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National varietyBr
Year2003
SourceScielo

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O ensino de enfermagem em tempos de mudança CURRÍCULOS DE ENFERMAGEM - HISTÓRIA

O ensino de enfermagem em tempos de mudança

The teaching of nursing in times of change

La enseñanza de enfermería en tiempos de cambio

Raimunda Medeiros Germano Professora do Departamento de Enfermagem da UFRN, E-mail:wgermano@digi.com.br

Falo de uma reforma que leve em conta nossa aptidão para organizar o conhecimento - ou seja, pensar. Edgar Morin(1).

O ensino de enfermagem no Brasil data dos anos 20, do século passado, precisamente 1923, quando se institui, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira Escola de Enfermeiros do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), anexa ao Hospital Geral de Assistência daquele departamento, hoje Escola Ana Néri. É importante ressaltar que, na ocasião, foi decisiva a contribuição de Carlos Chagas, diretor do referido Departamento, pois, recorreu à Fundação Rockefeller (EUA) e contou com sua colaboração, tendo recebido nove enfermeiras americanas que, além de fundarem a Escola, estruturaram o serviço de enfermagem de saúde pública naquela cidade. Vale lembrar que uma crise decorrente das epidemias e endemias ameaçava a população, bem como a economia brasileira, movida nas primeiras décadas do século XX pelo setor agrário-exportador cafeeiro, que, dessa forma, dependia do saneamento dos portos, para continuidade de suas transações comerciais.

Não temos o propósito de nos determos no ensino de enfermagem desse período, pois são muitos os trabalhos publicados sobre o tema; no entanto, faremos uma breve retrospectiva histórica, situando apenas as principais mudanças ocorridas nesse ensino, ao longo desses oitenta anos. Nosso esforço de análise se centrará, neste texto, sobretudo, nas duas últimas décadas (80/90), por sua significação nos rumos da enfermagem, na atualidade.

Assim sendo, de volta ao passado, devemos registrar que, em 1949, tivemos a primeira mudança no currículo de enfermagem, por força do decreto 27.426 de 14 de novembro de 1949. Essa reforma se inclui nos desdobramentos de lei 775 de 06 de agosto de 1949 do Governo Federal, que dispõe sobre o ensino de enfermagem no país e determina, outrossim, outras prerrogativas no que se refere ao nível de escolaridade dos candidatos para o ingresso no curso. Fica estabelecido, por exemplo, que, por um período de sete anos, as escolas poderiam continuar recebendo candidatos portadores de certificados de curso ginasial ou equivalente; esse prazo se prorroga mais uma vez, e somente em 1961, quando por força da lei 2.995/56 que o havia prorrogado por mais cinco anos, as escolas passaram a exigir, de seus candidatos, o curso secundário completo, o que equivale, hoje, a ter cursado o nível médio.

Ainda nessas primeiras décadas, alguns feitos foram e continuam sendo marcantes no ensino de enfermagem e, por isso mesmo, devem ser registrados. Assim, merece destaque a criação da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED), atual ABEN, no ano de 1926, por iniciativa das ex-alunas da primeira turma da Escola Ana Néri. A mesma entidade, ao participar, em 1929, do Congresso do Conselho Internacional de Enfermeiros em Montreal - Canadá, foi incentivada, pelos promotores do evento, a criar uma revista, pela importância que concediam a um veículo de comunicação para o desenvolvimento da profissão. Com esse propósito, o grupo brasileiro - Edith Magalhães Fraenkel, Zaíra Cintra Vidal e Rachel Haddock Lobo - envidou todo o esforço nessa função e, em maio de 1932, foi impresso nas oficinas gráficas do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, seu primeiro número, intitulado, Anais de Enfermagem. Por ocasião do VII Congresso Nacional de Enfermagem - como era denominado - realizado na cidade de São Paulo, em Assembléia Geral de 16 de agosto de 1954, foi proposto e votado por unanimidade na mudança do nome daquele periódico para Revista Brasileira de Enfermagem, mantendo até o momento presente a mesma denominação. A importância da ABEn e de sua revista na direção da enfermagem brasileira e de seu ensino é indiscutível e muitos estudos realizados confirmam essa afirmação(2-5).

