simplesmente não fez apologia à descontinuidade, mas se propôs a
discutir a seguinte questão: como é possível que se tenha em certos momentos e
em certas ordens de saber, mudanças bruscas, evoluções, transformações que não
correspondem à imagem tranqüila e contínua como normalmente se faz? Ele não se
preocupou com o tempo ou a amplitude dessas transformações, mas sim com a
modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como
cientificamente verdadeiros. Em suma se preocupou com o problema de política do
enunciado científico.
Nesse sentido, não se trata de saber qual é o poder que age do exterior sobre a
ciência, mas que efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos;
qual é seu regime interior de poder; como e por que em certos momentos ele se
modifica de forma global(4).
A concepção de poder dita tradicional é representada pela figura do rei - poder
que emana de uma fonte que o detém, uma autoridade ou instituição que não
apenas o possui, mas determina sua natureza, seus limites e seu modo de
funcionamento. Essa forma de pensar o exercício do poder nos conduz a coisas
que são possuídas por uns e despossuídas por outros, ou seja, uma relação
assimétrica entre o rei e seus súditos.
O poder régio, que exemplifica o poder centralizado, possuía duas funções: 1)
mostrar em que armadura jurídica o poder real se investia, como o monarca era
efetivamente o corpo vivo da soberania, como seu poder, mesmo absoluto, era
adequado a um direito fundamental 2) uma cartilha de conduta do rei que
limitava o poder do soberano por meio das regras de direito a que deveria
submeter-se, apontava-lhe limites e formas de exercer seu poder para conservar
sua legitimidade. Esse sistema de direito faz com que apareça, no lugar da
soberania e da obediência de seus súditos, o problema da dominação e sujeição
dos indivíduos (função de punição, repressão, aspecto negativo do poder).
Foucault, entretanto, propõe uma nova forma de olhar o poder, ele insurge com a
idéia de que o Estado não seria o órgão central e único de poder, mas procura
estudá-lo de forma ascendente, não como uma dominação global e centralizada que
se pluraliza, se difunde e repercute nos outros setores da vida social de modo
homogêneo, mas como tendo existência própria e formas mais superficiais. O
poder"é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos
piramidalizado, mais ou menos coordenado" (7:248).
Em Foucault o poder não é algo unitário e global, uma coisa; é uma prática
social construída historicamente, não estando localizado em nenhum ponto
específico da estrutura social. Funciona como uma rede de dispositivos ou
mecanismos que a nada escapam por não existir limites ou fronteiras, o poder é
algo que se exerce, funciona e se efetua nas relações.
Esse caráter relacional do poder implica em lutas contra seu exercício
(resistências), o que o torna forte, produtivo e transformador(5). Nessa nova
concepção de poder, o saber aparece como condição imprescindívelpara o seu
exercício, pois "não há relação de poder sem constituição de um campo de saber,
como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder"(5:
XXI).
O movimento que aparece atrelado às relações de poder é o da liberdade, uma vez
que o poder só se exerce entre sujeitos livres, entendendo-se por isso como um
campo de possibilidades onde diversas condutas, reações e formas de
comportamento/ ações podem se desenvolver, ou seja, existe uma subjetividade
dos sujeitos envolvidos nessa relação, uma responsabilidade pela manutenção ou
resistência ao poder.
Com essa nova concepção de poder Foucault vai buscar em seus estudos não mais
descobrir qual é o tipo de poder que age do exterior para a ciência, mas que
efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos; qual é o seu regime
interior de poder (política de verdade, não no sentido de saber qual a verdade,
mas o que funciona como verdade na prática ou nas relações de poder e que tipo
de relação de poder existe para fazer com que aquilo funcione como verdade);
como e por que em certos momentos ele se modifica de forma global. É nessa
análise do porquê dos saberes, que pretende explicar sua existência e
transformações situando-o como peça de relações de poder ou incluindo-o em um
dispositivo político - análise genealógica.
A análise genealógica do poder produziu um importante deslocamento com relação
à ciência política, que limitava ao Estado a forma fundamental de investigação
sobre o poder. A esse deslocamento do espaço de análise quanto ao nível em que
esta se efetua (do macro - Estado para micro, de dentro às extremidades)
Foucault chamou de microfísica do poder. A investigação do poder em suas
extremidades se realiza a partir de suas formas locais, por meio de um controle
minucioso do corpo - gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos.
Com um novo olhar sobre as relações de poder Foucault procurou outra forma de
análise que tentava contrapor a análise jurídica ou mesmo desviar-se dela ao
propor as seguintes precauções metodológicas(8:182-6).
Não se trata de analisar as formas regulamentares e legítimas do poder em seu
centro, no que passam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes, mas
sim, de captar o poder em suas extremidades/capilaridades; captar o poder nas
suas formas e instituições mais regionais e locais, ultrapassando as regras de
direito que o organizam e delimitam para penetrar nas instituições onde as
técnicas e instrumentos de intervenção se corporificam.
Não analisar o poder no plano da intenção ou decisão, mas, estudá-lo na sua
forma externa, onde ele se relaciona com seu campo de aplicação, se implanta e
produz efeitos reais. Tentar saber como foram constituídos os súditos.
Não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um
indivíduo, grupo ou classe sobre a outra. O poder deve ser analisado como algo
que circula, que funciona e se exerce como rede, que se aplica a indivíduos e
como tal torna-se um efeito e o centro de transmissão do poder.
Não fazer uma dedução do poder partindo do centro para os seus prolongamentos
mais baixos. Deve-se antes fazer uma análise ascendente do poder, ou seja,
analisar a maneira como os fenômenos, as técnicas e os procedimentos do poder
atuam nos níveis mais baixos; como se deslocam, se expandem, se modificam; mas,
sobretudo como são investidos e anexados por fenômenos mais globais.
Os poderes foram acompanhados de produção de saberes: métodos de observação,
registros, procedimentos de inquérito e de pesquisa, aparelhos de verificação.
Isto significa que o poder para organizar-se é obrigado a formar e por em
circulação um saber, que na perspectiva de Foucault não são construções
ideológicas.
Nessa perspectiva a genealogia evita a profundidade, busca a superfície dos
acontecimentos, os mínimos detalhes, as menores mudanças e os contornos sutis.
O genealogista estuda o surgimento de um campo de batalha que define e
esclarece um espaço, escreve a história efetiva, aceita o fato de que não somos
nada além da nossa história, tem o cuidado de escutar a história em vez de
acreditar na metafísica.
O método genealógico foucaultiano é interpretativo, mas não hermenêutico. A
compreensão interpretativa só pode advir de alguém que compartilha do
envolvimento do ator, mas dele se afasta. Antes de construir uma teoria geral
da produção, ao contrário, ele nos oferece uma analítica interpretativa de
nosso cotidiano.
A genealogia foucaultiana se caracteriza por atribuir ao saber-poder uma função
positiva, indo de encontro ao mito platônico de que o acesso ao conhecimento
verdadeiro nada deve à benevolência dos governantes. Foi esse mito que no
entender de Foucault começou a mostrar que por trás de todo saber, de todo
conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder.
Com a dimensão genealógica Foucault problematiza a loucura e a doença a partir
das práticas sociais e médicas, definindo um certo perfil de normalização;
problematiza a vida, a linguagem, o crime e o comportamento criminoso a partir
de certas práticas punitivas que obedecem a um modelo disciplinar.
A grande contribuição do trabalho de Foucault foi sem dúvida nos instigar a
desvelar e compreender como determinadas verdades são instituídas em diversos
campos de saber, não só da história, medicina, política e economia, e como
estas verdades cristalizadas nos ofuscam e até mesmo nos impedem de olhar o
nosso cotidiano e de produzir novos questionamentos.
4 Qual a perspectiva de um trabalho com este olhar para a saúde e a enfermagem?
Os estudos foucaultianos abrem uma perspectiva de análise profícua na saúde e
na enfermagem, na medida em que sua base teórica nos permite uma apreciação das
relações de poder operantes nos serviços e ações de saúde institucionalizadas.
O Renascimento constitui-se um momento de ruptura importante para a explicação
dos fenômenos que acontecem com a natureza, o homem e o cuidado com a saúde.
Essa ruptura é descrita a partir de dois eixos importantes que são o nascimento
da clínica e do hospital(9).
A clínica se caracteriza como especialidade do saber ao se tornar um campo
nosológico estruturado, quando a doença passa a ser encarada como ente,
organizando verdades já conhecidas e instruindo professores e alunos, ou seja,
servindo também como prova de um saber confirmado pelo tempo (evolução da
doença). Dessa organização de discurso a clínica passa a ocupar, nos últimos
anos do século XVIII, o espaço hospitalar.
Com a inserção da clínica no hospital, esta se transforma em pedagogia e seu
desenvolvimento passa a dar uma nova disposição aos objetos de saber - o olhar
do médico não somente constata, mas descobre, nomeia e classifica a doença.
Nesse contexto o hospital, considerado até então como "asilo de pobres" ou
local para "salvação das almas", passa a ser a grande escola que, financiada
pelos ricos, atende pobres e transforma seu sofrimento em saber útil aos ricos.
A transformação do hospital e sua reorganização se dão por meio de uma
tecnologia política - a disciplina. Com esse mecanismo o hospital passa a ser
local de registro, acúmulo e formação de saber onde indivíduo se constitui em
objeto de saber e alvo da intervenção médica durante o século XVIII.