Além da reforma curricular de 1949, outras reformas ocorreram no ensino de enfermagem, as quais comentaremos a seguir. Todavia, devemos ressaltar que, nos anos 40 e 50, o mundo hospitalar passa por um processo de transformação em suas práticas, em decorrência do desenvolvimento técnico-científico e da utilização de equipamentos modernos e sofisticados para a época. A inserção do modelo capitalista de produção, no setor saúde, se fez cada vez mais presente, passando a criar novas necessidades e exigências em relação aos trabalhadores da área da saúde. Na enfermagem, por exemplo, o ensino profissional de nível médio teve seu primeiro curso criado em 1936, na Escola Carlos Chagas, em Belo Horizonte, MG, passando os novos profissionais - auxiliares de enfermagem - a substituir os práticos de enfermagem e atendentes que predominavam nos hospitais. Os dois níveis de ensino entram em processo de expansão por todas as regiões do país e o setor hospitalar se destaca como aquele que mais emprega os egressos dos cursos.

A área preventiva, antes enfatizada, cede lugar a um modelo curativo que concentra nas clínicas e hospitais o maior número de profissionais. Por outro lado, sem maior resistência, o ensino de enfermagem adapta-se a nova ordem e a próxima reforma curricular, ocorrida em 1962, com a aprovação do parecer 271/ 62, do Conselho Federal de Educação, privilegia, sobremaneira,a área curativa.

Essa tendência se acentua e, dez anos depois, o Parecer 163/72 e a Resolução 4/72 apenas reafirmam essa orientação. O preâmbulo do referido Parecer conclama os enfermeiros a dominar, cada vez mais, as "técnicas avançadas em saúde", em razão da evolução científica. Não defendemos aqui o retrocesso da ciência, nem tampouco desconhecemos que o mercado aponta tendências que terminam por influir na formação dos profissionais mas, por outro lado, não registro de crítica a essa realidade. Como sabemos, até a saúde pública foi dispensada nesses currículos e, se ela não pode ser considerada uma panacéia, parece esdrúxulo desconsiderá-la, em um país cujos índices de morbi-mortalidade são muito elevados, presença de doenças infecto-contagiosas, carenciais, parasitárias, morte por causas externas, violência, entre outros problemas.

No transcorrer desse período, anos 70, registra-se um acentuado processo de privatização e especialização excessivas, em virtude da monopolização da economia, transformando os serviços de saúde, de certa maneira, em mercadorias que, pelo seu alto preço, passam a ser consumidas por aquela parcela da população de maior poder aquisitivo, no caso a minoria. Isso repercute nas práticas de saúde e na formação de seus profissionais.

A repressão política que se instala a partir de 1964, decorrente do golpe de Estado que implantou uma ditadura militar no país, conduzia o ensino para uma visão meramente tecnicista da saúde, dificultando a compreensão do processo saúde/doença como determinante social, além de concorrer para aumentar o descompasso entre o que se privilegiava nesse ensino e as necessidades de saúde da maioria da população brasileira. O modelo biologicista, individualista, voltado para o hospital, pontificava nesse contexto e o ensino se pautava em uma vertente muito autoritária, dificultando o debate dentro de uma visão crítica da realidade social do país e das políticas de saúde adotadas pelo governo brasileiro no período.

Porém, naturalmente, essa situação não se perpetua, pois, ainda na década de 70, o Plano Decenal de Saúde para as Américas (1972) e alguns eventos internacionais, como a IV Reunião especial de Ministros de Saúde das Américas - Washington (1977), a Conferência Internacional de Alma Ata - ex - URSS (1978), entre outras iniciativas, vêm reforçar a organização de alguns grupos de estudos e debates existentes, como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), criado em 1976, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), em 1979, além de outros fóruns que começam a despontar com vistas a contribuir, criticamente, com a discussão no campo da saúde, dando início aos primeiros debates em direção à Reforma Sanitária. E oportuno lembrar, apenas a título de exemplificação, que o slogan Saúde para todos no ano 2000, como meta universalista, ganha uma nova dimensão, pós-Alma Ata, em virtude da projeção dessa Conferência e de suas recomendações, particularmente na América Latina, onde, diante das precárias condições de vida e saúde de suas populações, agravava, a cada dia, a crise do setor saúde que vai se tornando impotente para responder à maioria de suas demandas, mesmo aquelas ditas de menor complexidade.

Face a essa realidade ocorre uma intensificação dos debates, em consonância com o processo de redemocratização do país, fortalecendo, assim, o Movimento da Reforma Sanitária, que, na década seguinte, 80, se fortalece com a adesão de novos atores sociais. Devemos reconhecer que esse Movimento, entre tantas idéias defendidas, ressaltava a importância da formação de recursos humanos como meta prioritária e imprescindível para se pensar e fazer saúde em uma outra perspectiva, diferente, portanto, do modelo elitista e discriminador que pontificava na área da saúde. Trata de imprimir uma nova compreensão ao processo saúde/doença, buscando entendê-lo em sua estreita relação com as condições de vida e trabalho da população. O novo contexto propicia o crescimento de uma produção teórica, na área da saúde, com a participação marcante de alguns cientistas sociais, que contribuíram para uma visão ampliada do conceito de saúde e das conseqüências deste no ensino e na direção da prática profissional.

Esse debate não foi assimilado, necessariamente, com a mesma intensidade, por todos os cursos da saúde, mas na enfermagem ele fez eco, pois se incorpora à pauta de uma discussão que vinha se processando nas escolas e entidades da categoria, em parte, motivada pelo Movimento Participação - MP 1 . Contudo, embora de forma tímida, a enfermagem dos anos 80 divergia, substancialmente, de outros momentos anteriores, quer na direção de sua produção intelectual, quer na organização de seus profissionais. A conjuntura política desse período, marcada pela abertura política do regime militar e agravada pela crise econômica que tornava extremamente vulnerável a estrutura de proteção social, aumentando os problemas existentes, favorece, por outro lado, o fortalecimento de forças oposicionistas, nas quais a enfermagem se incorpora, através das suas entidades representativas.

É importante salientar que, internamente, na segunda metade da década de 80,a enfermagem brasileira enfrenta um embate entre o grupo tido como conservador e o chamado grupo progressista. Este último, sob a égide do MP, ganha a direção da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), precisamente em 1987, e, de alguma forma, passa a integrar as lutas existentes em prol de uma maior democratização da saúde e da educação.

Não é demais relembrar, mais uma vez, a força que teve a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1986, como marco significativo na concepção do Sistema único de Saúde (SUS), proposto na Reforma Sanitária Brasileira. E uma de suas prerrogativas diz respeito, justamente, à importância que deve ser concedida à política de formação de recursos humanos para o setor.

A ABEn, reconhecida como a mais importante instância de sustentação na condução estratégica da formação e qualificação da força de trabalho em enfermagem, para a consolidação do SUS, propunha integrar os seus três níveis de ensino (médio, graduação e pós-graduação) com o mundo do trabalho(6).

Por isso mesmo, a ABEn, através de sua Comissão de Educação, abraça a causa do ensino e envida todos os esforços no sentido de mobilizar docentes, discentes, profissionais dos serviços, grandes e pequenas escolas, com vistas a consolidar a construção de um projeto educacional em curso. Para isso promove seminários nacionais, regionais, oficinas de trabalho, fóruns de debate, incentivando, de todas as formas, a participação de seus atores nesse processo de construção coletiva. Sobre esse aspecto diverge das experiência anteriores vivenciadas no ensino de enfermagem, quando as reformas se davam pelo alto, pelas instâncias hierárquicas da profissão.

Portanto, construir coletivamente um projeto político pedagógico constitui uma experiência nova e desafiadora para a enfermagem brasileira. Por essa razão, demandou um longo período de debates e embates na definição das bases teórico- filosóficas que lhe dão suporte, na dimensão metodológica a ser adotada, na própria resistência de grande parte dos atores envolvidos, enfim, na descoberta de estratégias para sua operacionalização, face às estruturas arcaicas de muitos cursos e universidades.

Não pretendemos aqui polemizar sobre as divergências que se fizeram presentes no transcorrer de todo esse período de discussão, para a construção de um projeto político pedagógico para a enfermagem. Preferimos afirmar que, apesar da existência de tendências diferentes nesse processo - uma mais técnica -, privilegiando a definição do perfil e competência do enfermeiro - outra mais política -, discutindo a enfermagem como prática social, defendendo uma proposta curricular pautada na problematização da realidade, mesmo assim, não são necessariamente excludentes. E, por outro lado, é preciso reconhecer que o processo de elaboração em si, mobilizando um enorme contingente de profissionais e estudantes envolvidos com a causa política da educação, contém ganhos que não se materializam de forma completa e definitiva, apenas com a definição de uma Portaria. Representam sempre mais e abrem perspectivas de experiências criativas para o ensino e para a prática profissional, resultante da troca de saberes e de riqueza das discussões.

Portanto, a proposta, ora vigente, foi aprovada conforme o Parecer 314/94 do CFE, homologado pela Portaria 1.721 no Ministério da Educação e do Desporto, em 15 de dezembro do mesmo ano.