Entretanto, no final desse mesmo século aparece uma nova tecnologia disciplinar
que se dirige não ao homem-corpo, mas ao homem ser vivo na medida em que se
forma uma massa global, afetada por processos próprios da vida como nascimento,
morte, produção e doença, ou seja, uma transposição da anatomia política do
corpo humano para uma biopolítica da espécie humana.
A biopolítica não se preocupa simplesmente com a fecundidade e morbidade de
forma individual, mas com as endemias, ou seja, com a forma, natureza,
extensão, duração e intensidade das doenças reinantes numa população, volta-se
também para um conjunto de fenômenos que são universais ou acidentais, tais
como o problema da velhice, do indivíduo que cai para fora do campo de
capacidade, de atividade, bem como, os acidentes, as enfermidades, as anomalias
diversas, introduzindo não somente instituições de assistência mas mecanismos
sutis, racionais de seguros, de seguridade e poupança individual e coletiva(10:
290-1). No século XIX a preocupação com os seres humanos se dá na relação com o
meio geográfico, climático, hidrográfico, das epidemias ligadas à existência
dos pântanos, na medida em que não é um meio natural para se viver, com
reconhecidas repercussões na saúde da população.
Talvez possamos destacar que, ao demonstrar que as práticas estabelecidas em
saúde emergem de uma rede de relações de poder e interesses, Foucault nos dá a
possibilidade de repensar o que fazemos (muitas vezes de forma automática) e de
nos responsabilizarmos pelo acontecer histórico que construímos enquanto
sujeitos.
Na enfermagem, podemos identificar a partir do catálogo do Centro de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem - CEPEn(11) trabalhos que utilizam o referencial
foucaultiano para análise de seus objetos de estudo. Dentre eles destacam-se: -
a utilização de uma visão microfísica do poder na busca por apreender, da
prática diária dos enfermeiros no hospital, elementos que poderiam colaborar
para uma submissão das enfermeiras à figura do médico(12); - a utilização do
instrumental teórico foucaultiano para analisar a reforma Carlos Chagas na
sociedade brasileira dos anos 20(13); - a busca por clarificar como se dá o
processo de formação disciplinar das enfermeiras, descrevendo as técnicas/
táticas disciplinares presentes na formação discursiva deste processo(14); - a
discussão das relações de poder que se estabelecem entre os profissionais de
saúde e os diabéticos atendidos em um ambulatório especializado(15); - a
investigação sobre a construção da identidade da enfermeira no contexto
hospitalar a partir do significado da hierarquia, das relações de poder, das
questões de gênero e os limites que a organização hospitalar inscrevem na
subjetividade da enfermeira(16); - a busca por respostas a como se dá a
governabilidade na enfermagem, focalizando as fronteiras entre o cuidado de si,
como tecnologia do eu, próprio do pensamento grego e o poder pastoral(17); - a
problematização do cuidado de si como exercício estratégico do enfermeiro
enquanto trabalhador responsável pelo cuidado do outro(18); - a problematização
do controle social requerido pela Reforma Sanitária Brasileira a respeito da
construção de uma subjetividade medicalizada em saúde e demais instâncias
sociais sobre o indivíduo(19); - e a reconstrução da história da enfermagem num
hospital de Florianópolis, no período de 1953 a 1968, ao desvendar o tipo de
assistência aí prestada, as relações de poder que se estabeleceram e as
transformações que aí tiveram início(20).
Obviamente que tais indicações não esgotam a totalidade de estudos de
enfermeiras utilizando o referencial foucaultiano, mas apresentam ilustrações
exemplares sobre a produtividade de tal contribuição nesta área.
Assim, poderíamos problematizar outras situações vivenciadas no cotidiano da
enfermagem que se apresentam como possibilidades de investigação apropriadas ao
uso do referencial foucaultiano. Dentre tais temáticas pontuamos: a) as
relações entre sujeitos e como se constituem no interior de tais relações,
tanto no âmbito dos profissionais ou dos profissionais com a clientela; b)
Instituições e práticas a nível individual e coletivo (biopoder); c) história
de diferentes saberes e tecnologias na saúde; d) as conformações de diferentes
sujeitos em movimentos hegemônico e contra hegemônicos na constituição de
saberes e práticas (poder e resistência); e) as diferentes modalidades de
disciplinarização e normalização de saberes, inclusive as relações entre o
conhecimento popular e científico.
Como se pode observar o referencial foucaultiano aponta um novo olhar para os
diversos campos de atuação da enfermagem, seja no âmbito Institucional, das
Políticas Públicas, Reforma Sanitária e Formação Profissional, na tentativa de
entender que estratégias, lutas, saberes, e práticas têm influenciado na
construção dos sujeitos; pelo delineamento de técnicas que possibilitam a
ampliação dos espaços de autonomia do cliente e da enfermagem, na busca por um
agir ético, entendido como ação resultante da decisão e vontade autônomas,
reafirmando assim, a circularidade do poder que se estabelece nas relações
sociais.