Vale ressaltar que a ABEn manteve-se vigilante no acompanhamento de todo o processo, desde 1991, quando ocorreu sua formalização protocolar, junto ao referido Ministério, como forma de assegurar as conquistas nele contida. Isso não significa dizer que as mesmas tenham sido asseguradas, pois, entre as áreas temáticas, definidas para o curso de enfermagem, a área de ensino foi suprimida. A justificativa de que seria dos cursos ou faculdades de educação, embora possa parecer plausível, trouxe dificuldades à enfermagem, pela importância dessa competência pedagógica para a profissionalização dos trabalhadores de nível médio, principalmente nos dias atuais, com o Programa de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Saúde - Enfermagem (PROFAE).

Este Programa, para sua operacionalização, instituiu, em caráter emergencial, um curso de especialização para enfermeiros, na área pedagógica, na modalidade de "ensino a distância", pois são esses profissionais os instrutores nos cursos de profissionalização dos trabalhadores na área de enfermagem.

Essa referência à lacuna deixada pela subtração da área de ensino, entre as áreas temáticas do curso, diz respeito não somente à carência da formação pedagógica para a inserção do enfermeiro no processo de profissionalização, mas, igualmente, pela importância da dimensão educativa de seu trabalho, em qualquer que seja o campo de atuação.

De todo modo, apesar de algumas perdas na proposta definida pela Portaria Ministerial n. 1.721/94, citada, os ganhos são incomensuráveis. Em primeiro lugar, resultou de um amplo processo de discussão na formulação da proposta, envolvendo docentes, estudantes, enfermeiros e demais segmentos interessados no tema. E, nesse sentido, se distancia diametralmente das reformas curriculares anteriores. Em segundo lugar, o fato de ter sido construída coletivamente gerou uma expectativa e um compromisso entre seus atores, no sentido de acompanhar todos os desdobramentos de um projeto político pedagógico assim concebido. Isso implica, naturalmente, avaliá-lo em todas as suas dimensões.

Portanto, fazendo jus a esse propósito, tem sido destinado em todos os eventos da categoria, particularmente aqueles que têm a chancela da ABEn, um considerável espaço ao ensino, a fim de propiciar o debate, análise, avaliação e troca de experiências entre os interessados e responsáveis pela educação na área de enfermagem. E mais do que isso, pois, a partir de 1994 foram criados os Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil - SENADEns, um fórum para tratar esse fim específico. O primeiro destes aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1994; outros se sucederam, embora sem muita regularidade, por razões adversas. O último desses seminários, precisamente o sexto, foi realizado em Teresina/PI, em junho de 2002.

Torna-se importante assinalar que esses eventos têm representado o espaço por excelência para consolidação e, ao mesmo tempo, avaliação dos projetos político-pedagógicos dos cursos de enfermagem de todo o Brasil, em virtude de congregar um grande número de pessoas comprometidas com a educação. Outrossim, vem possibilitando a interlocução mantida com os fóruns de escolas, coordenadores de cursos, entidades, entre outros segmentos. Portanto, faz-se necessário reconhecer a importância desse momento para o crescimento intelectual e político da profissão, embora com isso não queiramos afirmar ser um processo tranqüilo, sem conflitos e contradições.

A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394/96, por exemplo, gerou novas polêmicas no interior da enfermagem, tanto é assim que o III SENADEn (1998) foi realizado com o fim precípuo de discutir as diretrizes para o ensino de enfermagem, no contexto da LDB. Todavia, a ABEn havia se antecipado na promoção do debate em torno das Diretrizes Curriculares porquanto o tema educação foi, desde a primeira hora, e continua sendo a principal bandeira da entidade, haja vista que naquela ocasião, 1998, os cursos de graduação trabalhavam no sentido de consolidar seus projetos político- pedagógicos.

Passado o calor da polêmica, a experiência vem demonstrando não existir uma incompatibilidade entre o que preconizava os princípios defendidos pela enfermagem brasileira, sob a coordenação da Associação Brasileira de Enfermagem e as Diretrizes Curriculares. No nosso entender, a construção de um projeto político-pedagógico, da forma como esta se processa, envolvendo tantos atores e tantas discussões, é muito maior que as referidas diretrizes. Naturalmente, estas não devem ser desconsideradas, mas nenhum projeto pedagógico deve ficar restrito a elas.

Um aspecto comum entre ambos, e de maior significação, diz respeito à flexibilização do currículo, e, nesse sentido, é preciso ousar propondo e construindo experiências acadêmicas criativas e inovadoras. As diretrizes, como o próprio nome sugere, representam apenas um norte; o fazer pedagógico tem uma dimensão maior e, portanto, asas para um vôo mais alto.

Mas, mesmo pensando as diretrizes, devemos reconhecer a existência de um marco estruturante importante na construção desse novo paradigma para a educação na área de saúde e na enfermagem em particular. Trata-se da relação educação/ trabalho, por elas preconizada, uma idéia, muito, perseguida por todos aqueles que acreditavam e acreditam na política do SUS e, por isso mesmo, lutam pela efetivação de seus princípios, pois, como sabemos, o SUS que temos ainda não é o que queremos e isso tem desdobramentos para o ensino. Basta lembrar a falta de resolutividade para muitos dos problemas de saúde identificados nos serviços e na comunidade. No entanto, algumas iniciativas devem ser registradas, particularmente, no que se refere à atenção básica à saúde, como a Estratégia de Saúde da Família, ainda denominado, por alguns, Programa de Saúde da Família (PSF).

Por outro lado, a institucionalização dessa parceria educação/trabalho, em uma referência aos serviços de saúde, termina por contribuir para sustentação dessas mesmas diretrizes. Um outro aspecto que merece referência diz respeito ao ensino por competência, comentários à parte, privilegia o pensar criticamente a realidade da saúde, com vistas a transformá-la. E assim sendo, ressalta a importância de uma proposta metodológica de ensino que trabalhe na perspectiva do paradigma ação-reflexão-ação.

Ao apontar essas dimensões, queremos enfatizar os ganhos decorrentes de todo esse esforço de discussão, na proposição de um projeto político pedagógico para a enfermagem brasileira, mais centrado na realidade social e, sobretudo, mais flexível. Essa flexibilidade deve ser enfatizada por possibilitar uma maior interlocução entre as áreas temáticas que compõem o corpo de conhecimento do curso, propiciando o diálogo entre os saberes, conforme sugerem os grandes pensadores de educação, como Paulo Freire, Edgar Morin, Humberto Maturana, entre outros. Além disso, representa um incentivo à criação de estratégias inovadoras, tanto no ensino de sala de aula, quanto nas atividades práticas.

É importante assinalar que a própria designação, grade curricular, anteriormente utilizada, nos remete à idéia de prisão, inflexibilidade, dureza, rigidez; incompatíveis, portanto, com o sentido conferido ao ato de educar.

Termina por contribuir para a formação de uma cultura pedagógica que se associa mais ao aprisionamento que a autonomia intelectual, a emancipação política.

Contudo, a constatação desse crescimento, reconhecido pela grande maioria dos atores envolvidos no processo educativo, não significa afirmar que ele transcorrerá e se desenvolverá sem dificuldades. É preciso lembrar que a estrutura universitária é por demais arcaica e tradicional e o ensino na área da saúde sempre se pautou por uma vertente muito conservadora. Essa afirmação não tem o intuito de provocar desestímulo, em qualquer que seja o ator desse processo, mas, antes, alertá-lo para a busca constante de estratégias que possam vencer barreiras institucionais, por vezes, engessadas e difíceis de serem transpostas. Além disso, em grande medida, essas barreiras povoam também nossas próprias cabeças, levando-nos ao imobilismo ou mesmo a uma atitude de rejeição diante da perspectiva de qualquer mudança.

Esse é um grande desafio, entre tantos outros que se interpõem quando fazemos a pergunta: O que queremos com a educação? Para que um novo projeto político pedagógico? No dizer de Maturana(7), temos que antes perguntar: Que país queremos? Isso implica em enfrentar, por exemplo, o dilema entre preparar o aluno para competir no mercado profissional e contribuir para mudar uma ordem político-cultural geradora de excessivas desigualdades, que trazem pobreza e sofrimento material e espiritual.

Na área da saúde, essas contradições, embora visíveis, não são devidamente consideradas; a própria fragmentação do saber, presente tanto no ensino como na prática profissional, termina por ocultar a realidade e fragmentar o próprio homem.

Por isso, é preciso sermos vigilantes, pois, a excelência técnica não deve ser divorciada da relevância social das ações de saúde e do próprio ensino. E ainda, conforme adverte Morin(7:82), ao referir-se a dupla função da Universidade: "adaptar-se à modernidade científica e integrá-la; responder às necessidades fundamentais de formação, mas também, e, sobretudo, fornecer um ensino metaprofissional, metatécnico, isto é, uma cultura".

Daí a importância de refletir sempre, de cultivar a construção de uma cultura ética, quer na saúde, quer na educação, ou em qualquer outra área. Com isso queremos enfatizar a força de um projeto político pedagógico que, como processo, se enriquece a cada nova discussão e cria estratégias de intervenção na realidade, na direção da mudança.


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